Resumo
Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise sobre a ideologia de
gênero como estratégia discursiva de disputa política, sendo uma proposição
conservadora, em termos de políticas sexuais, e de oposição às políticas impul-
sionadas pelos movimentos LGBT e feministas. Para a construção dessa análise,
foi realizado um amplo levantamento bibliográfico e documental, possibilitando
a esquematização de uma genealogia desse conceito, assim como a sinteti-
zação de seus principais desencadeamentos políticos. É importante ressaltar
que essa análise se faz vinculada a uma leitura panorâmica do cenário político
nacional, compreendido como marcado pela reorganização e eventual avanço
do conservadorismo e das direitas políticas.
Palavras-chave: ideologia de gênero, conservadorismo, políticas sexuais,
democracia
Introdução
1 Como a nota da Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) considera a
aprovação da “ideologia de gênero” em Planos Municipais de Educação (SCHERER; SILVA; SCARA-
MUSSA, 2015).
2 Trecho da nota escrita pelo Cardeal Orani João Tempesta (2015), Arcebispo Metropolitano do Rio de
Janeiro.
4 Há traduções desse texto para o português, como em: http://goo.gl/jbldEQ. O texto também circula
de forma equivocada, sobre o nome “A ideologia de gênero: seus perigos e alcances” e com autoria
da “Conferência Episcopal Peruana (http://goo.gl/iHSfpp).
5 A Universidade de Navarra é vinculada à Opus Dei, uma corrente da Igreja Católica. Lembrando que
em dezembro de 2008, o Papa Benedicto XVI apontava os perigos da palavra “gênero”, em discurso
para a Cúria Romana.
Rousseff (PT) do cargo – além de uma crise econômica nacional, agravada pelo
cenário de crise internacional. No Brasil, a ofensiva da ideologia de gênero
tomou proporções aterradoras, com a realização de manifestações populares
conservadoras em diversas câmaras de vereadores e assembleias legislativas
para a aprovação de leis contrárias à “ideologia de gênero”. Apesar da oposi-
ção dos movimentos feministas e LGBT em muitas dessas sessões legislativas,
o cenário geral foi de retrocesso nas políticas sexuais, seja pela retirada da
menção à “gênero” e “orientação sexual” dos projetos legislativos, ou pela apro-
vação de leis assumidamente repressoras. O momento mais marcante se deu
com os protestos pela retirada da “ideologia de gênero” dos Planos Municipais
e Estaduais de Educação, que lotaram as casas legislativas em todo o país, no
ano de 20158.
Logo no início do primeiro mandato de Dilma (2011-2014) tivemos o pri-
meiro levante conservador contra uma política LGBT, por meio de campanhas
nas redes virtuais e denúncias nas casas legislativas, desencadeando o cance-
lamento da distribuição dos materiais do Escola Sem Homofobia, fazendo o
Governo Federal recuar a ponto de dizer que “não faz propaganda de opções
sexuais”. Em seguida, em 2013, o pastor ultraconservador, Deputado Federal
Marco Feliciano (PSC/SP), vinculado a Assembleia de Deus, assume a presidên-
cia da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), desencadeando uma
onda de protestos em todo o país, produzindo sérios atritos entre o Governo
Federal e sua base política evangélica. Naquele momento não havia ideologia
de gênero, entretanto o acirramento do antagonismo entre as lideranças cristãs,
principalmente conservadoras, e o campo político à esquerda já era um dado9.
O conservadorismo cristão, fortemente alinhado com o liberalismo econô-
mico, se tornou um dos alicerces do processo de impeachment da presidenta,
visto para a direta política como um símbolo da derrocada das políticas de
esquerda: do “marxismo cultural”, da “ideologia de gênero”, da “ditadura gay”,
da “doutrinação comunista”. Como apresenta Flávia Biroli (2015), o avanço da
ideologia de gênero em nossa sociedade, em sua essência, é uma ameaça à
8 Ao menos dez Estados retiraram a “ideologia de gênero” dos Planos Estaduais de Educação (PEE), e
um número muito maior de munícipios fizeram o mesmo em seus planos municipais (PME).
9 Algumas figuras emblemáticas do conservadorismo cristão eram antes da base política de sustenta-
ção do Governo do PT, como Marco Feliciano (PSC/SP) e Eduardo Cunha (PMDB/RJ).
Conclusão
Referências
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