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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

FACULDADE DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E URBANISMO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE


COMPARATIVA DE CENÁRIOS NA PERSPECTIVA DA
SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Ivan Ferdinando Gergoletti

Santa Bárbara d´Oeste - SP


Fevereiro de 2008
II

UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA


FACULDADE DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE


COMPARATIVA DE CENÁRIOS NA PERSPECTIVA DA
SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Ivan Ferdinando Gergoletti

Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge Moraes Figueiredo

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Engenharia de Produção, da
Faculdade de Engenharia, Arquitetura e
Urbanismo, da Universidade Metodista de
Piracicaba - UNIMEP, como requisito para
obtenção do Título de Doutor em Engenharia de
Produção, na Área de Concentração em Gestão
Ambiental e Energética
Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge de Moraes
Figueiredo

Santa Bárbara d´Oeste - SP


Fevereiro de 2008
III

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DA UNIMEP


DO CAMPUS DE SANTA BÁRBARA D´OESTE

Gergoletti, Ivan Ferdinando.


G367p Produção de alimentos: uma análise comparativa de cenários na
perspectiva da sustentabilidade ambiental./Ivan Ferdinando Gergoletti.-
Santa Bárbara d´Oeste, SP:[s.n.],2008.

Orientador: Paulo Jorge Moraes Figueiredo.


Tese (Doutorado) – Universidade Metodista de Piracicaba, Faculdade
de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em
Engenharia de Produção, Área de Concentração em Gestão Ambiental e
Energética.

1. Produção de alimentos 2. Influências ambientais da produção de


alimentos 3. Perspectivas para a produção de alimentos. I. Figueiredo,
Paulo Jorge Moraes. II. Universidade Metodista de Piracicaba, Faculdade
de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em
Engenharia de Produção, Área de Concentração em Gestão Ambiental e
Energética. III. Título.
IV

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE


COMPARATIVA DE CENÁRIOS NA PERSPECTIVA DA
SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Ivan Ferdinando Gergoletti

Tese de Doutorado defendida e aprovada em 25 de fevereiro de


2008, pela Banca Examinadora constituída pelos Professores:

Prof. Dr. Paulo Jorge Moraes Figueiredo - UNIMEP


Presidente e Orientador

Prof. Dr. Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela - UNIMEP

Prof. Dr. Lorival Fante Junior - UNIMEP

Prof. Dr. Antonio Natal Gonçalves - ESALQ/USP

Prof. Dr. Júlio Cezar Martins de Oliveira - EEP


V

“O maior obstáculo à descoberta não é a


ignorância, mas, sim, a ilusão do
conhecimento.”

Boorstin

“Avanços no conhecimento podem levar a


significantes incertezas. ... a ignorância é feliz
porque é acompanhada por uma falta de
incertezas.”

Pielke
VI

A
Meus pais, José (in memoriam) e
Maria (in memoriam)
VII

AGRADECIMENTOS

Ao orientador e amigo, Paulo Jorge Moraes Figueiredo, semeador de idéias e


cultivador de sonhos;

À CAPES pela bolsa de doutorado;

Às funcionárias da biblioteca do Campus de Santa Bárbara, especialmente à


Suzete;

Às secretárias do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção,


em especial, à Clarissa;

Aos colegas, mestrandos, doutorandos e professores da UNIMEP pela


amizade e incentivo.
VIII

GERGOLETTI, Ivan Ferdinando. Produção de Alimentos: Uma Análise


Comparativa de Cenários na Perspectiva da Sustentabilidade Ambiental.
Tese de Doutorado em Engenharia de Produção - Faculdade de Engenharia,
Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP),
Santa Bárbara d’Oeste - SP, 2008.

RESUMO

O presente trabalho analisa de forma comparativa os cenários da produção


de alimentos propostos por organizações internacionais como a Food and
Agricultural Organization – FAO e de pesquisadores de referência no tema.
Destaca-se como motivação para este trabalho, o recorrente debate internacional
acerca do suprimento alimentar da população mundial, face às projeções oficiais,
que apontam sua estabilização entre 9 e 10 bilhões de indivíduos, a ser alcançada
em 2050. Promovido através da agricultura, da criação de animais, da pesca, da
captura e do extrativismo, o suprimento das demandas alimentares das sociedades
tem implicado em intensa utilização de recursos naturais e provocado amplas
transformações no ambiente. As mudanças antropogênicas sobre o planeta,
ocorridas principalmente nos últimos cem anos, têm comprometido
severamente o futuro da humanidade. Vale destacar que uma parcela significativa
da população mundial tem um suprimento alimentar inadequado ou insuficiente, o
que representa uma demanda reprimida. Trata-se, portanto, de uma pesquisa
exploratória que busca confrontar cenários empregando os fatores de produção
mais relevantes, como os ambientais e econômicos.

Palavras-chave: Produção de alimentos, Influências ambientais da produção


de alimentos, Perspectivas para a produção de alimentos.
IX

ABSTRACT

This study aims to analyses the most relevant food production scenarios in
sense to compare their bases and perspectives. The proposals of international
organizations, like “Food and Agricultural Organization - FAO”, researches and
others studies, are here considered in sense to detect the environmental and
technological limits of the food supply, besides the perspectives in the long
term. The question about the food supply of world‘s human population has been
debated principally nowadays. The current Earth’s population exceeds 6,5
billions people, and is expected to reach a stabilized size between 9 to 10
billions in 2050, according to the projections of United Nations. The supply of
the different human life-stiles, has involved massive demand of natural
resources and caused significant environmental alterations. The food supply,
supported by agriculture, breeding, fisheries and food extractives activities, has
resulted in important environmental changes. It is important to consider that a
large parcel of the human population has an inadequate or insufficient food
supply.

Keywords: Food production, Environmental influences of food production,


Limits and perspectives of the food production.
X

1. INTRODUÇÃO 1

1.1. Objetivos 4

1.2. Metodologia 5

1.3. Estrutura do Trabalho 9

2. A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO E


ESTUDOS DE RELEVÂNCIA HISTÓRICA 11

2.1. Uma Breve História do Homem e da Produção de Alimentos 11

2.2. A Produção Mundial de Alimentos 16

2.2.1. Evolução da Produção Agrícola Mundial 25

2.2.2. Produção Mundial de Cereais e de Carne 27

2.2.3. Recursos Pesqueiros: Produção e Consumo Mundiais


de Pescado 30

2.3. Sustentabilidade, Capacidade de Suporte, Resiliência e


Desenvolvimento Sustentável da Produção de Alimentos 36

2.4. Limites e Influências Ambientais da Produção de Alimentos e de


Outros Bens 41

2.4.1. Disponibilidade Mundial de Terra 41

2.4.2. Disponibilidade Mundial de Água 47

2.4.3. Evolução da Produção e do Consumo de Fertilizantes 50

2.5. Produção de Alimentos versus Produção de Biomassa para Fins


Energéticos 52

2.6. Estudos de Relevância Histórica 55

2.6.1. O “Clube de Roma” e os Limites do Crescimento 55


XI

2.6.2. Evolução Agrária e Pressão Demográfica Segundo


Ester Boserup 61

3. ANÁLISE DE CENÁRIOS FUTUROS PARA A PRODUÇÃO DE


ALIMENTOS 77

3.1. Estudos Atuais de Cenários Referentes à Produção Mundial


de Alimentos e ao Suprimento das Populações 79

3.1.1. Análise dos Estudos de Gilland (2002) e de Johnson (1999) 80

3.1.2. Análise do Cenário de Wolf et al. (2003) e do Estudo


de Wirsenius (2003) 87

3.1.3. Análise do Cenário da FAO (2003) 103

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 127

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 138

ANEXO A: Uma Breve História do Início da Produção de Alimentos

ANEXO B: A Origem da Espécie Humana - Modelos Teóricos e


Proposições da Origem dos Humanos Modernos
XII

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Curva de crescimento populacional em bilhões de habitantes.......21

Figura 2 - Variação per capita da produção agrícola mundial, entre os anos de


1999 a 2003.......................................................................................................25

Figura 3 - Demanda por cereais no mundo, nos países desenvolvidos e nos


países em desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para
2020, em milhões de toneladas.........................................................................27

Figura 4 - Demanda por carne no mundo, nos países desenvolvidos e nos


países em desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para
2020, em milhões de toneladas.........................................................................28

Figura 5 - Nível estimado de pesca sustentável em relação ás capturas entre


os anos de 1987 e 1989, nos principais mares do mundo ...............................30

Figura 6 - Produção mundial de pescado: captura e aqüicultura entre os anos


de 1950 e 2000..................................................................................................32

Figura 7 - Avaliação mundial dos estoques pesqueiros marítimos em


2004...................................................................................................................33

Figura 8 - Pegada ecológica global...................................................................35

Figura 9 - Evolução do consumo mundial de fertilizantes N-P-K, entre os anos


de 1960/61 e 1996/97, em milhões de toneladas de nutrientes (K2O, P2O5
e N)....................................................................................................................45
XIII

Figura 10 - Processamento-padrão do modelo mundial, segundo o “Clube de


Roma” (Original)................................................................................................55
XIV

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Área total, terra arável e terra com culturas permanentes no mundo,
por regiões continentais e por grupo de países.................................................39

Tabela 2 – Disponibilidade de terra per capita no mundo, por regiões


continentais e por grupo de países, nos anos de 1980, 1990 e em 2002........40

Tabela 3 - Dados mundiais absolutos e relativos da população e da produção


de cereais..........................................................................................................75

Tabela 4 - Estimativas de terra total, terra agricultável, terra arável e pastagens


no mundo, em bilhões de hectares....................................................................84

Tabela 5 – Necessidades mundiais de alimentos para três dietas, segundo o


tamanho da população nos anos de 1990, 1998, e nas três projeções de
crescimento, no ano de 2050, em bilhões de toneladas de matéria seca ao ano,
em equivalente grão..........................................................................................87

Tabela 6 – Projeções da produção mundial máxima de alimentos em bilhões de


toneladas de matéria seca, em equivalente grão, no sistema intensivo de
produção (SIP) e no sistema extensivo de produção (SEP), considerando a
área de terra agricultável potencial (pot.) e presente (pres.) no mundo............88

Tabela 7 – Proporções entre o potencial de produção futura de alimentos


baseada no sistema intensivo e extensivo de produção, na área atual e
potencial de terra agricultável, no mundo, em relação às necessidades
mundiais de alimentos, determinada para os três níveis de crescimento
populacional (baixo, médio e alto) e para as três dietas (vegetariana, moderada
e rica) em bilhões de toneladas de matéria seca, em equivalente
grão....................................................................................................................89
XV

Tabela 8 – Frações máximas e máxima área global de terra agricultável, em


bilhões de hectares, potencialmente disponível para produção de biomassa
para fins energéticos, assumindo os dois sistemas de produção de alimentos
(SIP e SEP), a área total de terra potencial e atual, e as diferentes
necessidades mundiais de alimentos, baseados nos três níveis de crescimento
populacional e nas três dietas...........................................................................90

Tabela 9 – Máxima produção de biomassa para fins energéticos, em bilhões de


toneladas de matéria seca ao ano, em equivalente grão, nos sistemas SIP e
SEP para a produção de alimentos, na quantidade mundial de terra atualmente
disponível (pres) e potencialmente disponível (pot), somadas às necessidades
alimentares, baseadas nos três níveis de crescimento população global, e nas
três diferentes dietas..........................................................................................91

Tabela 10 – Dados e projeções da evolução do crescimento populacional, de


1964/66 a 2030, e incremento médio anual, de 1995 a 2050............................95

Tabela 11 – Consumo per capita (kcal/habitante/dia) no mundo, por regiões e


grupo de países.................................................................................................96

Tabela 12 - Número populacional em relação ao nível de dieta calórica


(kcal/habitante/dia)............................................................................................97

Tabela 13 – Taxas de crescimento da demanda alimentar agregada, da


produção de alimentos no mundo e da população por regiões e por grupo
de países nos períodos de 1969-99 a 1997/99-2030, em percentual médio
anual................................................................................................................100

Tabela 14 – Dados e projeções da demanda mundial (em milhões de


toneladas), consumo per capita e crescimento percentual ao ano de cereais e
outros grãos, de 1964/66 a 2030.....................................................................101
XVI

Tabela 15 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo


de países de carne: taxas de crescimento, de 1967/1969 a 2030, (milhões
de toneladas) e variação percentual média, no período de 1969/99 a
2015-2030........................................................................................................103

Tabela 16 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo


de países, de carne de aves: taxas de crescimento de 1967/1969 a 2030
(milhões de toneladas) e variação percentual média, no período de 1969/99 a
2015-2030........................................................................................................104

Tabela 17 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupos


de países de carne suína: crescimento, de 1967/699 a 2030, em milhões
de toneladas, e variação percentual média, no período de 1969/99 a 2015-
2030.................................................................................................................105

Tabela 18 - Principais países produtores de carne e as respectivas produções


em 2002...........................................................................................................106

Tabela 19 – Principais países exportadores de carne em 2002......................106

Tabela 20 – Dados e projeções da produção de leite (equivalente em


leite integral) no mundo, por regiões e por grupo de países, de 1967/69 a
2030, em milhões de toneladas, e variação percentual média, de 1969-99 a
2015-30............................................................................................................107

Tabela 21 - Demanda mundial, regional e por grupos de países de óleos


vegetais e seus derivados: taxas de crescimento, de 1969/99 a 2030, e
consumo no período de 1997/99.....................................................................108

Tabela 22 - Produção mundial, regional, e por grupos de países de óleos


vegetais e seus derivados: taxas de crescimento, de 1969/99 a 2030, e
produção no período de 1997/99.....................................................................109
XVII

Tabela 23 - Dados e projeções da terra arável no mundo: total de terra irrigada


em uso, de 1961/63 a 2030, em milhões de hectares, crescimento percentual
médio anual, de 1961/99 a 2030, e percentual da terra em uso em relação à
terra potencialmente agricultável.....................................................................112

Tabela 24 - Dados e projeções da irrigação mundial: Total de terra irrigada em


uso, de 1961/63 a 2030, em milhões de hectares; crescimento percentual
médio anual, de 1961/99 a 2030, e percentual da terra em uso em relação à
terra potencialmente agricultável.....................................................................113
XVIII

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAAS Atlas of Population & Environment


a.C. Antes de Cristo
Bt Bilhões de toneladas métricas
ºC Graus Celcius
CAPC Crescimento Agrícola Per Capita
CBD Convention on Biological Diversity
CIMMYT Centro Internacional de Mejoramiento de Maíz y Trigo
EUA Estados Unidos da América
FAO Food and Agricultural Organization
FAOSTAT Food and Agricultural Organization Statistics Database
GEE Gases do Efeito Estufa
GMO Genetically Modified Organism
ha Hectare
IFA International Fertilizer Industry Association
IFPRI International Food Policy Research Institute
IPCC International Panel of Climate Change
K2O Compostos potássicos
kg Quilograma
km Quilometro
2
km Quilometro quadrado
3
km Quilometro cúbico
N-P-K Nitrogênio - Fósforo – Potássio
mtDNA DNA mitocondrial
Mton Milhões de toneladas métricas
Mha Milhões de hectares
OECD Organization for Economic Co-operation Development
OGM Organismos Geneticamente Modificados
ONU Organização das Nações Unidas
P2O5 Compostos fosforados
PBR Population Reference Bureau
XIX

PIB Produto Interno Bruto


PMaD Países Mais Desenvolvidos
PMeD Países Menos Desenvolvidos
PMA Produção Máxima de Alimentos
RV Revolução Verde
SCBD Secretariat of the Convention on Biological Diversity
SEP Sistema Extensivo de Produção
SIP Sistema Intensivo de Produção
Tg Tera grama
ton Tonelada métrica
ton/ha Toneladas por hectare
UNEP United Nations Environmental Programme
USBC United Bureau of Census
WB World Bank
WFS World Food Summit
WRI World Research Institute
WWF World Wildlife Fund
1

1. INTRODUÇÃO

Após a última metade do século XX, o crescimento da população mundial


foi explosivo e, a despeito dos endêmicos bolsões de fome estabelecidos em
países africanos, asiáticos e nas parcelas mais pobres da população mundial, a
produção de alimentos acompanhou o ritmo do crescimento populacional.

A “Revolução Verde” teve uma grande contribuição para o aumento da


produtividade das lavouras de grãos, como milho e arroz, nos países pobres e em
desenvolvimento, com altas taxas de crescimento populacional, principalmente na
Ásia e na América Latina. A Revolução Verde se caracterizou pelo grande aporte
de insumos agrícolas, como fertilizantes minerais, por unidade de área, pelo
desenvolvimento de variedades altamente produtivas e pelo uso intenso da
mecanização e irrigação. No entanto, esse pacote tecnológico não conseguiu
atingir todos os países e regiões do mundo. Muitos países da África,
principalmente na região subsaariana, têm sérias restrições no suprimento
alimentar.

Vale destacar que a produção mundial de alimentos é suficiente para o


adequado suprimento alimentar de toda a população. Contudo, aproximadamente
três bilhões de pessoas sofrem algum tipo de carência alimentar: desnutrição ou
fome.

A questão principal da desigualdade no acesso alimentar dessa parcela


significativa da população mundial está baseada em dois fatores: a)
distribuição/comercialização precária ou insuficiente de alimentos, uma vez que
os espaços produtivos e o desenvolvimento técnico-científico são diferenciados
nas diversas regiões do planeta; b) renda familiar e poder aquisitivo baixos. No
mundo contemporâneo, os produtos alimentícios são commodities, portanto, o
suprimento de alimentos segue as mesmas regras mercadológicas das demais
commodities, como petróleo, aço, álcool anidro, entre outras.
2

A produção de alimentos1 se baseia em quatro atividades principais:


agricultura, criação de animais, extrativismo vegetal e extrativismo animal (como a
pesca de captura). Essas atividades têm provocado, notadamente nas últimas
décadas, grandes impactos ambientais que têm afetado a capacidade de
reprodução, tanto dos sistemas modificados pelo homem (exemplo: os
agroecossistemas), como dos sistemas naturais ainda preservados.

Para a produção de alimentos e outros bens, os agroecossistemas


(lavouras, pastagens, entre outros) requerem a modificação do sistema natural.
Esse impacto antropogênico resulta na transformação profunda dos
ecossistemas, como: remoção da cobertura vegetal, revolvimento do solo
(aração, gradeação, semeadura, plantio, cultivo), aplicação de fertilizantes,
aplicação de defensivos para combate de doenças e pragas, entre outros,
resultando em outros impactos, como contaminação do solo, do ar e das águas,
erosão, compactação e diminuição da permeabilidade do solo, e outros. Cada
etapa ou técnica aplicada na produção agrícola resulta em diferentes danos
ambientais, os quais, por reação, impactam a produção alimentar. Portanto, toda
a atividade antropogênica, entre elas, a agricultura e criação de animais, causa
danos ambientais que revertem contra a atividade produtiva, estabelecendo um
vínculo de causa e efeito. Como exemplo, a compactação subsuperficial do solo
promovido pelos procedimentos motorizados (tratores, caminhões, implementos)
no pré-plantio, semeadura e colheita, impede que a água e as raízes penetrem
profundamente no solo. Dessa maneira, a disponibilidade de água do solo diminui
e a erosão aumenta, afetando a produtividade agrícola. Os modos de produção
considerados naturais e menos impactantes podem promover danos ao ambiente.
Como exemplo, o uso de grandes doses de adubos orgânicos pode aumentar a
lixiviação de compostos nitrogenados, elevando a contaminação dos aqüíferos.
Obviamente, a maneira de se praticar a agricultura pode variar a intensidade dos

1
Aqui entendida como produção primária de alimentos. Em geral, após a produção
primária, existem outras atividades voltadas ao beneficiamento, manufatura/transformação,
expedição, conservação, comercialização, transporte/distribuição, que agregam valor ao produto
primário.
3

impactos. Assim, a agrossilvicultura, que conjuga a produção agrícola com


espécies florestais nativas (e exóticas), é uma maneira de diminuir os impactos da
agricultura e aumentar a sustentabilidade do meio e da própria produção, em
comparação com outros modos de agricultura altamente impactantes, como a
monocultura (agricultura comercial de grande escala). No entanto, a
agrossilvicultura, na mesma comparação, tem menores rendimentos por área e
per capita.

A agricultura e a pecuária têm como características fundamentais o


arroteamento de áreas naturais para a implantação de agroecossistemas.
Tomando como exemplo a Europa, percebe-se que quase a totalidade dos
hábitats naturais foi transformada pela ação humana. No caso brasileiro, o
agronegócio tem provocado a expansão das fronteiras agrícolas nas regiões
Centro-Oeste e Norte do país.

A atividade pesqueira tem avançado na captura de peixes pequenos e


imaturos; em muitos mares constata-se a “sobrepesca”2. No intuito de manter a
produtividade, barcos pesqueiros têm utilizado redes de malha fina e de arrasto, e
praticado a captura de peixes de águas profundas. A reprodutividade das
espécies de peixes mais valorizados tem sido comprometida pela alteração da
cadeia alimentar e pela destruição dos hábitats costeiros.

Pelo lado da demanda, as previsões da Organização das Nações Unidas


(ONU) apontam um expressivo crescimento populacional até meados desse
século, quando a população mundial deverá se estabilizar com um contingente
entre 9 e 10 bilhões de habitantes, o que deverá implicar em uma maior pressão
na demanda alimentar e, por conseqüência, nos recursos naturais renováveis e

2
A sobrepesca se caracteriza como uma captura intensa de animais, que não permite a
reprodução das espécies na mesma taxa da captura praticada. Trata-se, portanto, de uma pesca
predatória, que não garante uma população estável do pescado ou de outras espécies
capturadas, resultando na perspectiva temporal de degradação do bioma e da própria atividade.
Muitos mares do planeta têm vivenciado a redução gradativa do pescado e de outras espécies em
função da sobrepesca.
4

não renováveis utilizados na produção de alimentos, como os derivados do


petróleo, adubos fosfatados, irrigação, entre outros insumos.

Com relação à disponibilidade de novos espaços para a produção de


alimentos, nas últimas décadas tem-se observado a rápida redução per capita de
terra, tanto para a produção de alimentos, como para a produção de fibras e de
biomassa com fins energéticos. Trabalhos recentes têm apontado para a
superexploração da capacidade de suporte do planeta no atendimento das
demandas impostas pelas sociedades atuais e seus estilos de vida (WWF, 2007).
Diante disso, se agrava o debate em torno da necessidade de mudanças
profundas, visando preservar ecossistemas importantes para a estabilidade da
dinâmica natural e a capacidade de reprodução de sistemas utilizados para o
abastecimento humano.

1.1. Objetivos

O objetivo geral desta pesquisa é avaliar comparativamente os principais


cenários para a produção de alimentos, destacando os fatores populacionais,
ambientais e produtivos. Neste contexto destacam-se dois fatores, a saber:

1. Evolução e disponibilidade de recursos ambientais, como terra e água, para a


produção de alimentos e outros bens;

2. Evolução produtiva dos setores destinados à produção de alimentos;

Em síntese, esta pesquisa busca contribuir para a avaliação da capacidade


de suporte do planeta em prover as demandas de alimentos que se apresentam e
as demais demandas necessárias para a manutenção dos atuais estilos das
sociedades contemporâneas.
5

1.2. Metodologia

Método científico é aquele utilizado na sondagem da realidade e


concretizado por um conjunto de procedimentos pelos quais os problemas e
hipóteses são cientificamente tratados (GALLIANO, 1986, p.32). Segundo Cervo
& Bervian (2002), método é, em geral, um dispositivo ou procedimento ordenado,
um conjunto de etapas que levam à realização da pesquisa científica. A técnica,
segundo os mesmos autores, é a aplicação do plano metodológico a ele
subordinada.

Segundo Santos (1999, cap. 2), as pesquisas científicas podem ser


caracterizadas, quanto aos seus objetivos, em: Exploratórias, Descritivas e
Explicativas; quanto aos procedimentos de coleta, podem ser denominadas
como: Experimento, Levantamento, Estudo de Caso, Pesquisa Bibliográfica,
Pesquisa Documental, Pesquisa-ação, Pesquisa Participante, Pesquisa ex-post-
facto, Pesquisa Quantitativa, Pesquisa Qualitativa, e, quanto às fontes de
informação, podem ser chamadas de: Pesquisa de Campo, Pesquisa de
Laboratório, Pesquisa Bibliográfica.

Segundo Gil (1991, p. 45), com a pesquisa exploratória, tem-se a intenção


de proporcionar maior familiaridade com o problema, visando torná-lo mais
explícito. Santos (1999, p. 26), afirma: “... busca-se essa familiaridade pela
prospecção de materiais que possam informar ao pesquisador a real importância
do problema, o estágio em que se encontram as informações já disponíveis a
respeito do assunto, e até mesmo revelar... novas fontes de informação. Por isso,
a pesquisa exploratória quase sempre é feita como levantamento bibliográfico...”.
Gil (1991, p. 48) estabelece que boa parte dos estudos exploratórios pode ser
definida como pesquisas bibliográficas, assim como aquelas que analisam
diversas posições sobre um problema.

Segundo Cervo & Bervian (2002, p. 65), qualquer tipo de pesquisa, em


qualquer área, necessita de uma pesquisa bibliográfica prévia, quer para o
levantamento e apreensão do estado da arte, quer para a fundamentação teórica
6

ou, ainda, para justificar os limites e contribuições decorrentes da própria


pesquisa. Pelo procedimento geral que é utilizado, Cervo & Bervian (2002, p. 65)
classificam as pesquisas em, no mínimo, três tipos: Bibliográfica, Descritiva e
Experimental.

Segundo os mesmos autores, a pesquisa bibliográfica procura explicar um


problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos, buscando
conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado sobre
determinado assunto ou problema (p. 65). Este tipo de pesquisa é meio de
(in)formação por excelência e constitui o procedimento básico pelo qual se busca
o domínio do estado da arte sobre determinado tema (CERVO & BERVIAN, 2002,
p. 66).

Na pesquisa científica, é imprescindível correlacionar o objeto pesquisado


com o universo teórico, optando-se por um modelo teórico que serve de
embasamento à interpretação do(s) significado(s) dos dados e fatos observados e
coletados (MARCONI & LAKATOS, 2000, p. 224).

Oliveira (2002, p. 123), resume: “A pesquisa teórica tem por objetivo


ampliar generalizações, definir leis mais amplas, estruturar sistemas e modelos
teóricos. Relacionar e enfeixar hipóteses numa visão mais unitária do universo e
gerar novas hipóteses por força de dedução lógica”. A pesquisa bibliográfica,
como procedimento de coleta, e a bibliografia, como fonte de informação, no caso
da pesquisa em questão, assumem a mesma conotação, que, segundo Oliveira
(2002, p. 119), tem a finalidade de explicitar as diferentes formas de contribuição
científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno.

É oportuno relacionar algumas considerações importantes acerca da


metodologia adotada. Este trabalho de pesquisa pode ser classificado como
teórico, bibliográfico e exploratório, compreendendo a análise e a síntese dos
objetos em estudo.
7

Quanto ao tipo, a pesquisa em questão também pode ser denominada


como explicativa. Segundo Gil (1991, p. 45), na pesquisa explicativa, tem-se a
intenção de identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a
ocorrência de fenômenos, sendo o tipo de pesquisa que mais aprofunda o
conhecimento da realidade porque explica a razão e o porquê das coisas. As
afirmações científicas mais importantes originam-se neste tipo de pesquisa, que
buscam aprofundar o conhecimento da realidade além das aparências dos
fenômenos (SANTOS, 1999, p. 27). As pesquisas exploratórias e descritivas
constituem-se, quase sempre, em uma etapa prévia para que se possam obter
explicações científicas (GIL, 1991, p. 47). Neste sentido, a crítica aos cenários
escolhidos para a produção de alimentos, a partir de fatores de relevância, objeto
central deste trabalho, se insere precisamente nesse argumento.

Em parte, este trabalho pode também ser caracterizado como descritivo,


pois tem como objetivo a descrição das características de determinado fenômeno
com o estabelecimento de relações entre variáveis (GIL, 1991, p. 46). O mesmo
autor comenta que algumas pesquisas descritivas ultrapassam a simples
identificação da existência de relações entre variáveis, pretendendo verificar a
natureza dessas relações, aproximando, dessa maneira, da pesquisa explicativa.
Outras pesquisas definidas como descritivas proporcionam uma nova visão do
problema exposto, o que as aproxima das pesquisas exploratórias (GIL, 1991).

O presente trabalho consiste em uma pesquisa exploratória que busca analisar


e interpretar um tema atual, qual seja: as perspectivas para a produção mundial de
alimentos, num período de tempo de algumas décadas, até que a população mundial
atinja sua estabilidade projetada pelas Nações Unidas.

A partir de uma ampla pesquisa bibliográfica e documental, são levantadas


informações qualitativas e quantitativas, que servem de suporte às conclusões e
considerações do trabalho. Neste sentido, segundo a definição de Marconi e Lakatos
(2002), esta pesquisa apresenta elementos de um estudo qualitativo-descritivo e
exploratório, a partir do qual podem ser criticados os cenários de referência sobre
o tema, e as premissas que sustentam estas projeções.
8

O critério para a escolha dos cenários se baseou na relevância das instituições


responsáveis pelas análises e projeções, e na seleção de trabalhos científicos e de
pesquisadores de amplo reconhecimento adotados como referências em estudos
envolvendo a produção de alimentos. Neste sentido, pela relevância institucional, foi
tomada a análise de cenários mais recentes da Food and Agricultural Organization -
FAO de 2003. Com relação aos demais estudos foram selecionadas as avaliações e
cenários de Gilland (2002) e de Johnson (1999), e de Wolf et al. (2003) e de Wirsenius
(2003).

O tema em questão abrange distintas áreas do conhecimento científico,


entretanto, para o presente escopo, o objeto de trabalho foi focado nos limites
espaciais (disponibilidade de áreas), de recursos ambientais (como água),
tecnológicos (evolução das produtividades e necessidade de insumos para sua
sustentação), além das implicações ambientais associadas às diversas formas de
produção de alimentos, a começar pelo arroteamento de sistemas naturais.

Face à abrangência da pesquisa, optou-se pela realização da abordagem


das questões pertinentes ao tema de forma integrada, investigando e analisando
criticamente: dados, conceitos, argumentos e opiniões de autores e
pesquisadores.

A estruturação do trabalho foi concebida no sentido de, num primeiro


momento, analisar a evolução histórica mais recente da produção de alimento no
mundo, das técnicas e das implicações decorrentes das modalidades produtivas
adotadas, chegando ao cenário atual. Num segundo momento, foram analisados
os cenários futuros, envolvendo crescimento demográfico e evolução das
demandas alimentares.
9

1.3. Estrutura do Trabalho

No sentido de atingir os objetivos previstos na pesquisa, optou-se por uma


estrutura de texto delimitada em seis capítulos, conforme se segue:

Capítulo 1. Introdução

Neste capítulo são apresentados: a introdução, na qual se destaca a


justificativa da presente pesquisa, os objetivos e a metodologia adotada.

Capítulo 2. Uma Breve História da Produção de Alimentos e do


Suprimento da Demanda Alimentar

Neste capítulo são considerados a evolução da produção de alimentos e o


desenvolvimento das técnicas de produção na história da humanidade. Trata, também,
da evolução demográfica, dos impactos da produção de alimentos ao meio ambiente,
e da produção e uso dos recursos naturais.

Capítulo 3. A Produção de Alimentos no Mundo Contemporâneo:


Requisitos e Influências

Este capítulo contempla a produção de alimentos, passando pela “Revolução


Verde”, a evolução na produção mundial das principais commodities, como os cereais,
a produção e uso de fertilizantes no mundo, a produção e o consumo mundial de
pescado, as limitações dos recursos naturais e as influências ambientais associadas à
produção de alimentos.

Capítulo 4. Cenários Futuros Para a Produção de Alimentos

Neste capítulo são apresentados e analisados os principais cenários propostos


por organizações e pesquisadores, considerando os principais fatores limitantes da
produção de alimentos e de outros bens.
10

Capítulo 5. Considerações Finais

Neste capítulo são sintetizadas as considerações de maior relevância,


destacadas no capítulo anterior.

Capítulo 6. Referências Bibliográficas

Anexo A: Uma Breve História do Início da Produção de Alimentos

Anexo B: A Origem da Espécie Humana - Modelos Teóricos e


Proposições da Origem dos Humanos Modernos
10

Acas1
Asddf2
Asdfg3
A
dsdff

1
2
3
11

2. A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO


E ESTUDOS DE RELEVÂNCIA HISTÓRICA

2.1. Uma Breve História do Homem e da Produção de alimentos

Segundo Bar-Yosef & Belfer-Cohen (1989), a revolução ocorrida no final


do paleolítico resultou em uma única espécie humana - Homo sapiens
sapiens4. A história da humanidade, especialmente o que se costuma
denominar de pré-história, é um período intrigante, que desperta discussões
entre os pesquisadores de diversas áreas, como arqueólogos, paleontólogos,
geneticistas, historiadores, entre outros. As tentativas de reconstrução científica
de nossa evolução decorrem do anseio de conhecer nossas origens e qual o
papel ou a vocação de nossa sociedade, de nossa civilização, em relação aos
ecossistemas do planeta.

A história evolucionária do homem é formada por muitos capítulos,


alguns desconhecidos e outros incompletos. Um dos últimos capítulos trata do
surgimento e da evolução biológica dos humanos modernos, da sua evolução
demográfica, dispersão, colonização e dominação dos ecossistemas.

A domesticação de plantas e animais tem sido apresentada como uma


das mais importantes transformações dos últimos 13.000 anos na história da
evolução humana, sendo pré-requisito para a ascensão, o desenvolvimento da
civilização e a transformação da demografia global (DIAMOND, 2002).

A transformação da demografia global foi uma conseqüência da


dominação sobre outras espécies e da capacidade de adaptação do homem
aos diferentes hábitats terrestres.

4
Para alguns autores, a espécie humana atual é mais evoluída que há 10 mil anos, por isso
usam, na classificação taxonômica, o nome científico: H. sapiens sapiens - “Humano mais que
inteligente”
12

De certa forma, pode-se considerar que a grande capacidade de


transformação e de adaptação ambiental em benefício das necessidades
humanas é recente, se comparada à historia evolutiva da humanidade, tendo
como uma de suas conseqüências, o crescimento populacional. Segundo Wall
& Przerworski (2000), o tamanho da população humana evoluiu com o passar
do tempo a partir de poucos indivíduos, que culminou com a explosão
demográfica de nossa era.

Bellwood (2001), afirma que as conseqüências do recente


desenvolvimento da agricultura em várias regiões do mundo e em diferentes
épocas, freqüentemente independentes entre si, incluíram o crescimento das
populações e das economias ligadas à produção de alimentos, além da
expansão das diferentes linguagens. Em muitos casos, a expansão territorial
das populações agrícolas ocorreu em áreas ocupadas por sociedades
extrativistas (coletores-caçadores).

Weale et al. (2001), sugerem que o início do crescimento populacional


ocorreu no Neolítico, aproximadamente há 4,8 mil anos. Weiss (1984), citado
por Hawks (2000), estima que os povos que habitaram o mundo na época do
paleolítico viveram em pequenos grupos com baixas densidades populacionais
(da ordem de 0.28 habitantes/km2) e baixas taxas de crescimento; a população
estimada entre 1 milhão e 500 mil anos atrás era de, aproximadamente, meio
milhão de indivíduos, chegando a 1,3 milhões no paleolítico médio e, 6 milhões
no início do Holoceno.

Ammerman & Cavalli-Sforza (1984) propuseram em suas pesquisas o


modelo “Wave of Advance”, segundo o qual os povos que praticavam a
agricultura no neolítico teriam colonizado a Europa, ampliando os limites
geográficos de ocupação territorial na procura de novas terras agricultáveis. O
aumento da produtividade de alimentos, promovido pela agricultura, resultou no
crescimento populacional, de maneira que, à medida que a população crescia,
novos agricultores ocupavam gradualmente novos territórios habitados ou não
por povos coletores-caçadores. Nessas “ondas de dispersão” ou “difusão
13

endêmica”, os colonizadores com economia baseada na agricultura difundiram


seus genes e suas culturas, incluindo as famílias lingüísticas (AMMERMAN &
CAVALLI-SFORZA, 1984; BELLWOOD, 2001).

Independentemente das teorias e suas variações, que postulam sobre a


origem e dispersão dos humanos modernos, por volta de 15 mil anos atrás o
Velho Mundo já era totalmente habitado, e somente as ilhas do Pacífico e as
Américas permaneciam inabitadas. Alguns estudos paleoantropológicos
sustentam que migrações humanas para o Novo Mundo tenham ocorrido, pelo
menos, há 40 mil anos5. Fagan (1998) considerou essas teorias de ambiciosas
e pouco substanciadas.

Bellwood (2001) sumariza em seu trabalho as velocidades de expansão


das economias agropastoris, dos principais centros de origens para outras
regiões:

• Crescente Fértil às ilhas britânicas, ao longo de 3.000 anos (7.000 - 4.000


a. C.), além de 3.600 km;

• Bacia do Yangzi às ilhas do Sudoeste asiático, ao longo de 4.000 anos


(6.500 a 2.500 a. C.), além de 5.000 km;

• Mesoamérica Central ao Sudoeste americano, ao longo de 2.000 anos


(3.000 a 1.000 a. C.), além de 2.500 km;

• Paquistão à península indiana, ao longo de 4.000 anos (7000 a 3000 a.C.),


além de 2000 Km.

5
Escavações lideradas por Niéde Guidon, no sítio arqueológico de Pedra Furada, no município
de Raimundo Nonato, Piauí, revelam que a região foi ocupada, pelo menos, há 40 mil anos,
bem antes da data mais aceita pela maioria da comunidade científica: final da última era glacial
(12 mil anos atrás). O fóssil encontrado em Minas Gerais, chamado de Luzia, mostra
características peculiares às raças africanas, bem mais que os traços asiáticos dos povos pré-
colombianos.
14

Há uma relação íntima entre o início do crescimento populacional e o


advento da agricultura. Ou seja, com o passar do tempo, a domesticação de
plantas e animais proporcionou uma maior disponibilidade de alimentos,
propiciando o aumento da população, o desenvolvimento das cidades e da
sociedade, de maneira geral. É estimado que na época de Jesus Cristo, a
população humana era da ordem de 300 milhões de indivíduos, evoluindo para
1 bilhão, no início da “Revolução Industrial”, no século XVIII. Em 1963, a
população era estimada em 3 bilhões de habitantes e, a partir de então, tem
sido adicionado um contingente de aproximadamente 1 bilhão de pessoas a
cada 13 ou 14 anos, chegando à marca histórica de 6 bilhões de habitantes em
1999 (AAAS, 2000).

Conforme Nebel & Wright (1993), a população atingiu um grande


crescimento a partir do século XVII, graças a alterações significativas nas taxas
de mortalidade infantil, alavancadas por melhorias no saneamento básico, na
agricultura, na indústria e na medicina. Mais recentemente, novos avanços na
medicina, como as vacinas e a descoberta dos antibióticos, resultaram no
controle de doenças, elevando a expectativa de vida humana. Quanto maior a
diferença entre os índices de natalidade e os de mortalidade, maior é o
crescimento populacional, sendo que as taxas demográficas variam em função
de épocas, regiões, povos, além de fatores sócio-econômicos, como
escolaridade, desenvolvimento econômico e social.

Segundo a FAO (2004a), a taxa anual de crescimento da população


mundial em 2004, estava em torno de 1,22 %. No entanto, este índice não
reflete as diferenças entre os países industrializados e os países pobres ou em
desenvolvimento. No primeiro grupo, a taxa anual média de crescimento
populacional era da ordem de 0,25 %, enquanto que no segundo grupo era de
1,46 %, ou seja, cerca de seis vezes mais acentuada.

De acordo com previsões em um cenário de médio crescimento, a


população mundial evoluiria dos 6,3 bilhões, em 2003, para cerca de 8,9
15

bilhões de habitantes, até 2050, dos quais 7,7 bilhões estariam nos países
pobres (COHEN, 2003).

Há mais de dois séculos, Malthus (1789) teorizava que a população


humana cresceria geometricamente, enquanto que a produção de alimentos
cresceria em taxas aritméticas. Dessa maneira, quando os níveis de produção
de alimentos fossem menores que as taxas de crescimento populacional, o
tamanho da população excederia a capacidade do meio para produção de
alimentos, causando fome, pestilência e, conseqüentemente, o declínio da
população (CHU & TAI, 2001).

Thomas Malthus estava certo sobre o crescimento da população


humana, mas subestimou o potencial do crescimento da produção de alimentos
(NEBEL & WRIGHT, 1993). Na época de Malthus, a população mundial era
estimada em pouco mais de 800 milhões de pessoas, com uma taxa média de
crescimento mundial de 0,38% (GOLDEWIJK, 2005, pág. 347, this study). A
população atual de 6,6 bilhões de indivíduos (PBR, 2008), provavelmente era
impensável por Malthus e seus contemporâneos.

A população mundial vivenciou um crescimento expressivo a partir da


Revolução Industrial, no século XIX, alavancada pelo desenvolvimento
científico e tecnológico, atingido as maiores taxas de crescimento no século
XX.

Em um mundo limitado e com recursos finitos, a espécie humana,


diferentemente de outras espécies, apresentou um crescimento complexo, de
maneira que novas tecnologias e formas de organização social influenciaram
no modo e na intensidade do consumo dos recursos naturais (MEYER &
AUSUBEL, 1999, citado por HOPFENBERG, 2003).

Segundo Nentwig (1999), a espécie humana é meramente uma espécie


entre milhões, mas tem, particularmente, um impacto dominante sobre a
natureza. Tem-se afirmado que os limites da sustentabilidade já teriam sido
16

alcançados com uma população de 6 bilhões de pessoas, em 1999, sendo 20%


desse contingente (1,2 bilhões de indivíduos) composto por famintos,
acrescentando-se os recursos naturais superexplorados e a biodiversidade
ameaçada (NENTWIG, 1999).

2.2. A Produção Mundial de Alimentos

Conforme o Secretariat of Convention on Biological Diversity - SCBD


(2006), aproximadamente, 7 mil espécies vegetais têm sido cultivadas e
coletadas para o suprimento alimentar da humanidade desde o surgimento da
agricultura, há 12 mil anos. Atualmente, somente 15 espécies vegetais e 8
espécies animais suprem 90% da produção mundial de alimentos, sendo que
1/3 da área terrestre no mundo é usada para essa produção, fazendo com que
a agricultura seja a principal causa do arroteamento dos habitats naturais.
Conforme citação de Buyanovsky e Wagner, (1998, 244), as áreas cultivadas
(1,5 bilhões de hectares) e as pastagens (3 bilhões de hectares) compreendem
30 % da superfície terrestre. (p. 244). A agricultura global se encontra 38 % nas
regiões tropicais e 23 % nas regiões subtropicais. (SCBD, 2006).

A diversidade dos recursos animais e vegetais sustenta as necessidades


alimentares, provendo os componentes básicos da nutrição, como energia,
proteínas, lipídios, minerais e vitaminas (SCBD, 2006b). Segundo a mesma
fonte, as espécies de origem animal e vegetal que compõem a dieta humana
incluem: 1) Vegetais folhosos, frutas, raízes, tubérculos e nozes; 2) Peixes,
moluscos, crustáceos e insetos; 3) Animais domesticados e de caça.

Segundo Tolba et al. (1992, p. 282), o sistema de produção agrícola


atual consiste em três componentes que interagem: recursos naturais,
tecnologia e meio ambiente. A agricultura pode ser analisada como um
conjunto complexo de tecnologias, pelo qual se tem acesso aos recursos
naturais para a produção de alimentos. De um modo amplo, a agricultura é
17

uma tecnologia e também um processo político-ecológico que funciona como


elo entre a humanidade e os recursos naturais, produzindo biomassa que
periodicamente é colhida e consumida (PERKINS, 1997, p. 4 e 5).

Braun & Brown (2003, p. 975) definem sistemas de produção de


alimentos ou agroecossistemas, como conjuntos de atividades que geram
produtos alimentares para o consumo humano e que dependem de fatores que
se interrelacionam, como: terra, trabalho, capital, tecnologia e instituições de
mercado e não mercantis que regulam sua distribuição.

A produção contemporânea de alimentos no mundo foi caracterizada


pela Revolução Verde (RV), empreendida entre 1950 e 19906. Esta revolução
foi um marco histórico na produção de alimentos e da própria humanidade, e
envolveu nações pobres ou em desenvolvimento com níveis elevados de
crescimento populacional e deficiências na produção de alimentos

Parayil (2002, p.974), afirma que os objetivos da Revolução Verde


começaram a serem traçadas no ano de 1950 quando Norman Borlaug
desenvolveu linhagens de trigo anão no Centro Internacional de Mejoramiento
de Maíz e Trigo (CIMMYT), no México. As variedades de grãos utilizadas na
Revolução Verde são provenientes das variedades altamente produtivas de
milho híbrido cultivadas nos EUA nos anos 1930 e 1940, e aos esforços da
Fundação Rockefeller em patrocinar o desenvolvimento de cultivares de milho
e trigo de altas produtividades, no México (KLOPPENBURG, 1998, citado por
PARAYIL, 2003). Além disso, as pesquisas agronômicas que se
desenvolveram no período pós-colonial em muitos países do “Terceiro Mundo”,
colaboraram para a criação dos paradigmas da Revolução Verde.

6
Atualmente, as técnicas da RV são usadas na maioria da produção mundial de alimentos e de
outros bens, principalmente, nos sistemas intensivos de produção comercial. Contudo, no
contexto histórico, a RV terminou em 1990, aproximadamente, e expressou uma onda de
transformação tecnológica dos sistemas antigos de produção de subsistência, mesmo
considerando que estes sistemas ainda persistam. Substanciando, pode-se afirmar que as
motivações da RV não subsistem atualmente, mas suas técnicas ainda fazem parte do
cotidiano e farão, no futuro.
18

Grande parte destas pesquisas se desenvolveu nas colônias,


estabelecidas pelos governos imperialistas com o objetivo de criar e fortalecer
a produção agrícola comercial de exportação, tais como: algodão, seringueira,
chá, café e especiarias (HALL et al. 2000, citado por PARAYIL, 2003, p. 274-
5).

A Revolução Verde se caracterizou pela transformação do antigo


sistema agrícola, este fundamentado no baixo aporte de insumos agrícolas e
uso técnicas rudimentares de manejo, resultando em baixos rendimentos das
safras7. Os paradigmas da RV baseiam-se no uso intenso de insumos,
máquinas e de tecnologia inovadoras, como: aplicação de grandes quantidades
de fertilizantes minerais ou químicos, pesticidas, mecanização, técnicas de
irrigação com uso de bombas elétricas ou bombas de combustão interna,
técnicas apropriadas de manejo paras as espécies cultivadas, especialmente
grãos, como milho, arroz, trigo geneticamente melhorados - altos potenciais de
produtividade e adaptados às condições edafoclimáticas dessas regiões.

A Revolução Verde possibilitou que muitos dos países mais populosos


do mundo, como a Índia, deixassem de importar grãos e alcançassem a
estabilidade entre oferta e demanda, e, em alguns casos, tornassem
exportadores.

ROSEGRANT; PAISNER & MEIJER (2003, p. 664) enfatizam que os


paradigmas da Revolução Verde8 possibilitaram um notável sucesso na
segurança alimentar da Ásia, de modo que os dois mais populosos países do
continente, China e Índia, não ficassem submetidos à dependência crescente

7
Este sistema persiste em muitos países e regiões do mundo, como na África subsaariana.
8
Byerlee (1998), citado por Rosegrant, Paisner & Meijer (2003, 664) diagnostica dois
paradigmas da Revolução Verde: o primeiro paradigma enfatiza a aplicação intensa de
insumos, principalmente de fertilizantes minerais e de pesticidas em combinação com cultivares
de grãos de alto rendimento; já o segundo paradigma se refere ao “pacote tecnológico”, no qual
se inserem insumos específicos à determinada espécie de grãos geneticamente melhorada -
cultivar, variedade, híbrido; este pacote teve o propósito de ser disseminado em grandes áreas
geográficas.
19

de importações de alimentos, seja pelo aumento da demanda alimentar ou pela


falta/redução ocasional na produção agrícola decorrentes, principalmente, de
condições climáticas adversas, como secas e inundações.

As variedades produtoras de grãos de alta produtividade cultivadas,


atualmente, em todo o mundo, são a base da produção de alimentos na
América Latina, China, Oriente Médio, Sul da Ásia e nas nações
industrializadas; contudo a RV trouxe poucos benefícios para a maioria dos
países pobres ou para as regiões dos países em desenvolvimento onde o
sistema de produção de alimentos é, fundamentalmente, de subsistência
(NEBEL & WRIGHT, 1993, 171-2). Os autores descrevem os principais motivos
pelo qual o sistema de produção agrícola, fundamentado nos paradigmas da
RV, não pôde solucionar todos os problemas relacionados com produção de
alimentos versus crescimento populacional:

• A maioria dos países populosos alcançou o potencial máximo (ou


quase) de produtividade das variedades geneticamente melhoradas;

• O sistema agrícola intensivo de produção requer grande aporte de


insumos, principalmente de irrigação, para que as culturas alcancem
o potencial de produtividade máximo. Estes insumos não são
facilmente disponíveis nos países ou regiões pobres do mundo;

• A Revolução Verde, por se basear no sistema intensivo de produção,


tendeu a beneficiar grandes propriedades e empreendimentos mais
capitalizados, fazendo com que os pequenos proprietários,
geralmente com poucos recursos financeiros e/ou com financiamento
insuficiente ou inexistente, migrassem para as cidades, aumentando
os problemas urbanos, como desemprego e habitação.

• Na África, as espécies que fazem parte da cultura alimentar, como


sorgo, milheto e inhame, não são utilizadas nos países
desenvolvidos, por isso não se beneficiaram do melhoramento
20

genético empreendido nas principais espécies do pacote tecnológico


da RV: milho, trigo e arroz - as mais usadas na alimentação no
mundo, principalmente nos países mais populosos.

Apesar da importância da RV, ela não foi concebida para resolver os


problemas resultantes da fragilidade na segurança alimentar dos países
pobres. As nações ricas desenvolveram tecnologias de produção agrícola
apropriadas aos países tropicais, com o propósito de assegurar o fornecimento
de matérias-primas para o mercado globalizado em expansão, após a Segunda
Guerra Mundial.

Desde o advento da agricultura há 10 mil anos9, denominado por Childe


de “Revolução Neolítica”10, a sociedade humana com suas variadas formas de
produção de alimentos somente veio a conhecer uma outra “revolução”, a partir
do século XIX, e mais intensamente, depois da Segunda Guerra Mundial e nas
primeiras décadas que se seguiram.

“... em menos de um século, a Revolução Agrícola


Contemporânea multiplicou várias dezenas de vezes a produtividade da
agricultura dos países industrializados e de alguns setores limitados da
agricultura dos países em vias de desenvolvimento, de maneira que, a
razão da produtividade entre a agricultura manual menos produtiva do
mundo e a agricultura motorizada mais produtiva é, hoje, da ordem de 1
para 500” (ROUDART & MAZOYER, 1998).

Segundo os mesmos autores, de uma forma geral, pode-se afirmar que,


do surgimento da agricultura ao final do século XIX, a evolução da agricultura
no mundo se constituiu numa diferenciação orientada pelas culturas das
diversas sociedades humanas e pelas diferentes regiões do mundo, que

9
Esta idade varia muito, conforme os autores, de 8.500 a 12.000 anos. A data de 9.000 tem
sido mais aceita pela comunidade científica.
10
Alguns autores discordam do termo “revolução”. Apregoam que a agricultura, onde quer que
ela tenha surgido, tenha sido mais um “processo”, que uma mudança drástica de uma
economia baseada na caça e coleta para uma economia calcada na agricultura.
21

condicionaram as variadas formas de se praticar a agricultura, as diferentes


espécies utilizadas e seus rendimentos em termos de calorias ou proteínas
produzidas por unidade de área cultivada. Neste período, as produtividades
desses cultivos eram baixíssimas, comparadas aos rendimentos da agricultura
de exportação atualmente praticada. Muito embora aqueles rendimentos
fossem maiores que a produtividade do início da agricultura, eles podiam ser
medidos em equivalente-semente. Há cem anos, a variação de rendimento das
agriculturas menos produtivas em relação àquelas mais produtivas era de 1
para 10 (ROUDART & MAZOYER, 1998, p.434).

Apesar dos baixos rendimentos das agriculturas praticadas antes da


“Revolução Agrícola Contemporânea”11, suas especializações e seus
rendimentos contribuíram, decisivamente, na evolução dos povos, já que a
produção, o consumo e o comércio de gêneros alimentícios eram fundamentais
na economia da humanidade desde as primeiras civilizações. Povos do
passado prosperaram e formaram impérios tendo como uma de suas bases o
suprimento adequado de alimentos. Um exemplo típico foi a antiga civilização
egípcia que se desenvolveu e se sustentou em decorrência da agricultura (e
das suas técnicas, como irrigação) praticada às margens férteis do rio Nilo.

Segundo Rosegrant & Cline (2003, p. 1917), a agricultura tem sido uma
preocupação por gerações no sentido de sustentar o crescimento das
populações humanas. Desde o começo da história da humanidade até o início
do século XIX a população mundial cresceu muito vagarosamente (NEBEL &
WRIGHT, 1993, p.123). As taxas mundiais de crescimento populacional, de
1700 a 1900, foram, em média, de 0,5 % anuais.

11
“Revolução Agrícola Contemporânea” define, no contexto do presente estudo, as mudanças
que ocorreram a partir do início do século XIX, junto com a “Revolução Industrial”, na Europa, e
o desenvolvimento tecnológico da agricultura, que se seguiu até a atualidade, incluindo, desta
maneira, a RV, após a Segunda Guerra Mundial, e das mais inovadoras técnicas aplicadas no
melhoramento de microrganismos, animais e vegetais, rotulados de “organismos
geneticamente modificados”, ou GMO’s, introduzidos comercialmente na década de 90.
22

Porém, a partir do século XX, a população mundial começou a crescer


expressivamente, sendo que nos primeiros 50 anos, o crescimento foi, em
média, de 0,91 % ao ano, e de 1,67 % ao ano, na segunda metade do século
(GOLDEWIJK, 2005 - tabela p. 352). O mesmo autor, em seu estudo do
crescimento da população global, considera que, na maioria do continente
europeu, no período entre o final do século XVII e o século XVIII, houve uma
grande queda na mortalidade seguida por uma elevação nas taxas de
nascimento, resultando em um crescimento natural elevado da população.
Além disso, o desenvolvimento da agricultura e a industrialização
impulsionaram a migração dentro da Europa, o que resultou no aumento da
urbanização e na emigração para o Novo Mundo (GOLDEWIJK, 2005, p. 344).

Nebel & Wright (1993, p.123) citam que a mudança na taxa de


crescimento da população mundial durante o século XIX foi alavancada por
maiores avanços na agricultura, na indústria, no conhecimento da medicina e
nas condições sanitárias. Ou seja, o advento das vacinas, melhoras no
saneamento básico e, mais recentemente, o desenvolvimento de antibióticos
proporcionaram amplamente o aumento da taxa de sobrevivência infantil, que,
aliado aos altos índices de natalidade, mudaram as taxas de crescimento da
população de uma relativa estabilidade para um crescimento explosivo.
23

Figura 1: Curva de crescimento populacional em bilhões de habitantes


Fonte: Nebel & Wright (1993)

A Figura 1 apresenta, em síntese, a evolução demográfica da


humanidade desde seus primórdios até os anos recentes, e as perspectivas de
crescimento, no médio e longo prazo.

Estima-se que na época de Cristo a população humana era composta


por 1 milhão de indivíduos. Em 1700, contava com 626 milhões, passando a 1
bilhão alguns anos após 180012 e 2 bilhões já antes de 1900. A partir de 1950,
a demografia começou a apresentar um crescimento exponencial. Contava
nesta data com, mais ou menos, 2,66 bilhões, passando para 3,185 bilhões em
1960, 3,762 bilhões em 1970, 4,484 bilhões em 1980, 5,278 bilhões em 1990,
chegando a 6 bilhões, antes do final do segundo milênio (GODEWIJK, 2005,
p.345, dos dados referentes ao “this study”).

Os autores Nebel & Wright (1993, p.123) descrevem as estimativas do


crescimento populacional em números históricos: por volta de 1830 a
população no mundo contava com 1 bilhão de pessoas, dobrando para 2
bilhões após 100 anos, em 1930, sendo que, 30 anos após, chegou à 3

12
NEBEL & WRIGHT, (1993) estimam a data de 1830, aproximadamente, para a população
mundial ter alcançado o número histórico de 1 bilhão de pessoas.
24

bilhões, e decorridos 15 anos, em 1975, 4 bilhões - a população dobrara em


apenas 45 anos - e 12 anos mais tarde, em 1987, foi alcançado um contingente
de 5 bilhões de habitantes.

Antes do final do século XX, em 1999, a população atingiu o número


histórico e expressivo de 6 bilhões de pessoas e, até meados de 2007, a cifra
era de 6,625 bilhões13, conforme estimativas do Population Reference Bureau
(PRB, 2008). Segundo a mesma fonte, em todo mundo nascem a cada minuto
11 indivíduos, ou mais de 15 mil, a cada hora. Previsões do PRB (2008),
apontam um número global de 8 bilhões de indivíduos em 2025, e de 9,3
bilhões em 2050, sendo que 99% deste crescimento ocorrerá nos países em
desenvolvimento.

O efeito exponencial do crescimento populacional após a 2a Grande


Guerra14 foi condicionado por uma conjuntura histórica que perdurou até o
início dos anos 70, especificamente, até a primeira crise do petróleo, em 1974.
Naquele cenário, o mundo conheceu, principalmente nos países desenvolvidos,
um crescimento forte e sustentado, no qual os Estados Unidos da América
(EUA), os países da Europa Ocidental e o Japão tivessem a recuperação e o
crescimento de suas economias alavancados pelo desenvolvimento das
técnicas de produção e do financiamento facilitado (Plano Marshall15)
(MAZOYER & ROUDART, 1998, p.469)16.

Nos últimos 30-40 anos, os avanços científicos na agricultura resultaram


em aumentos jamais vistos na produção de alimentos, principalmente daqueles

13
Deste total, 1,22 bilhões (taxa de crescimento de 0,1% ao ano) são referentes aos países
mais desenvolvidos e 5,4 bilhões (taxa de crescimento de 1,5% anual) aos países menos
desenvolvidos
14 a
O período que se seguiu após a 2 Guerra Mundial ficou conhecido como “Baby Boom”
devido aos altos índices de nascimentos, especialmente nos EUA, “promovidos” pela euforia do
término da guerra e crescimento econômico.
15
O Plano Marshall foi uma política implementada pelos EUA para viabilizar a recuperação
a
econômica dos países atingidos pela 2 Grande Guerra, e, ao mesmo tempo, promover o
desenvolvimento interno.
16
Neste mesmo cenário, insere-se nos países em desenvolvimento, muito deles populosos,
como a Índia, a dinamização das técnicas de produção agrícola, com conseqüentes aumentos
de produção, promovida pelos elevados índices de produtividade da RV.
25

mais importantes no mundo: arroz, trigo, milho e batata (batata-inglesa)


(TRIBE, 1995, p. 43). A produção de grãos na Ásia, durante os 25 anos entre
meados da década de 60 e final dos anos 80, quase dobrou, crescendo, em
média, 2,6 % ao ano - uma taxa que superou os níveis demográficos de
crescimento na maioria dos países. No mesmo período, a produção de
alimentos per capita nos países em desenvolvimento aumentou quase 20 %, e,
embora houvesse importação de outros alimentos, serviu para a melhoria da
dieta das populações. Na América Latina houve, no mesmo período, um
crescimento pronunciado na produção de alimentos básicos. No Brasil, a
produção per capita de alimentos teve ume incremento em torno de 70%, mas
em outros países, como Jamaica, Peru e Haiti houve uma diminuição. A África,
de modo geral, também sofreu uma queda na produção per capita,
especialmente os países da região subsaariana (TRIBE, 1995, p. 44).

O mesmo autor comenta que a produção de alimentos e a segurança


alimentar são temas complexos e variam conforme a região e épocas focadas,
de maneira que não é surpreendente que, há 20 ou 30 anos, alguns
especialistas e pesquisadores do assunto tivessem sido excessivamente
pessimistas quanto à capacidade futura do mundo em suprir-se
adequadamente em um cenário de elevado crescimento populacional.

2.2.1. Evolução da Produção Agrícola Mundial

A Figura 2 mostra que o crescimento agrícola per capita teve uma


grande amplitude de variação no período compreendido entre os anos de
1999/2003, em relação aos anos 1992/1994.

Países, como o Brasil, China, Angola, Vietnã e Moçambique, tiveram


crescimento agrícola per capita (CAPC) acima de 50%, revelando a capacidade
produtiva de alimentos frente ao crescimento de suas populações, considerada
elevada (entre 1990 e 2000, com média de 2,4% anuais, para a África, 1,9%
para o Sul da Ásia e 1,6% para a América Latina, conforme dados da FAO,
2004). Por outro lado, países como França, Inglaterra, Noruega, Itália e Rússia
26

tiveram um crescimento entre - 20% e 0%. Estes países, mesmo com taxas de
crescimento populacionais reduzidas ou mesmo negativas, são dependentes
de importações de alimentos, mas possuem economias que permitem trocas
comerciais.

Diferentemente dos países desenvolvidos, os países africanos da região


subsaariana, apesar do CAPC, no período em questão, estar entre 20 e 50 -
um fato positivo - devem ser estudados com cautela, levando-se em conta o
contexto econômico-social e seus meios de produção de alimentos diante das
condições edafoclimáticas.

Figura 2: Variação per capita da produção agrícola mundial, entre os anos de 1999 a 2003.
Fonte: SCBD (2006)

As comunidades desta região não são capazes de gerar divisas e renda


familiar para, efetivamente, gerar demanda de mercado que possa promover o
desenvolvimento sócio-econômico local. Neste contexto, a segurança alimentar
é comprometida, necessitando de ajuda internacional, principalmente nos
períodos de seca prolongada.
27

A produção agrícola per capita pode se elevar, basicamente, por duas


maneiras: 1) aumento da produtividade por meio de avanços nas tecnologias
de produção animal e vegetal, como o desenvolvimento de variedades
melhoradas e adaptadas às condições edafoclimáticas, e aumento no aporte
de insumos, como fertilizantes. Nestes casos, tem-se a intenção de elevar a
produção em decorrência do aumento da produtividade, e 2) arroteamento e
avanço da fronteira agrícola, principalmente nos países com grandes
extensões de terra propícias à implantação de sistemas agrícolas, localizadas
principalmente nos países em desenvolvimento das regiões tropicais e
subtropicais.

2.2.2. Produção Mundial de Cereais e de Carne

Por ser a base alimentar de um extenso grupo de sociedades, os cereais


são um importante grupo de alimento por ser a base alimentar, em termos
energéticos, da maioria da população mundial, principalmente nos países
asiáticos. Segundo Pimentel & Pimentel (2006), os cereais contribuem em,
aproximadamente, 80% da dieta da humanidade. Apesar dos avanços da
biotecnologia e das tecnologias aplicadas, a produção mundial per capita de
grãos tem crescido lentamente desde 1984.

Cereais, segundo a definição dada pelo World Resources Institute (WRI,


2003), incluem grãos alimentícios, como: milho, trigo, arroz, cevada, centeio,
aveia, milheto, sorgo, trigo sarraceno, alpiste, fonio (Digitaria exilis), quinoa
(Chenopodium quinoa), triticale, farinha de trigo e os cereais componentes de
alimentos. Segundo Foley et al. (2005, p. 570), nos últimos 40 anos, a
produção global de grãos (incluindo os cereais e os grãos de leguminosas,
como a soja) dobrou, passando de 2 bilhões de toneladas ao ano. Parte desta
produção, aproximadamente 12 %, se deve ao aumento de área plantada, mas
a maioria dos ganhos desta produção foi resultado das técnicas (pacote
tecnológico) preconizadas pela RV
28

Conforme dados da FAO (2003a), a produção mundial de cereais teve


um aumento de 32% no período compreendido entre 1979 e 2003. Alguns
países, como o Canadá produzem trigo acima da capacidade de consumo
interna, por isso é um grande exportador dessa commodity agrícola. Outros
países são dependentes da importação de alimentos, como o Japão, que, por
ser um país desenvolvido, facilmente realiza trocas comerciais; já os países da
África subsaariana são pobres e dependem da ajuda externa.

O Brasil, no período em questão, teve um aumento de mais de 215% na


produção de cereais (30,8 milhões de toneladas, em 1979, contra 66,4 milhões
de toneladas, em 2003). A produção brasileira de cereais, no ano de 2003,
correspondia a 2,51% da produção mundial. Notadamente, o Brasil é
proeminente na produção não só de cereais, mas também de outros produtos
agrícolas, como soja, cana-de-açúcar, algodão, e outras commodities
agrícolas, que são fundamentais na balança comercial para geração de divisas.
O país possui grande área territorial ‘passível’ de arroteamento e avanço da
fronteira agrícola, assim como uma agricultura e criação de animais eficientes
destinadas à exportação e consumo doméstico, graças aos avanços da
pesquisa científica nacional e na formação de profissionais capacitados.

Segundo o Secretariat of the Convention on Biological Diversity (SCBD,


2006, p. 16), o suprimento alimentar e a seguridade alimentar serão cada vez
mais importantes devido ao crescimento populacional e outros fatores como:
disponibilidade de terra para plantio, escassez de água, mudanças no comércio
e mercado internacionais, urbanização, distribuição de renda, migração, crises
epidêmicas, cataclismos, assim como mudanças nos hábitos alimentares.

Nas Figuras 3 e 4 são mostradas, respectivamente, as demandas por


cereais e carne nos anos de 1974 e 1997, e as projeções para o ano de 2020.
29

Figura 3: Demanda por cereais no mundo, nos países desenvolvidos e nos países em
desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para 2020, em milhões de
toneladas.

Fonte: IFPRI IMPACT (2001), modificada pelo autor.

Analisando-se a demanda por grupos de países, nos anos de 1974 e


1997, verifica-se que nos países em desenvolvimento o consumo de cereais e
de carne teve uma variação significativa, principalmente no consumo de carne,
ou seja, de 560 para 1118 milhões de toneladas (Mt) e de 32 para 101 Mt,
respectivamente. Já nos países desenvolvidos, as demandas por cereais e
carne, apesar de aumentarem, no período analisado, têm uma amplitude de
variação menos pronunciada que nos países em desenvolvimento. Presume-se
que a elevada taxa de crescimento populacional dos países em
desenvolvimento, aliada ao crescimento econômico, acarretou um maior
consumo dessas commodities.

Deve-se salientar que a ingestão diária de alimentos nos países


desenvolvidos é bem maior que no outro grupo de países. A demanda
alimentar mundial seria bem maior se a população dos países em
desenvolvimento pudesse ter acesso irrestrito à alimentação, tanto pela
variedade, quanto pela quantidade e qualidade.
30

Figura 4: Demanda por carne no mundo, nos países desenvolvidos e nos países em
desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para 2020, em milhões de
toneladas.

Fonte: IFPRI IMPACT (2001), modificada pelo autor.

Mudanças no padrão de consumo alimentar podem demandar maior


produção de alimentos, ou seja, o crescimento populacional, aliado a uma
melhor distribuição de renda pode, por conseqüência, demandar alimentos
mais elaborados e/ou mais caros, em detrimento dos alimentos básicos.

2.2.3. Recursos Pesqueiros: Produção e Consumo Mundiais de Pescado

Segundo Keller & Brummer (2002, p. 264), a agricultura é uma das


características que define a civilização humana, de modo que nenhuma outra
atividade humana tem transformado tão significativamente a superfície do
planeta. Os mesmos autores declaram que a valorização dada à agricultura é
inversamente proporcional aos impactos ambientais que ela acarreta.

Os agroecossistemas têm importância vital na história da humanidade


por ser fonte essencial de alimentos, fibras, energia, e matérias-primas (KERN,
2002, p. 291). Historicamente, a população humana tem dependido, além dos
31

agroecossistemas (terrestres), dos ecossistemas aquáticos - rios, mares e


lagos - para o suprimento alimentar. Segundo The World Bank (2006),
aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas, principalmente dos países pobres,
baseiam-se nos produtos da pesca como fonte de proteína animal (pelo menos
20 % da proteína animal vêm do pescado). Países desenvolvidos, como
Noruega, Espanha, Islândia, Coréia do Sul e, principalmente, o Japão
sobressaem como grandes produtores e consumidores per capita de pescado,
devido à tradição histórica e cultural, e à proximidade com o mar. Em alguns
países pobres e em desenvolvimento o peixe representa a principal fonte
protéica na dieta (~50%), como na Indonésia, Gana e Senegal.

A produção pesqueira de captura (extrativismo) cresceu muito desde


1946, com 18 milhões e toneladas, até 1980, com 80 milhões de toneladas, e
tem-se mantido constante desde então. Na verdade, a manutenção deste tipo
de produção pesqueira se deve ao “esforço de pesca”, que compreende o uso
de tecnologias de pesca industrial, como sonares e satélites que auxiliam na
localização de grandes cardumes, principalmente em profundidades elevadas,
e uso de redes de arrasto e de malha fina. Estas redes funcionam como
técnicas de captura pouco seletivas, pois capturam animais imaturos e
espécies de pouco valor comercial e são, geralmente, descartados. Até 40
milhões de toneladas de peixes são descartadas a cada ano nas capturas
industriais - incluem espécies sem valor comercial imediato, como tubarões,
arraias, golfinhos e indivíduos imaturos (ALVERSON et al., 1994). Há,
notadamente, uma superexploração de pescado acima do limite de máximo de
sustentabilidade das espécies - a sobrepesca, que tem reduzido os estoques
pesqueiros, comprometendo a recuperação natural das populações. Algumas
regiões estão seriamente comprometidas - Sudeste e Noroeste do Oceano
Pacífico, como visto na Figura 5.
32

Figura 5: Nível estimado de pesca sustentável em relação ás capturas, entre os anos de 1987 e
1989, nos principais mares do mundo.

Fonte: World Resources Institute, 1992

Conforme o World Resources Institute (WRI et al., 2003) e The World


Bank (WB, 2005), 70 % dos estoques pesqueiros estão esgotados ou em
declínio. Entre as espécies comercialmente importantes estão aquelas
altamente valorizadas, as de maturação lenta e as que possuem área
geográfica limitada e/ou agregação esporádica para reprodução e
restabelecimento populacional (SADOVY, 2001, citado por PAULY et al., 2002).

Algumas espécies de pescado são capturadas como forma de substituir


as espécies que se tornaram mais raras e com maior valor de mercado. No
entanto, aquelas espécies se tornam comercialmente atrativas, passam a ser
mais exploradas. Outras espécies de pouco valor comercial são usadas na
produção de ração animal e extração de óleo. Aproximadamente, 1/3 da
produção mundial de pescado não é destinada à alimentação (FAO, 2002).
Segundo Naylor et al. (2000), entre 1986 e 1997, 8 das 20 espécies mais
pescadas foram utilizadas na produção de ração animal. Estas espécies,
33

segundo aqueles autores, é a base da cadeia alimentar nos ecossistemas


marinhos, de modo que a depleção dessas populações reduz o suprimento
alimentar para outras espécies que estão no topo da cadeia alimentar -
geralmente, as de maior valor de mercado.

Os dados sobre estoques pesqueiros mundiais mostram uma diminuição


no tamanho individual do pescado e do valor das capturas. A captura de peixes
grandes tem se tornado cada vez mais difícil, fazendo com que os pescadores
pesquem indivíduos pequenos e espécies de pouco valor.

Como resultado, captura-se, seqüencialmente, os grandes peixes do


topo da cadeia alimentar até chegar aos peixes pequenos: os imaturos e os da
base da cadeia alimentar (The World Bank, 2005).

Globalmente, a produção de pescado, incluindo a aqüicultura, aumentou


rapidamente de 19 milhões de toneladas, em 1950, chegando a 100 milhões,
em 1989, e 133 milhões de toneladas, em 2002 (Figura 6).

Figura 6: Produção mundial de pescado: captura e aqüicultura entre os anos de 1950 e 2000.
Fonte: The World Bank, (2005).
34

O extrativismo marítimo alcançou 80 milhões de toneladas, em 1980, e


praticamente, permanece inalterado nesse patamar desde então (Figura 7).
Segundo The World Bank, (2005), esse comportamento da produtividade
pesqueira, indica que a captura comercial alcançou o potencial máximo de
produção. A FAO (citada por The World Bank, 2005), revela que 25 % dos
estoques pesqueiros são explorados em níveis insustentáveis, e a metade é
completamente explorada (Figura 7). Esta última condição, aparentemente
indica uma produção ecologicamente e racionalmente sustentada, no entanto,
isso não garante a manutenção das populações ictíicas. Além disso, a
tendência da atividade pesqueira, principalmente da pesca industrial, com suas
traineiras altamente equipadas, é pescar cada vez mais. Aproximadamente
30% de todo pescado são provenientes de 10 espécies de peixes, sendo que 7
são totalmente exploradas ou sobreexploradas FAO, (citada por The World
Bank, 2005) .

Associam-se à sobrepesca e ao descarte como principais causas do


esgotamento dos recursos pesqueiros, a degradação e poluição dos
ecossistemas costeiros, como mangues, recifes de corais. Estes hábitats
funcionam como berçários naturais e fonte de alimento para a maioria das
espécies ictíicas, entre elas, as comercialmente exploradas.

A aqüicultura - criação racional de espécies aquáticas - tem mostrado


um grande e rápido crescimento nas últimas décadas, resultante do aumento
da demanda mundial por proteína e dos custos crescentes do extrativismo
industrial e artesanal frente à redução dos estoques pesqueiros. Segundo a
FAO (2002), a participação da aqüicultura na produção mundial de pescado
passou de 3,9%, em 1970, para 27,3%, em 2000 (FAO, 2002). Os países
asiáticos, especialmente a China, respondem mais de 80% da produção da
aqüicultura mundial, em torno de 26 milhões de toneladas (WRI et al., 2000).
35

Figura 7: Avaliação mundial dos estoques pesqueiros marítimos, em 2004.

Fonte : Banco Mundial (2005).

Mundialmente, o consumo per capita de pescado e seus produtos


aumentou de 10,5 kg/ano para 16,5 kg/ano nas últimas três décadas. As
previsões de consumo apontam uma demanda mundial crescente, alcançando
20 kg/ano por habitante, no ano de 2020. Nos países em desenvolvimento, o
consumo per capita cresceu de 45 %, em 1975, para 70 %, em 1997 (The
World Bank, 2005).

A pesca predatória e intensiva, aliada à poluição dos mares e destruição


dos hábitats, está dificultando a multiplicação natural das espécies e limitando
severamente os ecossistemas aquáticos como estoques naturais e estratégicos
de alimentos para a humanidade. Os mares eram vistos como fontes
inesgotáveis de recursos pesqueiros e passíveis de exploração intensiva.
Contudo, nas últimas décadas, o extrativismo pesqueiro tem demandado
grandes esforços de pesca: capital, tecnologias avançadas e técnicas de
captura pouco seletivas e destrutivas, como redes de arrasto que destroem o
fundo dos mares e de redes de malha fina que capturam toda sorte de animais
marinhos: peixes pequenos e imaturos, espécies de pouco ou sem valor
36

comercial imediato e animais de grande porte, como focas e golfinhos, que se


enroscam nestas redes e morrem.

Um estudo publicado na revista Science, do mês de novembro de 2007,


faz um prognóstico pessimista quanto aos recursos pesqueiros: dentro de 40
anos, se medidas efetivas para pesca sustentável não forem implementadas,
assim como a redução dos impactos ambientais causados pelo homem
(poluição e da destruição dos habitats, alterações climáticas), a maioria das
espécies ictíicas estarão extintas ou ameaçadas de extinção.

A pesca de captura é uma atividade extrativista caracterizada pela pesca


sem reposição, no entanto, os recursos pesqueiros são renováveis. Muitos
mares já não oferecem fartura de peixes, estão esgotados, de modo que a
recuperação será muito lenta. À população mundial serão acrescentados ainda
de dois, três bilhões de habitantes, ou mais, nas próximas décadas. O
extrativismo pesqueiro e a aqüicultura, conduzidas de forma racional, aliados à
conservação dos ecossistemas marinhos podem contribuir, decisivamente,
para a segurança alimentar de povos e nações, e servir de reservas
estratégicas de alimentos das gerações atuais e futuras, além de promover a
economia, o emprego, o bem-estar social, e principalmente, assegurarem a
diversidade das espécies (GERGOLETTI & FIGUEIREDO, 2004).

2.3. Sustentabilidade, Capacidade de Suporte, Resiliência e


Desenvolvimento Sustentável da Produção de Alimentos

Segundo Tilman et al. (2002), a conversão dos ecossistemas naturais


em sistemas de produção de alimentos e outros bens representa um conjunto
de atividades que influenciam fortemente o meio ambiente. Aiking & Boer
(2004), corroboram a afirmação anterior ao considerarem que a produção e o
consumo de alimentos são mais impactantes que outras atividades humanas. A
37

agricultura é uma das atividades que caracteriza a humanidade, e a que mais


tem transformado o Planeta (KELLER & BRUMMER, 2002, p. 264).

Os sistemas agrícolas intensivos requerem grande aporte de insumos,


como água, fertilizantes, pesticidas, energia, além de máquinas e
equipamentos modernos, com o objetivo de alcançar as altas taxas de
produtividade das culturas geneticamente melhoradas. Contudo, os
agroecossistemas tanto produzem, quanto sofrem com os impactos ambientais,
dentre eles: alteração do microclima, rebaixamento do lençol freático, poluição
e contaminação do ambiente por pesticidas e fertilizantes, alteração da
biodiversidade, entre outros.

Do ponto de vista ambiental, o termo sustentabilidade traduz a


capacidade dos sistemas em se manter no longo prazo, ou seja, a capacidade
de reprodução dos sistemas sejam eles produtivos ou naturais. O termo
“sustentabilidade” tem sido amplamente utilizado, de forma pouco rigorosa, o
que implica em algumas confusões conceituais. De qualquer forma, a
concepção das Nações Unidas, aponta para a adoção de práticas produtivas
que garantam o atendimento das demandas atuais de bens e serviços sem
comprometer a habilidade ou condições de suporte das futuras gerações
(PERKINS, 1997, p. 263). Segundo o mesmo autor, esta definição tem um viés
ético referente à geração atual em relação às gerações futuras. No entanto, o
autor indaga: O que exatamente é ser sustentável? Quanta área deve ser
utilizada? Por quanto tempo? Por quem? Para quem?

Perkins (1997, p. 263) expõem quatro fatores de relevância para o


debate acerca da sustentabilidade na produção de alimentos, são eles: 1) a
comunidade de famílias de agricultores subsistindo em determinada área; 2) o
poder econômico e político de um grupo particular ou nação; 3) a magnitude da
produção em uma determinada área; e 4) o aproveitamento de recursos
naturais, como solo ou água.
38

Sustentabilidade, segundo David Pearce, implica em manter o nível do


bem-estar humano, de forma que se possa melhorá-lo, mas nunca reduzi-lo ao
longo do tempo (VAN DERVEER & PIERCE, 1997, p. 465).

Sugere-se como sinônimo de sustentabilidade na produção de


alimentos, a adoção de: sistemas biodinâmico, orgânico, eco-biológico, de
baixo uso de insumos, sem a utilização de agroquímicos, combustíveis fósseis
e, em alguns casos, sem o uso plantas e animais geneticamente alterados
(HULSE, 1991, p. 546).

A definição de Desenvolvimento Sustentável mais usada atualmente é:


“...desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade das gerações futuras em atender suas próprias
necessidades”, segundo o relatório da Comissão Mundial para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento: Nosso Futuro em Comum, de 1997 (VAN
DERVEER & PIERCE, 1997, p. 464).

Segundo Languelle (2000), citado por Aiking & Boer (2004),


Desenvolvimento Sustentável está relacionado com a capacidade do ambiente
em satisfazer as necessidades humanas no presente e no futuro, levando-se
em conta as teorias de justiça social e os aspectos econômicos, sociais e
ecológicos de sustentabilidade.

Desenvolvimento Sustentável, em seu viés ambiental, está relacionado á


preservação, ou aumento, dos recursos produtivos básicos, particularmente
para as gerações futuras (DEVEREUX & MAXWELL, 2003, p. 94-5). Os
autores acrescentam que a idéia de Desenvolvimento Sustentável deve estar
intrinsecamente relacionada com a redução da vulnerabilidade, pobreza, justiça
social, proteção ambiental, bem como, com o crescimento econômico e a
distribuição equitativa dos ganhos ou lucros.

Um novo conceito de Desenvolvimento Sustentável é conhecido na


literatura como “Sustentabilidade Fraca”, que permite a exaustão de alguns
recursos naturais na medida em que haja compensações adequadas por
39

aumentos em outros recursos, mesmos estes sendo construídos ou fabricados


pelo homem. Mas o que constitui compensação adequada? (VAN DERVEER &
PIERCE, 1997, p. 465).

Na percepção de Benjamin (1993):

“Só compreendendo o homem como ser natural conseguiremos


tratar de forma integrada - profunda e permanente - as questões do
desenvolvimento e da proteção do ambiente. Em outras palavras: só
assim poderemos pensar num desenvolvimento sustentado. Não se trata
de buscar um estado estacionário de harmonia, mas um processo
continuado de mudança, no qual a exploração dos recursos naturais, a
orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e
a organização institucional dos homens estejam de acordo com as
necessidades atuais - revisadas segundo novos padrões - sem
comprometer as possibilidades de atendê-las no futuro.” (BENJAMIN,
1993, p. 138).

Outro conceito relevante para a discussão da sustentabilidade é o de


“Capacidade de Suporte”, que deriva da ecologia, significando o número
máximo de indivíduos de uma espécie que um habitat pode suportar
indefinidamente, sem que haja algum tipo de degradação dos recursos naturais
básicos (AAAS, 2000). O termo Capacidade de Suporte é mais propriamente
usado em ecologia das populações, entretanto muitos pesquisadores têm
aproveitado seus fundamentos para a análise das sociedades modernas.

Devido á “artificialização” do modo de vida das populações humanas


modernas, o termo Capacidade de Suporte tornou-se mais restrito. A “Pegada
Ecológica” ou ‘Footprint” é uma forma de se avaliar a capacidade de suporte do
meio, no âmbito regional ou global, levando-se em conta as interferências
antropogênicas atuais.

Com vista à sustentabilidade do suprimento alimentar, segundo Braun &


Brown (2003), aponta-se a necessidade premente e contínua da produção de
40

alimentos e, portanto, a necessidade da manutenção de um ambiente natural


equilibrado, mantendo a capacidade de suporte do meio, resultando na
garantia da reprodutividade dos meios de produção.

Resiliência, segundo o mesmo autor, significa a máxima perturbação


que um ecossistema pode sofrer sem que ocorram mudanças para um estado
de equilíbrio alternativo. Quanto menor a área de determinado ecossistema,
são menores as condições de resiliência, ou seja, o sistema é mais vulnerável.

Devido á histerese e à “invisibilidade” da resiliência, os sistemas


naturais em geral não mostram sinais de mudanças bruscas (SCHEFFER et
al., 2001, p. 596). Entretanto, isso parece estar mudando diante dos
cataclismos atuais relacionados às mudanças climáticas.

Segundo Devereux & Maxwell, (2003, p. 99), os Neo-Malthusianos


teorizam acerca da inevitável degradação sócio-ambiental, e apontam que a
humanidade caminha para um futuro no qual não será possível obter alimentos
em quantidades suficientes, a menos que medidas drásticas sejam tomadas
para evitar que as populações humanas destruam os recursos naturais dos
quais dependem. Há, portanto, segundo os mesmos autores, um conflito entre
segurança alimentar e meio ambiente. As pessoas propositadamente praticam
uma má gestão dos recursos naturais objetivando ganhos no curto prazo,
negligenciando os efeitos de suas ações no longo prazo e as implicações
decorrentes para as futuras gerações (DEVEREUX & MAXWELL, 2003, p. 99-
100). Conforme os autores, em locais onde a propriedade é comum,
inevitavelmente, os recursos naturais são super explorados e degradados,
corroborando a tese da “tragédia dos comuns” (HARDIN, 1968, citado por
DEVEREUX & MAXWELL, 2003, p. 99-100). O exemplo mais nítido desta tese
é a sobrepesca na maioria dos mares do mundo, que tem afetado a
reprodutividade normal das espécies pesqueiras e, por conseqüência, tem
comprometido a produção futura de pescado.
41

2.4. Limites e Influências Ambientais da Produção de Alimentos


e de Outros Bens

A Figura 8 mostra a proporção entre a demanda da humanidade e a


capacidade produtiva do planeta (biocapacidade - produção de biomassa pela
biosfera, em termos líqüidos), entre os anos de 1961 e 2001, e como essa
proporção tem sido alterada neste período.

Figura 8: Pegada ecológica global


Fonte: SCBD, (2006a, p. 37)

A humanidade consumiu, em termos líquidos, em torno da metade da


biocapacidade, em 1961, evoluindo para um consumo, em 2001, 20% além da
capacidade da biosfera, ou seja, a biosfera leva 1 ano e três meses,
aproximadamente, para renovar o que a humanidade usa em 1 ano (SCBD,
2006a, 37-8).

2.4.1. Disponibilidade Mundial de Terra

Na década passada, em termos globais, a área agricultável ou


disponível para plantio per capita caiu 20%, conforme divulgação do World
42

Watch Institute (WWI, 2001), citado por Pimentel & Pimentel (2006).
Atualmente, em média, a terra disponível para cultivo é de 0,28 hectare17 per
capita.

Tolba et al. (1992, 288) informam que a porcentagem de terra


agricultável aumentou somente 4,8%, no período entre1970 e 1990, sendo que
a relação solo agricultável e população global diminuiu, em média, de 0,38 %
em 1970 para 0,28, em 1990, em função do crescimento da população.

Conforme estimativas da Food and Agricultural Organization (FAO,


1991) - Sustainable development and management of land resources -
Background Document n. 1, - se a terra arável permanecesse nos patamares
daquela época (1,4 bilhões de hectares, em 1991), assumindo que não
houvesse incorporação de novas áreas para plantio nem a perda por
degradação do solo, o total de área agricultável per capita no mundo diminuiria
gradativamente para 0,23 hectare, em 2000, chegando a 0,15 hectare, em
2050 e 0,14 hectare, em 2100. As previsões de 2000 coincidem, praticamente,
com os dados reais publicados por Pimentel & Pimentel (2006). O total de área
terrestre global é de, aproximadamente, 13,382 bilhões de hectares (ha), dos
quais 13,069 bilhões de hectares (97,66%) estão livres de gelo, sendo que 11%
são cultivados e 24% são pastagens permanentes (TOLBA et al., 1992, p. 288).
Segundo o mesmo autor, as áreas potencialmente aráveis ou agricultáveis são
estimadas em 3,2 bilhões de hectares, aproximadamente, 24% da área total.

Conforme as definições dadas pela FAO (2004b, p. 89-92):

• Terra arável: áreas com culturas temporárias, campos temporários


para pastagem ou ceifas, áreas de galinheiro e áreas
temporariamente sob pousio (menos que 5 anos); esta categoria não
inclui terras abandonadas;

• Área de terra ou terra: totalidade da área rural, excluindo-se as áreas


de terra sob corpos de água (geralmente grandes rios e lagos);

17
1 hectare equivale a 10 mil metros quadrados
43

• Disponibilidade de terra: terras aráveis, incluindo as terras com


culturas permanentes;

• Terras com culturas permanentes: terras cultivadas que ocupam as


áreas por longos períodos e não precisam ser replantadas após cada
colheita, como; coco, café e seringueira. Esta categoria inclui as
áreas cultivadas com flores, plantas frutíferas, as plantas que
produzem amêndoas e vinhedos, mas não incluem as áreas de terra
com espécies florestais e de reflorestamento, visando a produção de
madeira e lenha;

• Área total: conjunto total das áreas rurais incluindo as terras sob os
corpos d’água;

Conforme as estatísticas da FAO (2004b), Tabela 1, em 2002, a área


terrestre total era 13,428 bilhões de hectares, com uma pequena variação (5
milhões de hectares), entre os anos de 1980 e 1990 (13,433 bilhões). Porém,
os dados são maiores daqueles descritos por Tolba et al. (1992, p. 288) para o
ano de 1990 - 13,382 bilhões de hectares - compilado da FAO (FAO Production
Yearbook, v.43, 1990), perfazendo uma diferença a mais, para os dados de
2002, de 46 milhões de hectares.

Conforme os dados da FAO (2004b), a terra arável, no ano de 2002,


totalizava 1,404 bilhões de hectares, com uma diferença a mais de 1%, ou 61,3
milhões de hectares, em relação os dados de 1980.

Tomando-se como base os dados compilados pela FAO (2004b, 18),


Tabela 1, a porcentagem de terra arável sob o total de área terrestre era de
10,5% em 2002, 10,45% em 1990 e de 10% em 1980, com um acréscimo de
0,5 ponto percentual ou 66 milhões de hectares, aproximadamente, de 1980 a
2002.
44

No entanto, pode-se verificar que nos países desenvolvidos, assim como


nos países de economia em transição18, a porcentagem de terra arável tem
diminuído um pouco mais neste último grupo de países (1,2 ponto percentual)
em relação aos anos de 1980 a 2002.

Já nos países em desenvolvimento, a porcentagem de terra arável tem


aumentado, no mesmo período - 1,3 pontos percentuais ou, aproximadamente,
14,6%. Somente por esses dados, concluí-se que, nos países em
desenvolvimento, houve uma maior pressão para incorporação de terras
potencialmente agricultáveis para produção de alimentos.

18
Países com economia em transição: outrora denominados “Países do Segundo Mundo”, do
bloco socialista, liderados pela antiga União Soviética. Após 1990, com a queda do “Muro de
Berlim”, esses países têm passado por um processo de transição da economia socialista à
economia de mercado e capitalista.
45

Tabela 1 – Área total, terra arável e terra com culturas permanentes no mundo, por regiões
continentais e por grupo de países.

Região / Ano Área Terra Terra sob Terra arável / Área total Terra Terra sob
Grupo de total arável culturas Área total arável culturas
países permanentes permanentes

Milhões de hectares (%) Porcentagem da área mundial

WORLD 1980 13400 1300 96,6 10,0 ... ... ...


1990 13400 1400 113,5 10,4 ... ... ...
2002 13400 1400 130,3 10,5 ... ... ...

Países 1980 5700 651,0 24,1 11,5 42,1 48,5 24,9


desenvolvidos 1990 5700 649,5 23,6 11,5 42,1 46,7 20,8
2002 5600 611,5 23,8 10,8 42,0 43,6 18,3

Países 1980 3300 338,8 16,4 11,5 24,5 28,2 16,9


Industrializados 1990 3300 378,8 16,6 11,5 24,5 27,3 14,7
2002 3300 366,5 16,9 11,1 24,5 26,1 13,0

Economias em 1980 2400 272,5 7,7 11,6 17,5 20,3 8,0


transição 1990 2400 269,7 7,0 11,4 17,5 19,4 6,1
2002 2400 245,0 6,9 10,4 17,5 17,5 5,3

Países em 1980 7800 691,5 72,5 8,9 57,9 51,5 75,1


desenvolvimento 1990 7800 742,1 89,9 9,5 57,9 53,3 79,2
2002 7880 792,5 106,4 10,2 58,0 56,4 81,7

América Latina 1980 2100 127,8 17,7 6,2 15,3 9,5 18,3
e Caribe 1990 2100 134,5 18,2 6,5 15,3 9,7 16,0
2002 2100 148,1 20,5 7,2 15,3 10,5 15,8

Oriente Médio e 1980 1300 82,4 8,3 6,5 9,4 6,1 8,6
África do Norte 1990 1300 86,4 10,1 6,8 9,4 6,2 8,9
2002 1300 88,7 11,4 7,0 9,4 6,3 8,8

África Sub- 1980 2300 124,3 15,8 5,3 17,4 9,3 16,4
saariana 1990 2300 130,9 18,1 5,6 17,4 9,4 16,0
2002 2300 146,6 20,4 6,3 17,4 10,4 15,6

Leste e Sudoes- 1980 1600 161,6 22,8 10,2 11,8 12,0 23,6
te Asiático 1990 1600 193,7 34,3 12,2 11,8 13,9 30,0
2002 1600 213,1 42,4 13,4 11,8 15,2 32,6

Sul da Ásia 1980 449,0 195,1 7,0 43,5 3,3 14,5 7,2
1990 449,0 196,0 8,2 43,7 3,3 14,1 7,2
2002 449,0 195,4 10,6 43,6 3,3 13,9 8,1

Fonte: FAO, (2004b, p.69), modificada pelo autor.

Fazendo-se uma análise dos dados da FAO (2002, 20-1), “Proporções


de disponibilidade de terra per capita”, Tabela 2, pode-se verificar que houve
no período, entre 1980 a 2002, um decréscimo na disponibilidade de terra
46

arável per capita de 0,32 ha/habitante, em 1980, para 0,25 ha/habitante em


2002, uma diminuição de 22% no período.

Tabela 2 – Disponibilidade de terra per capita no mundo, por regiões continentais e por
grupo de países, nos anos de 1980, 1990 e em 2002.

Ano Relação per capita


Regiões / grupo de países População População População econo-
mundial dependente micamente ativa
da agricultura na agricultura

WORLD 1980 0,32 0,65 1,35


1990 0,29 0,62 1,23
2002 0,25 0,59 1,15

Países desenvolvidos 1980 0,58 4,25 9,06


1990 0,54 5,02 10,80
2002 0,48 6,77 14,03

Países industrializados 1980 0,50 5,90 13,77


1990 0,47 7,76 17,50
2002 0,42 11,17 24,88

Economias em transição 1980 0,73 3,05 6,11


1990 0,67 3,34 6,97
2002 0,62 4,24 8,44

Países em desenvolvimento 1980 0,23 0,37 0,77


1990 0,21 0,36 0,72
2002 0,18 0,36 0,70

América Latina e Caribe 1980 0,40 1,14 3,26


1990 0,35 1,30 3,41
2002 0,32 1,59 3,88

Oriente Médio e Norte da África 1980 0,37 0,80 2,19


1990 0,30 0,85 2,27
2002 0,24 0,84 1,99

África Subsaariana 1980 0,40 0,54 1,16


1990 0,32 0,46 1,00
2002 0,26 0,41 0,90

Leste e Sudoeste Asiático 1980 0,13 0,19 0,36


1990 0,14 0,21 0,37
2002 0,13 0,23 0,39

Sul da Ásia 1980 0,23 0,35 0,75


1990 0,18 0,31 0,69
2002 0,15 0,28 0,59

Fonte: FAO, (2004b, p. 20), modificada pelo autor.


47

Analisando-se os dados por regiões, verifica-se que a proporção de terra


arável per capita diminuiu em diferentes taxas ou permaneceu constante, como
nos países do Leste e Sudoeste asiático. Neste último caso, houve um
aumento proporcional entre população e terra arável.

Pode-se concluir que a proporção de terra arável per capita decresceu


no período em razão do elevado crescimento populacional, de modo que,
mesmo com o arroteamento significativo em algumas regiões para produção de
alimentos, seja para a agricultura ou para formação de pastagens, o aumento
demográfico tem suplantado em muito o equilíbrio entre o agroecossistemas e
a população humana.

2.4.2. Disponibilidade Mundial de Água

Aproximadamente 98% da água existente no mundo são salinas,


depositadas nos oceanos, mares e aqüíferos subterrâneos. Somente os 2%
restantes é água doce. Contudo, 87% desta água encontram-se nas calotas
polares e glaciares, nas reservas profundas e nas camadas subsuperficiais do
solo, na atmosfera e nos seres vivos. Excetuando-se os lagos, apenas 2000
km3 estão irregularmente disponíveis nos rios do planeta, ou 40 mil km3 por ano
(WRI et al., 1990, p. 166).

Comparada com o total, é uma irrisória quantidade de água que a


humanidade pode aproveitar para consumo doméstico e para as atividades
produtivas da indústria e da agricultura. Destaca-se que a disponibilidade de
água pode ser menor, levando-se em conta a sazonalidade das chuvas e a
contaminação com os mais variados poluentes advindos de esgotos urbanos e
industriais, de fertilizantes e defensivos agrícolas, entre outros.

Grandes centros urbanos e áreas com alta densidade demográfica têm


tido sérios problemas de falta de água em regiões onde normalmente não há
restrições hídricas por insuficiência de chuvas. A poluição e o mau uso dos
recursos hídricos, aliados à precariedade da infra-estrutura urbana e a
ocupação e uso irracional do solo, como desmatamentos, têm sido as
48

principais causas do déficit hídrico nestas regiões. Este quadro deve se


agravar, no futuro, a médio e longo prazos, independentemente dos efeitos das
mudanças climáticas, principalmente nos países pobres e em desenvolvimento,
onde as taxas de crescimento populacional são altas - 1,5 % anuais, em
média.

Em um cenário mais pessimista, as futuras gerações viverão em


situações semelhantes às populações dos grandes desertos do mundo, onde a
escassez de água é fato habitual. Contudo, no futuro próximo, os recursos
hídricos tenderão a serem tratados cada vez mais como reservas naturais
estratégicas, face às mudanças climáticas, aumento da população e
degradação ambiental.

Segundo Tolba (1992, p. 290), a agricultura é a maior consumidora de


água, especialmente nos países em desenvolvimento. Nos últimos 40 anos
houve um aumento de cerca de 70% de áreas irrigadas no mundo
(ROSEGRANT, CAI & CLINE, 2002; GLEICK, 2003, citados por FOLEY et al.,
2005, p. 570). As demandas hídricas resultantes da irrigação agrícola totalizam
85% do consumo global19 estimado em 1800 a 2300 km3 por ano, resultando
em redução da vazão de muitos rios, particularmente nas regiões semi-áridas,
chegando alguns a secar (GLEICK, 2003; SHIKLOMANOV, 1998, citados por
FOLEY et al., 2005, p. 571). Os mesmos autores enfatizam que a extração de
água dos aqüíferos é insustentável e tem redundado no rebaixamento do lençol
freático em muitas regiões do planeta.

Se a quantidade de água retirada localmente, de rios, lagos e de


aqüíferos subterrâneos não ultrapassar seu restabelecimento ou renovação, os
recursos hídricos podem ser usados indefinidamente, e neste caso, são
recursos renováveis (WRI et al., 1990, p. 167).

A fonte primária de água doce é a precipitação. A precipitação global


totaliza cerca de 500 mil km3 por ano, mas somente 1/5 ou, aproximadamente,

19
Consumo global relativo ao uso despendido, ou seja, não há reaproveitamento ou consumo
múltiplo.
49

110 mil km3 precipitam-se no solo. Deste total, 35% permanecem na superfície,
como rios lagos, pântanos e reservatórios artificiais, ou percolam no perfil do
solo, alimentando os aqüíferos profundos (WRI et al., 1992, p. 160). Segundo
os mesmos autores, a precipitação global varia consideravelmente. Na Bacia
Amazônica e áreas do Sul e Sudeste asiático, as chuvas são pesadas, acima
de 3 metros por ano. Já no Oriente Médio, Norte da África, Centro-Norte da
Ásia e Região Central da Austrália as precipitações são escassas,
normalmente sem padrão definido e confiável.

Pelo menos 80 países localizados em regiões áridas e semi-áridas,


compreendendo 40% da população mundial, têm problemas sérios com secas
periódicas. Em contraste, as inundações são o maior problema em algumas
regiões do mundo, como Bangladesh (WRI et al., 1992, p. 160).

Atualmente, a área irrigada no mundo totaliza 271 milhões de hectares,


que sendo ¼ estão nos países desenvolvidos e 1/3 na Ásia e estas proporções
tem-se mantido constantes desde 1988 (FAO, 2003, p. 160; ROSEGRANT &
SVENDSEN, 1994, p. 407). Contudo, os custos de investimento com irrigação
têm-se tornado cada vez mais caros, resultantes de menores acréscimos de
produtividades e escassez de água, associados aos preços mundiais
relativamente baixos das commodities, principalmente arroz e trigo
(ROSEGRANT & SVENDSEN, 1994, p. 406; TOLBA, 1992, p. 290; FAO, 2003,
p. 138). A irrigação tem sustentado altas produtividades agrícolas, contudo tem
criado uma série de impactos ambientais, como destruição de hábitats naturais
para construções de barragens e reservatórios (TOLBA, 1992, p. 290-1), e
degradação do solo devido o uso de água salobra20, entre outros danos.

A grande parte da produção agrícola é conduzida sob o regime de


chuvas, também conhecidas como culturas de sequeiro. Em torno de 1, 5
bilhões de hectares (ha) ou 11% da superfície terrestre, estimada em 13, 4
bilhões de hectares. Em comparação, no período de 1997/1999, as terras

20
Água com sais dissolvidos, porém em menor concentração que a água do mar.
50

irrigadas representavam mundialmente 21% da terra arável, 59% da produção


de cereais e 40% da produção total das culturas (FAO, 2003, p. 126).

2.4.3. Consumo Mundial de Fertilizantes

O aumento da aplicação de fertilizantes artificiais para suprir


adequadamente as culturas agrícolas com os principais nutrientes21 -
nitrogênio, fósforo e potássio - foi determinante para o sucesso da Revolução
Verde (TOLBA, 1992, p. 292). Os fertilizantes são indispensáveis para a
manutenção e aumento da produtividade agrícola. Eles repõem a depleção
regular na concentração de nutrientes do solo proporcionada pela exportação
das colheitas e pela perda provinda dos processos de erosão, lixiviação,
fixação e volatilização. Os incrementos na produtividade de biomassa das
culturas requerem absorção adicional de nutrientes providos pela fertilização
orgânica e mineral. Aproximadamente 50% dos fertilizantes aplicados nos
sistemas produtivos revertem em benefício das culturas, a outra metade é
perdida pelos processos anteriormente citados (FAO, 2003, p. 148)

Há uma relação estreita entre a produção de cereais e consumo de


fertilizantes. Segundo a FAO (2003, p. 148), durante as décadas de 70 e 80, 1/3
e metade dos acréscimos de produtividade dos grãos no mundo e na Índia,
respectivamente, foram atribuídas ao aporte de fertilizantes.

As culturas de trigo, arroz e milho participaram com 52% do consumo


mundial de fertilizantes, nos anos de 1997/199922, estimado em 137,7 milhões
de toneladas de nutrientes.

21
Dentre os nutrientes essenciais ás plantas, os macronutrientes primários, representados pelo
N (nitrogênio), P (fósforo) e K (potássio), são assim denominados por serem necessários em
maior quantidade que os macronutrientes secundários (Ca, Mg e S) e estes mais que os
micronutrientes (Fe, Cu, Zn, Mn, B, I, Na, Cl, Mo e Co), estes, aplicados em quantidades
ínfimas por hectare: de 0,001 a 1% das doses de macronutrientes (30 a 200 kg/hectare, em
média).
22
Média anual referente aos anos de 1997 a 1999.
51

A Figura 9 mostra o consumo mundial de fertilizantes, em relação aos


três principais grupos de adubos: nitrogenados (N), fosfatados (P2O5) e
potássicos (K2O), comumente chamados de fertilizantes N-P-K. Verifica-se que
houve aumento em todos os grupos, mas, proporcionalmente, o consumo de N
teve um aumento bem maior, aproximadamente, 12 milhões de toneladas, em
1960-61, para 80 milhões de toneladas, em 1996-97 - um aumento de quase
670%. Em 1960-61, a relação entre os grupos de nutrientes era de 1:1:1. Já,
em 1996-97, a relação passou a 8:3:2, aproximadamente.

Figura 9: Evolução do consumo mundial de fertilizantes N-P-K, entre os anos de 1960/61 e


1996/97, em milhões de toneladas de nutrientes (K2O, P2O5 e N).

Fonte: IFA/UNEP (1998, p. 11)

A variação nas proporções no consumo de N-P-K, no período de


1960/61 a 1996/9 - principalmente para o nitrogênio (N), com variação de 800%
- se deve às respostas altamente significativas das cultivares de alta
produtividade, aliada às maiores perdas de N nos sistemas produtivos. Em
muitos países em desenvolvimento, os fertilizantes são subsidiados de
diferentes formas, contribuindo para que a fertilização seja praticada de
maneira ineficiente e em altas doses (TOLBA, 1992, p. 293).
52

Os fertilizantes podem causar impactos ao meio ambiente,


principalmente em manejos inadequados. Por meio da erosão e lixiviação,
nutrientes, na forma de nitrato e fosfato, são carreados aos rios e mares, onde
causam eutroficação. Os nitratos contaminam as águas profundas e
superficiais e são um grande problema na América do Norte e em muitos
países europeus (TOLBA, 1992, p. 293).

O consumo mundial de fertilizantes por hectare de terra arável, nos anos


de 1997/1999, foi de 92 kg, em média. Um índice altamente significativo se
comparado aos anos de 1961/1963, com consumo de 25 kg/ha/ano (FAO,
2003, p. 149). Os países industrializados têm consumido, em média, maiores
quantidades de fertilizantes por área que os países pobres e em
desenvolvimento, respectivamente 117 e 84,8 kg de nutrientes/ha/ano. Porém,
os países do Sul da Ásia (incluindo a Índia) e do Leste asiático (incluindo a
China), consomem 103 e 194 kg de nutrientes/ha/ano, respectivamente (FAO,
2003, p. 149). Segundo a FAO (2003, p. 149), as projeções indicam que o
consumo mundial de fertilizantes cresça para 165,1 milhões de toneladas (Mt),
em 2015 e 188 Mt, em 2030.

Em situações normais de produção, os fertilizantes representam 24 a


30% dos custos variáveis totais (LU et al., 2000; BULLEN & BROWN, citados
por GAREAU, 2003, p. 347).

2.5 Produção de Alimentos versus Produção de Biomassa


para Fins Energéticos

Novos termos têm-se tornado freqüentes nos últimos 15 anos devido,


principalmente, ás necessidades globais na busca de alternativas de energias
menos impactantes e renováveis em substituição aos combustíveis fosseis.
Biomassa para fins energéticos, bioenergia, agroenergia, biodiesel, etanol,
agroenergia, commodities agroenergéticas, entre outros, fazem parte destes
53

novos termos. Mas, por utilizar os mesmos fatores produtivos das commodities
alimentares, algumas perguntas são muito apropriadas e consistentes, entre
elas:

• As necessidades mundiais de energia podem contrapor à


segurança alimentar e ambiental?

• Os agrocombustíveis podem intensificar o avanço da fronteira


agrícola e/ou invadir áreas de produção de alimentos?

• Quais os impactos das commodities agroenergéticas nos


mercados de energia (combustíveis, eletricidade) e nos mercados
de alimentos, rações e fibras?

Rodrigues (2008, p. 88) afirma:

Nada é mais repetitivo do que o falso dilema da disputa


biocombustível x alimentos, e não há argumentação numerológica,
técnica ou científica que demova os neo-malthusianos crentes na fome
por causa do etanol e do biodiesel”.

O mesmo autor argumenta que no Brasil, nos últimos 15 anos, a


área plantada com grãos aumentou 21%, enquanto que a produtividade
teve um crescimento de quase 120%. Em relação á produção de carnes,
em 12 anos, o crescimento de carne de frango foi de 170% e de carne
suína, 113%. Perante estes dados, fica demonstrado que há uma enorme
capacidade de se aumentar a oferta de alimentos no futuro, utilizando,
inclusive, novas tecnologias, como a transgenia (RODRIGUES, 2008, p.
88).

No mundo, as opções agrícolas para a produção de bioenergia são


bastante variadas, conforme o produto energético final, como etanol e
biodiesel. As condições edafoclimáticas e tecnológicas são fundamentais,
como qualquer cultura, especialmente no caso da bioenergia, pois a
produtividade e baixos custos de produção são condições primordiais em um
54

mercado globalizado, principalmente, quando se deseja a substituição dos


derivados de petróleo. A expansão da bioenergia, nos EUA, está baseada em
milho e, no futuro, celulose (palhadas, forragens, restos de madeira) para a
produção de etanol. Já na Europa, o modelo baseia-se em colza / canola para
biodiesel, e cereais (trigo, cevada, milho e centeio), beterraba e celulose para
produção de etanol, de modo que qualquer opção usada nesses países tende a
ser sempre mais cara do que as alternativas possíveis na região tropical do
planeta (JANK, 2007).

O mesmo autor comenta que expansão dos canaviais no Brasil para a


produção de etanol ocorre basicamente em áreas de pastagens do Centro-Sul,
a milhares de quilômetros da floresta, de modo que a reserva de 200 milhões
de hectares de pastagens permite desenvolver um sistema integrado lavoura-
pecuária diversificado e de alta produtividade.

“O etanol de cana saiu de 3 mil litros por hectare nos anos 70


(produtividade atual do milho americano) para os atuais 7 mil litros por
hectare. Em dez anos vamos atingir pelo menos 12 mil litros por hectare
ou exportar dez vezes mais energia para o sistema elétrico, com o
aproveitamento da biomassa da cana.” (Jank, 2007).

Rodrigues (2008, p. 88), ainda, argumenta:

“...a produtividade do etanol por hectare também dobrará em função


dos avanços tecnológicos. E finalmente, haverá produção de alimentos
nas áreas de renovação de cana, onde só havia pastagens. Portanto, não
há e nem haverá, em longo prazo, o problema da concorrência entre
alimentos. Outras questões recorrentes nos eventos referidos – como a
plantação de cana na floresta Amazônica (absurdo agronômico) ou a
questão ambiental da monocultura – já estão todas equacionadas.”

A expansão da fronteira agrícola no Brasil tem-se dado principalmente


pelo avanço do desmatamento para a abertura de pastagens. A pecuária é o
setor produtivo que mais influencia no desmatamento da Amazônia. Cientistas
e ambientalistas estimam que mais de 70% das derrubadas florestais são feitas
para a formação de pastagens (OESP, 2008).
55

2.6. Estudos de Relevância Histórica

2.6.1. O “Clube de Roma” e os Limites do Crescimento

Um dos primeiros estudos a se preocupar com o assunto em questão, e


que representa um marco nas preocupações sócio-ambientais, é o do Clube de
Roma23, cujos resultados foram parcialmente publicados em, “Limites do
Crescimento” (MEADOWS, 1978).

Segundo Bhaskaran (2007, p. 70), o livro intitulado, “Os Limites do


Crescimento”, publicado em 1972, é a maior iniciativa de futurologia em relação
à sustentabilidade da sociedade humana, empreendida pelo “Clube de Roma”,
fundado em 1968. Apesar de passados mais de trinta anos desde sua
publicação, este estudo ainda prova sua grande relevância e utilidade, apesar
de ter sofrido críticas tremendas (BHASKARAN, 2007, p. 70).

O “Clube de Roma” nasceu, em 1968, de um encontro informal de trinta


pessoas de diversas áreas, como cientistas, economistas, humanistas,
educadores, industriais, entre outros, de dez diferentes nacionalidades,
reunidos na Accademia dei Lincei, Roma, a fim de discutir um assunto de
grande amplitude: os dilemas atuais e futuros do homem, culminando na
decisão de realizar um a tarefa bastante ambiciosa: o Projeto sobre o Dilema
da Humanidade (MEADOWS et al., 1978, p. 9-11).

23
Segundo explicação apresentada na edição brasileira de 1978, O “Clube de Roma” foi criado
por "um grupo de intelectuais e homens de empresa e de ciência da Europa e América do
Norte, aos quais se juntaram estudiosos da Ásia, África e América Latina, que resolveu em
1968 empreender, com os métodos que a cibernética e as ciências sociais são capazes de
usar hoje em dia, um exame a fundo das inter-relações entre crescimento da população,
desenvolvimento industrial e agrícola, utilização dos recursos naturais e contaminação do meio
ambiente em uma perspectiva de, pelo menos, até meados do século XXI. Por meio de um
trabalho de mais de três anos, o grupo chegou a conclusões bastante desalentadoras,
suscitando polêmicas apaixonadas no mundo inteiro. Longe de ter qualquer intenção alarmista,
porém, as análises efetuadas visaram alertar os responsáveis pela condução da humanidade
para que pudessem adotar as medidas políticas e sociais capazes de impedir uma situação
catastrófica. Neste encontro de intelectuais, reunidos pela primeira vez em abril de 1968, em
Roma, nasceu o “Clube de Roma”, designação pela qual ficou mundialmente conhecida"
(MEADOWS, 1978).
56

“O objetivo do projeto é examinar o complexo de problemas que


afligem os povos de todas as nações: pobreza em meio à abundância,
deterioração do meio ambiente, perda de confiança nas instituições,
expansão urbana descontrolada, insegurança de emprego, alienação da
juventude, rejeição dos valores tradicionais, inflação e outros transtornos
monetários. Estes elementos aparentemente divergentes da
‘problemática mundial’,..., têm três características em comum: ocorrem,
até certo ponto, em todas as sociedades, contêm elementos técnicos,
sociais, econômicos e políticos, e, o que é mais importante, atuam uns
sobre os outros” (MEADOWS, 1978, p.11).

“[Os integrantes do Clube de Roma] estão unidos pela profunda


convicção de que os grandes problemas que desafiam a humanidade
são de tanta complexidade, e são tão inter-relacionados, que as
instituições e os planos e ações tradicionais, já não são capazes de
superá-los, nem mesmo de enfrentá-los em seu conjunto” (MEADOWS
et al., 1978, p. 10).

“O dilema da humanidade é que o homem pode perceber a


problemática e, no entanto, apesar de seu considerável conhecimento e
habilidades, ele não compreende as origens, a significação e as
correlações de seus vários componentes e, assim, é incapaz de planejar
soluções eficazes. Fracasso que ocorre, em grande parte, porque
continuamos a examinar elementos isolados na problemática, sem
compreender que o todo é maior que suas partes: que a mudança de um
de seus elementos significa mudança dos demais” (MEADOWS et al.,
1978, p.11).

No contexto da percepção da problemática que aflige a humanidade,


Heiser, (1973) inicia o prefácio de seu livro - O Império das Sementes -
publicado há mais de trinta anos, afirmando que a humanidade se defronta
com numerosas dificuldades, como guerras, pobreza, fome, poluição, relações
raciais, frisando que são questões inter-relacionadas, de maneira que se
mostra difícil destacar qual delas é mais importante.
57

No que se refere à compreensão das origens, significação e das


correlações dos problemas da humanidade e suas possíveis soluções, Janzen,
(2004, p.15) faz alguns comentários interessantes dentro de uma ampla
perspectiva acerca de um problema, no caso, o seu estudo sobre o ciclo do
carbono nos diversos ecossistemas da Terra. O referido pesquisador faz uma
relação entre a incerteza e o entendimento: o grau de entendimento aumenta
com a pesquisa, sendo que a incerteza pode aumentar inicialmente quando
novas variáveis são descobertas, mas tende a diminuir paulatinamente. A
teoria de Janzen se aplica perfeitamente no estudo das causas e
conseqüências das mudanças climáticas. A complexidade deste assunto tem
levado os pesquisadores a estudar fatos pontuais, com esperança de que
possam explicar os fenômenos climáticos globais como um todo e,
principalmente, seus desdobramentos. Atualmente, no que se refere às
mudanças climáticas, as variáveis são muitas, e parece que ainda levará
algum tempo para que o entendimento alcance um grau suficientemente
elevado.

Os resultados obtidos em pequenas escalas não podem ser facilmente


extrapolados para níveis globais, sendo até mesmo impossíveis de fazê-lo
(MEADOWS et al., 1978 p. 15). Cientistas honestos muitas vezes terão que
responder que não sabem, não podem saber, ou têm algumas suposições
(HAERLIN & PARR, 1999, citados por JANZEN, 2004, p. 15).

Para Janzen, (2004, p. 16), as incertezas têm sido importantes para o


desenvolvimento da humanidade, e algumas vezes a sua simples existência,
por si só, mostram um avanço. A dúvida e a incerteza são ingredientes
essenciais na ciência (HANSEN, 2002, citado por JANZEN, 2004, p.16).

Em síntese, as questões que afligem o mundo sempre existiram, e, no


futuro, certamente ocorrerão. Os problemas carregam incertezas, grandes ou
pequenas, simples ou complexas, contudo, elas são fundamentais na busca
das soluções.
58

“Limites do Crescimento” é um estudo pioneiro cujo objetivo foi


identificar e compreender as questões que interferem no desenvolvimento da
humanidade - os limites do seu crescimento - dentro de uma perspectiva global
e de longo prazo.

“Muitas pessoas acreditam que o curso futuro da sociedade


humana, talvez mesmo a sua sobrevivência dependa da urgência e da
eficácia das respostas que forem dadas a estas questões. No entanto, só
uma pequena fração da população mundial sente-se ativamente
responsável pela compreensão destes problemas ou pela busca de
soluções” (MEADOWS et al., 1978, p. 14).

“Em geral, quanto mais amplo o espaço e mais longo o tempo


dedicado a um problema, tanto menor é o número de pessoas realmente
envolvidas na busca de soluções” (MEADOWS et al., 1978, p. 15).

É oportuno observar que a problemática da humanidade tem se


modificado muito pouco dentro da conjuntura na qual o estudo do Clube de
Roma foi realizado até os dias atuais. Contudo, os problemas têm se
acentuado com o desenvolvimento e crescimento da população mundial, de
modo que a compreensão da problemática, assim como as possíveis soluções
têm sido cada vez mais prementes, vista a diminuição dos recursos naturais e
a vulnerabilidade dos ecossistemas, dos quais a humanidade obtém sua
satisfação de bens e serviços. Acrescenta-se a isso, a necessidade de se
alcançar a sustentabilidade dos ecossistemas, no longo prazo, diante das
atividades antropogênicas das atuais e futuras gerações.

Salienta-se que a noção de sustentabilidade deve empregar todos os


elementos que permeiam e caracterizam a sociedade humana, seja pelo viés
econômico ou puramente ecológico, não implicando, necessariamente, a
simples manutenção no uso e apropriação de bens e serviços que são
providos pelos ecossistemas, principalmente daqueles modificados pelo
homem, como os agroecossistemas e os sistemas urbanos.
59

Atualmente, a humanidade, assim como há mais de trinta anos - e no


futuro mais próximo do que pensamos - confronta-se com problemas e
perspectivas que exige tomada de decisões baseadas na investigação
científica e no entendimento das questões, Contudo as decisões, pessoais ou
coletivas, são amplamente influenciadas por valores culturais, éticos e
econômicos. Além disso, as decisões devem ser tomadas diante de
preocupações de âmbito local e restrito, passando a níveis mais amplos, como
países e o próprio planeta, assim como sob o aspecto individual, familiar e
grupos bem maiores, como as comunidades e nações.

Como foi dito, as decisões dependem e fatores múltiplos e variados, os


quais ainda incorporam o tempo: curto, médio e longo prazos. Dessa maneira,
as perspectivas humanas apresentam duas dimensões: tempo e espaço, que
podem ser graficamente representados, no qual o interesse humano pode
situar-se em algum ponto do gráfico, dependendo do espaço geográfico que
ele abrange e até onde se prolonga no tempo (MEADOWS et al., 1978, p. 14).

Meadows et al. (1978, p. 15) salientam que é motivo de preocupação


crescente a possibilidade da maioria dos objetivos pessoais serem anulados
pelas tendências gerais no longo prazo, como as guerras, a deterioração
ambiental, a explosão demográfica e a estagnação econômica. Os mesmos
autores suscitam algumas indagações:

• As implicações destas tendências são tão ameaçadoras de modo


que para sua solução seja exigida prioridade sobre os interesses locais no
curto prazo?

• Quais os métodos que possui a humanidade para solucionar os


problemas globais e quais podem ser os resultados e os seus custos?

Diante do exposto, cabe aqui acrescentar algumas interrogações que,


atualmente, parecem ser mais instigantes diante do cenário preocupante das
mudanças climáticas globais provocadas pelos impactos das atividades
60

antropogênicas que têm acarretado distúrbios ambientais e que tendem a se


acentuarem no futuro:

• As pessoas têm consciência de que, individualmente, têm


contribuído para a depleção dos recursos naturais e para os impactos
ambientais, entre eles as mudanças nos padrões climáticos globais e de suas
possíveis catástrofes?

• As pessoas, conscientes dos impactos individuais sobre os


ecossistemas, podem sacrificar seus anseios particulares e próximos, a fim de
contribuir para as questões de âmbito coletivo e mundial, como as que podem
minimizar os efeitos ou mesmo debelar as causas do aquecimento global?

Com relação às simulações promovidas pelo Clube de Roma ao final da


década de 60, considerando hipóteses de referência, a Figura 10 representa
uma destas situações. Nela, são apresentados os resultados da simulação do
“Padrão Modelo”, que considera como premissas fundamentais, a inexistência
de alterações importantes nas relações físicas, econômicas e sociais, que
historicamente nortearam o desenvolvimento do sistema mundial de 1900 a
1970. Segundo os resultados desta simulação, os alimentos, a produção
industrial e a população, cresceriam exponencialmente até que a diminuição
rápida dos recursos estabelecesse obrigatoriamente uma redução no
crescimento industrial. Devido aos atrasos naturais no sistema, tanto a
população, como a poluição, continuariam a crescer durante certo tempo, após
o ápice da industrialização. Segundo este modelo, o crescimento populacional
seria finalmente interrompido devido à redução da taxa de natalidade
decorrente da diminuição do suprimento alimentar e de serviços de saúde.
Neste cenário, os recursos naturais diminuem acentuadamente no período de
200 anos (1900 - 2100), e as curvas de poluição e população apresentam um
comportamento semelhante: aumentando exponencialmente até atingir um
ponto de máximo, a partir do qual se reduzem.
61

Figura 10: Processamento-padrão do modelo mundial, segundo o “Clube de


Roma”.(Original)
Fonte: Meadows, (1978, p. 122).

2.6.2. Evolução Agrária e Pressão Demográfica Segundo Ester Boserup

O trabalho de Ester Boserup, originalmente intitulado como “The


Condictions of Agricultural Growth” foi publicado em 1972 e traduzido para o
português, em 1987, como “Evolução agrária e Pressão demográfica”. É um
estudo pioneiro, clássico, sobre as relações entre crescimento populacional e
transformação da agricultura primitiva, onde, de forma polêmica, a autora
afirma que a pressão do crescimento populacional pode ser um estímulo ao
desenvolvimento econômico genuíno, não conduzindo, necessariamente, como
62

pretendem os Neo-Malthusianos, aos “excedentes” demográficos, ao


desemprego e à fome.

Nele, a autora insere diversos elementos, como crescimento


populacional, produção de alimentos que interagem com a dinâmica do uso da
terra e da sua capacidade de suporte em relação à intensidade do sistema de
cultivo (intensivo e extensivo), rendimentos das produções agrícolas e do
trabalho, estímulos e investimentos na produção e implicações resultantes na
economia agrária dos países pobres e em desenvolvimento. O estudo de
Boserup é importante pelo enfoque históricos de sua análise - da Idade Média
aos primeiros anos da Revolução Verde (RV)24 - e pelo destaque dados pelo
autora aos conflitos sócio-econômicos ocorridos nas comunidades rurais,
considerando os efeitos em economias agrícolas de subsistência, extensivos,
de pousio e auto-suficientes. O trabalho de Boserup enfoca a transição entre
economias agrícolas de subsistência para economias de produção intensa de
alimentos caracterizada pela maior freqüência de plantios, menor período ou
ausência de pousio da terra e dependência de insumos industriais.

Em síntese, a autora estuda a evolução agrária versus pressão


demográfica, tendo como parâmetro básico as tecnologias de produção
empregadas. No entanto, estabelece como premissa que o crescimento
populacional é uma variável independente e principal fator de mudanças na
agricultura - argumento distinto da teoria Malthusiana (ou Neo-Malthusiana),
que se fundamenta no pressuposto de que o crescimento populacional é uma
variável dependente e relacionada intimamente às mudanças de produtividade
local de alimentos e às mudanças tecnológicas usadas nesta produção.
Segundo a escola Malthusiana, baixas taxas de crescimento demográfico em
certas comunidades pré-industriais, não podem ser explicadas por baixas
produtividades per capita de alimentos resultantes do excesso populacional,
havendo outros importantes fatores para explicação das tendências
demográficas (BOSERUP, 1987, p. 11).

24
Segundo PARAYIL (2003) a RV tem início em 1950, indo até 1990.
63

“Na nova abordagem ao desenvolvimento agrícola...marcada


pelo conceito de freqüência de cultivo, chama a atenção para os efeitos
prováveis das mudanças ocorridas na densidade populacional sobre a
tecnologia agrícola, o que é claramente contrastante com a concepção
de que a tecnologia agrícola é um fator autônomo e independente da
dinâmica populacional”. (BOSERUP, 1987, p.10).

“Evolução Agrária e Pressão Demográfica” não é um estudo que se


baseia na tese de que a pressão demográfica exerce um efeito positivo no
desenvolvimento de novas técnicas agrícolas e que estas, por sua vez,
incrementariam a produtividade dos gêneros alimentícios fundamentadas, num
primeiro momento, na passagem da produção extensiva apoiadas em técnicas
rudimentares de cultivo, no uso de pousio e com menor investimento e força de
trabalho, para uma produção de alimentos intensiva, ou seja, com
intensificação do uso da terra, maior inversão de trabalho e de capital, por
unidade de área (BOSERUP, 1987, p. 29). Além disso, a autora enfatiza que
seu estudo se ocupa dos efeitos do crescimento populacional sobre a
agricultura e não das causas desse crescimento (BOSERUP, 1987, p.11).

A intensificação no uso da terra, segundo a autora, não esta relacionada


à mera existência de técnicas de produção de alimentos mais intensivas,
independentemente da densidade populacional e da variabilidade tecnológica.
Também, as variações geográficas que influenciam fatores naturais e
humanos, e os efeitos de longo prazo, não determinam num dado momento, a
escolha, por parte dos agricultores, de sistemas de produção mais intensivos
ou mais extensivos e entre o uso de tecnologias mais primitivas ou mais
modernas.

“Na vida real, não se terá jamais de escolher entre o sistema de


pousio longo com machados de pedra e cultivo anual com arados
manufaturados” (BOSERUP, 1987, p. 30).

Segundo Parayil (2003, p. 975), a agricultura de subsistência é


freqüentemente caracterizada por um “efeito de exclusão”, o qual é definido por
64

uma tendência de parte dos camponeses em resistir às inovações tecnológicas


e à modernização, especialmente quando essas inovações incluem mudanças
radicais no sistema de produção de alimentos.

Boserup (1987, p. 132), afirma que o aumento da produtividade agrícola


- considerando o padrão de uso da terra, em uma dada região - pode ser obtido
por maior intensificação no uso da terra ou no cultivo mais freqüente da terra,
quando associados ao uso intenso da mecanização, da irrigação e de
fertilizantes artificiais, impulsionada por preços atrativos dos alimentos e/ou
pelo aumento da demanda decorrente do aumento da população.

A autora faz duas importantes ponderações acerca da relação entre


crescimento populacional e mudanças no padrão de uso da terra:

• Em um país com população constante

O crescimento da produção total de alimentos é função do aumento de


renda per capita e não há necessidade de uma mudança substancial no padrão
de uso da terra. O uso intenso de mecanização agrícola e de fertilizantes
artificiais seria em casos específicos peculiares, como na substituição da mão-
de-obra, onde esta é escassa, e no uso intenso de fertilizantes minerais com a
finalidade de concentrar a produção de alimentos em solos de melhor
qualidade, enquanto que a mão-de-obra poderia ser liberada das terras menos
férteis. Neste ultimo caso, haveria pequena mudança na intensidade média de
uso da terra;

• Em um país com alto crescimento populacional

A autora considera como premissa neste caso, a impossibilidade de


importação de alimentos a fim de mitigar a demanda interna. A demanda
crescente por alimentos seria um estímulo na mudança de uso da terra,
objetivando a produção agrícola intensiva por meio do uso combinado de
mecanização de fertilizantes artificiais. Os fertilizantes seriam usados para
suplementar e não para substituir outros meios de adubação, propiciando
65

cultivos mais freqüentes. A mecanização seria utilizada na irrigação, na aração,


colheita e outros tratos culturais.

“Quando o equipamento mecanizado é usado com tais objetivos,


longe de rejeitar e substituir o trabalho humano, ele provoca um
aumento das oportunidades de emprego” (BOSERUP, 1987, p.133).

“Quando se levam em conta as possibilidades de intensificação


do uso da terra por meio de insumos industriais, a potencialidade
produtiva plena dos métodos agrícolas modernos torna-se muito
aparente” (BOSERUP, 1987, p.133).

Para Braun & Brown (2003, p. 1046 & 1047), o trabalho rural é a
principal fonte de emprego para a vasta maioria dos pobres no mundo,
portanto, a adoção de novas tecnologias de produção agrícola implica em
questões sociais e éticas relacionadas à substituição de mão-de-obra rural, que
se traduz na dicotomia entre eqüidade da produção rural versus eficiência
produtiva. A eqüidade na produção e alimentos é extremamente importante
num mundo onde se manifesta uma enorme pressão para a aceleração da
produção de alimentos, a fim de suprir, em quantidade e diversidade, a
crescente demanda.

Perkins (1997, p. 226), afirma que a possibilidade de conexão entre a


tecnologia agrícola e a divisão de seus benefícios, é pouco promissora na
busca de uma maior eqüidade e tranqüilidade social. As novas práticas, como
aquelas implementadas pela RV, podem agravar as distribuições desiguais das
colheitas, provocando um alargamento das diferenças sócio-econômicas.
Também, a manutenção da agricultura tradicional baseada na produção de
subsistência pode provocar a iniqüidade (PERKINS, 1997, p. 226).

Segundo Kern (2002, p. 291), as tecnologias sempre fizeram parte da


agricultura e, de tempos em tempos, novas tecnologias e desenvolvimentos
produzem importantes impactos nos agroecossistemas e, no futuro, a
agricultura deverá continuar a ser dependente das inovações das técnicas.
66

Parayil (2003, p. 977), afirma que o avanço da modernização


(modernidade) começou há mais de dois séculos, na Europa, com o
desenvolvimento do capitalismo industrial, causando uma transformação
profunda na produção e na utilização do conhecimento científico e tecnológico
caracterizado por um progresso linear, seguridade e convergência na
transformação social desta época. A inovação tecnológica durante este período
foi notável em todas as áreas, convergindo para um aumento global da
população. Boserup (1987) afirma que a Revolução Agrícola25, na Europa
Ocidental, no século XVIII, se encaixa perfeitamente em sua teoria referente
aos efeitos do rápido crescimento populacional

Em seu trabalho, Boserup (1987) reitera que um dos principais objetivos


do seu estudo é revelar, através da história, que o aumento populacional não é
fator determinante básico das mudanças tecnológicas na agricultura, não
havendo similaridade entre o ritmo de crescimento da população e o ritmo em
que a mudança tecnológica se processa na agricultura.

“Nos casos em que a densidade populacional diminuiu como


conseqüência de guerras e outras catástrofes, parecem ter havido, com
freqüência, um retorno aos agroecossistemas mais extensivos. Muitos
campos de cultivos permanentes foram abandonados após guerras ou
epidemias, nos começos da Idade Média, e permaneceram, depois,
incultos durante muitos séculos” (BOSERUP, 1987, p. 71).

Há uma regressão nas técnicas agrícolas usadas quando a população


declina ou quando acorre migração para áreas de densidades demográficas
mais baixas.

Existem certos grupos da população camponesa da América


Latina que...estão descendo na escala tecnológica em lugar de
subir...Observadores, como Waibel e Lynn Smith...que estudaram a
relativamente recente colonização européia no Sul do Brasil, dizem que
os descendentes dos colonos que vieram de países com técnicas

25
“Revolução Agrícola Contemporânea”
67

relativamente avançadas, como Alemanha e Itália, chegaram ao ponto


de perder muitas delas. Este é um fato verdadeiro mesmo para práticas
tão simples como o uso do arado ou rotação de culturas. Como,
também, a inclusão do gado e do cultivo de forrageiras na economia do
empreendimento agrícola para a manutenção da fertilidade do solo”
(STERLING In: PARSONS et al. (ed), 1956, citado por Boserup, 1987,
p. 71-2).

• Crescimento rápido da população

Neste caso, o processo de intensificação dos métodos agrícolas precisa


ser muito mais rápido que nos casos de crescimento constante da população:

“Não somente alguns campos, mas um grande número deles


deveria ser limpo a cada ano, e serem providos de instalação de
irrigação, tendo talvez, como resultado, duas colheitas anuais no lugar
de uma. Abertura de grandes extensões de terra, melhoramentos
fundiários e drenagem ou investimento em instalações de irrigação
deveriam ocorrer simultaneamente. Os observadores contemporâneos
não deixariam de notar o aumento dessas atividades e eles bem
poderiam descrever o período de rápido crescimento da população
como um período de revolução agrícola. A revolução agrícola na Europa
Ocidental, no século XVIII, parece ter sido deste tipo, e as mudanças
agrícolas que hoje em dia estão se processando em numerosos países
subdesenvolvidos parece nos proporcionar outro exemplo da rápida
expansão de técnicas de agricultura intensiva por causa da pressão
populacional. Os historiadores futuros descreverão, provavelmente, as
décadas posteriores a 1950 como as da revolução agrícola indiana.

Os cultivadores precisam adaptar-se, por si mesmos e de forma


rápida, aos métodos que se lhes parecem como, muito embora eles
possam ter sido usados há milênios em outras partes do mundo e -
68

talvez mais difícil ainda - eles devem se acostumar dentro de período


relativamente curto, a um trabalho regular e duro. Além do mais, a
comunidade deve ser capaz, de algum modo de arcar com a carga de
uma alta taxa de investimento e talvez empreender uma ampla
mudança no sistema de posse e uso da terra (BOSERUP,1987, p. 73)

Deve-se salientar que o livro da autora fora publicado, primeiramente,


em 1965, nos primeiros anos da RV, e trata, fundamentalmente, da agricultura
de subsistência, como explicado nas páginas anteriores.

Uma das questões polêmicas e não explicada no seu livro é: como


inserir as premissas da RV no contexto da evolução agrária. Na trajetória da
humanidade, em termos culturais e científicos, os paradigmas da RV teriam
seu lugar na história por meio do qual a crescente demanda alimentar,
resultante do crescimento da população mundial, especialmente dos países
pobres e em desenvolvimento, pudesse ser satisfeita. Destaca-se que as
técnicas da RV ainda farão, por muito tempo, parte do cenário agrícola do
mundo, mesmo em alguns lugares da África subsaariana, contudo sem o apoio
massivo, técnico e político, que fora fundamental para o ‘sucesso’ da RV, como
historicamente é conhecida.

Como Parayil, (2003) bem descreve, a RV se fundamenta na passagem


da agricultura de subsistência para uma agricultura essencialmente
intensificada, calcada em cultivares alto rendimento e no grande aporte de
insumos, especialmente de irrigação e fertilizantes. A evolução científica
relacionada à produção alimentar tem mostrado técnicas inovadoras,
principalmente a partir da década de 90, de modo que os paradigmas da RV
têm sido, desde então, utilizados com maior freqüência com os paradigmas da
“Revolução Genética Molecular” ou, mais conhecido, “Organismos
Geneticamente Modificados” (OGM, em português ou GMO, em inglês).

Nos países onde foram adotadas as novas práticas culturais da RV, a


produção interna de alimentos cresceu, chegando mesmo a produzirem
excedentes. Boserup (1987) afirma que as comunidades as quais são
69

economicamente dependentes dos cultivos de subsistência têm a tendência de


passar de cultivos menos intensivos para mais intensivos com a finalidade de
garantir maiores produções, necessariamente influenciadas pelo aumento da
pressão demográfica local. Contudo, as premissas da RV, resultantes do
desenvolvimento tecnológico moderno, conduziram à substituição das técnicas
agrícolas primitivas que faziam, tradicionalmente, parte da cultura das
comunidades, passadas de geração a geração. Portanto, os povos e regiões
que “adotaram” as práticas preconizadas pela RV a receberam como um
conjunto de técnicas de produção de alimentos totalmente nova e alheia da
tradição cultural. Mas, muitos agricultores, entusiasmados com os altos
rendimentos das novas variedades e favorecidos pelo apoio institucional
técnico e financeiro, optaram decisivamente pela novidade. Outros
camponeses relutaram a aceitar a mudança ou simplesmente renegaram ao
“pacote tecnológico”, tornando-se marginalizados à nova economia de
produção agrícola. (PARAYIL, 2003; PERKINS, 1997).

Parayil, (2003) afirma que os objetivos principais da RV foram a de


garantir o fornecimento de matérias-primas de commodities agrícolas para o
mercado mundial em expansão, principalmente às indústrias manufatureiras
das nações ricas.

Contudo, os países pobres e em desenvolvimento, que tradicionalmente


foram coadjuvantes da RV, teriam outra forma de produzir alimentos a fim de
suprir a demanda alimentar de suas populações em crescimento acelerado?

Perkins, (1997, p. 213) explica que durante o século XVIII e XIX, o


aumento do suprimento alimentar, as melhores condições de higiene e os
avanços na área médica reduziram a mortandade, primeiro na Europa e,
depois, nos demais continentes, contribuindo para incrementos cada vez
maiores nas taxas de crescimento populacional. Até o século XX as práticas
culturais existentes de produção de alimentos estavam em equilíbrio com as
taxas médias de fixação natural de nitrogênio (N) atmosférico. A partir do
século XX, o crescimento populacional e da demanda alimentar fizeram com
houvesse a intervenção humana no ciclo natural do nitrogênio. A habilidade
70

humana na fixação artificial do N atmosférico em compostos sintetizados teve


um significativo aumento no período entre 1900 e 1950: de quatro mil
toneladas, em 1913 -14, para mais de 11, 8 milhões de toneladas, em 1959 -
60 (PERKINS, 1997, p. 215).

O elemento químico nitrogênio, entre outros, é um mineral essencial


para os vegetais, sendo agronomicamente classificado como o principal
mineral, em termos de quantidade aplicada, que contribui para sustentação das
lavouras e aumento das suas produtividades. Perkins (1997, p. 214), observa
que, por volta de 1950, os fertilizantes artificiais nitrogenados tornaram-se
baratos, de modo que os agricultores que na época cultivavam cereais e
culturas lucrativas, como algodão, tabaco, frutas e vegetais, utilizavam esses
fertilizantes em doses tão elevadas quanto possível. É importante frisar que a
humanidade é, atualmente, dependente da sua capacidade de fixar
artificialmente grandes quantidades de nitrogênio (PERKINS, 1997, P. 215).

Os fertilizantes artificiais, entre eles os nitrogenados, foram importantes


para os propósitos da RV, entre os quais, as variedades de altas
produtividades e, devido a isso, dependentes de altas doses de fertilizantes.
Neste sentido, é conveniente inferir, a seguir, algumas observações quanto á
dicotomia entre a teoria defendida por Boserup (1987) e os paradigmas da RV,
podem-se supor que:

• A RV, independentemente da sua finalidade, foi concebida para ser


um progresso tecnológico, no sentido de proporcionar aumentos significativos
nas produtividades das commodities agrícolas, entre elas as dos gêneros
alimentícios, e, neste sentido, pode ser vista como um impacto positivo;

• A RV, além das benesses das novas tecnologias, trouxe uma série
de impactos negativos, muito maiores que as técnicas mais intensivas das
produções de subsistência, estas isentas de impactos ambientais negativos,
segundo Boserup. Destacam-se entre os impactos negativos, os ambientais,
71

com o elevado grau de arroteamento, de erosão, de poluição por fertilizantes


artificiais, por defensivos agrícolas, entre outros;

• A RV, no passado, propunha a adoção de um monopólio: o “pacote


tecnológico”, a fim de substituir as técnicas de produção agrícola de
subsistência, como as estudadas por Boserup (1987), de baixas
produtividades, porém, baseadas em variedades locais adaptadas às
condições edafoclimáticas e mais resistentes as pragas e doenças e, até então,
independente dos interesses mercadológicos da globalização. Interesses os
quais beneficiaram empresas estrangeiras fornecedoras e detentoras de novas
tecnologias, como de fertilizantes artificiais, de defensivos agrícolas e de
sementes híbridas;

• As técnicas da RV substituíram as técnicas de produção agrícola de


subsistência com o argumento de que estas, por mais intensivas que fossem,
não conseguiriam proporcionar as altas produtividades agrícolas necessárias
aos crescentes incrementos populacionais, fossem locais ou nacionais, além
da demanda de exportação;

• Em princípio, as altas taxas de natalidade e baixas taxas de


mortalidade da população mundial nos séculos XVIII, XIX e XX, resultando em
grande aumento populacional, derivam de fatores decorrentes do acentuado
desenvolvimento científico e tecnológico que acarretou a melhoria de vida das
populações, com conseqüente crescimento populacional. Portanto, as soluções
para o aumento da produção de alimentos também resultariam do
desenvolvimento tecnológico, como a RV, e não estariam dentre as técnicas de
produção de subsistência.

• Se a tese descrita no item anterior é verdadeira, como explicar o


caso da China, o país mais populoso do planeta, cuja grande parte do
suprimento alimentar é satisfeita pela produção interna de alimentos, os quais,
em grande parte, se fundamentam nas técnicas “rudimentares” da produção de
subsistência?
72

A China tem cada vez mais, utilizado os paradigmas da RV,


principalmente o uso intenso de fertilizantes nitrogenados sintéticos. Segundo
Zhu & Chen, (2002, p. 117), a China é uma nação muito populosa (1,2 bilhão
de pessoas), com reduzida proporção de terra arável (200 milhões de hectares)
em comparação ao território e ao número de habitantes - 0,1 hectare per
capita, sendo que a média per capita no mundo foi de 0,23 hectare no ano de
1998. A demanda alimentar continua aumentando, como resultado do
crescimento continuado da população chinesa e da melhoria dos padrões (em
termos de quantidade e qualidade). Esta situação tem sido intensificada pela
diminuição da área plantada para produção alimentar, em virtude da expansão
da agricultura comercial, da industrialização e da urbanização, e, neste caso, a
única opção para o crescimento continuado da produção interna de alimentos
depende de futuros incrementos adicionais na produtividade (ZHU & CHEN,
2002, p. 117).

Os mesmos autores (p. 117) salientam que: o suprimento alimentar tem


sido prioritário para o governo chinês e, a fim de aumentar a produção interna
de alimentos, desde 1949 tem havido a expansão da produção de cereais
(arroz, milho e trigo) por meio do uso de variedades de altos rendimentos, da
intensificação do cultivo (duas e, algumas vezes, três cultivos anuais) e do
crescimento na utilização de fertilizantes e irrigação.

A fertilização nitrogenada com o uso de fertilizantes artificiais tem


contribuído significativamente nos últimos 50 anos no aumento da produção de
alimentos na China, assim como os danos ambientais. A produção de
alimentos (grãos de cereais e de leguminosas, batata-inglesa e batata-doce)
cresceu de 113 milhões de toneladas (Mton), em 1949, para 512 Mton, em
1998, correspondendo, respectivamente, de uma produção média de 1
tonelada / hectare (ton/ha) para 4,5 ton/ha (ZHU & CHEN, 2002, p.117). Por
meio de análise de regressão os autores encontraram uma correlação positiva
e linear entre a produção anual de alimentos e as doses aplicadas de
fertilizantes nitrogenados artificiais, no período entre 1949 e 1998.
73

Grande parte do progresso chinês na produção de alimentos tem sido


atribuída ao rápido aumento no uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos,
havendo um padrão característico entre produção alimentar e o uso de tais
fertilizantes, principalmente entre os anos de 1970 e 1990 (ZHU & CHEN,
2002, p.118). Contudo, os autores alertam sobre sérios problemas resultantes
do manejo desses fertilizantes. A aplicação de nitrogênio tem sido
freqüentemente usada em doses em regiões e fazendas com altas médias de
produtividades de alimentos, resultando em baixa eficiência de aplicação
grandes perdas (ZHU & CHEN, 2002, p.123). Essas perdas estão associadas a
processos de volatilização, de lixiviação e de erosão ou runoff que têm causado
sérios problemas ambientais, como aumento da concentração de N (nitratos)
nas águas profundas e de superfície, e, nos últimos 20 anos, na ocorrência
altas populações de algas em lagos e de marés-vermelhas nos estuários (ZHU
& CHEN, 2002, p. 120-2).

Os autores descrevem uma situação interessante quanto ao uso de


adubos orgânicos. Segundo eles, o uso de N na forma orgânica, excrementos
de animais e de humanos, e de resíduos de culturas, tem diminuído. As fontes
de adubos orgânicos e seus usos são mostrados na tabela que se segue.

Em relação ao total de fertilizantes nitrogenados (minerais e orgânicos)


usados em 1998, somente 32,7% eram orgânicos. Um dado interessante, mas
os autores não mostram a evolução desta relação no passado.

O contingente atual de 300 milhões de habitantes das zonas urbanas na


China produziu uma quantidade estimada de 0,70 Tg de nitrogênio
provenientes de excrementos, que no passado foram amplamente usados
como adubo, mas atualmente são lançados nas águas superficiais, assim como
grande parte dos excrementos das criações de animais. Somente 35% das
fezes suínas e bovinas foram utilizadas como adubo, em 1998 (ZHU & CHEN,
2002, p. 125)
74

Boserup (1987, p. 135) comenta no último e conclusivo capítulo do seu


livro, que a agricultura nos países desenvolvidos, em especial, os Estados
Unidos e países da Europa ocidental, passaram por uma revolução no século
XIX, pela qual foram desenvolvidas técnicas avançadas de cultivo,
equipamentos mecânicos e uso de insumos industrializados.

“Contraposta a essa revolução técnica nos procedimentos


agrícolas no mundo já desenvolvido, a mudança agrárias nos países
subdesenvolvidos pode parecer trivial, e é compreensível que muitos
economistas presumam que, em países onde a agricultura ainda não
atingiu o estágio dos métodos científicos e industriais, ela esteja
estagnada e tradicional26, quase por definição.” (BOSERUP, 1987, p.
135).

“Os capítulos precedentes deveriam ter revelado que esta visão é


injustificada e que nas comunidades, supostamente imutáveis, de
agricultura primitiva estão ocorrendo, de fato, mudanças profundas”
(BOSERUP, 1978, p. 135).

“A tendência [dos economistas] foi olhar os métodos de cultivo


existentes e os sistemas de uso da terra como traços permanentes de
uma determinada localidade, reflexos de condições naturais particulares,
em vez de considerá-los como fases de um processo de
desenvolvimento econômico” (BOSERUP, 1987, p. 135).

Boserup (1987) afirma que as agriculturas dos países em


desenvolvimento estão estagnadas e as agriculturas arcaicas estão passando
por relevantes transformações. Neste sentido fica claro, sem nenhum viés
especulativo, que no último capítulo de seu livro, a autora demonstra uma
preocupação quanto à evolução dos sistemas agrícolas, tomando como base o
contexto histórico na qual escreveu a sua obra: grandes transformações
técnico-científicas, culturais e políticas, com uma economia global crescente,
além do boom populacional e, principalmente, dos avanços na tecnologia

26
Atualmente, a agricultura comercial baseada nas técnicas da RV é considerada tradicional
75

agronômica (aliados às corporações multinacionais e ações de apoio


governamentais).

A Revolução Verde foi desenvolvida e implementada dentro desta


conjuntura histórica, revelando-se como uma transformação das técnicas de
produção e alimentos: as técnicas modernas de produção desenvolvidas e
aplicadas nos agroecossistemas na América do Norte e na Europa Ocidental
passaram a ser disseminadas nos países menos desenvolvidos, com a
finalidade de inseri-los num mercado globalizado. Esses países tornaram-se
importantes mercados: de um lado, importadores de tecnologia, e de outro,
exportadores de commodities agrícolas. Mas, na verdade, a RV foi um modelo
de relação econômica que mudou o paradigma da produção de subsistência e
primitiva para um paradigma moderno de produção, mantendo-se, contudo, a
dependência dos países menos desenvolvidos àqueles fornecedores de
tecnologias caras e compradores de matérias-primas baratas.

É interessante frisar que a transformação das agriculturas primitivas no


mundo, como afirmada por Boserup (1987, p. 135), convive com os mais
diversos estágios de desenvolvimento agrícolas. Os agroecossistemas globais
são amplamente variados, a começar pelo grau de tecnificação. Se algumas
comunidades agrícolas de subsistência não conhecem ou ainda relutam em
adotar a RV ou algumas de suas técnicas, há agroecossistemas altamente
tecnificados, onde os conceitos de comunidade agrícola, de agricultura familiar
e de agricultura de subsistência fazem parte do passado, e o estado da arte é o
desenvolvimento da “Revolução Genética Molecular” e da engenharia agrícola.

Sobre o pensamento dos geógrafos Boserup (1987, p. 135-6) descreve:


“... eles naturalmente se inclinam a explicar diferenças nos métodos agrícolas
em termos de condições climáticas, tipo de solo e outros fatores naturais os
quais independeriam de das mudanças no tamanho das populações”.

Porém, Hibbs & Olsson (2004, p. 3715), no trabalho em que procuram


explicar por que alguns países são ricos enquanto outros são pobres, afirmam
que quanto mais ricos são os recursos biogeográficos de uma região do
76

mundo, mais cedo ocorreu a transição da economia baseada na caça e coleta,


e no nomadismo, para uma economia fundamentada na agricultura e na vida
sedentária e que, por conseqüência, o início do desenvolvimento tecnológico
acelerado e do crescimento econômico ocorreram mais cedo. Esta transição
aconteceu, comparativamente, mais cedo na Eurásia do que outras regiões do
mundo. Acrescenta-se que em algumas regiões do planeta o progresso é
vagaroso e os recursos biogeográficos tão escassos que a agricultura (não
itinerante), poderia nunca ter ocorrido, como em locais pouco habitados da
Austrália, Nova Zelândia, e grande parte do Oeste norte-americano, onde os
povos coletores-caçadores assim permaneceram até que fossem colonizados
ou exterminados por povos que se desenvolveram em regiões com maiores
recursos biogeográficos, permitindo que a revolução agrícola pudesse originar
e se desenvolver milhares de anos antes (HIBBS & OLSSON, 2004 p. 3718).

Assim como o avanço da agricultura no Neolítico e da colonização


européia no Novo Mundo e do neocolonialismo que subjugaram as economias
primitivas de caça e coleta e da proto-agricultura, pode-se fazer uma
correlação da similaridade, econômica e histórica, da dominação das técnicas
da RV em detrimento das economias de subsistência no passado recente.

Parece haver uma tendência natural, sem ser, contudo, simples e isenta
de impactos sociais, econômicos e ambientais, de que as comunidades
tecnologicamente menos desenvolvidas adotem, com o passar do tempo,
técnicas alheias às tradições culturais de produção de alimentos. Contudo,
essas considerações devem ser avaliadas com ressalvas, no que diz respeito
às tradições culturais e ao contexto econômico e histórico.
76

Aaaaaaaaaaaaaaaaaa
Aa1
Aa2 Aa3 Aa4 Aa5
Aa6
Aa7
Aa8
Aa9 a10 aaa11 aaa12 aaa13 aaa14 aaa15 aaa16 17
aaa 18 aaa19 aa20a 21
aa22a aaa aaa aaa

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11

13
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16
17
18
19
20
21
22
77

3. ANÁLISE DE CENÁRIOS FUTUROS PARA A PRODUÇÃO DE


ALIMENTOS

Nos capítulos anteriores foram abordadas questões que remetem, direta


e indiretamente, à trajetória das sociedades humanas. Neste sentido, o
desenvolvimento da humanidade, no seu contexto histórico e biológico, tem
dependido fundamentalmente dos recursos ambientais do planeta.

As mudanças nos padrões biofísicos da dinâmica natural do planeta têm


se acentuado nos tempos modernos, principalmente após a Segunda Guerra
Mundial, concomitantemente com a aceleração do crescimento populacional e
da demanda por recursos naturais.

A superexploração de recursos, motivada pelos novos padrões de


consumo e de produtividade das sociedades modernas, não tem levado em
conta a capacidade de reprodução dos ecossistemas e, portanto, a capacidade
de manutenção destes estilos vida para as gerações futuras. Recentes
publicações, como “Living Planet Report - 2006”, da WWF, alertam para a
superação da capacidade de suporte do planeta, com possíveis implicações na
qualidade e mesmo nas possibilidades das futuras gerações. Somam-se à esta
questão, as profundas alterações globais atualmente em curso.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas


(International Panel of Climate Change), IPCC (2007, p. 4 - 5 & 8), em seu 4o
Relatório de Avaliação, o aquecimento do sistema climático global é evidente,
como demonstram as recentes medições, que revelam um aumento global nas
temperaturas médias da atmosfera e dos oceanos. Este aquecimento tem
resultado do derretimento de geleiras, propiciando o aumento médio dos níveis
dos oceanos, além de outras importantes transformações globais, como nos
padrões pluviométricos, no regime dos ventos, além de episódios climáticos
extremos: secas, chuvas e ondas de calor intensas, aumento da intensidade
dos ciclones tropicais e das tempestades.

As mudanças climáticas, segundo o mesmo relatório, têm uma relação


estreita com as atividades antropogênicas observadas durante o século XX,
78

entre elas, a elevação na concentração atmosférica de gases do efeito estufa


(GEE), principalmente, na última década (IPCC, 2007, p. 8). A concentração
destes dos GEE tem aumentado drasticamente, excedendo os valores pré-
industriais, obtidos em amostras de geleiras milenares. A elevação nos níveis
atmosféricos de gás carbônico (CO2) é preponderantemente resultante da
queima de combustíveis fósseis, enquanto que os aumentos na concentração
atmosférica de gás metano e óxidos nitrosos (outros GEE) estão relacionados,
em grande medida, a atividade agrícola (IPCC, 2007, p. 2).

Nos últimos anos, os meios de comunicação têm pautado matérias


acerca dos efeitos do aquecimento global. Este tema tem se tornado mais
habitual, principalmente devido aos freqüentes acontecimentos e cataclismos,
tais como: o furacão Katrina, ocorrido em 2006; as inundações no Sul asiático,
especialmente na China, Vietnã, Blangadesh (este último deixando 25 milhões
de desabrigados), ocorridos entre julho e agosto de 2007; as secas e ondas de
calor na Europa e nos Estados Unidos, registradas no verão de 2007. Estes
fenômenos podem estar relacionados com o aquecimento global.

Nos meios de comunicação tema das mudanças climáticas e da


superexploração dos recursos naturais, têm sido recorrentes, como pode ser
observado em recentes reportagens da revista semanal "Veja", com a matéria
especial: “A Última Fronteira”, que trata dos efeitos do aquecimento global, do
degelo da Antártida e dos mares setentrionais e da sobrevivência dos ursos
polares (SOUZA, p. 91). O tema se repete na edição seguinte da revista citada,
com a reportagem “o Fim da Pesca”, e na revista mensal da edição brasileira
do "National Geographic", de abril de 2007 (National Geographic, 2007), com o
tema: “O Mar Não Está Para Peixe”, onde são discutidos os efeitos da
superexploração de espécies marítimas comerciais, como atum e bacalhau, e
dos descartes de espécies sem valor comercial, alertando para o esgotamento
e para a irrecuperabilidade dos estoques pesqueiros: “Nas últimas cinco
décadas, a população mundial dobrou, mas o consumo de alimentos do mar
quintuplicou” (SCHELP, p. 114).
79

Estes exemplos mostram que as questões sobre aquecimento global e


produção de alimentos são relevantes, estão inter-relacionadas, e interferem
em toda a vida do planeta.

Diante do exposto, são muitos os prognósticos acerca capacidade do


planeta de produzir alimentos frente às estimativas de crescimento
populacional. Destaca-se que, além de subsídios científicos rigorosos, muitas
vezes questões subjetivas são consideradas na elaboração destes cenários.

No presente capítulo, são analisados alguns dos mais relevantes


estudos que remetem a prováveis cenários, no médio e longo prazo, referentes
à produção de alimentos, às expectativas de suprimento das populações e ao
crescimento populacional, no âmbito global.

3.1. Estudos atuais de cenários referentes à produção mundial


de alimentos e ao suprimento das populações

Dentre os estudos tratados neste índice, destacam-se por sua relevância


os trabalhos de: 1) Gilland (2002) e Johnson (1999), 2) Wolf, et al. (2003) e
Wirsenius (2003) e 3) FAO (2003). Os trabalhos referenciados avaliam os
cenários futuros da produção mundial de alimentos, focando os mais
importantes fatores relacionados com este tema, como os fatores populacionais
(tamanho) e ambientais (terra disponível). Destaca-se nestes trabalhos, a
utilização de dados e previsões das mais relevantes instituições e organizações
internacionais, tais como: Organização Mundial para a Agricultura e
Alimentação (Food and Agricultural Organization) - FAO, Organização das
Nações Unidas - ONU, Banco Mundial (The World Bank) - WB, International
Food Policy Research Institute - IFPRI, World Resources Institute - WRI, entre
outros.
80

3.1.1. Análise dos Estudos de Gilland (2002) e de Johnson (1999)

De acordo com o pensamento econômico clássico, as forças


motivadoras do crescimento econômico resultam das inovações tecnológicas,
da expansão territorial, descoberta de novos recursos naturais e do
crescimento demográfico, sendo que numa economia de mercado, estas forças
contribuem também para o crescimento per capita (ANÔNIMO 2004, p. 329).
Desta forma, pode-se inferir que o crescimento da produção mundial de
alimentos está associado aos fatores supracitados. Este mesmo viés serve de
suporte para os preceitos e paradigmas da “Revolução Verde” (RV): avanço
tecnológico com o uso de variedades mais adaptadas e produtivas, uso
expressivo de fertilizantes minerais, mecanização e irrigação, expansão dos
agroecossistemas e desenvolvimento da pesquisa agronômica, aliados ao
aumento da demanda por parte do crescimento da população. Apesar de
críticas, como a de Parayil (2003), muito bem fundamentadas quanto aos
fatores reais que motivaram o início e o desenvolvimento da RV, é inegável que
ela teve papel relevante na produção mundial de alimentos após a 2a Grande
Guerra. Atualmente, a produção global de alimentos insere-se em uma
conjuntura distinta das primeiras décadas da 2a metade do século XX, onde o
aumento da demanda alimentar, alavancado pelo crescimento demográfico, se
coloca frente aos limites espaciais, de recursos naturais, de sustentabilidade
dos agroecossistemas, e da própria tecnologia, que não mais apresenta um
significativo aumento da produtividade (Gilland, 2002).

O estudo de Bernard Gilland, "World Population and Food Supply. Can


Food Production Keep Pace with Population Growth in the Next Half-Century?",
publicado em 2002, apresenta a evolução histórica da produção e do consumo
mundiais de cereais, proteína animal, fertilizantes nitrogenados e da
disponibilidade de água, incluindo uma síntese dos limites do potencial
produtivo das lavouras (tomando como base o milho), finalizando com
prognósticos do suprimento alimentar, da produção de alimentos e do
crescimento populacional. O autor, primeiramente, apresenta uma discussão
sobre a produção global média de cereais per capita ,para uma dieta média
adequada, incluindo os critérios de avaliação desta dieta, e apresentando os
81

limites de possibilidades técnicas para um aumento da produção mundial de


alimentos per capita, até o ano de 2050.

Gilland faz a projeção da produção de cereais e do incremento


populacional no mundo, tomando como base os dados do United States
Bureau Of The Census (USBC), de 2001, os dados estatísticos da Food and
Agricultural Organization Statistics Database (FAOSTAT), de 2001, e as
projeções do próprio autor. Gilland considera a divisão do mundo, no panorama
histórico atual, em dois grupos de países, segundo a classificação da
Organização das Nações Unidas (ONU):

• Países Mais Desenvolvidos (PMeD): Estados Unidos da América,


Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura,
Israel e países da Europa Ocidental;

• Países Menos Desenvolvidos (PMeD): Países em desenvolvimento e


países pobres.

O autor utiliza esta discriminação em seu estudo devido às diferenças


acentuadas entre os dois grupos, no que se refere à produção total e
produtividade de cereais, demografia e padrões de dieta.

A importância dos cereais para humanidade se deve à expressiva


participação dos grãos na dieta humana e na alimentação animal. O arroz é um
dos mais importantes cereais. Entre os anos de 1997 e 19990, o continente
asiático produziu cerca de 90% de toda produção mundial de arroz, cerca de
536 milhões de toneladas anuais, em uma área de, aproximadamente, 137
milhões de hectares (ha) (MOYA et al., 2004, p. 29). Em 1999, foram
consumidos exclusivamente na alimentação animal, 655 milhões de toneladas
(Mt) de cereais (FAOSTAT, 2001, citado por Gilland, p. 52).

No mundo, grande parte da proteína animal da dieta humana provém


indiretamente dos cereais fornecidos como alimento nas criações de animais.
Em 1999, segundo Gilland (2002, p. 52), o total de proteína animal consumida
mundialmente foi de 61 Mton, dos quais, 10 Mton, oriunda de pescado, 12 Mton
de gado não confinado (pastagens) e 39 Mton de gado alimentado por cereais
82

presentes na ração animal. Por estes dados, o autor deduz que, para a
conversão protéica dos cereais para os animais, as 655 Mton de cereais são
transformadas em 39 Mton de proteína animal, ou seja, a uma razão de 17
vezes (655/39=17). O autor afirma que o aumento na produção mundial de
cereais não acompanhará a demanda per capita por proteína animal até 2050,
estimada em 435 kg de cereais per capita, contando que a quantidade de
proteína de pescado e de gado de pastoreio permaneça constante.

A produção comercial de alimentos, de cereais e outros bens da


agricultura, têm sido, nos últimos 50 anos, altamente dependente do aporte
substancial de insumos agrícolas, principalmente de fertilizantes e de água.
Aproximadamente 60% da área rizícola na Ásia, são irrigadas, e 75% desta
produção provêm deste tipo de agroecossistema (MOYA, et al., 2004, p. 29). O
uso de fertilizantes nitrogenados por hectare na Ásia tem declinado nos últimos
30 anos, contudo, esta alteração não representa uma tendência no longo prazo
(DAWE, 2004, p. 61)

Os incrementos de produtividade têm sido determinantes em regiões


com pouca disponibilidade de áreas agricultáveis, como no continente asiático,
onde o aumento da produtividade, segundo Dawe (2004, p.61), decorre da
resposta da adubação nitrogenada, que atingiu seu mais alto patamar de
rendimento. Os limites agronômicos na produção de cereais são apresentados
por Gilland (2002, p. 58), corroborando a tese de que somente altas doses de
fertilizantes, muito acima daquelas economicamente recomendadas associadas
a ambientes agronomicamente favoráveis, com solo e clima adequados e
doenças e pragas controladas, poderão obter altas produtividades das
cultivares híbridas comerciais. Dawe (2004, p. 61) alerta que a aplicação
incorreta de fertilizantes nitrogenados tem contribuído para a ineficiência da
fertilização, fazendo com que os agricultores aumentem as doses aplicadas,
visando maiores produtividades.

O suprimento de água pode ser um fator limitante na produtividade


agrícola, de modo que em algumas regiões, altas produtividades somente
podem ser alcançadas por meio da irrigação (GILLAND, 2002, p. 57). Segundo
o mesmo autor, o total de área irrigada no mundo, em 1998, foi de 271milhões
83

de hectares (Mha), e tem aumentado em média de 3,4 Mha por ano desde
1980, sendo que grande parte do potencial de irrigação será alcançado por
volta do ano de 2050. Estima-se que as áreas irrigadas do planeta produzam
cerca de 35% das colheitas mundiais (Crosson & Anderson, 1992, citados por
Gilland, 2002, p. 57). A produtividade mundial em equivalência de grãos das
lavouras irrigadas é de 3,5 toneladas por hectare (ton/ha), quase o dobro
daquelas não irrigadas - 2,0 ton/ha (GILLAND, 2002, p. 57). A expansão
mundial das áreas sob irrigação poderá ser limitada por alguns importantes
fatores, como a competição crescente com os consumidores urbanos e os
elevados e crescentes custos da implantação e uso dos sistemas de irrigação,
até o ano de 2050 (Crosson & Anderson, 1992, citados por Gilland, 2002, p.
57).

Em seu estudo, Gilland (2002, p. 58-9, tabela 3) faz uma projeção para a
produção mundial média de cereais para o ano de 2050, tomando como
referência, dados atuais de produtividades máximas de milho e doses
correspondentes de nitrogênio. O autor afirma que a razão entre as produções
globais de milho e de cereais tem variado desde 1950, e, tomando como base
a relação de 1,40 kg de milho/1 kg de cereal, no período de 1996 a 2000, a
produtividade de cereais seria de, aproximadamente, 4600 kg/ha no ano de
2050.

Gilland (2002) desenvolve seu cenário, incluindo os aspectos de


desenvolvimento dos dois grupos de países, segundo a classificação da FAO:
PMaD e PMeD. Nesta avaliação, a produção mundial de alimentos tem sido
mais que suficiente para alimentar adequadamente toda a população humana.
Se parte expressiva da população, em torno de 1 milhão de pessoas, não é
atendida plenamente em suas necessidades alimentares, isso se deve, em
grande parte, à insuficiente produção local de alimentos aliada à baixa renda
familiar, que compromete a aquisição de alimentos excedentes de outras
regiões. Segundo dados da FAOSTAT, 2001 (citado por Gilland, 2002, p. 59),
as exportações líquidas de cereais, dos PMaD para os PMeD, no ano de 1999,
foram de 101 Mton, sendo que o consumo estimado per capita foi de 600 kg e
280 kg, respectivamente. O autor mostra que a transferência de equalização
84

global ("Total Equalization Transfer"), em 1999, foi de 20% da produção


mundial de cereais, sendo em suas considerações, praticamente a mesma
(19%), no ano de 2050. O estudo de cenário de Gilland assinala que, em 2050,
haverá aumentos significativos na população e na produção de cereais dos
PMeD, resultando numa produtividade per capita de 284 kg, um incremento de
10% em relação ao ano de 1999. No ano de 2050, mantido o consumo de 600
kg per capita de cereais nos PMaD, a exportação líquida de cereais será de
300 Mton, abaixo dos 422 Mton exportados em 1999, contudo será em torno de
10% da produção mundial projetada, coincidindo com o crescimento percentual
da produção per capita de cereais nos PMeD.

Gilland faz seus prognósticos baseando-se nas tendências de produção


de alimentos, nos limites agronômicos de produção e nas projeções
demográficas. O autor sintetiza seu estudo a partir dos resultados
apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 - Dados mundiais absolutos e relativos da população e da produção de cereais.

PMaDª PMeDªª Mundo


1999 2050 1999 2050 1999 2050

População (milhões) 1261 1310 4742 7794 6003 9104

Área com cereais (Mha)* 232 ... 439 ... 671 725

Produção de cereais (Mton)** 859 1086 1218 2214 2077 3300

Produtividade de cereais (kg/ha)*** 3700 ... 2770 ... 3094 4550

População por área (ha) de cereal**** 5,4 ... 10,8 ... 8,95 12,6

Produção de cereais per capita***** 681 829 257 284 346 362

Fonte: Gilland, (2002, p. 59), modificada pelo autor


Nota: ... dado numérico não disponível
(Mha)* milhões de hectares (1 ha = 10 mil metros quadrados)
(Mton)** milhões de toneladas
(kg/ha)*** quilos por hectares
(****) habitante por hectare
(*****) kg/por habitante
(ª) Países mais desenvolvidos
(ªª) Países menos desenvolvidos

Dos dados apresentados na Tabela 3, podem-se fazer algumas


considerações importantes. Entre elas, destaca-se que a produção de cereais,
no ano de 2050, nos PMeD apresenta um prognóstico de crescimento
85

significativo, de 80%, enquanto que nos PMeD, o aumento deverá ser de 25%.
Contudo, estas impressionantes cifras seguirão o incremento mundial de 3
bilhões de habitantes, até 2050, concentrados quase que inteiramente nos
PMeD, refletindo num pequeno aumento da produção de cereais per capita
(10%). O consumo de cereais nos PMeD, segundo o autor, deverá ser
complementado por transferências dos PMaD na mesma proporção do final do
século XX, em torno de 20%. Alguns pontos merecem ser destacados no
sentido de complementar o estudo de Gilland:

• Muitos países do grupo PMeD, como o Brasil e a Argentina são, há


algumas décadas, grandes exportadores de commodities agrícolas, com
expectativa de maior crescimento até 2050 devido ao status de Know-how,
pesquisa e potencial de terras agricultáveis. Diante disto pode haver um
crescimento na produção mundial per capita de cereais, mesmo sem os
incrementos de produção dos PMaD. Vale destacar a existência de outros
fatores antagônicos a esta perspectiva, como, por exemplo: o aumento das
áreas destinadas á produção de combustíveis;

• Tem-se uma demanda reprimida de alimentos, entre os quais de


cereais, por parte dos PMeD. A evolução desta demanda, no médio e longo
prazo, é uma incógnita e os prognósticos permanecem no plano especulativo.
Os prognósticos de Gilland baseiam-se num intervalo restrito de variação do
consumo per capita de cereais. A demanda não varia somente pelo
crescimento populacional, mas também pelo nível de renda familiar e pelos
padrões de consumo.

Segundo Johnson, (1999, p. 5915), a segunda metade do século XX


presenciou um crescimento sem precedentes no consumo per capita mundial
de alimentos, com exceção dos países da região da África subsaariana. A
produção de grãos não tem acompanhado o crescimento populacional desde
1984. O mesmo autor (p. 5916) alerta que os agricultores serão prejudicados
se as produtividades agrícolas, no futuro, crescerem na mesma proporção que
nas décadas da RV, pois altos rendimentos agrícolas ocasionam queda dos
preços e, em conseqüência, os níveis subseqüentes de produtividade ficarão
86

abaixo daqueles do passado. Mazoyer & Roudart, (1997/1998, p. 460)


descrevem tal acontecimento:

“... quando o mercado mundial fica saturado e os preços são baixos


(como foi o caso no fim dos anos 1960 e 1980)...os cereais importados a
baixo preço ganham terreno nos mercados...dos países pobres, os
produtores de gêneros alimentares locais...mergulham na crise, e a
dependência alimentar alarga-se. Alguns anos mais tarde (como foi no caso
dos anos 1970) quando a produção mundial e os stocks de cereais se
tornaram insuficientes, os altos preços voltaram.”

Nessa conjuntura, ainda segundo Mazoyer & Roudart, (1997/1998), a


produção interna de alimentos dos países pobres encontra-se enfraquecida,
enquanto que as necessidades alimentares aumentam cada vez mais, o
consumo dos pobres diminui e as carências e fomes reaparecem. Em países
onde a grande maioria dos produtores e dos consumidores é pobre, e os
efeitos negativos das flutuações de preços das commodities agrícolas são de
extrema gravidade (MAZOYER & ROUDART, 1997/1998, p. 460).

De 1960 a 1990 a produtividade mundial de grãos cresceu, em média,


2,5% ao ano, enquanto que, no mesmo período, os preços reais caíram cerca
de 40% (JOHNSON, 1999, p. 5916). O mesmo autor (JOHNSON, 1999, p.
5917), afirma que a demanda por grãos e alimentos, em geral, crescerá até
2025 em níveis bem mais baixos que nas últimas décadas do século XX, assim
como o crescimento do suprimento alimentar. A evolução do suprimento
alimentar mundial seria maior que o atual, se a demanda tivesse aumentado
da mesma forma que os preços reais ou internacionais de grãos. Para que a
produção de alimentos fosse crescente ao longo dos anos, seria necessário um
aumento proporcional dos preços destas commodities, o que representaria um
incentivo para o aumento da produção, seja por maiores aportes de insumos,
aumento da área plantada, incentivos econômicos e financeiros aos
produtores, de difusão tecnológica, pesquisa agronômica, entre outros. Se a
demanda tivesse crescido na mesma taxa do suprimento alimentar, os preços
internacionais permaneceriam constantes (JOHNSON, 1999, p. 5917).
87

Segundo o mesmo autor (JOHNSON, 1999, p. 5917), o crescimento no


consumo de alimentos está relacionado a 4 principais variáveis, a saber: 1)
população, 2) renda per capita, 3) preço relativo do alimento ou produto
alimentar e 4) taxas diferenciais do crescimento demográfico entre países ou
regiões com distintos níveis de renda per capita.

O crescimento mundial de alimentos deverá acompanhar o crescimento


da população. Entre 1960 e 1990, o crescimento populacional contribuiu com
75% do aumento do consumo total de grãos (média anual de 1,9%), e os 25%
restantes foram relativos aos aumentos no consumo per capita de grãos (com
um aumento médio anual de 0,55%) (JOHNSON, 1999, p.5917-18).

O mesmo autor (JOHNSON, 1999, p. 5918), relata que é consenso,


entre os estudos das três maiores organizações internacionais: Food and
Agriculture Organization (FAO), The World Bank (WB) e International Food
Policy Research Institute (IFPRI), que, entre 1990 e 2010, o consumo mundial
per capita de grãos tenderá a uma pequena variação, tanto nos países
desenvolvidos e em desenvolvimento, enquanto que o consumo mundial
deverá crescer a taxas de 1,5 a 1,7% ao ano. Johnson (1999, p. 5918) faz um
prognóstico até 2020, baseado nos estudos destas organizações. Sua análise
revela que, até 2020, a produção de grãos aumentará em torno de 17% em
países desenvolvidos e cerca de 9% nos países em desenvolvimento, com um
crescimento mundial de 1,3% ao ano.

3.1.2. Análise do Cenário de Wolf et al. (2003) e do estudo de Wirsenius


(2003)

A produção mundial de alimentos tem crescido rapidamente e continuará


assim no futuro, acompanhando a crescente demanda por alimentos
(ALEXANDRATOS, 1996 & ROSEGRANT, 1995, citados por WOLF et al.,
2003, p. 842). No entanto, Brown & Kane (1994), afirmam que, embora nas
últimas décadas a produção global tenha crescido rapidamente, no futuro, este
crescimento deverá ser menor e, eventualmente, poderá haver escassez
(WOLF et al., 2003, p. 842). O rápido crescimento da demanda alimentar está
associado ao crescimento populacional e à média crescente de renda da
88

população (WOLF et al., 2003, p. 842). Os mesmos autores manifestam ainda


a preocupação quanto à disponibilidade de terra no mundo para a produção
adicional de biomassa para fins energéticos, uma vez que este incremento
pode resultar na redução de áreas disponíveis para a produção alimentar, com
implicações na segurança do abastecimento de alimentos em âmbito global.

Em um estudo anterior publicado em 1995, Wolf investigou a evolução


da demanda alimentar global até 2040 e o potencial de produção de alimentos
em 15 regiões do mundo. Este estudo revelou que o potencial de produção de
alimentos, no futuro, deverá ser relativamente alto, se comparada à produção
no ano de 1995, assumindo-se altas produtividades e uma considerável
expansão da área plantada (WOLF et al., 2003, p. 842).

No estudo de Wolf et al. e publicado em 2003, Exploratory Study of the


Land Area Required for Global Food Supply and the Potencial Global
Production of Bioenergy, o nível de segurança alimentar foi usado para estimar
as áreas cultivadas que podem ser usadas para outros fins além da produção
de alimentos, como para a produção de biomassa para fins energéticos. Ainda,
nas projeções futuras das necessidades alimentares no mundo, são
consideradas as projeções de crescimento populacional e da necessidade
alimentar per capita, a qual depende fundamentalmente do padrão de
consumo.

Estes autores consideraram três padrões diferentes de consumo para o


adulto com dietas satisfatórias em relação ao consumo diário de energia e
proteína, expresso em equivalente-grão, peso seco: dieta vegetariana, com 1,3
kg de grãos/dia; dieta moderada, com 2,4 kg/dia e dieta rica, com 4,2 kg/dia.
Consideraram, ainda, as projeções da FAO, publicadas em 1997, para o
crescimento global da população até o ano de 2050, segundo três níveis de
crescimento populacional: baixo, com população estimada para 2050 de 7,66
bilhões de indivíduos; médio, com 9,37 bilhões de indivíduos, e alto, com 11,16
bilhões de habitantes (WOLF et al., 2003, p. 843). A equivalência em grãos se
refere à quantidade de grãos, em peso seco, necessária como matéria-prima
para a produção de outros produtos de consumo alimentar humano, como
laticínios e carne.
89

Wolf et al. (2003, p. 843 -5) incorporaram na metodologia de seu estudo


alguns importantes elementos intrínsecos à produção agrícola.

Quanto ao sistema de produção, foram abordados dois sistemas


principais: Sistema Intensivo de Produção (SIP, com alto aporte de insumos,
como mecanização, fertilizantes artificiais e biocidas, e utilização de técnicas
agrícolas melhoradas, baseadas na agricultura holandesa, porém, sem
irrigação artificial; e o Sistema Extensivo de Produção (SEP), com baixo aporte
de insumos e baseado nas técnicas de cultivo de manejo integrado de pragas e
doenças, e manejo ecológico. Neste caso, não foi considerada a irrigação nem
a aplicação de fertilizantes artificiais e biocidas, que implica na redução da
produtividade, decorrente da limitada disponibilidade de água, de nitrogênio, e
da ocorrência de pragas (WOLF et al., 2003, p. 843 - 4).

Quanto às projeções da produção global de alimentos, os autores


usaram um sistema matemático de simulação, na qual foram inseridas
variáveis ambientais: dados climatológicos e dados relacionados ao solo. Neste
quesito, foram usados dois tipos padronizados de culturas agrícolas: cereais e
pastagens (cultivadas).

Os autores fizeram algumas ressalvas relacionadas à disponibilidade de


terra para a agricultura moderna. Terra disponível, neste contexto, foi definida
como a fração de área que pode ser mecanizada, na qual as culturas agrícolas
podem se desenvolver plenamente sem qualquer impedimento oriundo das
condições do solo. A disponibilidade de terra foi avaliada separadamente em
terras de cultivo e terras de pastagens, pois as primeiras são propícias às
culturas de grãos, mais exigentes quanto à fertilidade do solo do que as
pastagens. Portanto, nesta simulação da produção mundial de alimentos,
considerou-se o uso de toda a terra arável disponível no mundo para a
produção de grãos, sendo a porção não arável, destinada para pastagens.
Todas as produções, num período de um ano, foram expressas em grãos-
equivalentes em peso seco (WOLF et al., 2003, p. 844).

A produção global máxima de alimentos foi calculada para o ano de


2050 nos dois sistemas agrícolas de produção (SPI e SPE) e comparadas com
90

as necessidades alimentares no mundo, cujas projeções foram determinadas


para os três cenários de crescimento populacional e para as três dietas
básicas, conforme descrito anteriormente. A razão entre o potencial de
produção de alimentos e a necessidade alimentar resulta no índice de
suficiência alimentar, e os autores estabeleceram o índice mínimo igual a
dois23, a fim de proporcionar de forma abrangente e sem restrições a
segurança alimentar. O índice mínimo de segurança alimentar está
relacionado a alguns importantes fatores intrínsecos à segurança alimentar,
como a sazonalidade da produção, a desigualdade na distribuição, entre
outros. Além da produção de grãos - um alimento nobre -, a agricultura produz
outros bens de consumo humano em expansão, como fibras, matéria
energética e frutas, aumentando a concorrência pelos mesmos fatores de
produção, principalmente terra arável.

Há que se salientar que a agricultura integra grande parte dos sistemas


de produção de bens e de serviços, sendo também responsável pelas
pastagens naturais e cultivadas, até a produção de fibra, algodão, cânhamo,
silvicultura, e os sistemas para produção de biomassa para fins energéticos24,
como cana-de-açúcar e espécies florestais.

É oportuno incluir algumas importantes considerações do trabalho de


Stefan Wirsenius (2003) - Efficiencies and Biomass Appropriation of Food
Commodities on Global and Regional Levels - para uma melhor compreensão
da produção e do consumo de alimentos no mundo, em termos energéticos, e
o que isso pode implicar nos cenários futuros da produção de alimentos de
origem vegetal e animal. O autor afirma que no estudo do suprimento e da
demanda global de alimentos, as pesquisas têm favorecido análises que visam
o crescimento da produção agrícola em detrimento da redução dos requisitos
de produção, visando o aumento da eficiência e da produtividade; ou a
mudança nos padrões da dieta humana.

23
Este índice aponta para a produção do dobro da necessidade alimentar, uma vez que
parcela significativa da produção é perdida na rede de suprimento.
24
Wirsenius (2003, p. 220) propõe fitomassa como termo alternativo à biomassa vegetal.
91

Em seu trabalho, Wirsenius (2003, p. 220) inclui estimativas dos fluxos


externos e internos de fitomassa, de energia e de nutrientes para as principais
commodities de origem vegetal e animal. As comparações são feitas, tomando-
se como base o conceito de apropriação de fitomassa. Desse modo, para
produzir certa quantidade de fitomassa, como grãos e forragem, certa
quantidade de fitomassa é, inevitavelmente, gerada como subproduto ou
resíduo - restos culturais (ex. restos vegetais que permanecem no campo após
a colheita dos grãos) e fitomassa não aproveitada (ex. fitomassa remanescente
após o pastoreio) (WIRSENIUS, 2003, p. 224).

Wirsenius (2003, p. 224-5) elege quatro tipos de eficiência na


apropriação de fitomassa: Eficiência de utilização na alimentação animal e no
abastecimento para os processos agroindustriais; Eficiência de conversão da
fitomassa em produtos de origem animal e vegetal; Eficiência de conversão em
commodities, incluindo perdas na distribuição, estocagem e no aproveitamento
dos produtos; e Eficiência total de conversão, ou o produto das demais
eficiências. Em termos de eficiência total, tomando-se como base a energia
bruta (correspondente a mais alta energia calórica), aproximadamente 8% da
produção total de fitomassa do mundo foi convertida, efetivamente, em
alimentos disponíveis. Segundo Wirsenius, (2003, p. 225), essa baixa taxa de
conversão se deve às perdas e à baixa eficiência na produção de alimentos de
origem animal (menor que na produção de alimentos de origem vegetal). Essas
diferenças ocorrem em uma mesma região, sendo mais evidentes entre as
regiões continentais e, revelam dessa forma, diferenças regionais nas dietas
das populações. A eficiência total de conversão na América Latina foi estimada
em 3,6%, cerca de três vezes inferior que no Leste asiático (10,8%) e na
Europa Ocidental (8,4%). O autor justifica essa diferença pelo elevado
consumo de carne bovina, associada à baixa produtividade deste tipo de
alimento25 na América Latina. No Leste asiático, o consumo de carne consiste,
principalmente, de carne suína, cuja eficiência de produção é mais alta
(WIRSENIUS, 2003, p. 225-6), em função do uso generalizado de subprodutos
e de resíduos vegetais na alimentação destes animais.

25
Wirsenius denomina os diferentes alimentos e commodities alimentares como sistemas
92

A eficiência de conversão se mostra maior no grupo e commodities


vegetais se comparada ao grupo de commodities animais, além de, neste
grupo as commodities individuais (ou sistemas individuais) terem diferenças
mais significativas. Como exemplo, a eficiência de conversão de carcaça de
frango foi 17 vezes maior que da carcaça bovina. Entre óleo vegetal (a mais
baixa eficiência no grupo de commodities vegetais) e carcaça suína (a mais
alta eficiência no grupo de commodities animais), a diferença de eficiência total
foi menor que 2 (WIRSENIUS, 2003, p. 226-7). Na análise das eficiências
estimadas de conversão entre as regiões do mundo, se verifica que as
eficiências de conversão das commodities animais foram, sem exceção, muito
mais baixas nas regiões não industriais do que nas regiões industriais. Como
exemplo, a eficiência de conversão de leite na América do Norte e Oceania é
sete vezes maior do que na região da África subsaariana (WIRSENIUS, 2003,
p. 229). Na produção de alimentos de origem animal, o sistema de carcaça
bovina tem menor eficiência de conversão que outros sistemas de produção
animal, por requerer, consideravelmente, maior quantidade de fitomassa por
unidade de produto final, que outros sistemas, tais como: frango e suínos
(WIRSENIUS, 2003, p. 233).

Wirsenius (2003, p. 233) comenta que grande parte da criação de


animais tem usado grãos como componente principal da ração, visando,
principalmente o fornecimento de energia e proteína. Os grãos, se consumidos
diretamente, poderiam alimentar satisfatoriamente um maior número de
pessoas, aumentando, assim, a segurança alimentar no mundo (WIRSENIUS,
2003, p. 233). Existe uma competição entre o consumo humano de grãos e o
uso de grãos na alimentação animal, e, como conseqüência, a competição por
terra arável - um dos principais recursos na produção alimentar. O argumento
mais comum para justificar a criação de animais ruminantes, como bovinos,
caprinos e ovinos, para fornecimento de carne é que, apesar da baixa taxa de
conversão, este tipo de produção está baseado principalmente na utilização de
recursos alimentares não competitivos, como pastagens permanentes
(naturais) e a extração de subprodutos (WIRSENIUS, 2003, p. 234). Segundo o
autor, a conclusão é óbvia: os subprodutos fibrosos não são, de fato, utilizados
como alimento nobre, como os cereais, e são muitas as áreas de pastagens
93

naturais, que por várias razões não deveriam ser convertidas em áreas de
agricultura (p. 234). É provável, em princípio, que sistemas de produção de
animais ruminantes possam ser conduzidos baseados somente em pastagens
naturais e no uso de subprodutos fibrosos. No entanto, a demanda mundial por
carne bovina (e de outros ruminantes) é muito alta, excedendo a quantidade
existente de pastagens naturais. Além disso, os períodos de inverno e de seca
requerem obrigatoriamente alguma contribuição adicional na alimentação
animal. Nos próximos 20-30 anos, a produção de carne bovina deverá
depender cada vez mais de quantidades significativas de grãos e de outros
alimentos cultivados (WIRSENIUS, 2003, p. 233). O autor afirma que, ao
contrário da criação de animais ruminantes, o sistema de produção de leite
pode apresentar alta taxa de conversão alimentar e, ao mesmo tempo, usufruir
da fitomassa não cultivada (WIRSENIUS, 2003, p. 235).

Na Tabela 4, são apresentadas as estimativas da FAO (1990 e 1998) e


de Wolf et al. (1995 e 2003) quanto á área de terra para a produção de
alimentos (cultivável), integrando terras aráveis e pastagens.

Tabela 4 – Estimativas de terra total, terra agricultável, terra arável e pastagens no


mundo em bilhões de hectares.

Fonte Terra Terra Terra Pastagens****


total* agricultável** arável***

FAO (1990) 13,04 4,91 1,5 3,41

FAO (1998) 13,05 4,94 1,51 3,43

Wolf et al ., (2003) Presente 12,20 4,94 2,41 2,53

Wolf et al ., (1995) Potencial 12,20 7,78 3,80 3,98

Fonte: Wolf et al. (2003 p. 845), modificada pelo autor.


(*) Área terrestre global, excetuando-se os corpos de água, como rios e lagos.
(**) Terra agricultável: soma da terra arável e pastagens.
(***) Terra arável: terra usada nas culturas agrícolas, excetuando-se as pastagens cultivadas permanentes.
(****) Pastagens: terra sob pastagens permanentes, incluindo as naturais e as cultivadas.

Presume-se que as pastagens possam ser naturais ou plantadas, e que


possam ser sistemas permanentes de produção de alimentos. Como
determinado pelos autores, os conceitos de terra arável e de terra sob
94

pastagens, diferem entre si quanto á fertilidade e possibilidade de


mecanização. O conceito agronômico de fertilidade do solo é bastante amplo:
incorpora as propriedades e características do solo, além do teor de nutrientes.
A fertilidade, neste caso, é a capacidade do solo de oferecer condições
favoráveis à implantação e ao bom desenvolvimento das culturas. Neste
contexto, em um solo fértil infere-se a capacidade de armazenar água e
nutrientes, possuir baixa salinidade, além de possuir baixas concentrações de
elementos tóxicos, ser permeável e permitir o desenvolvimento do sistema
radicular das plantas e de microrganismos do solo, entre outros. No entanto,
em termos agronômicos, a fertilidade do solo está também relacionada às
condições do ambiente. Neste aspecto, o clima interage intimamente com o
solo, determinando, na maioria das vezes, a limitação para as principais
culturas agrícolas. No entanto, se as condições edafoclimáticas podem ser
pouco alteradas pelo homem, o avanço científico tem alcançado soluções de
sucesso na implantação de agroecossistemas em lugares pouco propícios à
produção agrícola. Como exemplo, pode-se citar os sistemas modernos de
irrigação em regiões de baixa pluviosidade, a correção da acidez do solo por
meio da aplicação periódica de calcário, o aumento e restituição da fertilidade
do solo por meio do uso de fertilizantes artificiais, o uso de variedades de
plantas agronomicamente melhoradas e adaptadas às condições de solo e
clima, o uso de sistemas de rotação de culturas, mecanização (motorização e
implementos), entre outras práticas agrícolas.

Em seu estudo, Wolf et al. (2003, p. 844) determinaram que as terras


menos férteis e de difícil mecanização somente serviriam como
agroecossistemas pastoris, naturais ou cultivados. As terras férteis seriam
destinadas às culturas mais nobres, como grãos. Neste sentido, há uma
congruência entre os estudos de Wolf (2003) e de Wirsenius (2003, p.233): os
sistemas extensivos de criação de ruminantes são menos produtivos que as
culturas agrícolas, como grãos, por exemplo.
95

Dessa maneira, seria mais lógico usar solos pouco férteis para as
pastagens26. Entretanto, isso nem sempre ocorre devido a fatores econômicos,
de mercado, de infra-estrutura, como transporte, tradição local, entre outros.
Solos férteis são comumente usados em pastagens, porém a produtividade de
biomassa é maior, com conseqüente aumento da produtividade animal.

Quanto ao nível de dieta, o assunto suscita um melhor detalhamento


para se fazer prognósticos mais confiáveis. Segundo Alexandratos (1999, p.
5911), a disponibilidade mundial de alimentos no período de 1994 a 1996 foi,
em média, de 2.580 kcal/dia per capita, com expectativa de aumento para 2750
kcal/dia per capita, no ano de 2010. Contudo, em termos regionais, estima-se
que a ingestão calórica média per capita na África subsaariana crescerá pouco
até o ano de 2010, enquanto que, no outro extremo, nos países desenvolvidos,
a média ficará em torno de 3.000 kcal/dia. No ano de 2015, a estimativa de
ingestão calórica média per capita na África subsaariana será de 2.360 kcal/dia
(FAO, 2003, p. 5). O número de pessoas malnutridas no mundo deverá cair de
800 milhões, em meados dos anos 90, para 680 milhões de pessoas, em 2010.
Mas, na África subsaariana, a desnutrição continuará no mesmo patamar. Nos
países em desenvolvimento, a taxa de desnutrição humana deverá ser
reduzida de 21% da população, em meados de 1990, para 12%, em 2010.
Contudo, o contingente de desnutridos continuará o mesmo em decorrência do
elevado crescimento populacional nestes países no período (FAO, 1996, citado
por Alexandratos, 1999, p. 5911).
Em seu estudo, Alexandratos (1999, p. 5908, resumo), comenta que no
médio prazo os progressos da humanidade não serão suficientes para diminuir
significativamente o quadro de desnutrição mundial, e salienta que:

26
Grande parte da Região Amazônica é devastada para a retirada de madeira e para a
implantação de pecuária bovina, que possuem baixos rendimentos, por área e per capita, como
salientado por Wirsenius (2003). Além disso, os solos amazônicos, em sua maioria, são pobres
em fertilidade, arenosos e propícios à erosão, ou seja, não são aptos à agricultura ou criação
de animais, como praticados convencionalmente nas regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil.
Outro exemplo clássico da expansão agrícola é o Cerrado brasileiro, que outrora parecia não
ter vocação para a produção de alimentos em escala comercial, e, nas últimas décadas, tem
mostrado sua importância na produção de grãos. Este “sucesso” se deve, fundamentalmente, à
pesquisa agronômica brasileira, que promoveu o desenvolvimento de tecnologia apropriada
para exploração agrícola nas condições edafoclimáticas do Cerrado: práticas de correção da
acidez do solo, aplicação racional de fertilizantes, especialmente os fosfatados e de
micronutrientes, como o zinco (Zn) e plantio de variedades adaptadas. Atualmente, o Cerrado e
a Floresta Amazônica estão entre os biomas mais ameaçados do planeta.
96

"a persistência da insegurança alimentar não é conseqüência da


incapacidade da humanidade em aumentar a produção alimentar de
maneira que possa satisfazer as necessidades de consumo e assegurar
níveis satisfatórios de nutrição - o mundo já produz comida em suficiência".

Diante do exposto, decorre a conclusão que, no mundo, há um


desequilíbrio no acesso alimentar: enquanto uma parcela da população
mundial se satisfaz plenamente, ou mesmo acima de suas necessidades per
capita por alimentos, outra parcela sobrevive com uma ingestão insuficiente de
comida, em termos calóricos e nutricionais. Segundo estes autores, este
cenário tenderá a permanecer no médio prazo.

As necessidades alimentares e o acesso alimentar da humanidade


transcendem o viés econômico da produção de alimentos. As questões éticas e
ecológicas tendem a ficar mais expostas diante do desafio de se produzir mais
alimentos e outros bens em um planeta finito e frágil. Portanto, os níveis de
dieta propostos no estudo de Wolf et al. (2003, p. 847), e apresentados na
Tabela 5 representam abstrações hipotéticas.

Tabela 5 – Necessidades mundiais de alimentos para três dietas, segundo o tamanho da


população, nos anos de 1990, 1998, e nas três projeções de crescimento no ano de
2050, em bilhões de toneladas de matéria seca ao ano, em equivalente-grão.

Ano Dieta
Dieta
vegetariana
vegetariana Dieta moderada Dieta rica
Crescimento populacional Crescimento populacional Crescimento populacional
Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto

1990 2,51 4,64 8,11

1998 2,8 5,17 9,05

2050 3,63 4,45 5,3 6,71 8,21 9,78 11,74 14,36 17,11

Fonte: Wolf et al., (2003, p. 847)

Estes níveis serviram como base para o estudo teórico dos prognósticos
da produção mundial de alimentos, no médio prazo. Neste sentido, a dieta
moderada parece ser um padrão médio mais plausível e aceitável para a
humanidade, na metade deste século.
97

Segundo Wolf et al. (2003, p. 848), as estimativas do potencial máximo


da produção mundial de alimentos têm variado conforme os dois sistemas de
produção: sistema de produção intensiva (SIP) e sistema de produção
extensiva (SEP). Além destes aspectos, a produção variou, ainda, em relação à
irrigação: artificial e natural (chuvas), como se mostra na Tabela 6.

Tabela 6 – Projeções da produção mundial máxima de alimentos, em bilhões de toneladas de


matéria seca, em equivalente-grão, no sistema intensivo de produção (SIP) e no
sistema extensivo de produção (SEP), considerando a área de terra agricultável
potencial (pot.) e presente (pres.) no mundo.

Sistema Estimativas de produção Sistema Estimativas de produção


Produção Culturas Culturas Pastagens Produção Culturas Culturas Pastagens
total irrigadas s/irrigação s/irrigação Total irrigadas s/irrigação s/irrigação

SIP potª 72,26 35,18 7,9 29,18 SEP potº 30,67 14,19 0,67 15,81

SIP presªª 45,88 22,34 5,02 18,53 SEP pres.ºº 19,47 9,01 0,43 10,04

Fonte: Wolf et al. (2003. p.847), modificada pelo autor.


(SIP potª) Sistema intensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.
(SEP potº) Sistema extensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.
(SIP presªª) Sistema intensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.
(SEP presº) Sistema extensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.
Notas: Produção mundial em 1990, efetiva: 3,91 bilhões de toneladas.
Produção mundial em 1997, efetiva: 4,44 bilhões de toneladas.

O potencial global máximo de produção alimentar, conforme os autores,


é conceituado como a produção máxima de alimentos (PMA) que pode ser
obtida utilizando toda a terra agricultável disponível do mundo e todos os
recursos hídricos disponíveis para a irrigação. As estimativas da PMA sob o
SIP alcançaram 72 bilhões de toneladas (Bton) anuais em grãos equivalentes,
incluindo a produção das culturas irrigadas artificialmente ou por chuvas e das
pastagens. Sob SPE, as estimativas foram mais baixas, totalizando 31 Bton ao
ano em grãos equivalentes. Neste caso, o fator produtivo mais limitante foi o
nitrogênio. Atualmente, a PMA é de, aproximadamente, 46 Bton e 19 Bton
anuais em grão equivalente, sob SIP e SEP, respectivamente (WOLF et al.,
2003, p. 848).
98

Na Tabela 7, Wolf et al. (2003, p. 849), são apresentadas as proporções


entre os potenciais de PMA estimados para o ano de 2050, em ambos
sistemas de produção (SIP e SEP), sob as três dietas e sob as projeções
médias das taxas de crescimento mundial da população.

Tabela 7 – Proporções entre o potencial de produção futura de alimentos baseada no sistema


intensivo e extensivo de produção, na área atual e potencial de terra agricultável, no
mundo, em relação às necessidades mundiais de alimentos, determinadas para os
três níveis de crescimento populacional (baixo, médio e alto) e para as três dietas
(vegetariana, moderada e rica) em bilhões de toneladas de matéria seca, em
equivalente grão.

Sistema de Dieta vegetariana Dieta moderada Dieta rica


produção Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto
cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc.

SIP pot.* 19,9 16,2 13,6 10,8 8,8 7,4 6,2 5,0 4,2

SEP pot** 8,4 6,9 5,8 4,6 3,7 3,1 2,6 2,1 1,8

SIP pres.ª 12,6 10,3 8,7 6,8 5,6 4,7 3,9 3,2 2,7

SEP pres.ªª 5,4 4,4 3,7 2,9 2,4 2,0 1.7 1,4 1,1

Fonte: Wolf et al. (2003, p. 849)


(*) Sistema intensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.
(**) Sistema extensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.
(ª) Sistema intensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.
(ªª) Sistema extensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.

A proporção entre o potencial de PMA e as necessidades alimentares no


mundo, no futuro, variou entre 1,8 a 20. Os resultados da proporção, no
presente, variaram entre 1,1 a 13.

Wolf et al. (2003, p. 850) apresentam na Tabela 8 a proporção máxima


entre produção alimentar e necessidade alimentar, e a área agricultável
máxima, no mundo, potencialmente disponível para a produção de biomassa
energética, incluindo os diferentes sistemas produtivos, as dietas e as
estimativas de crescimento populacional global.
99

Tabela 8 – Frações máximas e máxima área global de terra agricultável, em bilhões de


hectares, potencialmente disponível para produção de biomassa para fins
energéticos, assumindo os dois sistemas de produção de alimentos (SIP e SEP), a
área total de terra potencial e atual, e as diferentes necessidades mundiais de
alimentos, baseados nos três níveis de crescimento populacional e as três dietas.

Dieta vegetariana Dieta moderada Dieta rica


Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto
cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc.

Fração

SIP pot.* 0,90 0,88 0,85 0,81 0,77 0,73 0,68 0,60 0,52

SEP pot.** 0,76 0,71 0,66 0,57 0,46 0,35 0,23 0,05 0,00

SIP pres.ª 0,84 0,81 0,77 0,71 0,64 0,57 0,49 0,38 0,26

SEP pres.ªª 0,63 0,55 0,46 0,31 0,17 0,00 0,00 0,00 0,00

Área

SIP pot. 7,00 6,82 6,64 6,34 6,01 5,68 5,27 4,67 4,08

SEP pot 5,93 5,52 5,10 4,40 3,57 2,76 1,80 0,37 0,00

SIP pres. 4,16 3,98 3,80 3,49 3,18 2,84 2,41 1,85 1,28

SEP pres. 3,11 2,69 2,27 1,53 0,82 0,00 0,00 0,00 0,00

Fonte: Wolf et al. (2003, p. 850)


(*) Sistema intensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.
(**) Sistema extensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.
(ª) Sistema intensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.
(ªª) Sistema extensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.

Segundo os autores, em SIP haveria, no futuro, potencialmente, uma


grande área, 4,08 bilhões de hectares (Bha) - correspondendo a uma
proporção máxima de 0,52 para a produção de bioenergia, mesmo com alto
crescimento populacional associado à dieta rica. No entanto,
comparativamente, em SEP, as áreas disponíveis para produção de bioenergia
seriam mais limitadas, sendo nula com alto nível de crescimento da população
associada à dieta rica.

Wolf et al. (2003, p. 849) apontam que nos países mais desenvolvidos,
há uma tendência de se desenvolver uma produção alimentar com SIP
associadas à dieta rica e de aumento populacional baixo a médio. Já nos
países pobres e menos desenvolvidos, a agricultura deveria ser baseada nos
100

recursos locais, de modo que SEP possa ser aplicado, no futuro, associado a
um crescimento populacional médio a alto e, principalmente, a uma dieta
vegetariana.

Na Tabela 9 são apresentados os potenciais de produção de biomassa


para uso energético, no mundo, calculados a partir das áreas potencialmente
disponíveis e nas áreas atualmente disponibilizadas no mundo, conforme a
tabela anterior, quanto aos dois sistemas de produção, às três dietas e aos três
níveis mundiais de crescimento populacional.

Tabela 9 – Máxima produção de biomassa para fins energéticos, em bilhões de toneladas de


matéria seca ao ano (em grãos equivalentes), com o uso dos sistemas SIP e SEP,
nas terras potencialmente disponíveis no mundo, assumindo os sistemas SIP e SEP
para a produção de alimentos na quantidade mundial de terra atualmente disponível
(pres) e potencialmente disponível (pot), somadas às necessidades alimentares,
baseadas nos três níveis de crescimento população global, e nas três diferentes
dietas.

Sistema Dieta vegetariana Dieta moderada Dieta rica


bioen./alim. Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto
cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc.

L/Hpot* 28,00 27,28 26,56 25,36 24,04 22,72 21,08 18,68 16,32

L/Lpot** 23,72 22,08 20,40 17,60 14,28 11,04 7,20 1,48 0,00

L/Hpresª 16,64 15,92 15,20 13,96 12,72 11,36 9,64 7,40 5,12

L/Lpresªª 12,44 10,76 9,08 6,12 3,28 0,00 0,00 0,00 0,00

H/Hpotº 51,10 49,79 48,47 46,28 43,87 41,46 38,47 34,09 29,78

H/Hpresºº 30,37 29,05 27,74 25,48 23,21 20,73 17,59 13,51 9,34

Fonte: Wolf et al., (2003, p. 851)


(*) L/Hpot = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SIP, utilizando o total de terra
potencialmente disponível no mundo para plantio.
(**) L/Lpot = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SEP, utilizando o total de terra
potencialmente disponível no mundo para plantio.
(ªª) L/Hpres = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SIP, utilizando o total de terra
potencialmente disponível no mundo para plantio.
(ªª) L/Lpres = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SEP, utilizando o total de terra
potencialmente disponível no mundo para plantio.
(º) L/Lpres = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SEP, utilizando a totalidade de terra, no
mundo, atualmente cultivada e manejada.
(ºº) H/Hpres = produção de bioenergia em SIP e produção de alimentos em SIP, utilizando a totalidade de terra
atualmente cultivada e manejada, no mundo.
Nota: considera-se, no presente estudo, o termo de bioenergia como sinônimo de biomassa para fins energéticos.
101

O potencial de produção mundial de biomassa varia de zero (SEP na


produção alimentar e com necessidade alimentar alta) a 28 bilhões de
toneladas (Bton) de matéria seca por ano (SIP na produção alimentar e com
necessidade alimentar baixa), assumindo que se possa utilizar todo potencial
de terra agricultável e que, na produção de bioenergia, sejam aplicados
sistemas extensivos. No entanto, se a área atual de terra agricultável no mundo
for usada para a produção de alimentos, a produção de biomassa será menor,
variando de zero a 17 Bton de matéria seca ao ano (WOLF et al., 2003, p. 851).
Pela análise dos autores, se na produção de alimentos e de bioenergia for
usada SPI, a produção de bioenergia terá uma variação de 9 Bton a 51 Bton
anuais, respectivamente, para altas necessidades alimentares, utilizando
somente a área atual de terras agricultáveis, e para baixas necessidades
alimentares, usando somente o potencial de terra agricultável.

Quanto às diferenças regionais na produção alimentar, sob o sistema


intensivo de produção de alimentos, todas as regiões do mundo, exceto Oeste
e Sul asiático, podem produzir, no futuro, alimentos suficientes, mesmo quando
as necessidades alimentares forem máximas. O Sudeste e Oeste asiático, e o
Oeste e Norte da África produzirão somente o mínimo necessário. Se somente
a área atual de terra agricultável no mundo pode ser usada no futuro, as áreas
disponíveis para produção de alimentos e bioenergia se reduzirão ainda mais.
Para a produção de bioenergia, as regiões do planeta que possuem maior
potencial de expansão da fronteira agrícola, tanto em SIP como em SEP são: a
América do Sul, América do Norte, África Central e Oceania (WOLF et al.,
2003, p. 850,).

Segundo Wolf et al. (2003, p. 857), as mudanças climáticas causarão,


no futuro, impactos na produção de alimentos. A temperatura média global
pode subir, cerca de, 1,5 ºC, no ano de 2050, e de 3 ºC, no ano de 2100,
comparadas ás temperaturas pré-industriais. Nas regiões atualmente frias, as
temperaturas mais elevadas, no futuro, proporcionarão efeitos positivos na
agricultura: maiores produtividades, resultantes da possibilidade de produzir
mais de uma colheita ao ano ou de se estender o período de colheita. O regime
de chuvas. No futuro, as mudanças climáticas modificarão o regime de chuvas
no planeta, causando o aumento da quantidade média da pluviosidade, assim
102

como a sua distribuição. Em algumas regiões, os períodos de seca podem


alongar, afetando as produções agrícolas. No entanto, Reilly et al. (citados por
Wolf et al., 2003, p. 857), afirmam que as mudanças nos padrões médios da
temperatura e da pluviosidade, decorrentes das mudanças no clima, afetarão
pouco a produção de alimentos. Os efeitos negativos dessas mudanças no
potencial de produção alimentar do mundo, serão nulos ou insignificantes, se
houverem adaptações agronômicas (WOLF et al., 2003, p. 857).

Wolf et al. (2003, p. 858), no final do estudo, apresentam suas principais


conclusões:

• Nos países altamente desenvolvidos, a tendência futura aponta para


a ocorrência de sistemas intensivos de produção agrícola, dieta abundante e
crescimento populacional médio. Se estes aspectos forem aplicados
mundialmente, 35% da área do planeta potencialmente disponível para a
produção agrícola serão necessárias, para o suprimento alimentar. A área
remanescente poderá ser utilizada para outros fins, como a produção de
bioenergia;

• Para o suprimento global de alimentos no futuro, são necessários


55% das terras agricultáveis do mundo (sob SIP, baixo a médio crescimento
populacional e dieta abundante) supondo que somente a área atual de terras
agricultáveis seja cultivada de forma a proteger as áreas naturais e florestas. A
área disponível para produção de bioenergia é, aproximadamente, metade se
comparada à área potencialmente disponível para a agricultura;

• A produção global máxima de bioenergia foi calculada para as áreas


disponíveis, totalizando 20 Bton e 9 Bton de biomassa em matéria seca anual,
se, respectivamente, as terras potencialmente agricultáveis e as terras
atualmente agricultáveis forem ambas utilizadas para a produção de alimentos
e de bioenergia. É assumido que a bioenergia é produzida sem irrigação no
sistema extensivo de produção;

• Não haverá, no mundo, nenhuma terra agricultável disponível para


produção de bioenergia, se a área atual de terra agricultável for utilizada para
de produzir alimentos em SEP;
103

• As estimativas de produção mundial de bioenergia deste estudo


coincidiram com os resultados de outros estudos. Contudo, no presente, a
produtividade de biomassa para fins energéticos é baixa e a área de terra para
a produção de bioenergia é grande;

• As regiões do mundo com terras agricultáveis potencialmente


disponíveis para a produção de biomassa com finalidades energéticas são:
América do Norte, América do Sul, Oceania e África Central;

• Os níveis atmosféricos elevados de gás carbônico e os efeitos das


mudanças climáticas podem produzir impactos positivos no potencial de
produção alimentar e, em decorrência, no potencial de terra disponível para a
produção de bioenergia.

3.1.3. Análise do Cenário da FAO (2003)

O relatório mais recente da Food and Agriculture Organization – FAO,


“WORLD AGRICULTURE: TOWARDS 2015/2030 – AN FAO PERSPECTIVE”
(2003) avalia possíveis cenários futuros, no âmbito global, relacionando:
alimentação, nutrição e agricultura; incluindo culturas agrícolas, criação animal,
silvicultura e atividade pesqueira. Uma importante característica deste relatório
é sua perspectiva, de maneira que as hipóteses e projeções refletem o futuro
mais próximo da realidade tendencial, e não o mais desejável. Neste sentido, o
relatório indica que, provavelmente, a expansão agrícola implicará no
arroteamento de áreas pantanosas, assim como de florestas pluviais, em
virtude da adequação destas ocupações (FAO, 2003, p. 2).

O relatório foca fundamentalmente a perspectiva da produção de


alimentos no futuro, considerando esta produção do ponto de vista da
suficiência para o abastecimento das populações, e da capacidade de suporte
do meio no provimento de bens e serviços para a humanidade. O referido
relatório se baseia em dados estatísticos referentes à média dos anos de 1997
a 1999, e em projeções para 2015 e 2030. O grau de incerteza aumenta com a
distância do período temporal projetado, de modo que os resultados para 2030
104

devem ser interpretados com mais cautela que aqueles estimados para 2015
(FAO, 2003, p. 2).

Os prognósticos e projeções do estudo da Food and Agriculture


Organization (FAO, 2003) estão intimamente relacionados às perspectivas de
crescimento mundial da população humana, uma vez que estas projeções são
influenciadas fundamentalmente pelas tendências da demanda, de consumo e
produção alimentar, da utilização dos recursos naturais, entre outros. A
população mundial, como mostrada na Tabela 10, no período de 1997 a 1999,
foi de 5,9 bilhões de habitantes (com um crescimento médio anual de 1,35%).

Tabela 10 – Dados e projeções da evolução do crescimento populacional, de 1964/66 a 2030,


e incremento médio anual, de 1995 a 2050.

Regiões / Grupo de países 1964/ 1974/ 1984/ 1997/ 2015 2030 1995- 2010- 2025- 2045-
1966 1976 1986 1999 2000 2015 2030 2050
(População total) (incremento médio anual)
(bilhões) (milhões)

Mundo 3,334 4,065 4,825 5,900 7,207 8,270 79 76 67 43

Países em desenvolvimento 2,295 2,925 3,597 4,572 5,827 6,869 74 74 66 45

África Subsaariana 0,230 0,990 0,400 0,500 0,883 1,229 15 20 24 23

Oriente Médio e África do Norte 0,160 0,208 0,274 0,377 0,520 0,651 8 9 9 7

América Latina e Caribe 0,247 0,318 0,397 0,498 0,624 0,717 8 7 6 3

Sul Asiático 0,630 0,793 0,989 1,283 1,672 1,969 23 22 19 12

Leste Asiático 1,029 1,307 1,537 1,839 2,128 2,303 20 16 9 -1

Países industrializados 0,695 0,761 0,815 0,892 0,951 0,979 5 2 1 0

Economias em transição 0,335 0,367 0,397 0,413 0,398 0,381 0 -1 -1 -2

Fonte: FAO (2003, p. 36)

Para 2015, é projetada uma população de 7,2 bilhões (com crescimento


médio anual de 1,1%), alcançando, em 2030, a cifra de 8,3 bilhões de pessoas
(com crescimento anual médio de 0,8%), e 9,3 bilhões, em 2050 (com
crescimento médio anual de 0,5%)27. Quase a totalidade do crescimento da
população mundial se dará nos países em desenvolvimento e em taxas

27
A maior taxa média anual de crescimento da população mundial ocorreu em meados dos
anos 60 com 2,04% (FAO, 2003, p.4)
105

diferenciadas, dependendo da região. Na África subsaariana, o aumento médio


deverá ser de 2,1% ao ano, de 2025 a 2030, enquanto que no Leste asiático, o
aumento médio da população deverá ser da ordem de 0,5% ao ano, no mesmo
período (FAO, 2003, p. 4).

Segundo a FAO (2003, p. 5), Tabela 11, os prognósticos da demanda


alimentar mundial, em relação às principais commodities, revelam que o
consumo per capita de alimentos (em kcal/habitante/dia) crescerá pouco nos
próximos períodos, se aproximando de 2.850 kcal/pessoa/dia, em 2015, e se
aproximando de 3.000 kcal/habitante/dia, em 2.030. Porém, conforme os dados
da Tabela 12, para uma parcela significativa da população mundial, em vários
países, o futuro não se mostra promissor. Em 2015, aproximadamente, 462
milhões de pessoas, correspondendo a 6% da população mundial, estarão
sobrevivendo com níveis abaixo de 2.200 kcal/habitante/dia (FAO, 2003 p. 5).

Tabela 11 – Consumo per capita (kcal/habitante/dia) no mundo, por regiões e grupo de países.

Regiões / Grupo de países 1964/66 1974/76 1984/86 1997/99 2015 2030


(kcal / habitante / dia)

Mundo 2358 2435 2655 2803 2940 3050

Países em desenvolvimento 2054 2152 2450 2681 2850 2980

África Subsaariana 2058 2079 2057 2195 2360 2540

Oriente Médio e África do Norte 2290 2591 2953 3006 3090 3170

América Latina e Caribe 2393 2546 2689 2824 2980 3140

Sul Asiático 2017 1986 2205 2403 2700 2900

Leste Asiático 1957 2105 2559 2921 3060 3190

Países industrializados 2947 3065 3206 3380 3440 3500

Economias em transição 3222 3385 3379 2906 3060 3180

Mundo, excluindo Economias em transição 2261 2341 2489 2795 2930 3050

Países em desenvolvimento, excluindo China 2104 2197 2381 2549 2740 2900

Leste Ásiatico, excluindo China 1988 2222 2431 2685 2830 2980

África Subsaariana, excluindo Nigéria 2037 2076 2057 2052 2230 2420

Fonte: FAO, (2003, p. 30).


Nota: Economias em transição referem-se aos países anteriormente chamados de Países do Segundo Mundo ou do
Bloco Socialista, liderados politicamente pela antiga União Soviética.
106

Tabela 12 - Número populacional em relação ao nível de dieta calórica (kcal/habitante/dia).

kcal / habitante / dia 1964/66 1974/76 1984/86 1997/99 2015 2030


(População em bilhões)

Abaixo de 2200 1,893* 2,281* 0,558 0,571 0,462 0,196

2200 - 2500 0,288 0,307 1,290** 1,487** 0,541 0,837

2500 -2700 0,154 0,141 1,337 0,222 0,351 0,352

2700 - 3000 0,302 0,256 0,306 1,134 2,397** 2,451**

Acima de 3000 0,688 1,069 1,318 2,464*** 3,425*** 4,392***

Total no Mundo 3,325 4,053 4,81 5,878 7,176 8,229

Fonte: FAO, (2003, p. 31).

(*) Incluindo a Índia e China.


(**) Incluindo a Índia.
(***) Incluindo a China.

Segundo a World Food Summit (WFS), citada no relatório da FAO (2003,


p. 5), o número de pessoas subnutridas28 no futuro, será ainda relevante: 610
milhões, em 2015, e 440 milhões, em 2030 - cerca de metade do contingente
de desnutridos em1990/1992, estimado em 815 milhões de pessoas.

A Organização das Nações Unidas (ONU, 2001) declara que a


perspectiva de desaceleração no crescimento demográfico mundial, associada
ao pleno atendimento do consumo per capita de comida de uma parcela
expressiva da população global, até 2050, contribuirá, de forma significativa,
para a redução da demanda alimentar e, conseqüentemente, da produção
mundial de alimentos (FAO, 2003, p. 4).

O crescimento da renda familiar é um dos mais importantes fatores para


o aumento da demanda alimentar, assim como para a melhoria da segurança
alimentar e da nutrição (FAO, 2003, p. 4). Conforme as projeções do Banco
Mundial (The World Bank - WB, citado por FAO, 2003) no período de 2000 a
2015, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial per capita terá um crescimento
superior ao dos anos 90, em todas as regiões do mundo, exceto no Leste
asiático. Contudo, segundo dados do Banco Mundial, de 2001, nos países com
baixos níveis consumo alimentar, o crescimento econômico projetado não será

28
Subnutrição, no presente estudo, tem a mesma conotação que desnutrição
107

suficiente para reverter efetivamente o quadro de pobreza, desnutrição e


segurança alimentar, no futuro, especialmente na África subsaariana (FAO,
2003, p. 4).

Na mesma avaliação, o Banco Mundial afirma que a proporção de


pessoas pobres, nos países em desenvolvimento, deverá cair de 32%, no ano
de 1990, para 13,2%, em 2015 (FAO, 2003, p. 4-5). No entanto, a FAO, (2003,
p. 4-5), afirma que, em números absolutos, a pobreza nos países em
desenvolvimento sofrerá uma redução de 1,27 bilhões de pessoas, em 1990,
para 750 milhões, em 2015, conforme as metas do International Development
Goals of the Millennium Declaration, da Organização das Nações Unidas
(ONU).

O crescimento do setor agrícola pode ser um importante fator para


desencadear o processo de desenvolvimento econômico, reduzindo a pobreza
e melhorando o consumo per capita de alimentos nas áreas rurais dos países e
regiões onde a agricultura é a base da economia, e onde a pobreza é
predominantemente rural (FAO, 2003, p. 6).

Sob este aspecto, segundo a FAO (2003, p. 6), as condições que


promovem esse desenvolvimento são: 1) o crescimento do setor agrícola,
devendo este ser promovido através de políticas que visam o desenvolvimento
e a difusão de tecnologias apropriadas para incrementar a produtividade; 2) a
eqüidade na distribuição de terras e de outros recursos que promovam a
atividade agrícola. Dessa maneira, os acréscimos na produtividade agrícola
redundam na auto-suficiência e na geração de excedentes agrícolas, que
geram renda local aumentando a demanda por produtos e serviços.

A maioria dos aumentos no consumo global de alimentos de origem


vegetal e animal tem ocorrido nos países em desenvolvimento. Embora, no
âmbito global, as projeções da FAO apontam para um limite na produção de
alimentos, em países onde a subnutrição é alta, o crescimento futuro da
demanda alimentar, deverá estar abaixo dos níveis que garantam uma
melhoria da segurança alimentar interna desses países.

No período entre a metade dos anos 60 a 1997/99, o grupo de 29 países


em desenvolvimento, incluindo alguns dos mais populosos, como China,
108

Indonésia, México, Brasil, Nigéria, Egito, Turquia e Irã, teve um crescimento


significante no consumo per capita, passando de 2.075 a 3.030
kcal/habitante/dia.

As projeções para este grupo de países indicam que o consumo per


capita se elevará para 3.155 kcal, no ano de 2015, e para 3.275 kcal, em 2030,
bem próximo dos níveis atuais dos países industrializados (FAO, 2003, p. 7).

Segundo a FAO (2003, p. 7), a produção mundial de alimentos tem se


igualado ao consumo, tabela 13. Porém, em geral, as taxas de crescimento da
produção de alimentos, nos países em desenvolvimento, têm variado abaixo
dos níveis da demanda, e por conseqüência, as importações de gêneros
alimentícios têm aumentado mais rapidamente que as exportações.

Recentemente, os países em desenvolvimento passaram de países


exportadores de commodities agrícolas para países importadores, em termos
líquidos. As projeções apontam para essa tendência (FAO, 2003, p. 7).
109

Tabela 13 – Taxas de crescimento da demanda alimentar agregada, da produção de alimentos


no mundo e da população por regiões e por grupo de países nos períodos de 1969-99 a
1997/99-2030, em percentual médio
anual.

1969-99 1979-99 1989-99 1997/99 2015 1997/99


Região / Grupo -2015 -2030
DEMANDA
MUNDO 2,2 2,1 2,0 1,6 1,4 1,5
Países em desenvolvimento 3,7 3,7 4,0 2,2 1,7 2,0
Excluindo China 3,2 3,0 3,0 2,4 2,0 2,2
África Subsaariana 2,8 3,1 3,2 2,9 2,8 2,9
Excluindo Nigéria 2,5 2,4 2,5 3,1 2,9 3,0
Oriente Médio e África do Norte 3,8 3,0 2,7 2,4 2,0 2,2
América Latina e Caribe 2,9 2,7 3,0 2,1 1,7 1,9
Excluindo Brasil 2,4 2,1 2,8 2,2 1,8 2,0
Sul Asiático 3,2 3,3 3 2,6 2,0 2,3
Leste Asiático 4,5 4,7 5,2 1,8 1,3 1,6
Excluindo China 3,5 3,2 2,8 2,0 1,7 1,9
Países industrializados 1,1 1,0 1,0 0,7 0,6 0,7
Economias em transição* -0,2 -1,7 4,4 0,5 0,4 0,5

PRODUÇÃO
MUNDO 2,2 2,1 2,0 1,6 1,3 1,5
Países em desenvolvimento 3,5 3,7 3,9 2,0 1,7 1,9
Excluindo China 3,0 3,0 2,9 2,3 2,0 2,1
África Subsaariana 2,3 3,0 3,0 2,8 2,7 2,7
Excluindo Nigéria 2,0 2,2 2,4 2,9 2,7 2,8
Oriente Médio e África do Norte 3,1 3,0 2,9 2,1 1,9 2,0
América Latina e Caribe 2,8 2,6 3,1 2,1 1,7 1,9
Excluindo Brasil 2,3 2,1 2,8 2,2 1,8 2,0
Sul Asiático 3,1 3,4 2,9 2,5 2,0 2,2
Leste Asiático 4,4 4,6 5,0 1,7 1,3 1,5
Excluindo China 3,3 2,9 2,4 2,0 1,8 1,9
Países industrializados 1,3 1,0 1,4 0,8 0,6 0,7
Economias em transição* -0,4 -1,7 -4,7 0,6 0,6 0,6

POPULAÇÃO
MUNDO 1,7 1,6 1,5 1,2 0,9 1,1
Países em desenvolvimento 2,0 1,9 1,7 1,4 1,1 1,3
Excluindo China 2,3 2,2 2,0 1,7 1,3 1,5
África Subsaariana 2,9 2,9 2,7 2,6 2,2 2,4
Excluindo Nigéria 2,9 2,9 2,7 2,6 2,3 2,4
Oriente Médio e África do Norte 2,7 2,6 2,4 1,9 1,5 1,7
América Latina e Caribe 2,1 1,9 1,7 1,3 0,9 1,1
Excluindo Brasil 2,1 1,9 1,8 1,4 1,0 1,2
Sul Asiático 2,2 2,1 1,9 1,6 1,1 1,3
Leste Asiático 1,6 1,5 1,2 0,9 0,5 0,7
Excluindo China 2,0 1,8 1,6 1,2 0,9 1,0
Países industrializados 0,7 0,7 0,7 0,4 0,2 0,3
Economias em transição* 0,6 0,5 0,1 -0,2 -0,3 -0,2

Fonte: FAO (2003, p. 59), modificada pelo autor


Nota: Economias em transição referem-se aos países anteriormente chamados de Países do Segundo Mundo ou do
Bloco Socialista, liderados politicamente pela antiga União Soviética.
110

Os cereais têm sido e continuarão a ser os mais importantes


componentes energéticos da dieta humana. O consumo mundial de cereais
continuará a aumentar, no futuro, porém em níveis cada vez menores. Na
metade dos anos 60, nos países em desenvolvimento, a média per capita do
consumo de cereais era de 141 kg/ano, fornecendo 61% do total de calorias,
passando, de meados dos anos 80 aos dias atuais, para 173 kg/ano e
provendo 56% do total de calorias requeridas, ou seja, 3.000 kcal/habitante/dia.
A tendência é que os números atuais se mantenham além de 2030 (FAO,
2003, p. 8).

O consumo per capita de arroz nos países em desenvolvimento tenderá


a se estabilizar na média dos dias ou sofrer um declínio, no longo prazo.
Diferentemente, o consumo per capita de trigo manterá a tendência de
crescimento. Dos cereais, o trigo e o arroz são os mais importantes alimentos,
principalmente na Ásia, onde a demanda continuará com a tendência de
crescimento até 2030. Porém, o consumo per capita, neste continente tem
crescido modestamente desde o período de 1984/86, com previsão de queda
no consumo, no futuro, como visto na Tabela 14.

Tabela 14 – Dados e projeções da demanda mundial (em milhões de toneladas), consumo per
capita e crescimento percentual ao ano de cereais e outros grãos, de 1964/66 a
2030.

Commodity/ (milhões de toneladas / kg per capita ) (média percentual anual)


Região 1964/66 1974/76 1984/86 1997/99 2015 2030 1979-99 1989-99 1997/99 2015-30 1997/99
-2015 -2030

Trigo(Mt)* Mundo 273 357 504 582 730 851 1,5 0,8 1,3 1,0 1,2
Arroz(Mt)*Mundo 174 229 308 386 472 533 2,1 1,6 1,2 0,8 1,0

Arroz

(kg per capita)

Leste Asiático 84 93 109 106 100 96 ... ... ... ... ...
excluindo China 110 125 130 132 129 124 ... ... ... ... ...
Sul Asiático 73 69 75 79 84 81 ... ... ... ... ...
Outros grãos (Mt)** 493 648 796 896 1177 1446 1,0 1,0 1,6 1,4 1,5

Fonte: FAO (2003, p. 65), modificada pelo autor.


Notas: (Mton)* Milhões de toneladas.
Outros grãos (Mton)** Todos os outros cereais, menos trigo e arroz, em milhões de toneladas.
111

Os países em desenvolvimento comandarão, no futuro, a crescente


demanda e o comércio de cereais voltados para a alimentação animal (FAO,
2003, p. 8).

Segundo a FAO (2003, p. 8), as estimativas mundiais de cereais


apontam para a produção e consumo de 2,9 bilhões de toneladas (Bton), em
2030 - um aumento significativo, comparado à produção média de 1,9 Bton, no
período de 1997/99. Do total deste aumento, aproximadamente, a metade, será
utilizada como ração animal, 42% será usado na alimentação humana, e o
restante terá outras finalidades, como sementes e uso industrial.

A dependência dos países em desenvolvimento da importação de


cereais continuará a crescer, porém, abaixo da demanda se comparado com os
níveis do passado. A produção de cereais nestes países será limitada pela
escassez de recursos naturais, especialmente de água. Contudo, no longo
prazo, os países em desenvolvimento terão a capacidade de se transformarem
em exportadores de cereais, em termos líquidos, na balança comercial (FAO,
2003, p. 8). Os prognósticos da FAO indicam uma exportação líquida de 10
milhões de toneladas (Mton), em 2015, e 25 Mton, em 2030. Já, as estimativas
de exportação líquida dos países tradicionais no mercado mundial, como
Estados Unidos, Austrália, Canadá e países da União Européia, apontam para
um crescimento de 224 Mton e 286 Mton de cereais, respectivamente (FAO,
2003, p. 8).

Embora os níveis históricos de crescimento anual de cereais nos países


produtores tradicionais tenham variado amplamente, a média de crescimento
no período de 32 anos, correspondente ao ano de 1967 a 1999, foi de 1,6%
anuais. As expectativas de produção de cereais destes países, levando-se em
conta a demanda interna e as projeções de exportação, apontam para a
produção de 758 Mton, em 2015, e de 871 Mton, em 2030 - um incremento de
242 Mton e uma média de crescimento de 1% ao ano - no período de 1997/99
a 2030 (32 anos) (FAO, 2003, p. 8). Neste estudo, a FAO aponta a
preocupação quanto às possibilidades dos países exportadores de cereais na
manutenção de sua capacidade produtiva, especialmente de excedentes, em
virtude de alguns fatores importantes, como os impactos ambientais oriundos
da agricultura intensiva (FAO, 2003, p. 7). A experiência histórica mostra que
112

os agroecossistemas têm tido a capacidade de responder, com flexibilidade,


aos aumentos da demanda, dentro de limites razoáveis, e, provavelmente, esta
asserção poderá ser válida no futuro (FAO, 2003, p. 8).

O mercado mundial de alimentos tem sido preponderantemente


influenciado pelas mudanças nos padrões de dieta, que conduzem ao consumo
de produtos de origem animal (FAO, 2003, p. 9), Tabela 15.

Tabela 15 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo de países de carne:
taxas de crescimento de 1967/1969 a 2030 (milhões de toneladas) e variação
percentual média, no período de 1969/99 a 2015-2030.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30
(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 92 166 218 300 376 2,9 2,7 1,9 1,5

Excluindo China 84 142 162 218 277 2,1 1,3 1,8 1,6

Países em desenvolvimento 28 66 116 181 247 5,2 5,9 2,7 2,1

Excluindo China 21 41 60 98 147 3,8 3,9 3,0 2,7

Excluindo China e Brasil 18 34 47 79 123 3,5 3,3 3,1 2,9

África Subsaarina 3 4 5 9 16 2,3 2,2 3,3 3,5

América Latina e Caribe 10 19 28 43 58 3,5 4,5 2,6 2,1

Excluindo Brasil 7 11 15 24 33 2,5 3,1 2,7 2,3

Oriente Médio e África do Norte 2 5 7 13 19 4,4 3,8 3,5 2,9

Sul Asiático 3 5 7 13 2,3 3,7 2,8 3,6 3,9

Leste Asiático 10 33 69 103 131 7,1 7,6 2,4 1,6

Excluindo China 3 8 13 21 32 5,1 4,1 3,0 2,8

Países industrializados 46 71 85 99 107 1,9 1,8 0,9 0,5

Economias em transição 17 29 17 20 22 0,0 -6,4 0,8 0,8

Fonte: FAO (2003, p. 162-3), modificada pelo autor.


Nota: Inclui carne de origem bovina, ovina, suína, e de aves.

Nos países em desenvolvimento, o consumo de carne tem crescido 5 a


6% ao ano. Grande parte deste crescimento se deve ao consumo doméstico de
poucos países, incluindo alguns dos mais populosos, como China e Brasil. O
consumo per capita de carne e seus derivados, nos países em
desenvolvimento, evoluiu de 11,4 kg, nos meados dos anos 70, para 25,5 kg,
113

nos anos de 1997/99, em média. No entanto, muitos países e regiões do


mundo não têm participado, efetivamente, deste crescimento, como a África
subsaariana, Oriente Médio e Norte africano (FAO, 2003, p. 9).

O mercado mundial de carne tem sido caracterizado pelo rápido


crescimento do setor avícola, Tabela 16.

Tabela 16 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo de países de carne
de aves: taxas de crescimento de 1967/1969 a 2030 (milhões de toneladas) e
variação percentual média, no período de 1969/99 a 2015-2030.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30
(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 12,9 37,2 61,8 100,6 143,3 5,2 5,4 2,9 2,4

Excluindo China 12,1 34,6 51,2 81,4 117,5 4,8 4,1 2,8 2,5

Países em desenvolvimento 3,3 13,2 31,3 59,1 93,5 7,9 9,4 3,8 3,1

Excluindo China 2,5 10,6 20,7 39,9 67,7 7,4 7,2 4,0 3,6

Excluindo China e Brasil 2,2 8,6 15,6 31,9 56,4 6,9 6,4 4,3 3,9

África Subsaarina 0,3 0,7 0,9 1,9 4,1 3,8 2,6 4,3 5,1

América Latina e Caribe 1,0 4,7 10,5 18,2 27,3 7,8 9,0 3,3 2,7

Excluindo Brasil 0,7 2,7 5,4 10,2 16,0 6,7 8,4 3,8 3,0

Oriente Médio e África do Norte 0,4 2,1 3,2 7,1 11,5 7,7 5,2 4,7 3,3

Sul Asiático 0,2 0,5 1,1 3,9 10,6 7,7 7,2 7,9 6,9

Leste Asiático 1,5 5,3 15,5 27,9 39,9 8,5 11,7 3,5 2,4

Excluindo China 0,7 2,6 4,9 8,7 14,1 7,3 6,1 3,4 3,2

Países industrializados 8,1 18,8 27,7 37,5 44,1 4,0 3,9 1,81 1,1

Economias em transição 1,5 5,2 2,9 4,1 5,7 1,6 -6,7 2,0 2,3

Fonte: FAO (2003, p. 162-3), modificada pelo autor.

A produção mundial de carne neste setor aumentou de 13%, em


meados dos anos 60, para 28%, nos dias atuais, enquanto que o consumo per
capita mais que triplicou, no mesmo período. O Japão tornou-se o maior
importador de carne de aves, seguido pela antiga União Soviética, enquanto
que a Austrália e Nova Zelândia são os maiores exportadores. Na última
década, os Estados Unidos passaram de importadores a exportadores (FAO,
2003, p. 9). Os fatores que impulsionaram o crescimento deste setor, no
114

passado, estarão bastante enfraquecidos, no futuro, principalmente em razão


da menor população associada à desaceleração do crescimento demográfico
mundial e à tendência de queda do consumo nos poucos países que
contribuíram, expressivamente, para os aumentos de consumo, no passado. A
produção e a demanda mundial de carne de frango crescerão até 2030, em
taxas médias anuais de 1,7%, muito abaixo dos níveis de 2,9% ao ano,
verificada nos últimos 30 anos. (FAO, 2003, p. 9 -10). A mudança estrutural
que caracterizou a evolução do setor de produção de alimentos de origem
animal, no passado, provavelmente continuará, no futuro, porém de forma
menos acentuadas. O mercado mundial de frango continuará a se expandir e
competir com outros tipos de carne (FAO, 2003, p. 10).

Em relação á carne suína, a produção tem se concentrado na China,


com 48,1 milhões de toneladas (Mton) contra 86,5 Mton produzidas
mundialmente, no período de 1997/99 (média anual), Tabela 17.

Tabela 17 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupos de países de carne
suína: crescimento de 1967/699 a 2030, em milhões de toneladas, e variação
percentual média, no período de 1969/99 a 2015-2030.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30
(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 34,1 66,3 86,5 110,2 124,5 3,2 2,7 1,4 0,8

Excluindo China 28,1 46,2 48,1 57,9 66,2 1,7 0,4 1,1 0,9

Países em desenvolvimento 9,7 28 49,3 69,5 82,8 6,1 5,7 2,0 1,2

Excluindo China 3,8 7,9 10,9 17,2 25,5 3,7 3,4 2,7 2,4

América Latina e Caribe 1,8 3,0 3,9 6,0 7,8 2,1 3,9 2,5 1,8

Excluindo Brasil 1,1 1,9 2,3 3,4 4,4 1,7 2,8 2,3 1,8

Leste Asiático 7,6 24,2 44,3 61,6 71,9 6,8 6,0 2,0 1,0

Excluindo China 1,6 4,0 5,9 9,3 13,6 5,1 3,3 2,8 2,5

Países industrializados 16,6 26 29,3 32,3 33,1 1,8 1,4 0,6 0,2

Economias em transição 7,7 12,3 7,9 8,4 8,6 -0,1 -5,3 0,4 0,1

Fonte: FAO (2003, p.162-3), modificada pelo autor.

A produção de carne bovina tem-se concentrado nos países


industrializados e nos países em desenvolvimento, notadamente na China e no
115

Brasil. Mundialmente, a taxa de crescimento anual tem variado de 1,4 a 0,8 %,


no período de 1969/99 a 1989/99, respectivamente. Até o ano de 2030, a
tendência que o crescimento percentual se situe em torno de 1,2 % ao ano,
bem abaixo dos valores para a carne de frango, em torno de 2,6% anuais.

Os maiores produtores de carne, excetuando-se a pesca, são a China e


os Estados Unidos da América (EUA), respectivamente com, 68 e 38 milhões
de toneladas (Mton) produzidas em 2002, seguidos pelo Brasil, com 17 Mton,
Tabela 18.
Tabela 18 - Principais países produtores de carne e as respectivas produções, em 2002.

Países Produção Países Produção


(Mton)* (Mton)*

China 68 Índia 6
Estados Unidos 38 Espanha 5
Brasil 17 Canadá 5
França 7 México 5
Alemanha 7 Federação Russa 5

Fonte: FAO (2004, p. 45).


Nota: (Mton)* Milhões de toneladas.

No entanto, a maioria destas produções é consumida no mercado


interno, pois os maiores produtores de carne, excetuando-se a Holanda, são os
também os maiores exportadores, Tabela 19.

Tabela 19 – Principais países exportadores de carne em 2002.

Países Quantidade Valor


(Mton)* (US$)**

Estados Unidos 4 5 770


Brasil 3 2 741
Holanda 2 2 920

Fonte: FAO (2004, p. 45).


Notas: (Mton)* Milhões de toneladas.
(US$)** Milhões de Dólares americanos.

Os EUA e o Brasil exportaram, em 2002, respectivamente, 10,5% e


17,5%, da produção de carne.
116

Ao contrário da carne frango, o setor de leite e derivados tenderá,


segundo a FAO (2003, p. 10), a ter um crescimento mundial expressivo, se
comparado ao passado recente, devido à razoável recuperação do consumo
nos países em desenvolvimento, Tabela 20. O consumo de leite e seus
derivados têm aumentado, em média, 3,6% anuais, nas últimas décadas,
nestes países.

Tabela 20 – Dados e projeções da produção de leite (equivalente em leite integral), no mundo,


por regiões e por grupo de países, de 1967/69 a 2030, em milhões de toneladas, e
variação percentual média, de 1969-99 a 2015-30.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30
(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 387 528 562 715 874 1,3 0,6 1,4 1,3

Países em desenvolvimento 78 149 219 346 484 3,6 4,1 2,7 2,3

Excluindo China e Brasil 69 128 189 301 425 3,5 4,1 2,8 2,3

África Subsaarina 8 13 16 26 39 2,7 1,9 3,0 2,8

América Latina e Caribe 24 40 57 81 105 2,6 3,9 2,1 1,8

Excluindo Brasil 17 26 36 52 69 2,2 4,0 2,1 1,9

Oriente Médio e África do Norte 14 21 28 41 56 2,3 3,1 2,2 2,1

Sul Asiático 30 65 104 174 250 4,5 4,9 3,1 2,4

Leste Asiático 3 10 15 25 34 6,9 4,5 2,9 2,2

Excluindo China 1 4 5 8 12 7,3 3,2 3,0 2,4

Países industrializados 199 236 246 269 286 0,7 0,5 0,5 0,4

Economias em transição 110 144 97 100 104 -0,3 -4,6 0,2 0,2

Fonte: FAO (2003, p. 162-3), modificada pelo autor.

Com a exclusão dos países em desenvolvimento, a demanda crescerá


abaixo dos níveis do passado, porém, o consumo per capita terá um acréscimo
acentuado em virtude da desaceleração do crescimento populacional.

Como visto anteriormente, os cereais têm uma importância decisiva no


mercado agregado mundial de produção animal e seus derivados. No futuro,
haverá um crescimento acentuado no uso de cereais para alimentação animal,
principalmente devido à tendência de deslocamento da produção de carne
117

bovina e de outros ruminantes para a produção de carne de frango, dada à sua


maior conversão alimentar (FAO, 2003, p. 10).

Segundo a FAO (2003, p. 10), os óleos vegetais e seus derivados


pertencem a uma categoria de alimentos com alto teor calórico que tem uma
grande importância participativa nos acréscimos de consumo alimentar das
nações em desenvolvimento, Tabela 21.

Tabela 21 - Demanda mundial, regional e por grupos de países de óleos vegetais e seus
derivados: taxas de crescimento, de 1969/99 a 2030, e consumo, no período de
1997/99.

Regiões / Grupo de países 1997/99 1969-99 1979-99 1989-99 97/99-2015 2015-30


(Mton)* (taxa de crescimento - média percentual ao ano)

Mundo 98,3 4,0 3,9 3,7 2,7 2,2

Países em desenvolvimento 61,8 5,0 4,8 4,6 3,2 2,5

África Subsaariana 6,7 3,2 3,4 4,3 3,3 3,2

Oriente Médio e África do Norte 6,2 5,1 4,3 3,2 2,5 2,2

América Latina e Caribe 9,0 4,7 3,7 3,2 3,2 2,4

Sul Asiático 13,6 4,5 4,5 4,2 3,5 2,5

Leste Asiático 26,2 6,2 6,1 5,8 3,2 2,3

Países industrializados 30,6 3,2 3,4 3,1 1,7 1,8

Economias em transição 6,0 1,1 -0,4 -1,4 1,3 1,4

Fonte: FAO (2003, p. 99), modificada pelo autor.


Nota: (Mton)* Milhões de toneladas.

As projeções para este grupo de nações apontam para uma


intensificação do consumo de óleos vegetais, chegando a 45% do total de
calorias adicionais até o ano de 2030, contra 20% do total de calorias
adicionais consumidas, em meados dos anos 70. Esta tendência decorre de
um crescimento ínfimo do consumo de alimentos não industrializados ou não
processados, como cereais, raízes e tubérculos, na maioria dos países em
desenvolvimento, em favor dos alimentos industrializados, tais como os óleos
vegetais, os quais ainda participarão, significativamente, no aumento de
consumo alimentar. A maior parte da demanda por óleos vegetais tem sido
comandada pelos países em desenvolvimento, principalmente pela China e
118

Índia. O crescimento mundial da demanda e da produção de óleos vegetais


continuará a crescer acima dos valores relacionados à agricultura como um
todo, embora este crescimento deverá ser inferior ao do passado recente - em
torno de 2,5% para as próximas três décadas, em comparação com 4,0%, nas
três últimas décadas. Esta desaceleração é resultado dos fatores anteriormente
apresentadas para as outras commodities (FAO, 2003, p. 10), Tabela 22.

Tabela 22 - Produção mundial, regional, e por grupos de países de óleos vegetais e seus
derivados: taxas de crescimento de 1969/99 a 2030 e produção no período de
1997/99.

Regiões / Grupo de países 1997/99 1969-99 1979-99 1989-99 97/99-2015 2015-30


(Mton)* (taxa de crescimento - média percentual ao ano)

Mundo 103.7 4,1 4,1 4,3 2,5 2,2

Países em desenvolvimento 67,7 4,8 5,0 4,7 2,8 2,4

África Subsaariana 6,0 1,5 3,0 3,5 3,2 3,0

Oriente Médio e África do Norte 1,8 2,0 2,4 2,4 2,3 2,1

América Latina e Caribe 14,6 5,7 4,8 5,3 2,9 2,6

Sul Asiático 9,7 3,6 4,6 2,4 3,2 2,4

Leste Asiático 35,5 6,2 5,8 5,5 2,7 2,2

Países industrializados 30,2 3,6 3,1 4,6 1,7 1,7

Economias em transição 5,8 0,7 0,9 -0,5 1,3 1,6

Fonte: FAO (2003, p. 99), modificada pelo autor.


Nota: (Mton)* Milhões de toneladas.

As principais culturas oleaginosas representativas do setor, no futuro,


serão: dendê, soja, girassol e colza. Poucos países, como o Brasil, serão
responsáveis pelo maior volume da produção mundial. O setor foi, no passado
recente, responsável por parte significativa da expansão agrícola nos países
industriais, em detrimento da área cultivada com cereais. Nos países em
desenvolvimento, as projeções indicam que o setor de oleaginosas continuará
a expandir sua produção, mais em conseqüência do arroteamento do que pelo
aumento de produtividade. Grande parte da expansão agrícola nestes países
será dedicada ao plantio de culturas oleaginosas (FAO, 2003, p. 10). Dentre as
nações em desenvolvimento, os cinco maiores exportadores de oleaginosas -
119

Brasil, Argentina, Malásia, Indonésia e Filipinas - foram responsáveis pelo


aumento substancial nas exportações líquidas, passando de 4 milhões de
toneladas (Mton), nos anos de 1974/1976, para mais de 21 Mton, nos anos de
1997/1999. No entanto, segundo a FAO, (2003, p. 11), mesmo com os
progressos da produção de alimentos, os países em desenvolvimento
tenderão, no futuro, a serem importadores, em termos líquidos, de produtos
agrícolas.

Segundo a FAO, (2003, p. 11), as raízes (mandioca, taro), os tubérculos


(batata-doce, batata-inglesa, inhame) e a banana, produtos ricos em amido,
são os principais componentes da dieta dos países pobres, dos quais muitos
são caracterizados por baixos níveis per capita de consumo alimentar. A
maioria destes países se localiza na África subsaariana, onde 50% ou mais da
dieta, em termos calóricos, é composta deste tipo alimento. Geralmente, a
produção destas culturas é caracterizada pelo manejo agroecológico e
produtividades incipientes. Além da alimentação humana, estes produtos são
usados na criação de animais29. A rápida expansão da fronteira agrícola, do
desmatamento e da degradação do solo em determinadas regiões da Tailândia
tem sido atribuída, principalmente, ao crescimento da produção de mandioca
para exportação. Estes produtos continuarão a desempenhar um importante
papel na dieta de muitos países pobres, principalmente com baixos níveis de
consumo per capita (FAO, 2003, p. 11).

A economia, em geral, assim como a agricultura, a pobreza e a


segurança alimentar nos países em desenvolvimento, tem dependido da
produção intensa de um ou mais commodities agrícolas, destinadas à
exportação, como café, banana, açúcar, grãos oleaginosos e borracha natural.
Desta forma a economia e a divisão da riqueza estão sujeitas às mudanças no
mercado mundial (FAO, 2003, p. 11).

A FAO (2003, p. 11) tem reiterado que as políticas protecionistas


presentes no mercado internacional de commodities agrícolas têm prejudicado,
tanto produtores como consumidores. Como exemplo, em países da
Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), os

29
Nos países da Extinta União Soviética, a mandioca utilizada na alimentação animal é
importada, principalmente da Tailândia, chegando a 10 Mton anuais (FAO, 2003, p. 44)
120

consumidores pagam altos preços por alimentos importados, viabilizando os


elevados subsídios associados aos produtos alimentares nacionais.

Conforme a Tabela 23, a terra arável em uso no mundo, referente aos


anos de 1997/1999, totalizou 1,5 bilhões de hectares, com um aumento de 11%
e incremento anual de 0,34%, em relação ao período de 1961/1963. No
entanto, algumas regiões tiveram aumentos consideráveis, como a América
Latina e Caribe, que teve um acréscimo de mais de 50%, no referido período,
totalizando 159 milhões de hectares de terra de uso agrícola. Neste período,
segundo a FAO, (2003, p. 135), a população mundial praticamente dobrou de
tamanho, chegando a, aproximadamente, 5,9 bilhões de habitantes. Por
conseqüência, a terra arável per capita no mundo caiu em 40%, de 0,43 ha
para 0, 26 ha, no período referenciado. Neste espaço de tempo, houve a
intensificação no uso da terra por meio de cultivos múltiplos, redução do
período de pousio, adoção da monocultura e uso intenso de insumos agrícolas.

O uso intensificado da terra e a expansão das fronteiras agrícolas, nos


últimos 50 anos, têm trazido grandes impactos, como o arroteamento per se, a
contaminação ambiental, a erosão, a diminuição dos lençóis freáticos, entre
outros. O aumento da demanda por bens e serviços tem sido fator
preponderante na intensificação no uso do solo, onde ainda é possível, a fim de
elevar a produção. Mas muitos dos recursos produtivos, entre eles a água e a
terra, estão se tornando cada vez mais escassos, exauridos e contaminados.

A FAO (2003, p. 14), afirma que, por volta de 2030, a produção agrícola
nos países em desenvolvimento será 67% mais alta que no ano base
(1997/1999). A maioria deste aumento (em torno de 80%) será em virtude da
intensificação da produção agrícola, visando altas produtividades e
intensidades de cultivo (cultivos múltiplos e redução no período de pousio),
sendo que os 20% restantes virão da expansão da fronteira agrícola. As
nações em desenvolvimento agregam, aproximadamente, 2,8 bilhões de
hectares de terra com potencial para a produção agrícola sem a necessidade
de irrigação suplementar, com produtividades acima do “nível mínimo
aceitável”. Deste total, em torno de 960 bilhões de hectares, já estão sob
cultivo. No entanto, os 1,84 bilhões de hectares que podem ser cultivados não
devem ser considerados como “reserva”, pois a maioria da terra não cultivada
121

está desigualmente distribuída, concentrada em poucos países da América do


Sul e da África subsaariana. Diversamente, muitos países no Sul da Ásia, do
Oriente Médio e do Norte da África não possuem excedentes de terra, e grande
parte da terra não utilizada não é propícia para a agricultura. Além disso, parte
considerável da terra potencialmente agricultável possui florestas naturais ou
áreas protegidas e urbanizadas (FAO, 2003, p. 14-15).

Tabela 23 - Dados e projeções da terra arável no mundo: total de terra irrigada em uso, de
1961/63 a 2030, em milhões de hectares, crescimento percentual médio anual, de
1961/99 a 2030, e percentual da terra em uso em relação à terra potencialmente
agricultável.

Regiões e Terra arável em uso Crescimento Terra em uso


Grupo de países anual (% do potencial)

1961/63 1979/81 1997/99 2015 2030 61/1999 97/2030 1997/99 2030


(milhões de hectares) (% ao ano) (%) (%)

África Subsaariana 119 138 156 262 288 0,77 0,72 22 28

Oriente Médio e
Norte da África 86 91 100 89 93 0,42 0,23 87 94

Amérina Latina e
Caribe 104 138 159 223 244 1,22 0,57 19 23

Sul Asiático 191 202 205 210 216 0,17 0,13 94 98

excluindo Índia 29 34 35 38 39 0,37 0,12 162* 168*

Leste Asiático 176 182 227 233 237 0,89 0,06 63 65

excluindo China 72 82 93 105 112 0,82 0,43 52 60

Países em desenvolvimento 676 751 848 1017 1076 0,68 0,37 34 39

excluindo China 572 652 713 889 951 0,63 0,46 32 37

excluindo China e Índia 410 483 543 717 774 0,81 0,54 27 32

Países industrializados 379 395 387 ... ... 0,07 ... 44 ...

Países em transição 291 280 265 ... ... -1,9 ... 53 ...

Mundo 1351 1432 1506 ... ... 0,34 ... 36 ...

Fonte: FAO, (2003, p.133), modificada pelo autor.

Levando em conta a disponibilidade e a necessidade de terra, estima-se


para as nações em desenvolvimento, um aumento de 13% no arroteamento de
terras, aproximadamente 120 milhões de hectares, até o ano de 2030,
122

principalmente nas regiões do continente Sul americano e na África


subsaariana.

Segundo a FAO (2003, p. 15), a irrigação deverá ser decisiva na


produtividade agrícola dos países em desenvolvimento. Atualmente, 20% da
terra arável ou 30% da área colhida são irrigadas, contribuindo com 40% do
total da produção agrícola ou, aproximadamente, 60% da produção de cereais.

Tabela 24 - Dados e projeções da irrigação mundial: Total de terra irrigada em uso, de 1961/63
a 2030, em milhões de hectares; crescimento percentual médio anual, de 1961/99 a
2030, e percentual da terra em uso em relação à terra potencialmente agricultável.

Regiões e Terra irrigada Crescimento Terra em uso


Grupo de países anual (% do potencial)
1961/63 1979/81 1997/99 2015 2030 61/1999 97/2030 1997/99 2030
(milhões de hectares) (% ao ano) (%) (%)

África Subsaariana 3 4 5 6 7 2 0,9 14 19

Oriente Médio e
Norte da África 15 18 26 29 33 2,3 0,6 62 75

Amérina Latina e
Caribe 8 14 18 20 22 1,9 0,5 27 32

Sul Asiático 37 56 81 87 95 2,2 0,5 57 67

excluindo Índia 12 17 23 24 25 1,9 0,2 84 89

Leste Asiático 40 59 71 78 85 1,5 0,6 64 76

excluindo China 10 14 19 22 25 2,1 0,9 40 53

Todos acima 103 151 202 221 242 1,9 0,6 50 60

excluindo China 73 106 150 165 182 2,1 0,6 44 54

excluindo China e Índia 48 67 93 102 112 2 0,6 41 50

Países industrializados 27 37 42 1,3

Países em transição 11 22 25 2,6

Mundo 142 210 271 1,8

Fonte: FAO, (2003, p.137), modificada pelo autor.

Até 2030, a irrigação deverá ultrapassar os atuais 202 milhões de


hectares para, aproximadamente, 242 milhões de hectares - 60% do total de
terra potencialmente irrigável (400 milhões de hectares), Tabela 24. O aumento
da área irrigada redundará em um acréscimo de 14% na utilização de água,
contando com a melhoria da eficiência de irrigação.
123

A FAO (2003, p. 15), considera que países que retiram mais que 40%
dos recursos hídricos renováveis estão em situação crítica. Regiões como
Oriente Médio e Norte da África usam na irrigação mais do que 50% dos
recursos hídricos, e o Sul da Ásia, 36% destes recursos. De modo oposto, o
Leste asiático utiliza 8% da água disponível na agricultura irrigada, a região
subsaariana, 2%, e a América Latina, 1%. Outras regiões do planeta sofrem de
escassez extrema de água.

As previsões mundiais de acréscimos da produção agrícola, no médio


prazo, serão menores que no passado, assim como a demanda, que também
aumentará em taxas menores que no passado, em decorrência,
principalmente, da desaceleração do crescimento populacional.

No entanto, não é possível prever, com certeza, se tais crescimentos


serão compatíveis, variando na mesma proporção. Segundo a FAO, (2003, p.
16), as previsões de crescimento da produção agrícola, no futuro, mesmo
sendo menores, representam um grande desafio para a humanidade. Os
acréscimos na produtividade não poderão ser obtidos somente do potencial
produtivo inexplorado (se ainda existe), utilizando as variedades existentes e os
nichos de produção agroecológicas pouco produtivos e limitados.

Os aumentos de produtividade, e conseqüentemente da produção total,


requerem apoio continuado da pesquisa agronômica para que se possam
desenvolver variedades de plantas mais adaptadas e mais produtivas. Os
avanços científicos da biotecnologia atual parecem ser os meios mais efetivos
para solucionar tais problemas (FAO, 2003, p. 16). No entanto, no presente
estágio de conhecimento, as incertezas acerca dos possíveis riscos à saúde
humana e ao ambiente são elevadas (FAO, 2003, p. 19).

Segundo a FAO (2003, p.18), os esforços da pesquisa agronômica


devem estar predominantemente, direcionados em três direções: 1) incremento
da capacidade da agricultura mundial em prover aumentos significativos da
produção, assim como melhorar as propriedades nutricionais de seus produtos;
2) elevar a produtividade agrícola dos pobres, em agroecossistemas baseados
na agricultura ecológica, melhorando a renda familiar, e 3) manter a
124

capacidade reprodutiva dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, minimizar


os impactos ambientais.

A média de consumo per capita de pescado aumentou de 13,4 kg, em


1990, para 16, 3 kg, em 1999 (produção total de 97 milhões de toneladas), e
poderá crescer para 19 a 20 kg, até 2030, alcançando uma produção total de
150 a 160 milhões de toneladas (Mton) de pescado. No final dos anos 90, 47%
dos principais estoques marítimos de pescado estavam completamente
explorados, 18% superexplorados e outros 9%, em depleção. Somente ¼ dos
estoques pesqueiros foram moderamente explorados ou subexplorados, no
período. No entanto, no longo prazo, a captura sustentável de pescado é
estimada em, aproximadamente, 100 Mton anuais, assumindo a eficiência na
utilização dos estoques, a conservação dos ecossistemas costeiros e
marinhos, a melhoria na seletividade das redes de pesca - levando,
conseqüentemente, à redução dos descartes e de animais não desejados.
(FAO, 2003, p. 22).

Embora, na teoria, os recursos pesqueiros sejam renováveis, na prática,


eles são finitos para propósitos comerciais. Podem ser explorados apenas em
certos períodos e, se superexplorados, sofrem uma sensível redução na
produção com risco de entrar em colapso. Diante do exposto, não é possível
aumentar indefinidamente a produção de pescado. Os recursos pesqueiros
devem, então, ser explorados em níveis sustentáveis (FAO, 2003, p. 22).

A agricultura, segundo a FAO (2003, p. 26), contribui para as mudanças


climáticas por meio de emissões de gases do efeito estufa, como o metano.
Mas, também contribui para a mitigação das mudanças climáticas através do
seqüestro de carbono realizado pelas culturas e pela matéria orgânica do solo,
além da produção de biomassa para fins energéticos, que podem substituir os
combustíveis fósseis.

Os principais efeitos das mudanças climáticas na agricultura, conforme


as previsões da FAO, (2003, p. 27) são:
125

1) Mudanças nos padrões de temperatura e de precipitação que afetarão


a disponibilidade de terras propícias à agricultura, no entanto, áreas disponíveis
de terra aumentarão em altas latitudes, devido ao encurtamento dos períodos
invernais e ao seu abrandamento;

2) Os efeitos nas produtividades seguirão o mesmo padrão da


disponibilidade de terras, com maiores valores nas médias e altas latitudes, e
menores valores nas baixas latitudes, mas com ganhos nas terras altas dos
trópicos devido ao aumento da temperatura média;

3) grande mudança na disponibilidade de água dos rios e aqüíferos,


30
provocada pela diminuição do runoff e da recarga de água do solo. Espera-
se reduções consideráveis de recursos hídricos na Austrália, Norte e Sul da
África, Oriente Médio, na maior parte da América Latina e em algumas regiões
da Europa. Por conseqüência, a capacidade de irrigação será negativamente
afetada, com maior freqüência de períodos de secas. A maior diminuição da
disponibilidade de água deverá ocorrer após 2030. Contudo, no curto prazo,
poderá haver efeitos negativos na irrigação;

4) Perdas na pecuária, resultante da degradação das pastagens nos


países em desenvolvimento, principalmente após 2030: estresse em razão do
calor e da baixa produtividade das pastagens, o que pode ser compensada
pela “fertilização” com CO2. No entanto, as pastagens localizadas em zonas
temperadas terão efeitos positivos, resultantes da redução do período de
inverno e da elevação da temperatura. Estes fatos propiciam maiores
produtividades das pastagens e conforto térmico aos animais;

5) Elevação significativa das temperaturas médias dos mares pode


reduzir a cadeia alimentar, afetando o crescimento do plâncton ou alterando
sua distribuição e, diminuindo o suprimento alimentar dos peixes e, portanto, de
toda cadeia alimentar. Soma-se, ainda, a migração das espécies de latitudes
médias para áreas setentrionais. Em geral, os estoques mundiais de pescado
não serão seriamente afetados, mas, regionalmente, a indústria pesqueira e o
suprimento alimentar terão impactos negativos;

30
Escorrimento ou movimento, sob a superfície do solo, das águas das chuvas
126

6) A elevação dos níveis mares acarretará inundações progressivas das


áreas costeiras e salinização dos aqüíferos destas áreas. A freqüência e a
intensidade dos ciclones tropicais serão maiores, assim como a freqüência de
tempestades nos continentes;

7) Poderá ocorrer mudanças significativas na distribuição das pestes,


mesmo em pequena elevação da temperatura média. Menores ondas de frio
poderão aumentar a população e a amplitude de ocorrência de alguns
transmissores de pestes e doenças;

8) O aumento da temperatura média do planeta, provavelmente elevará


a velocidade dos ventos, ocasionado furacões. A maior intensidade dos ventos
provocará danos mecânicos nas plantas, nos animais e erosão no solo.
127

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nenhum momento, foi nossa pretensão oferecer uma resposta cabal


à questão central que norteou esta pesquisa, ou seja: “Qual o prognóstico da
produção de alimentos no mundo?”. Diante das muitas incertezas associadas
aos desdobramentos das questões populacionais, sócio-ambientais,
econômicas e políticas do atual cenário, nos foi possível apenas analisar os
principais cenários atualmente em debate, com destaque para as projeções da
Food and Agricultural Organization - FAO. A proposta de realização de uma
análise comparativa entre o cenário da FAO e outros de relevância acadêmica
internacional nos remete a crescente complexidade do tema, permeada por
incertezas de ordem ambiental, como aquelas decorrentes das alterações
climáticas no âmbito mundial. Uma vez evidenciada a impossibilidade de um
prognóstico definitivo para a questão em foco, buscou-se analisar cenários e
prognósticos a partir de parâmetros estritamente relacionados às fragilidades e
potencialidades ambientais do planeta. Neste sentido, recursos e
características ambientais, como disponibilidade de terra e água, foram
destacados.

Existe uma argumentação de que da mesma forma que a humanidade


tem conseguido superar os problemas relacionados à produção alimentar, o
mesmo se daria no futuro. Esta é a opinião de vários cientistas e Organizações
Multilaterais, como a FAO. Entretanto, observa-se uma crescente apreensão
com relação à possibilidade de superação dos atuais problemas evidenciados
em âmbito global, mesmo porque eles decorrem de tecnologias e práticas
genericamente adotadas, sem que se vislumbrem modalidades alternativas
com possibilidades de adoção no médio prazo. Por outro lado, vivenciamos
uma população crescente, com pressões de consumo também crescentes, em
um ambiente global limitado e cada vez mais fragilizado pelas ações humanas.

No estudo dos cenários futuros da produção mundial de alimentos,


foram contemplados os principais trabalhos quanto à relevância institucional e
científica, e quanto à importância dos autores no contexto mundial. Destaca-se
dentre eles o cenário da FAO (2003), por ser esta uma Organização
Internacional criada especificamente para este fim.
128

Do estudo do Clube de Roma, publicado em “Os Limites do


Crescimento” (MEADOWS, 1972), mesmo considerando improvável que o
cenário futuro do mundo tenha um comportamento como os apresentados nos
modelos de simulação, algumas tendências têm sido evidenciadas. O
“processamento-padrão do modelo mundial”, provavelmente é aquele que mais
se aproxima das tendências atuais. Vale destacar que a importância deste
estudo se deve mais ao seu pioneirismo, em uma época em que se conhecia
muito pouco da dinâmica ambiental e de outros mecanismos norteadores do
desenvolvimento tecnológico moderno. De qualquer forma, este estudo nos
apontava para um cenário futuro de colapso a se manter os atuais estilos de
vida e de degradação do ambiente. Os estudos do Clube de Roma, apesar dos
fundamentos científicos da época, apresentavam modelos de cenários
extremos, nos quais a humanidade, inevitavelmente, tenderia a um final trágico.
Contudo, os efeitos das mudanças climáticas são um prenúncio dos cenários
mais pessimistas do Clube de Roma. Da mesma forma que os pensadores e
cientistas da época não dispunham de elementos de informação acerca das
influências humanas na dinâmica natural do planeta, os pesquisadores atuais
têm carências semelhantes acerca dos possíveis desdobramentos dos
fenômenos globais. O entendimento dos sistemas naturais como um todo e de
suas variáveis é imprescindível para o delineamento de prognósticos mais
confiáveis quanto aos efeitos antropogênicos sobre o meio.

O estudo de Boserup, “Evolução Agrária e Pressão Demográfica”, revela


através da história, que o crescimento populacional não foi um fator
determinante para o desenvolvimento de novas técnicas de produção agrícola -
as técnicas preexistiam e foram usadas conforme a variação demográfica. Os
sistemas de produção agrícola estão em constante transformação,
influenciados por fatores demográficos, de modo que a produção local de
alimentos e de outros produtos transita de técnicas extensivas para técnicas
intensivas e vice-versa, sendo que tais mudanças são intrínsecas às culturas
das comunidades locais.

É natural, na análise do estudo de Boserup, que se tente traçar algum


paralelo entre teorias econômicas, principalmente a Neo-Malthusiana. Além
129

disso, os paradigmas da “Revolução Verde” (RV) são confrontados com a


ortodoxia dos paradigmas da teoria “Boserupiana”.

Substanciando, os paradigmas da RV não foram desenvolvidos para


resolver os problemas de crescimento populacional dos países pobres, mas
sim para produzir excedentes agrícolas ao mercado internacional em
expansão. Se a RV tivesse finalidades humanitárias, ela teria se desenvolvido
também nos países africanos, principalmente da África subsaariana, onde os
níveis de consumo per capita são muito baixos e a desnutrição e a subnutrição
são endêmicas. Muitos autores e Organizações Internacionais, como a FAO,
enfatizam a necessidade dos países ricos em promover, por meio de políticas
adequadas, a auto-suficiência na produção alimentar local como forma mais
eficiente para reduzir ou erradicar a pobreza e, conseqüentemente, aumentar a
segurança alimentar.

A economia de produção alimentar de subsistência não tem conseguido


proporcionar seguridade alimentar nos tempos modernos, em decorrência da
crescente demanda da população mundial. Os avanços científicos que
impulsionaram o grande crescimento populacional no século XX deveriam,
também, ter promovido o aumento da produção e a melhor distribuição de
alimentos, o que evidencia uma questão ética e de comércio justo. As técnicas
modernas de produção de alimentos evoluíram na Europa e na América do
Norte, a partir da “Revolução Industrial”, e se espalharam pelo mundo
principalmente com a RV. Boserup afirma que as comunidades agrícolas de
subsistência passariam, com o tempo, por transformações profundas, mas não
cita a RV. Alguns autores afirmam que o mundo deveria ter uma segunda RV a
fim de resolver os problemas de alimentação nos países pobres, como os da
África subsaariana. Outros insistem na promoção da agricultura de
subsistência. De qualquer forma, ambas as propostas necessitariam de apoio
político e técnico, assim como ocorrera na RV. O incentivo na produção de
subsistência nos países pobres com participação institucional, financeira e
técnica, tende a ser mais oportuno e lógico do que o choque sócio-econômico
proporcionado por uma segunda RV. Com o passar do tempo, poderia haver
uma progressão das técnicas produtivas, se assim as comunidades rurais
desejassem.
130

Em sua avaliação, Gilland (2002) afirma que a produção mundial de


alimentos tem sido mais que suficiente para a alimentação adequada da
humanidade. O autor prevê que os incrementos de produtividade das principais
culturas alimentícias serão fundamentais no futuro, principalmente em países
com pouca disponibilidade de terra arável. Estes incrementos somente serão
possíveis com altas doses de fertilizantes. O autor ainda adverte que
suprimento hídrico pode ser limitante para se alcançar estas produtividades.
Gilland (2002) deduz que, até 2050, haverá apenas 10% de aumento na
produção de cereais per capita nos países menos desenvolvidos, sendo que o
consumo nestes países deve ser complementado por transferências dos países
mais desenvolvidos, onde a produção de cereais terá um aumento significativo,
em torno de 80%. Esta conclusão corrobora as previsões da FAO (2003): “os
países industrializados serão, no futuro, os maiores produtores e exportadores
de commodities agrícolas”. Porém, o autor não cita a competição entre a
produção de biomassa para fins energéticos (bioenergia) e a produção
alimentar, face às pressões pelo uso de combustíveis renováveis.

No estudo de Johnson (1999), o autor prevê que, até 2020, a produção


de alimentos no mundo acompanhará os acréscimos populacionais. Em sua
projeção, baseada nos estudos da FAO, WB e IFPRI, a produção de grãos
crescerá 17% nos países desenvolvidos e 9% nos países em desenvolvimento.

Wirsenius (2003) não faz um estudo de cenário para produção de


alimentos, mas destaca a importância das taxas de conversão das principais
commodities vegetais e animais. O autor revela que há uma competição entre o
consumo humano de grãos e o consumo de grãos para a alimentação animal.
A taxa de conversão de carne, bovina e de outros ruminantes, é a menor que
outros tipos de carne, como a suína e a de aves. No futuro, a produção de
carne bovina dependerá cada vez mais da produção de grãos e de outros
alimentos cultivados. O autor afirma que a demanda por carne bovina é alta e
não haverá pastagens naturais suficientes no mundo para sua produção. De
fato, a carne bovina é um alimento nobre. Somente países com grande
quantidade de terra arável, como o Brasil, podem criar bovinos em pastagens
cultivadas ou naturais a preços relativamente baixos se comparados à taxa de
conversão. Vale lembrar que praticamente toda produção brasileira é
131

consumida domesticamente. Porém, o custo ambiental é grande: o


arroteamento para a formação de pastagens e o plantio de grãos no Centro-
Oeste e no Norte do Brasil são as principais causas do aumento do
desmatamento, associadas à exploração madeireira.

Wolf et al. (2003) apresentam estudo de cenários bastante completo e


revelador. Alguns dos cenários apresentados são extremos, como o uso de
toda a terra arável disponível no mundo para a produção agrícola, o que
significaria o arroteamento total de todos os ecossistemas para a formação de
agroecossistemas produtivos - provavelmente implicaria em colapso na
dinâmica do planeta. O estudo também é importante por levar em conta a
competição das culturas alimentícias com as culturas para produção de
biomassa com fins energéticos ou de bioenergia. Além disso, Wolf et al. (2003)
comparam sistemas intensivos (SIP) e extensivos (SEP) de produção agrícola,
considerando ainda fatores extremados. Este estudo considera a variação da
dieta (de vegetariana à rica) e a variação do crescimento da população (de
baixo a alto crescimento). Outros extremos estudados são: a produção agrícola
utilizando o potencial mundial total de terra agricultável e a produção agrícola
utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada no mundo.

Salienta-se que os autores determinaram que as terras menos férteis e


de difícil mecanização serviriam somente para pastagens, corroborando com
os preceitos de Wirsenius (2003) em relação à produção de carne bovina e
taxa de conversão.

WOLF et al. (2003) estabeleceram importantes índices para o melhor


entendimento dos cenários. O índice de suficiência alimentar é a razão entre o
potencial de produção de alimentos e a necessidade alimentar. Por segurança,
os autores determinaram que o índice de suficiência alimentar é igual a 2,
gerando o índice mínimo de segurança alimentar, a fim de proporcionar um
nível de segurança alimentar abrangente e sem restrições, pois além da
produção de alimentos, há a concorrência, no estudo, da produção de
bioenergia. Mas este índice mínimo, igual a 2, indica que é necessário que se
produza o dobro de alimentos para que haja o mínimo de segurança alimentar.
Isso nos leva a raciocinar que, nesse nível, metade da produção de alimentos é
perdida ou não aproveitada. Seria, então, uma alternativa, melhorar a eficiência
132

do aproveitamento da produção, de modo que houvesse menores perdas na


colheita, no transporte, no armazenamento, na distribuição e na
comercialização, assim como no consumo final, com menor desperdício e
melhor aproveitamento. Dessa maneira, o índice mínimo de segurança
alimentar poderia ser bem menor que 2, o que remeteria a uma pressão menor
pelos recursos produtivos. Por outro lado, um índice mínimo muito próximo a 1
seria limitante para uma segurança alimentar satisfatória.

Uma das principais conclusões feitas pelos autores é que, no futuro, em


sistemas intensivos de produção agrícola (SIP), haveria potencialmente uma
grande quantidade de terra agricultável, cerca de 4 bilhões de hectares (Bha)
para a produção de bioenergia (biomassa para fins energéticos), associada ao
crescimento alto da população e dieta rica. No entanto, em sistemas extensivos
de produção agrícola (SEP), a quantidade de terra para produção de
bioenergia seria mais limitada, sendo nula com alto nível de crescimento
populacional associada à dieta rica, como mostra a Tabela 8.

É razoável, em todos os aspectos, principalmente ambiental, que se


mantenha, no longo prazo, a área de terra atualmente cultivada. Ou seja, no
futuro, seria desejável que não houvesse novos arroteamentos para expansão
agrícola. Deste modo, haveria a preservação de uma grande quantidade de
área dos ecossistemas ainda restantes do planeta. Pode-se também
considerar, eticamente, a dieta moderada como mais justa. Deste modo, no
sistema SIP, em qualquer nível de crescimento populacional, haveria terra
suficiente também para a produção de bioenergia. No entanto, considerando o
sistema SEP, a quantidade de terra para a produção de bioenergia seria nula
no nível alto de crescimento populacional. O quadro se reverte quando o nível
de aumento populacional é baixo (1,53 Bha) e médio (0,82 Bha). Mesmo neste
último caso, a situação não é das piores, pois haveria quase 1 Bha de terra,
para a produção de bioenergia. Como já esclarecido, os autores usam
situações extremadas como cenários. Portanto, no futuro, a situação mais
provável é a composição de ambos os sistemas: SIP e SEP. Desse modo, a
quantidade de terra para produção de bioenergia poderia ser maior. É
importante frisar que a manutenção da área de terra, atualmente cultivada, sem
acréscimos, no futuro, deve ser percebida como o melhor cenário. Os autores
133

concluem que não haverá, no mundo, terra agricultável disponível para a


produção de bioenergia se a área atual de terra cultivada for utilizada para
produzir alimentos. De forma antagônica a essa afirmação, verifica-se na
Tabela 9, que isso é verdadeiro somente para a dieta rica em todos os níveis
de crescimento populacional e na dieta moderada em alto nível de crescimento
da população.

O relatório da FAO (2003) é o mais extenso de todos os estudos de


cenários. Apresenta uma grande quantidade de dados atuais, do passado
recente e projeções para o futuro, até 2050, focando as principais regiões e
grupos de países do mundo. O relatório contempla as principais commodities
agrícolas (animais e vegetais), os recursos hídricos, quantidade de terra,
fertilizantes, recursos pesqueiros e florestais, consumo e produção em
números absolutos e per capita. Também faz análises e prognósticos sobre
questões importantes no mundo, como pobreza, desenvolvimento econômico,
comércio agrícola, globalização, tecnologia, agricultura em relação ao meio
ambiente e às mudanças climáticas. No entanto, é um relatório mais político e
institucional do que técnico. O estudo, não contempla os principais
pesquisadores das questões relacionadas, assim como os principais estudos
científicos e as instituições de pesquisas mais importantes e, principalmente,
suas opiniões. As publicações e autores usados como referência são aqueles
que normalmente aparecem nas demais publicações e informes da FAO. Por
isso, não há um aprofundamento e detalhamento das questões importantes
relacionadas aos cenários. Como um Organismo Internacional que trata de
assuntos pertinentes ao tema desta tese, era de se esperar maiores
informações científicas do relatório e cenários detalhados, em função de
conjunturas possíveis e/ou prováveis.

Assim como no estudo de Wolf et al. (2003), as conclusões do estudo da


FAO sobre os possíveis efeitos das mudanças climáticas no futuro, em relação
a agricultura e ao meio, não são aprofundadas.

Percebe-se, analisando-se o estudo da FAO, que são ainda incipientes


os trabalhos relacionados à produção futura de alimentos, particularmente no
que diz respeito às transformações ambientais em curso no mundo. Desta
forma, não são consideradas as incertezas relacionadas ao efeito estufa e seus
134

desdobramentos. Portanto, o alerta ambientalista, explicitado pelo Relatório da


WWF (WWF, 2006), segundo o qual, os estilos de vida do mundo
contemporâneo têm provocado uma nítida sobreexploração dos recursos
naturais, não é sequer objeto de análise nos cenários de maior reconhecimento
internacional. Da mesma forma, as influências ambientais referentes à
mecanização e ao uso intenso de energia são negligenciadas.

Diante do exposto, chama à atenção a superficialidade dos estudos


acerca da produção futura de alimentos e outros produtos, como bioenegia, o
que nos remete à necessidade de um aprofundamento das pesquisas nesta
área.

As pressões pela expansão das fronteiras agrícolas continuarão, mesmo


considerando as críticas e cobranças por parte da população, das ONG´s
ambientalistas e dos governos internacionais.

As mudanças climáticas resultantes do aquecimento global têm


comprometido a produção de alimentos em todas as regiões da Terra. As
alterações nos padrões de temperatura e de pluviosidade poderão beneficiar
algumas regiões, favorecendo a produção alimentar, em detrimento de outras,
onde serão agravados os episódios de secas e de altas temperaturas, em
regiões outrora aptas ao cultivo. As mudanças climáticas implicam em um
acirramento entre os fatores relacionados à segurança alimentar
(disponibilidade de terra, água e de outros recursos ambientais e insumos,
tecnologia, condições sócio-econômicas das populações e políticas
governamentais). Inferem-se, ainda, as relações complexas entre esses fatores
e o comércio internacional de commodities agrícolas e de insumos. A
intensificação das mudanças climáticas certamente provocará, entre outras
catástrofes, a elevação do número de refugiados ambientais, que tenderá a ser
maior nos países pobres e populosos - cerca de três bilhões de pessoas - que
se localizam nas regiões tropicais e subtropicais, as quais serão mais
intensamente afetadas pelo aquecimento global.

A produção de alimentos tem sido um desafio para a humanidade, em


virtude do crescimento populacional, especialmente durante o século passado.
Porém, o mundo deve enfrentar um desafio ainda maior: o aumento da
produção de alimentos, frente aos prognósticos de aumento populacional, ao
135

aumento da demanda alimentar relacionada às mudanças de estilo de vida e


de renda, à escassez de recursos ambientais e, principalmente, às mudanças
nos padrões climáticos globais.

Em 2008, o mundo enfrentou uma séria crise alimentar - a primeira do


século XXI - decorrente do aumento do poder aquisitivo de classes de menor
renda dos países pobres e em desenvolvimento, aliada a fatores climáticos e
ambientais, como secas e enchentes, que reduziram a produção global de
alimentos. Com a demanda em alta e a produção alimentar enfraquecida,
houve alta dos preços das commodities agrícolas internacionais. Esta alta
trouxe à tona discussões acirradas relacionadas à competição entre produção
de alimentos e produção de biomassa para fins energéticos - que utilizam os
mesmos meios produtivos - ao avanço da agricultura e da pecuária sobre
biomas importantes (como florestas pluviais e cerrado brasileiro), ao
protecionismo comercial dos países ricos, que, por meio de uma série de
medidas comerciais, econômicas e políticas, protegem os produtores
domésticos de alimentos da concorrência dos países exportadores de
commodities agrícolas, à utilização de mão-de-obra escrava e infantil, entre
outros. A crise alimentar evidenciou que há uma demanda mundial reprimida
latente por alimentos, e que um pequeno aumento da renda familiar das
populações pobres pode aumentar substancialmente a demanda alimentar
mundial. Insere-se, neste contexto, a demanda por produtos mais caros e
elaborados, como carne bovina e alimentos industrializados. A produção de
carne bovina, como explicitado por Wirsenius (2003), por ter uma taxa de
conversão alimentar muito baixa em comparação à de outros produtos animais
(como aves), requer maiores incrementos de fatores produtivos, principalmente
de terra e água, aumentando os impactos ambientais. Uma maneira de
minimizar esses impactos seria a mudança de estilo de vida da população, no
sentido de viabilizar o consumo de produtos de origem animal menos
impactantes, como carne de aves e de suínos, ou produtos vegetais. No caso
da pecuária brasileira, predominantemente extensiva, o aumento da
produtividade dos rebanhos sob regime de pasto e/ou o aumento da criação
intensiva é desejável no intuito de diminuir, no médio e longo prazo, a pressão
por arroteamento na fronteira agrícola para formação de pastagens.
136

Segundo Johnson & Johnson (2005, p. 2484), a emissão de metano


(um dos gases do efeito estufa, com efeito 20 vezes maior que o gás
carbônico), proveniente da fermentação ruminal do gado bovino, representa
cerca de 73% de, aproximadamente, 80 milhões de toneladas anuais de
metano produzido pelas criações animais no mundo. Contudo, os mesmos
autores enfatizam que o metano proveniente da pecuária contribuirá com
menos de 2% para o aquecimento global, nos próximos 50 a 100 anos.
Algumas práticas podem ser empregadas com o intuito de diminuir a emissão
de metano, como manejo adequado do rebanho (seleção de raças mais
produtivas e adaptadas, suplementação alimentar na época da seca, lotação
adequada), melhoria das pastagens (mais produtivas, menos fibrosas e com
maior teor de proteína, rotação de pastagem) e eficiência da digestão animal
pelo uso balanceado da ração e outros suplementos alimentares.

O debate acerca da competição entre a produção de alimentos e de


biomassa para fins energéticos (que utiliza os mesmos recursos produtivos) se
intensificou com a crise alimentar em 2008. Contudo, pôde-se concluir que a
concorrência é mínima, principalmente nos países tropicais com tecnologia
agroindustrial avançada, onde o potencial de produção de bioenergia é
bastante alto em comparação aos países de clima temperado. Como exemplo,
a cana-de-açúcar suplanta, em produtividade e com menor custo produtivo, o
cultivo de beterraba açucareira, de milho e de sorgo para a produção de álcool.
No Brasil, a expansão da agroenergia poderá ser feita em áreas de pastagens,
com pouco impacto sobre áreas de cultivo alimentar e de ecossistemas
naturais. No entanto, como a pecuária extensiva e a monocultura são setores
produtivos que mais arroteiam florestas no Brasil, é de se esperar que haja,
ainda, avanços da fronteira agrícola para o assentamento destas modalidades
produtivas.

Os gases do efeito estufa e a dependência internacional pelo petróleo,


cada vez mais escasso e produzido em zonas de conflitos, fizeram com que
países desenvolvidos e em desenvolvimento passassem a pesquisar
alternativas energéticas menos impactantes, baratas e renováveis. Os
biocombustíveis, como o biodiesel e o álcool, produzidos a partir de matérias-
primas variadas, têm potencial de se tornarem, no futuro próximo, commodities
137

energéticas (inseridas no mercado internacional). A agroenergia tem um futuro


promissor, com tecnologias de produção e de utilização bastante
desenvolvidas. Entretanto, a agroenergia é ainda incipiente em termos de
quantitativos. No mundo, a agroenergia apresenta um papel secundário na
matriz energética, e é muito improvável que, esse tipo de energia, consiga
substituir o uso de combustíveis fósseis, em larga escala.

A suficiência alimentar e energética é fundamental para a soberania de


qualquer país. Portanto, é uma questão estratégica e de segurança nacional
que os países se empenhem em ser auto-suficientes, mesmo com grandes
custos econômicos, sociais e ambientais. O protecionismo comercial e os
subsídios oferecidos aos agricultores e criadores europeus são exemplos
clássicos desse comportamento. O livre comércio, sem barreiras econômicas e
políticas, é fundamental para que haja uma nova ordem mundial, na qual todos
os países, ricos, pobres e em desenvolvimento, possam ter um comércio justo
e, portanto, gerador de renda e de divisas. A crise alimentar recente e suas
questões decorrentes, como a competição entre alimentos e bioenergia,
deveria ter sido uma oportunidade para que os países ricos implementassem
uma nova Revolução Verde nos países pobres. Países africanos poderiam
produzir agroenergia a preços internacionais acessíveis e, ao mesmo tempo,
promover a agricultura familiar de modo ambientalmente sustentável, com
conseqüente geração de renda - fator primordial para a segurança alimentar.

O melhoramento vegetal e animal através de técnicas tradicionais têm,


nos últimos tempos, conseguido incrementos de produtividade cada vez
menores. Face ao desafio de se produzir alimentos à população global em
crescimento, até 2050, e da “sustentabilidade ambiental” dessa produção, os
organismos geneticamente modificados (GMO, em inglês) podem auxiliar
nessa tarefa, em que pesem as críticas apresentadas.

As pesquisas agronômicas e a engenharia genética podem desenvolver,


ainda mais, variedades altamente produtivas de plantas que necessitem menos
fertilizantes, água, defensivos, entre outros insumos, com conseqüente
diminuição dos impactos ambientais da produção alimentar. Face às mudanças
climáticas, os GMO´s serão fundamentais na finalidade de se adaptar as
culturas (e criação de animais) ao meio produtivo cada vez mais transformado.
138

Vale destacar que são muitas as incertezas acerca da aplicação generalizada


da bioengenharia e dos produtos transgênicos, que nos remetem ao Princípio
da Precaução.

Mudanças no estilo de vida das populações serão importantes, no futuro,


na busca da distribuição equitativa dos recursos ambientais finitos e de seus
produtos e serviços, e da “sustentabilidade ambiental”, em um mundo afetado
por mudanças dos padrões climáticos.
138

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ANEXO A

A Origem da Espécie Humana - Modelos Teóricos e


Proposições da Origem dos Humanos Modernos
A1

Na evolução da espécie humana (Homo sapiens sapiens), as evidências


apontam a existência de um ancestral hipotético dos humanos e dos
chimpanzés vivendo entre 5 e 8 milhões de anos, no Continente africano. Este
ancestral, assemelhado a um chimpanzé, vivia em árvores e se alimentava de
frutos, brotos e folhas. No Quênia, em 2001, a descoberta uma espécie fóssil,
classificada como Orrorin tugenensis, datada em, aproximadamente, 6 milhões
de anos, era o mais antigo hominídeo1 conhecido (SHIPMAN, 2002). Mas,
segundo Brunet et al. (2002), a espécie Sahelanthropus tchadensis representa,
atualmente, o mais antigo hominídeo descoberto, no Chad, África Ocidental,
datado entre 6 a 7 bilhões de anos. Segundo os mesmos autores, esta
descoberta indica que os ancestrais do homem estavam mais amplamente
distribuídos e que a divergência entre as linhagens dos humanos e chimpanzés
ocorreram mais cedo do que a maioria dos estudos moleculares supunha.
Assim como em outros grupos de mamíferos, houve uma série de
complexas dispersões do ancestral original, de modo que novas espécies de
hominídeos evoluíram e rapidamente se diversificaram. Entre 3 e 3,2 milhões
de anos atrás, haviam diversas espécies de hominídeos adaptados em
diferentes hábitats (LIEBERMAN, 1999). O gênero Homo evoluiu entre 2 e 3
milhões de anos atrás de antigas espécies do gênero Australopithecus, mais
precisamente, da espécie A. afarensis, cujo representante fóssil mais famoso é
Lucy2

O Leste africano - especificamente, Rift Valley - foi considerado, até a


década passada, a região geográfica de origem de nossos ancestrais,
especialmente pela descoberta dos mais antigos fósseis: Kenianthropus
platyops, datado em 3,5 milhões de anos (m.a.), Australopithecus anamensis
(3,9 a 4,1 m.a.), Ardapithecus ramidusramidus (4,4 m.a., aproximadamente), A.
ramidus kadabba (5,2 a 5,8 m.a.) e Orrorin tugenensis (6 m.a.,
aproximadamente) (LIEBERMAN, 1999).
A reconstrução das relações entre hominídeos é muito difícil em razão
da abundância de similaridades nos fósseis encontrados, cujas espécies
1
Hominídeo é a denominação que se dá a um membro da família Hominidae, que
classicamente inclui todas as criaturas, vivas ou extintas, mais relacionadas ao Homo sapiens
do que aos atuais chimpanzés - taxomicamente mais próximos ao gênero Homo (GEE, 2001).
2
O nome Lucy faz referência à canção “Lucy with Diamonds in the Sky”, dos Beatles, que era
sucesso mundial na época do descobrimento do referido fóssil.
A2

evoluíram independentemente. A descoberta de novas espécies e gêneros


torna a história evolutiva dos humanos complexa e não solucionada
(LIEBERMAN, 1999).
Os hominídeos mais modernos são taxonomicamente classificados no
gênero Homo, caracterizados por possuírem cérebro maior, crânio
arredondado e fronte mais parecida com a dos humanos atuais, diferentemente
de seus ancestrais mais próximos: os australopitecinos (espécies do gênero
Australopithecus). Ambos os gêneros, não obstante suas diferenças, possuíam
anatomia que lhes permitiam o andar ereto. A espécie Homo habilis representa
a linhagem de hominídeos que teve um desenvolvimento comportamental
marcante na história evolutiva do homem: sua inteligência superior permitiu a
confecção de apetrechos e utensílios, como armas de caça, vestuário e
abrigos. Tal fato foi fundamental para que o H. habilis dominasse os ambientes
menos favoráveis e se difundisse por outras regiões.
Na evolução dos humanos, a teoria mais aceita é que a linhagem
humana evoluiu na África e se difundiu pelo Sul da Eurásia como Homo
erectus, por volta de 1,7 milhões de anos atrás. Segundo Templeton (2002),
existiram duas grandes expansões após a dispersão inicial do H. erectus,
resultando em intercruzamentos das populações locais, que fortaleceram os
laços genéticos entre os grupos humanos por todo o mundo.
Existem diferenças de opinião sobre a complexidade dos processos de
origem, dispersão e cruzamentos que poderiam, subseqüentemente, ter
ocorrido com humanos não-modernos além do Continente africano. Além disso,
incertezas ainda envolvem relações entre genética, mudanças
comportamentais e morfológicas, e a região exata de origem, assim como o
modo - gradual ou pontual - de evolução dos humanos modernos.

O debate sobre a origem dos humanos modernos tem se baseado em


dados fósseis e arqueológicos, assim como nas reconstruções da história
evolucionária sustentada em padrões de diversidade genética - dentro e entre
as diversas populações atuais de seres humanos. Dessa maneira, a discussão
sobre a origem dos humanos modernos pode ser baseada em dados
genéticos, antigos ou atuais, mas somente pode ser resolvido considerando-se
as evidências fósseis e arqueológicas (RELETHFORD, 2001). Os registros
A3

arqueológicos do período do Pleistoceno Superior são a maior fonte de


evidências comportamentais da evolução dos humanos recentes. As
evidências anatômicas obtidas por estudo dos fósseis indicam que a evolução
dos humanos modernos ocorreu entre 150 mil e 50 mil anos atrás (HAWKS &
WOLPOFF, 2001).

Na década de 90, surgiram dois conflitantes modelos evolucionários


para tentar elucidar a origem dos humanos modernos3 (WOLPOFF et al.,
2001).

A-1. A Origem Africana Recente

Este modelo propõe que os humanos anatomicamente modernos4


surgiram na África há 200 mil anos, aproximadamente, e, então, se
dispersaram pelo Velho Mundo, substituindo os hominídeos arcaicos pré-
existentes com pequena ou nenhuma hibridização. Em muitas discussões
deste modelo, está implícita a idéia que, anatomicamente, os modernos Homo
sapiens eram espécies separadas dos arcaicos H. sapiens. Portanto, a origem
dos humanos modernos é vista como resultado da cladogênese - formação de
uma nova linhagem (RELETHFORD, 1998).

Conforme o modelo “Origem Africana Recente”, também denominado


“Out of Africa” (vindo da África) ou “Replacement Theory” (teoria da
substituição), as populações humanas locais, incluindo os neandertais, foram
substituídas por uma linhagem moderna de humanos oriundos da África, por
volta de 80 mil a 30 mil anos atrás (UNIVERSITY OF UTAH, 2005).

A-2. Teoria de Evolução Multirregional

Neste modelo, a evolução de todos hominídeos, desde a origem do


Homo erectus, é vista como uma linhagem evolucionária simples, ou seja, os

3
Os autores usam com cautela o termo ‘humanos modernos’, o qual refere-se a todos os seres
humanos atuais e seus ancestrais imediatos (WOLPOFF et al., 2001).
A4

humanos modernos evoluíram das múltiplas populações que habitavam a


Eurásia. Outros modelos também são possíveis dentro da “Teoria de Evolução
Multirregional”, incluindo grandes mutações genéticas ocorridas na África e
hibridizações, por meio de fluxo de genes, com populações não africanas
(RELETHFORD, 1998).

Relethford (1998), em seu artigo de revisão, afirma que o Modelo


Multirregional requer, fundamentalmente, que o ancestral comum africano seja
a espécie Homo erectus, que viveu há dois milhões de anos atrás. Portanto, os
dois principais modelos de origem não são inteiramente confrontantes, pois
estão fundamentados na origem africana da humanidade.

Segundo Relethford (1998), os dois modelos descritos anteriormente são


teorias opostas para explicar a origem dos humanos modernos, e, como
resultado, modelos intermediários têm sido propostos, como de Smith (1989),
que teoriza que os humanos modernos são resultantes de uma mudança
genética inicial ocorrida na África, que se disseminou pelo Velho Mundo por
meio de fluxo de genes, hibridizando com populações de humanos arcaicos
não-africanos.

Os estudos realizados por CANN et al. (1987), utilizando amostras de


mtDNA (DNA mitocondrial, transmitido somente pela mãe) representativos do
mundo inteiro, revelaram que o ancestral comum dos humanos atuais originou-
se no Continente africano, aproximadamente, há 200 mil anos, considerando-
se o modelo “Out of Africa”. A data de coalescência, segundo os mesmos
autores, ocorreu entre 140 mil e 290 mil anos atrás. Vigilant et al. (1991), por
meio deste método genético, estimaram que o ancestral africano comum surgiu
entre 166 mil a 249 mil anos atrás.

A utilização de métodos utilizando mtDNA para estimar a genealogia e a


data de coalescência do ancestral comum dos humanos modernos tem sido
criticada por muitos estudiosos do assunto, como Spuhler (1998), Excoffier &
Langaney (1989), Wolpoff (1989), citados por Relethford (1998), que
mencionam algumas questões relevantes inerentes ao método, entre eles:
problemas em estimar a taxa de mutação genética, os métodos utilizados na
A5

genealogia e o emprego de afro-americanos para representar a ancestralidade


africana.

Ruvolo et al. (1993) e Horai et al. (1995), citados por Relethford (1998),
estimaram a data de coalescência em 298 mil anos atrás (95% Intervalo de
Confiança=129 mil a 536 mil anos) e 143 mil anos atrás (95% IC=107 mil a 179
mil anos), respectivamente. Contudo, os períodos estimados para a
coalescência, per se, não nos diz nada sobre a idade, mas, mais do que isso,
são uma indicação de que o tamanho da população humana tem sido pequeno
desde a data da coalescência (a data de coalescência e o tamanho da
população são proporcionais à diversidade genética do mtDNA), segundo os
mesmos autores.
ANEXO B

Uma Breve História Do Início Da Produção De Alimentos


B1

A origem da agricultura e da criação de animais tem ocupado pensadores


ocidentais desde os tempos clássicos. Mas "quando" e "onde" a produção de
alimentos teve origem somente começaram a ser focados no século XIX, por
estudos especulativos e empíricos de pensadores como Humboldt (1807),
Darwin (1868), Hehn (1870), de Candolle (1882), e Hahn (1896) (HARRIS,
1997).
No século XX, foram traçados os fundamentos para o aprofundamento
das questões relacionadas à origem do homem moderno e ao desenvolvimento
da produção de alimentos.
Um dos primeiros cientistas a estudar e formular bases de entendimento
para tão fascinante assunto foi Nikolai Vavilov, botânico e geneticista russo que
propôs, em 1940, a teoria dos "Centros de Origem" das plantas cultivadas. Sua
proposição é que: "o local onde determinado vegetal foi primeiramente
domesticado é definido, então, como centro geográfico de sua diversidade
genética". Conseqüentemente, a identificação dos Centros de Origem é
essencial nas pesquisas biológicas e genéticas das plantas domesticadas
(SMITH, 1995).
O Centro de Origem de uma planta ou animal domesticado pode ser
estabelecido por meio de um processo aparentemente simples e direto de
mapeamento geográfico da distribuição atual dos seus progenitores ou
ancestrais selvagens. Vavilov estabeleceu, em 1940, segundo suas pesquisas
ao redor do mundo, sete principais Centros de Origem das espécies
domesticadas: Sul da Ásia tropical, Oeste asiático, Sudoeste asiático,
Mediterrâneo, Abssínia, América Central e Região andina. O referido
pesquisador instituiu esses locais por meio de critérios especificamente
biológicos, comparando as espécies domesticadas com seus predecessores
mais antigos; portanto, esses critérios limitam-se aos locais de origem: "onde".
O processo de domesticação é deveras complexo e outras questões emergem
a partir da pergunta: "quando" ocorreram as primeiras domesticações das
espécies e, principalmente, a partir de, "como" e "por que" estas espécies
foram domesticadas e difundidas?
Em 1928, Gordon Childe postulou o conceito de "Revolução Neolítica"
para a origem da produção de alimentos. Sua teoria dizia que a agricultura foi
estimulada pelo clima global adversamente seco decorrente de vários anos de
B2

estiagem prolongada, que afetou a primitiva "economia" de subsistência


humana calcada na coleta e caça. A adversidade geral do clima resultou no
agrupamento de animais e do próprio homem em refúgios, onde o microclima
era mais úmido e a vegetação abundante. O adensamento de diferentes
espécies permitiu que o homem intensificasse o contato com plantas e animais,
propiciando, assim, o início da domesticação das espécies de maior interesse.

A Domesticação de Plantas e Animais: Os Primórdios da Produção de


Alimentos

Após a Segunda Grande Guerra, arqueólogos iniciaram projetos de


investigação dos primórdios da agricultura. Entre eles, destacam-se Robert
Braidwood e Richard Macneish, que exploraram cavernas em Tamaulipas,
Nordeste do México, e encontraram espécies antigas de milho, feijão, pepino,
entre outras. Segundo Smith (1995), Braidwood teve a iniciativa de formular um
programa interdisciplinar de pesquisas focando especificamente o “Crescente
Fértil”1, no Oriente Médio, como local de início da "Revolução Cultural". A
estratégia básica utilizada pelo arqueólogo no Crescente Fértil foi rapidamente
adotada e aplicada em outras regiões, estabelecendo os fundamentos
empregados nas pesquisas das origens da agricultura.

No Oriente Médio, Braidwood encontrou uma forma diferente de


ocupação humana: um povoado permanente de antigos agricultores e
criadores de animais - os primeiros fazendeiros. A localidade precisa é Jarmo,
no Nordeste iraquiano; provavelmente ocupada de dois a sete séculos, cerca
de 8 mil a 8,7 mil anos atrás. É, ainda hoje, considerado um dos primeiros
assentamentos rurais permanentes, juntamente com Jericó, Çatal Hüyük e
Hacilar.

Durante milhões de anos antes da chamada "Revolução Agrícola", os


hominídeos eram extrativistas. Para saciar a fome, buscaram na natureza o
seu sustento - caça, coleta de frutos, raízes e sementes (CURWEN, 1965).
Para muitos arqueólogos e historiadores, a passagem do modo de

1
“Crescente Fértil” é a região localizada entre os rios Eufrates e Tigre, no atual Iraque.
B3

sobrevivência nômade, calcada na caça e coleta, para uma vida sedentária,


sustentada pela agricultura e criação de animais (Revolução Neolítica, segundo
Gordon Childe), permitiu que o homem produzisse, com o passar do tempo,
excedentes de alimentos, principalmente com a melhoria das técnicas e dos
meios de produção, tais como: a irrigação, a escolha de solos mais férteis e de
variedades mais produtivas. Dessa maneira, membros da comunidade
puderam se dedicar, parcialmente ou exclusivamente, a outras atividades não
ligadas à produção de alimentos. A partir daí, uma sociedade mais complexa
passou a se desenvolver.

A transição do extrativismo à agricultura foi um longo processo de


desenvolvimento e, necessariamente, não estava ligada ao sedentarismo
(SMITH, B. D., citado por PRINGLE, 1999). Segundo Sheratt (1997), é possível
generalizar que, no “Velho Mundo”2, o sedentarismo precedeu a atividade
agrícola, mas, no “Novo Mundo”3, a agricultura antecedeu o modo sedentário
de vida. No entanto, em ambos os Continentes, a mudança fundamental foi o
deslocamento das comunidades das terras altas para as terras baixas -
hábitats aluviais com maior potencial produtivo - tornando efetivamente
acessíveis novos nichos para o desenvolvimento da espécie humana.

Segundo Smith (1995), a transformação agrícola teve uma série de


origens isoladas e independentes, envolvendo diferentes épocas, povos e
locais em todo o mundo, e uma ampla variedade espécies de plantas e
animais. Apesar dessas diferenças, as origens se sucederam de maneiras
semelhantes em resposta a motivações similares. Entre as motivações, Smith
inclui os esforços empregados pelas sociedades de coletores-caçadores em
aumentar a contribuição econômica e restabelecer uma ou mais espécies, das
quais essas sociedades dependiam para sua sobrevivência, reduzindo,
conseqüentemente, riscos e incertezas.

Por muito tempo, historiadores e arqueólogos consideraram que a


produção agrícola e a criação de animais surgiram no final da “Idade do Gelo”

2
Continentes europeu, asiático e africano, anteriormente conhecidos antes da descoberta das
Américas, no século XV.
3
O Continente americano.
B4

ou, mais precisamente no início do Holoceno4, em pequenas comunidades


situadas no Crescente Fértil, onde coletores-caçadores passaram a cultivar seu
próprio alimento em um processo relativamente rápido impulsionado por
mudanças climáticas, como sugeriu Childe, ou por um severo cataclismo
climático ocorrido no final do Pleistoceno5, chamado de "Younger Dryas",
ocorrido entre 13 mil e 11,5 mil anos atrás (BAR-YOSEF & BELFER-COHEN,
1989).

Segundo Smith (1995), evidências mais recentes mostram que o clima


no Pleistoceno foi muito mais instável que se supunha e que o final da última
glaciação foi um período de grande instabilidade. O "Younger Dryas" teria
então sido uma reversão repentina das condições glaciais, seguida por
condições mais moderadas de um clima relativamente frio e seco. Essa
estabilidade pode ter sido um fator preponderante para explicar por que a
domesticação teria surgido "simultaneamente" em diferentes partes do mundo
(CAVALLI-SFORZA, 1996 citado por HARRIS, 1997), em contradição às
teorias da "Pressão Populacional" e "Crise Alimentar", concebida por Cohen,
em 1977, e à teoria da intensificação da “intimidade” humana ao meio
ambiente, proposta por Braidwood.

As condições desfavoráveis propiciadas pelas mudanças climáticas,


mesmo que temporárias, podem ter compelido as populações humanas a
cultivar espécies, anteriormente coletadas, em locais adequados ao aumento
da produção. Quando as condições climáticas melhoraram, o novo modo de
sobrevivência estava apto a se expandir.

As variedades de plantas em domesticação, originárias das terras altas,


foram levadas de seu local de ocorrência natural (Centro de Origem), onde
havia maior competição com outras espécies, para planícies aluviais, onde os
hábitats eram minimamente alterados para evitar competição com as demais
espécies. Esses ecossistemas puderam proporcionar altas produtividades, face
à fertilidade natural desses solos, com maior teor de umidade e nutrientes. A

4
Atual período geológico interglaciário iniciado com o recuo das grandes geleiras há,
aproximadamente, 10 mil anos, o que propiciou um clima global quente e úmido.
5
Período geológico compreendido entre 126 mil e 11,5 mil anos atrás, precede o Holoceno.
B5

pressão competitiva nas terras altas foi, então, compensada pela oportunidade
das terras baixas. Assim surgiram os primeiros agroecossistemas.

A agricultura teve um longo processo de desenvolvimento (SMITH,


1995). No entanto, Sheratt (1997) esclarece que, na origem da agricultura, as
formas que puderam se expandir eram pontuais e explosivas. Elas se
dispersaram pelo Velho Mundo e sobrepujaram outros centros independentes,
que não tiveram tempo de se desenvolver. No Novo Mundo, os centros
independentes de produção de alimentos estavam mais atrasados no seu
desenvolvimento, devido ao isolamento geográfico, possibilitando, assim, que
espécies endógenas fossem domesticadas e se desenvolvessem. Portanto, a
agricultura, uma vez descoberta, não permitiu o retorno à vida nômade dos
coletores-caçadores.

A diversidade de espécies selvagens de vegetais e animais no mesmo


Centro de Origem - o Crescente Fértil e proximidades - possibilitou que os
primeiros fazendeiros dispusessem de espécies básicas que fornecessem:
alimentos (proteínas, carboidratos, leite, óleo), animais para tração e
transporte, e fibras de origem animal e vegetal (DIAMOND, 1997). Estudos de
Heun et al. (1997) corroboram essa teoria. Segundo estes pesquisadores, a
transição das linhagens selvagens de trigo originárias das montanhas do
Sudeste da Turquia para as linhagens domesticadas foi fácil e rápida.
Possivelmente, outras culturas vegetais da região do Crescente Fértil e das
proximidades tiveram o mesmo processo relativamente rápido de
domesticação, porém com características importantes para o sucesso dos
primeiros agricultores, entre elas: sementes maiores, mais pesadas, com
resistência à senescência6, em relação às linhagens ou espécies selvagens.

Do Crescente Fértil, as espécies domesticadas rapidamente se


difundiram para outras regiões, graças à maior produtividade. Além disso, a
expansão foi acelerada pela distribuição do grande Continente eurasiático no
eixo leste-oeste, permitindo que as espécies domesticadas, assim como os
fazendeiros-colonizadores, se adaptassem mais facilmente em decorrência da
diferença climática pouco marcante entre as regiões. A dispersão das espécies

6
Neste caso, as sementes, quando maduras, se desprendem facilmente do cacho.
B6

domesticadas foi tão incisiva, que não possibilitou que domesticações


independentes se desenvolvessem em outros locais.

De maneira distinta, a expansão da produção de alimentos nas


Américas, na África e no Subcontinente indiano se manifestou de forma mais
lenta, desfavorecida pela orientação norte-sul desses Continentes (DIAMOND,
1997). A distribuição geográfica na direção dos pólos acarreta maior
variabilidade de climas. Diante disso, a adaptação e dispersão de linhagens
domesticadas de uma determinada região para outra foram prejudicadas. Por
essa razão, as diferenças de latitude nas Américas acarretaram uma lenta
adaptação de espécies domesticadas, mas possibilitou, em contrapartida,
domesticações independentes das mesmas espécies em diferentes áreas.

No Crescente Fértil, a transição das espécies selvagens para espécies


domesticadas, promovidas intencionalmente ou não, demandou poucas
mudanças genéticas, mas, em pouco tempo, resultou em linhagens
fenotipicamente mais atraentes e promissoras para os primeiros agricultores
dessa região (HEUN et al., 1997). No entanto, a domesticação do milho,
principal cereal dos povos do Novo Mundo requereu, a partir de seu ancestral
selvagem, o teosinto, uma série de mudanças biológicas muito mais drásticas e
demoradas. Esta seqüência de domesticação pode explicar, segundo Diamond
(1997), por que antigas sociedades agrárias surgiram muito mais cedo e,
conseqüentemente, se desenvolveram mais rapidamente no Oriente Médio do
que nas Américas. A teoria de Diamond (1997), das origens e disseminação da
agricultura, é contestada por alguns pesquisadores.

Segundo Richerson et al., (2001), a agricultura não era uma atividade


possível durante o último período glacial. Este período foi caracterizado por
variações climáticas de grande amplitude (em escala de tempo variando de
uma década a menos de mil anos), baixos níveis de dióxido de carbono
atmosférico7 e climas predominantemente secos. Nestas condições, a
subsistência humana, baseada na agricultura, não evoluiria. Além disso,
segundo os mesmos autores, a evolução de sistemas de subsistência é
7
Composto químico absorvido pelas plantas verdes no processo da fotossíntese. A
concentração de CO2 é um fator limitante: até certo ponto, quanto maior a concentração de gás
carbônico, maior a produção de fotossintetizados.
B7

relativamente mais vagarosa quando baseada no uso especializado de


recursos vegetais. Segundo Richerson et al. (2001), no longo prazo, a
agricultura foi muito propícia no Holoceno. Neste período, os climas terrestres
ficaram mais quentes e úmidos. A diminuição da variabilidade climática, a
elevação dos níveis de CO2 atmosférico e a intensificação da pluviosidade
mudaram abruptamente o cenário, tornando a agricultura possível na maioria
dos lugares.

Os coletores-caçadores tinham uma grande familiaridade com os


ancestrais das espécies domesticadas, e assim que o clima melhorou, o nível
de intensificação no sistema produtivo acelerou, como no Oriente Médio. No
entanto, o desenvolvimento dos sistemas agrários de subsistência levou
milhares de anos. No sítio arqueológico de Jarmo, as evidências mostram que,
possivelmente, do modo de vida dos coletores-caçadores até aos primeiros
agricultores, se passaram 4 mil a 2 mil anos. Nem todos os casos de
familiaridade e uso das resultaram na agricultura. Como exemplo, cita-se o
atraso da intensificação dos aborígenes australianos.
B1

A origem da agricultura e da criação de animais tem ocupado pensadores


ocidentais desde os tempos clássicos. Mas "quando" e "onde" a produção de
alimentos teve origem somente começaram a ser focados no século XIX, por
estudos especulativos e empíricos de pensadores como Humboldt (1807),
Darwin (1868), Hehn (1870), de Candolle (1882), e Hahn (1896) (HARRIS,
1997).
No século XX, foram traçados os fundamentos para o aprofundamento
das questões relacionadas à origem do homem moderno e ao desenvolvimento
da produção de alimentos.
Um dos primeiros cientistas a estudar e formular bases de entendimento
para tão fascinante assunto foi Nikolai Vavilov, botânico e geneticista russo que
propôs, em 1940, a teoria dos "Centros de Origem" das plantas cultivadas. Sua
proposição é que: "o local onde determinado vegetal foi primeiramente
domesticado é definido, então, como centro geográfico de sua diversidade
genética". Conseqüentemente, a identificação dos Centros de Origem é
essencial nas pesquisas biológicas e genéticas das plantas domesticadas
(SMITH, 1995).
O Centro de Origem de uma planta ou animal domesticado pode ser
estabelecido por meio de um processo aparentemente simples e direto de
mapeamento geográfico da distribuição atual dos seus progenitores ou
ancestrais selvagens. Vavilov estabeleceu, em 1940, segundo suas pesquisas
ao redor do mundo, sete principais Centros de Origem das espécies
domesticadas: Sul da Ásia tropical, Oeste asiático, Sudoeste asiático,
Mediterrâneo, Abssínia, América Central e Região andina. O referido
pesquisador instituiu esses locais por meio de critérios especificamente
biológicos, comparando as espécies domesticadas com seus predecessores
mais antigos; portanto, esses critérios limitam-se aos locais de origem: "onde".
O processo de domesticação é deveras complexo e outras questões emergem
a partir da pergunta: "quando" ocorreram as primeiras domesticações das
espécies e, principalmente, a partir de, "como" e "por que" estas espécies
foram domesticadas e difundidas?
Em 1928, Gordon Childe postulou o conceito de "Revolução Neolítica"
para a origem da produção de alimentos. Sua teoria dizia que a agricultura foi
estimulada pelo clima global adversamente seco decorrente de vários anos de
B2

estiagem prolongada, que afetou a primitiva "economia" de subsistência


humana calcada na coleta e caça. A adversidade geral do clima resultou no
agrupamento de animais e do próprio homem em refúgios, onde o microclima
era mais úmido e a vegetação abundante. O adensamento de diferentes
espécies permitiu que o homem intensificasse o contato com plantas e animais,
propiciando, assim, o início da domesticação das espécies de maior interesse.

A Domesticação de Plantas e Animais: Os Primórdios da Produção de


Alimentos

Após a Segunda Grande Guerra, arqueólogos iniciaram projetos de


investigação dos primórdios da agricultura. Entre eles, destacam-se Robert
Braidwood e Richard Macneish, que exploraram cavernas em Tamaulipas,
Nordeste do México, e encontraram espécies antigas de milho, feijão, pepino,
entre outras. Segundo Smith (1995), Braidwood teve a iniciativa de formular um
programa interdisciplinar de pesquisas focando especificamente o “Crescente
Fértil”1, no Oriente Médio, como local de início da "Revolução Cultural". A
estratégia básica utilizada pelo arqueólogo no Crescente Fértil foi rapidamente
adotada e aplicada em outras regiões, estabelecendo os fundamentos
empregados nas pesquisas das origens da agricultura.

No Oriente Médio, Braidwood encontrou uma forma diferente de


ocupação humana: um povoado permanente de antigos agricultores e
criadores de animais - os primeiros fazendeiros. A localidade precisa é Jarmo,
no Nordeste iraquiano; provavelmente ocupada de dois a sete séculos, cerca
de 8 mil a 8,7 mil anos atrás. É, ainda hoje, considerado um dos primeiros
assentamentos rurais permanentes, juntamente com Jericó, Çatal Hüyük e
Hacilar.

Durante milhões de anos antes da chamada "Revolução Agrícola", os


hominídeos eram extrativistas. Para saciar a fome, buscaram na natureza o
seu sustento - caça, coleta de frutos, raízes e sementes (CURWEN, 1965).
Para muitos arqueólogos e historiadores, a passagem do modo de

1
“Crescente Fértil” é a região localizada entre os rios Eufrates e Tigre, no atual Iraque.
B3

sobrevivência nômade, calcada na caça e coleta, para uma vida sedentária,


sustentada pela agricultura e criação de animais (Revolução Neolítica, segundo
Gordon Childe), permitiu que o homem produzisse, com o passar do tempo,
excedentes de alimentos, principalmente com a melhoria das técnicas e dos
meios de produção, tais como: a irrigação, a escolha de solos mais férteis e de
variedades mais produtivas. Dessa maneira, membros da comunidade
puderam se dedicar, parcialmente ou exclusivamente, a outras atividades não
ligadas à produção de alimentos. A partir daí, uma sociedade mais complexa
passou a se desenvolver.

A transição do extrativismo à agricultura foi um longo processo de


desenvolvimento e, necessariamente, não estava ligada ao sedentarismo
(SMITH, B. D., citado por PRINGLE, 1999). Segundo Sheratt (1997), é possível
generalizar que, no “Velho Mundo”2, o sedentarismo precedeu a atividade
agrícola, mas, no “Novo Mundo”3, a agricultura antecedeu o modo sedentário
de vida. No entanto, em ambos os Continentes, a mudança fundamental foi o
deslocamento das comunidades das terras altas para as terras baixas -
hábitats aluviais com maior potencial produtivo - tornando efetivamente
acessíveis novos nichos para o desenvolvimento da espécie humana.

Segundo Smith (1995), a transformação agrícola teve uma série de


origens isoladas e independentes, envolvendo diferentes épocas, povos e
locais em todo o mundo, e uma ampla variedade espécies de plantas e
animais. Apesar dessas diferenças, as origens se sucederam de maneiras
semelhantes em resposta a motivações similares. Entre as motivações, Smith
inclui os esforços empregados pelas sociedades de coletores-caçadores em
aumentar a contribuição econômica e restabelecer uma ou mais espécies, das
quais essas sociedades dependiam para sua sobrevivência, reduzindo,
conseqüentemente, riscos e incertezas.

Por muito tempo, historiadores e arqueólogos consideraram que a


produção agrícola e a criação de animais surgiram no final da “Idade do Gelo”

2
Continentes europeu, asiático e africano, anteriormente conhecidos antes da descoberta das
Américas, no século XV.
3
O Continente americano.
B4

ou, mais precisamente no início do Holoceno4, em pequenas comunidades


situadas no Crescente Fértil, onde coletores-caçadores passaram a cultivar seu
próprio alimento em um processo relativamente rápido impulsionado por
mudanças climáticas, como sugeriu Childe, ou por um severo cataclismo
climático ocorrido no final do Pleistoceno5, chamado de "Younger Dryas",
ocorrido entre 13 mil e 11,5 mil anos atrás (BAR-YOSEF & BELFER-COHEN,
1989).

Segundo Smith (1995), evidências mais recentes mostram que o clima


no Pleistoceno foi muito mais instável que se supunha e que o final da última
glaciação foi um período de grande instabilidade. O "Younger Dryas" teria
então sido uma reversão repentina das condições glaciais, seguida por
condições mais moderadas de um clima relativamente frio e seco. Essa
estabilidade pode ter sido um fator preponderante para explicar por que a
domesticação teria surgido "simultaneamente" em diferentes partes do mundo
(CAVALLI-SFORZA, 1996 citado por HARRIS, 1997), em contradição às
teorias da "Pressão Populacional" e "Crise Alimentar", concebida por Cohen,
em 1977, e à teoria da intensificação da “intimidade” humana ao meio
ambiente, proposta por Braidwood.

As condições desfavoráveis propiciadas pelas mudanças climáticas,


mesmo que temporárias, podem ter compelido as populações humanas a
cultivar espécies, anteriormente coletadas, em locais adequados ao aumento
da produção. Quando as condições climáticas melhoraram, o novo modo de
sobrevivência estava apto a se expandir.

As variedades de plantas em domesticação, originárias das terras altas,


foram levadas de seu local de ocorrência natural (Centro de Origem), onde
havia maior competição com outras espécies, para planícies aluviais, onde os
hábitats eram minimamente alterados para evitar competição com as demais
espécies. Esses ecossistemas puderam proporcionar altas produtividades, face
à fertilidade natural desses solos, com maior teor de umidade e nutrientes. A

4
Atual período geológico interglaciário iniciado com o recuo das grandes geleiras há,
aproximadamente, 10 mil anos, o que propiciou um clima global quente e úmido.
5
Período geológico compreendido entre 126 mil e 11,5 mil anos atrás, precede o Holoceno.
B5

pressão competitiva nas terras altas foi, então, compensada pela oportunidade
das terras baixas. Assim surgiram os primeiros agroecossistemas.

A agricultura teve um longo processo de desenvolvimento (SMITH,


1995). No entanto, Sheratt (1997) esclarece que, na origem da agricultura, as
formas que puderam se expandir eram pontuais e explosivas. Elas se
dispersaram pelo Velho Mundo e sobrepujaram outros centros independentes,
que não tiveram tempo de se desenvolver. No Novo Mundo, os centros
independentes de produção de alimentos estavam mais atrasados no seu
desenvolvimento, devido ao isolamento geográfico, possibilitando, assim, que
espécies endógenas fossem domesticadas e se desenvolvessem. Portanto, a
agricultura, uma vez descoberta, não permitiu o retorno à vida nômade dos
coletores-caçadores.

A diversidade de espécies selvagens de vegetais e animais no mesmo


Centro de Origem - o Crescente Fértil e proximidades - possibilitou que os
primeiros fazendeiros dispusessem de espécies básicas que fornecessem:
alimentos (proteínas, carboidratos, leite, óleo), animais para tração e
transporte, e fibras de origem animal e vegetal (DIAMOND, 1997). Estudos de
Heun et al. (1997) corroboram essa teoria. Segundo estes pesquisadores, a
transição das linhagens selvagens de trigo originárias das montanhas do
Sudeste da Turquia para as linhagens domesticadas foi fácil e rápida.
Possivelmente, outras culturas vegetais da região do Crescente Fértil e das
proximidades tiveram o mesmo processo relativamente rápido de
domesticação, porém com características importantes para o sucesso dos
primeiros agricultores, entre elas: sementes maiores, mais pesadas, com
resistência à senescência6, em relação às linhagens ou espécies selvagens.

Do Crescente Fértil, as espécies domesticadas rapidamente se


difundiram para outras regiões, graças à maior produtividade. Além disso, a
expansão foi acelerada pela distribuição do grande Continente eurasiático no
eixo leste-oeste, permitindo que as espécies domesticadas, assim como os
fazendeiros-colonizadores, se adaptassem mais facilmente em decorrência da
diferença climática pouco marcante entre as regiões. A dispersão das espécies

6
Neste caso, as sementes, quando maduras, se desprendem facilmente do cacho.
B6

domesticadas foi tão incisiva, que não possibilitou que domesticações


independentes se desenvolvessem em outros locais.

De maneira distinta, a expansão da produção de alimentos nas


Américas, na África e no Subcontinente indiano se manifestou de forma mais
lenta, desfavorecida pela orientação norte-sul desses Continentes (DIAMOND,
1997). A distribuição geográfica na direção dos pólos acarreta maior
variabilidade de climas. Diante disso, a adaptação e dispersão de linhagens
domesticadas de uma determinada região para outra foram prejudicadas. Por
essa razão, as diferenças de latitude nas Américas acarretaram uma lenta
adaptação de espécies domesticadas, mas possibilitou, em contrapartida,
domesticações independentes das mesmas espécies em diferentes áreas.

No Crescente Fértil, a transição das espécies selvagens para espécies


domesticadas, promovidas intencionalmente ou não, demandou poucas
mudanças genéticas, mas, em pouco tempo, resultou em linhagens
fenotipicamente mais atraentes e promissoras para os primeiros agricultores
dessa região (HEUN et al., 1997). No entanto, a domesticação do milho,
principal cereal dos povos do Novo Mundo requereu, a partir de seu ancestral
selvagem, o teosinto, uma série de mudanças biológicas muito mais drásticas e
demoradas. Esta seqüência de domesticação pode explicar, segundo Diamond
(1997), por que antigas sociedades agrárias surgiram muito mais cedo e,
conseqüentemente, se desenvolveram mais rapidamente no Oriente Médio do
que nas Américas. A teoria de Diamond (1997), das origens e disseminação da
agricultura, é contestada por alguns pesquisadores.

Segundo Richerson et al., (2001), a agricultura não era uma atividade


possível durante o último período glacial. Este período foi caracterizado por
variações climáticas de grande amplitude (em escala de tempo variando de
uma década a menos de mil anos), baixos níveis de dióxido de carbono
atmosférico7 e climas predominantemente secos. Nestas condições, a
subsistência humana, baseada na agricultura, não evoluiria. Além disso,
segundo os mesmos autores, a evolução de sistemas de subsistência é
7
Composto químico absorvido pelas plantas verdes no processo da fotossíntese. A
concentração de CO2 é um fator limitante: até certo ponto, quanto maior a concentração de gás
carbônico, maior a produção de fotossintetizados.
B7

relativamente mais vagarosa quando baseada no uso especializado de


recursos vegetais. Segundo Richerson et al. (2001), no longo prazo, a
agricultura foi muito propícia no Holoceno. Neste período, os climas terrestres
ficaram mais quentes e úmidos. A diminuição da variabilidade climática, a
elevação dos níveis de CO2 atmosférico e a intensificação da pluviosidade
mudaram abruptamente o cenário, tornando a agricultura possível na maioria
dos lugares.

Os coletores-caçadores tinham uma grande familiaridade com os


ancestrais das espécies domesticadas, e assim que o clima melhorou, o nível
de intensificação no sistema produtivo acelerou, como no Oriente Médio. No
entanto, o desenvolvimento dos sistemas agrários de subsistência levou
milhares de anos. No sítio arqueológico de Jarmo, as evidências mostram que,
possivelmente, do modo de vida dos coletores-caçadores até aos primeiros
agricultores, se passaram 4 mil a 2 mil anos. Nem todos os casos de
familiaridade e uso das resultaram na agricultura. Como exemplo, cita-se o
atraso da intensificação dos aborígenes australianos.

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