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Filiado à CUT/FENAJUFE

Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Ano XVIII - nº 68


e do Ministério Público da União no DF Ago/Set de 2010

A A MULHER
TR
LÊNCIA CON
VIO

É hora
de dizer
BASTA
Desprotegidas pelo Estado e pela
Justiça, brasileiras são assassinadas
pelo simples fato de não querer reatar
um relacionamento. A cada duas horas
uma mulher é morta pelas mãos do
marido, namorado ou ex. A violência de
gênero é agravada pela impunidade e
cultura patriarcal arraigada
Alcides Diniz:
governo não pode
se recusar a incluir
PCCR na LOA

STF encaminha
ofícios ao MPOG
sobre reajuste
dos servidores

Esforço concentrado
pelo PL 6697

STM atende
solicitação do Sindjus
e reconsidera corte
de ponto

Ayres Britto (STF)


indefere liminar em
reclamação da União
sobre greve

Acionado pelo
sindicato, STJ
impede corte de
ponto de
grevistas do TST

Informação é tudo.
Consulte nosso site.
ARTE EM BRASÍLIA

SUSANA DOBAL

Esta obra faz parte do ensaio Vozes em New York, onde Susana busca “uma apreensão da paisagem urbana através das
vozes alheias”. Em suas andanças pela cidade ela anotou trechos de conversas de pessoas desconhecidas, imprimiu as frases e
as fotografou em diferentes cenários. “A rua foi sempre um tema presente na história da fotografia; esse ensaio dialoga com
essa tradição sem revelar as coisas em si, apenas devolvendo às ruas as vozes ouvidas aqui e acolá”, explica a artista.

Susana Dobal é professora da Universidade de Brasília, com mestrado, doutorado e pós-doutorado em fotografia (respectivamente na
New York University; CUNY/Graduate Center e Université Paris 8). Participou de mais de trinta exposições fotográficas; as mais
recentes foram em Buenos Aires, na Argentina (Galeria Arte x Arte, 2008), e em Nice, na França (Galerie Christian Depardieu, 2009).

Edição:
www.sindjusdf.org.br Usha Velasco (DRT-DF 954/99)
Reportagem:
Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do MPU no DF Antônio Carlos Queiroz
SDS, Ed. Venâncio V, s. 108 a 114, Brasília-DF, 70393-900 • (61) 3212-2613 Luísa Molina
Thais Assunção
Valéria de Velasco
Coordenadores-Gerais Marília Guedes de Albuquerque Colaboradores:
Ana Paula Barbosa Cusinato Newton José Cunha Brum José Geraldo de Sousa Junior
Berilo José Leão Neto Coordenadores de Formação TT Catalão
Coordenadores e Relações Sindicais Yuri Matsumoto Macedo e
BILLY ALEXANDER/STILLSEARC

de Administração José Joventino Pereira de Sousa André Luis Macedo


e Finanças Antônio José Oliveira Silva Revisão: Ana Paula Barbosa Cusinato
Cledo de Oliveira Vieira Eliane do Socorro Alves da Silva
Projeto gráfico e arte: Usha Velasco
Jailton Mangueira Assis Coordenadores de
Raimundo Nonato da Silva Tiragem: 15.000 exemplares
Comunicação, Cultura e Lazer
Coordenadores de Assuntos Sheila Tinoco Oliveira Fonseca Contato comercial: Julliane Dourado
Jurídicos e Trabalhistas Maria Angélica Portela Fones: (61) 8485-9959 - (61) 3037-9761
José Oliveira Silva Valdir Nunes Ferreira SCS Q. 2, Ed. Goiás, s. 314 - Cep.: 70.302-000
OPINIÃO

Autonomia universitária
N o último dia 19 de julho escreveu-se mais um sig-
nificativo avanço para a educação e a gestão uni-
versitária: reunido pela oitava vez desde que iniciou o
a necessidade de um entendimento da autonomia na
sua dimensão constitucional. As autonomias financei-
ra e patrimonial, administrativa e didático-científica não
seu primeiro mandato com os reitores de universida- podem ser consideradas apenas no seu âmbito formal
des púbicas federais de todo país, hoje atualmente 58 e esses pontos precisam ser retomados no bojo de uma
instituições, o presidente da República assinou um con- lei orgânica das universidades públicas federais.
junto de atos, três decretos e uma medida provisória Dito de outra forma, para que a universidade possa
que aumentam a liberdade financeira e administrativa desenvolver todo o seu potencial educador é preciso no-
das instituições de ensino superior públicas. É uma res- tar que o processo de autonomização extrapola os limi-
posta a antiga reivindicação por autonomia universi- tes legais e diz respeito também ao âmbito simbólico,
tária, tema que, de 1911 a 1988, já se fez presente em dos valores que orientam as práticas dos sujeitos que
ARTHUR MONTEIRO

cinco Constituições Federais, além de inúmeros decre- participam do espaço de reprodução da instituição. Tan-
tos e medidas, tornando-se uma bandeira da luta pela to dentro como fora da comunidade acadêmica, de ma-
qualidade no ensino. neira complementar à reforma das articulações burocrá-
As novas regras visam permitir que a universidade ticas, é necessário revisar a própria função da universi-
José Geraldo de cumpra melhor seus objetivos do tríplice ideal de ensi- dade. Não se pode perder de vista que o seu fim último
Sousa Junior no, pesquisa, extensão e de formação cidadã, através seja servir não só ao conhecimento, mas também à soci-
Reitor da Universidade de de uma gestão mais racional de pessoas, recursos e edade, e, sendo assim, somente uma administração co-
Brasília, professor da Faculdade processos. Para o quadro técnico-administrativo, passa letiva dos recursos pode levar a uma real emancipação
de Direito e coordenador do a ser autorizada a reposição automática, diminuindo a da instituição e dos sujeitos que a compõem.
projeto O Direito Achado na Rua ociosidade das vagas, que não precisam mais esperar a
liberação de concursos pelos ministérios de Planejamento A autorregulação é uma das mais importantes
e Educação. As fundações de apoio também têm escla- ferramentas que a prerrogativa da autonomia assegu-
recido o seu papel no contexto das universidades, com ra às universidades, porque oferece a estas a possibili-
a regulamentação de vínculos, que possibilita que se- dade de afirmação coletiva de sua identidade instituci-
“A autorregulação jam mais facilmente recadastradas. onal. Um modelo eficiente de gestão só pode existir,
nesses termos, a partir de procedimentos de controle
é uma das mais
Uma importante medida tem relação com o participativos.
importantes auxílio financeiro a estudantes em situação de vulne- A transparência, antes da eficiência, deve ser um
ferramentas que a rabilidade social: o Programa Nacional de Assistência pilar da construção da autonomia universitária, e a fis-
prerrogativa da Estudantil estabelece regras que garantem o repasse calização dos resultados deve ser acessível a todos. É
autonomia assegura de recursos. No que se refere a licitações para gastos por essa razão que a atual gestão da UnB adotou em
com pesquisa, além do preço dos produtos, o potenci- seu programa a utilização de mecanismos de gestão
às universidades. al de fomento ao desenvolvimento nacional também compartilhada e quer agora avançar para a construção
Um modelo eficiente será critério de decisão do processo licitatório, uma de um modelo de orçamento participativo, como ferra-
de gestão só pode vez que produtos manufaturados e serviços que aten- menta administrativa de caráter emancipatório. É um
existir, nesses dam a normas técnicas brasileiras podem ter preferên- mecanismo através do qual uma população contribui
cia, desde que não ultrapassem 25% do valor dos pro- para a tomada de decisões sobre o destino de uma
termos, a partir dutos estrangeiros na mesma categoria. parte ou de todos os recursos públicos disponíveis.
de procedimentos O novo marco regulatório também permite maior
de controle agilidade para a utilização dos recursos financeiros: o Esta é uma proposta de gestão que combi-
participativos” orçamento repassado pelo governo federal poderá ser na a democracia representativa e a democracia direta:
remanejado entre diferentes rubricas e, também, de um de simples votantes, que permitem a continuidade da
exercício fiscal para outro. Até então, o dinheiro que não política tradicional, os membros ativos da comunida-
era gasto voltava para o caixa do governo federal. de, inclusive universitária, passam a ser protagonistas
permanentes na administração pública. E os resulta-
É inestimável a importância dessas refor- dos da abertura desse diálogo são claros. Além de con-
mas. É preciso, contudo, fazer uma distinção: esses tribuir para o aprofundamento do exercício da demo-
O pró-labore de José Geraldo avanços dizem respeito apenas a uma dimensão ope- cracia na relação entre os cidadãos e o poder público,
para este artigo é doado
racional do processo de autonomização das universi- significa ainda uma modernização da administração pú-
mensalmente à campanha de
voluntariado Eu Doo Talento dades, ao passo que os aspectos conceituais e políti- blica, uma ordenação das prioridades sociais e a pro-
(veja em www.sindjusdf.org.br) cos ainda não foram trabalhados. Deve-se contemplar moção de justiça social.

4 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


ENTREVISTA
TONINHO DO DIAP

Toninho: o prazo é curto,


mas a aprovação dos PLs é
“perfeitamente factível”

CARLOS ALVES
Os caminhos do
O analista político Antônio Augusto de Queiroz – conhecido como Toninho do DIAP –
PCCR
assessorou o Sindjus na conquista dos dois planos de carreira anteriores, os PCSs de 2002
e de 2006. Jornalista e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar, ele explica, nesta entrevista, o processo de tramitação do PCCR
no Congresso Nacional e os passos que estão sendo dados para garantir a sua aprovação

Thais Assunção tares para incluir a votação dos dois pro- zos fixados na Lei de Responsabilidade Fis-
jetos de lei na agenda do Congresso. cal e na LDO. Então, a rubrica com a previ-
O PCCR vai sair ainda este ano, O ministro do Planejamento não são orçamentária ainda pode ser feita, tan-
conforme o acordo do STF com Lula? incluiu a rubrica do PCCR na projeto to por solicitação do Poder Executivo quan-
Estamos em um momento delicado, da Lei Orçamentária de 2011. Qual a to por emenda de parlamentares.
por força da eleição presidencial. Houve o consequência disso para a aprova-
apelo do presidente Lula para que se dei- ção dos reajustes dos servidores do E se o orçamento for aprovado
xe para votar o PCCR depois da eleição. É Judiciário e do Ministério Público? sem prever recursos para o reajuste
um prazo curto, mas é perfeitamente fac- O prazo para enviar a Lei Orçamentária dos servidores? Ainda seria possível
tível trabalhar com esse calendário para a ao Congresso terminou no dia 31 de agos- implementar o PCCR em 2011?
aprovação em 2010, em novembro e de- to, mas isso não quer dizer que a previsão Sim, ainda seria possível. Mas o pro-
zembro, que são os meses restantes da atu- de recursos para o reajuste não possa mais cesso seria mais complexo. Nesse caso,
al legislatura. O maior obstáculo a ser su- ser feita. Isso porque os projetos de lei rela- dependeria do Poder Executivo propor uma
perado é a previsão da questão orçamen- tivos às carreiras do Judiciário e do Minis- alteração na LDO e enviar crédito suple-
tária. No mais, o trabalho resume-se num tério Público (PLs 6613 e 6697) foram en- mentar para o reajuste. Somente depois
esforço de convencimento dos parlamen- caminhados ao Congresso dentro dos pra- disso os PLs 6613 e 6697 seriam aprova-

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 5


ENTREVISTA
TONINHO DO DIAP

dos. Por isso, o melhor é resolver a ques- gação do Judiciário e do MPU, por exem- politicamente falando?
tão ainda durante a tramitação da LOA, plo, era encaminhar até o dia 12 de agosto Temos que ver os dois lados dessa
antes de sua aprovação na Comissão Mis- deste ano uma previsão de recursos dentro questão. O presidente Lula pediu que o
ta, porque, durante esse período, o gover- da sua proposta orçamentária para a im- PCCR fosse deixado para depois das elei-
no ainda pode enviar uma mensagem pe- plementação do PCCR, cujo projeto de lei ções, e a razão disso é clara. Na véspera
dindo a criação da rubrica e alocando re- foi entregue ao Congresso em dezembro de das eleições presidenciais, o governo não
cursos para o PCCR. 2009. E isso foi feito, antes do prazo limite, quer assumir o ônus de bancar claramen-
tanto pelo STF quanto pela PGR. O Poder te o reajuste salarial de uma categoria nu-
E qual é o papel do Sindjus nes- Executivo tinha do dia 12 de agosto ao dia merosa como a dos servidores da Justiça.
se processo? 31 agosto para sistematizar estes projetos Lógico que isso poderia ser usado contra
Desde antes do envio da LOA ao Con- e encaminhá-los ao Congresso, dentro do ele na campanha eleitoral. Por isso todos
gresso o Sindicato já estava pressionando orçamento geral da União. concordamos em esperar, por isso a greve
tanto o STF quanto o governo a cumprirem acabou, assim que o STF e o governo en-
o acordo que pôs fim à greve, ou seja, a cri- Mas o PL 6613 já teve seus recur- traram em acordo.
arem as condições necessárias para a apro- sos incluídos na Lei de Diretrizes Or- Por outro lado, agora esse acordo tem
vação do PCCR logo após as eleições e à çamentárias, não teve? que ser cumprido. Quando o Poder Execu-
implementação do reajuste em 2011. Vamos O projeto foi previsto na LDO de uma tivo se recusa a cumprir a determinação
exigir que as promessas feitas aos mais de forma genérica, com reserva de recursos dos órgãos de outros Poderes, que têm au-
cem mil servidores sejam cumpridas à risca. para despesas permanentes. No anexo da tonomia administrativa e financeira, então
Além disso, também vamos agilizar o pro- LOA, que tem que ser enviado até 31 de se estabelece um conflito de competênci-
cesso elaborando as emendas necessárias agosto, precisaria constar a rubrica espe- as, uma situação de invasão de competên-
para garantir a rubrica e os recursos. cífica do novo plano de carreira. cias, de quebra de prerrogativas. Isso é ex-
tremamente sério. Portanto, o Executivo
Como assessor parlamentar, qual O governo não cumpriu sua par- terá que alterar a previsão orçamentária.
o seu papel junto ao Sindjus no tra- te no acordo, ao não incluir essa ru- Há dois compromissos a cumprir aí: a
balho de acompanhamento do brica. Quais as consequências disso, Constituição, que determina a autonomia
PCCR?
Minha parceria com o Sindicato já é
CARLOS ALVES

antiga. Data dos dois PCSs anteriores. Meu


papel é ajudar a montar estratégias dire-
cionadas às ações que devem ser feitas
junto ao Legislativo, o Judiciário e o Exe-
cutivo para viabilizar a aprovação do pla-
no de carreira, dentro daquilo que foi con-
cebido pelos servidores do Judiciário e do
MPU. O objetivo é exatamente criar estra-
tégias para viabilizar as condições de apro-
vação dessas matérias no Congresso.

Quais são os passos a serem se-


guidos para a aprovação do plano
de carreira, tanto antes das eleições
quanto depois?
Nós temos prazos constitucionais e le-
gais que precisam ser observados. A obri-

‘‘ Houve o apelo do presidente Lula


para que se deixe para votar o PCCR
depois da eleição. É um prazo curto, mas
é perfeitamente factível trabalhar com
esse calendário para a aprovação em

‘‘
2010, em novembro e dezembro

6 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


administrativa, orçamentária e financeira nistério Público em relação a isso. Não há
‘‘ Na véspera da eleição
o governo não quer assumir
o ônus do reajuste de uma
categoria numerosa como
dos Poderes, e a palavra do presidente da razão plausível para qualquer descumpri- a da Justiça. Lógico que isso
República de que precisaríamos apenas es- mento desse compromisso.
poderia ser usado contra ele
perar as eleições.
Se foram aprovados vários au- na campanha eleitoral. Por
Estamos no caminho certo para mentos salariais no Executivo e no isso concordamos em esperar.
a aprovação do novo plano? Legislativo, por que essa dificulda- Por outro lado, o acordo tem
Sim, estamos trabalhando forte. O de com o PCCR do Judiciário e do que ser cumprido. Quando
Sindjus vem se movimentando com mui- MPU? o Executivo se recusar
ta agilidade desde o início desse proces- No caso do Judiciário, onde o quanti- a cumprir a determinação
so, há mais de dois anos. Começou com tativo de servidores supera o patamar de
as discussões promovidas junto à cate- 100 mil pessoas, há o impacto dos núme-
de outros Poderes, que têm
goria, com uma ampla consulta. Passou ros. O reajuste individualmente é peque- autonomia administrativa
pela elaboração do anteprojeto no âmbi- no, mas no conjunto é representativo. Isso e financeira, então se
to do Poder Judiciário e do Ministério Pú- faz com o que o Executivo resista, e muito, estabelece uma situação de
blico. E passou também pela difícil fase a apoiar ou incentivar esse tipo de reestru- invasão de competências.

‘‘
posterior à conclusão dos projetos de lei, turação salarial dos servidores. No caso do Isso é extremamente sério
que foi o trabalho de pressão e de con- Poder Executivo, a reestruturação é feita
vencimento para que o então presidente carreira por carreira, separadamente ou até
do STF, Gilmar Mendes, e o procurador- mesmo por cargos. Assim, o impacto não
geral da República, Roberto Gurgel, en- chega a ser significativo isoladamente, em pela PGR, não há porque o Congresso e a
caminhassem os PLs ao Congresso ainda cada carreira. O Judiciário é uma carreira bancada governista criarem dificuldades
a tempo de implementar o novo plano de única envolvendo mais de 100 mil servi- para a aprovação dessa proposição.
carreira em 2010. dores, por isso sempre vai haver esse tipo
Infelizmente isso não foi feito; foi pre- de resistência por parte do governo. Mas Como é o processo de aprovação
ciso uma longa greve e muita pressão por os servidores do Judiciário e do MPU não de um projeto de lei?
parte dos servidores e do sindicato para podem ser punidos porque o reajuste tem O Congresso Nacional primeiro tem
que os projetos fossem encaminhados, já um impacto X ou Y, maior ou menor do que levar em conta aspectos técnicos, ou
em dezembro. Mas, com muita negocia- que outras carreiras isoladamente. Temos seja, para aprovar um projeto tem que ha-
ção política, o Sindjus conseguiu que os que lembrar os serviços que esses servido- ver previsão orçamentária do impacto fi-
dirigentes do Judiciário firmassem o com- res prestam à nação, ao Estado brasileiro nanceiro, previsão dos recursos, de onde
promisso pela aprovação do PCCR em e até ao Executivo, encaminhando e jul- irá sair o dinheiro, todos esses dados. De-
2010. E o sindicato tem cobrado esse com- gando causas das mais diversas dimensões pois disso há a decisão política. O parla-
promisso de forma reiterada, tanto que o e proporcionando a segurança jurídica e o mento tem quase vinte partidos represen-
Judiciário previu, na sua proposta orça- equilíbrio das finanças públicas. Se há uma tados, com visões distintas. Um partido ou
mentária, os recursos para implementação carreira exclusiva de Estado e que merece um parlamentar individualmente pode cri-
do reajuste salarial dos servidores. todo o cuidado, essa carreira é a do Judici- ar dificuldades para o andamento de de-
Não há mais nenhuma razão para ele ário e do Ministério Público. terminadas proposições. Então, esse é um
não ser implantado a partir de 2011, es- processo muito complexo. Tem que se che-
pecialmente porque outros órgãos já apro- Na sua avaliação, a bancada do gar a um consenso mínimo capaz de reu-
varam seus planos de carreira. Foi o caso governo dificultou a tramitação dos nir a maioria. Tem que se aproveitar a pau-
do Tribunal de Contas da União, do Sena- projetos de lei do PCCR? ta desbloqueada também, que é outro pro-
do e da Câmara dos Deputados. Nós só Bom, a bancada do governo segue a blema comum no Congresso para a apro-
temos cinco instituições com prerrogativa orientação do Poder Executivo, que, como vação de matérias. É por isso que, na mai-
de iniciativa parlamentar própria nessa ma- já conversamos aqui, tem uma enorme re- oria das vezes, esses tipos de projeto são
téria: o Poder Executivo, o Poder Legislati- sistência a projetos com a dimensão do aprovados em regime de urgência do Ple-
vo, o Poder Judiciário (por intermédio do novo plano de carreira. Então, claro que nário, aprovados pelos parlamentares exa-
Supremo Tribunal Federal e dos tribunais eles vão fazer o possível e o impossível para tamente porque o engarrafamento de pro-
superiores), o Tribunal de Contas da União retardar a aprovação desse tipo de prepo- jetos de lei e as dificuldades são tantas
e o Ministério Público. Todas elas já fize- sição, exatamente para economizar nas que só esse caminho pode acelerar a tra-
ram a reestruturação remuneratória dos suas despesas de natureza permanente. mitação. É um trabalho demorado, é pre-
seus servidores, menos o Judiciário e o Mas esse retardamento não pode continu- ciso conversar com cada líder, vices-líde-
MPU. Então os servidores estão defasados ar indefinidamente, porque isso pode ge- res, parlamentares com influência... É pre-
em relação a esses outros Poderes. A atu- rar um conflito de poderes. O Executivo não ciso sensibilizá-los em relação à questão,
alização precisa ser feita e há um compro- pode simplesmente recusar. Uma vez feita no caso a oportunidade e a justiça do rea-
misso dos dirigentes do Judiciário e do Mi- a previsão orçamentária pelo Supremo e juste dos servidores.

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 7


SOCIEDADE

Vítimas
do atraso e do machismo
A cada duas horas uma brasileira é
assassinada pelas mãos do marido, namorado
ou ex. Impunidade, vista grossa ante a lei,
justiça lenta, preconceito e cultura patriarcal
arraigada acirram a violência de gênero

8 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


Valéria de Velasco gorro vermelho e a atitude lhe renderam, são lideradas pelo Espírito Santo, onde a
entre as pessoas carentes que ganhavam média de mulheres assassinadas é superi-
De tudo, ao meu amor serei atento o seu carinho, o apelido de Mamãe Noel, or ao índice nacional e 20 vezes maior do
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto que Grace carregava com orgulho. que o padrão registrado na Europa: 10,3,
Que mesmo em face do maior encanto A estudante de 20 anos com nome de seguido por Roraima, com 9,6, e Alagoas,
Dele se encante mais meu pensamento artista tinha conseguido conquistas impor- com 6,8. Também acima da média nacio-
tantes naquele ano de 2002. Passou no nal, o Distrito Federal, onde JK fincou a

B ela como a atriz de Hollywood que


inspirou seu nome, e que na década
de 1950 virou princesa em Mônaco, a jo-
vestibular para Direito em uma faculdade
da capital federal. Foi aprovada também
no trabalho, onde tirava de letra a função
proposta de uma nova civilização e Grace
Kelly enterrou os seus sonhos, ocupa o sé-
timo lugar no triste ranking, com 5,3, se-
vem brasiliense Grace Kelly Silva Souza so- de demonstradora de produtos de beleza. guido do Rio de Janeiro, com 5,1.
nhava com o amor zeloso e atento que Vi- Mas a paz que ela tanto prezava começou A pesquisa mostra o estado de São Pau-
nicius de Moraes simbolizou no Soneto da a lhe escapar de forma incontrolável após lo em 23º lugar – o quinto entre os estados
Fidelidade. O amor ao próximo ela gosta- o fim de um namoro de quatro meses com menos violentos, com 2,8. Mesmo assim,
va de demonstrar especialmente na época o ex-cabo temporário do Exército Robson um índice alto, se comparado com o da Ar-
do Natal, quando saía de Taguatinga, onde dos Santos Almeida Gomes. Inconforma- gentina, por exemplo, onde a taxa é de 1,6,
morava com a mãe, Olindina, e a irmã, Ca- do, ele insistia em reatar o relacionamen- ou da Holanda, que registra apenas 0,6.
roline, para distribuir presentes aos mais to. Ela, no entanto, não vislumbrava ali ves- Talvez porque, no Brasil, os algozes das mu-
pobres na Rodoviária do Plano Piloto. O tígios do encanto e zelo traduzidos em ver- lheres contem com um aliado especial – a
sos por Vinicius e decidiu insistir no sonho impunidade, esco-
do amor verdadeiro. Não cedeu. rada em uma legis-
21 de novembro de 2002, começo da lação que permite a INJUSTIÇA
noite: Caroline Silva tinha apenas 14 anos condenados por
de idade quando abriu a porta de casa e se crimes bárbaros O assassino de Grace Kelly
deparou com a cena a marcaria de forma passar tão pouco foi condenado a
implacável para o resto de seus dias. O cor- tempo na cadeia
po de Grace Kelly jazia no chão da sala em que saem de lá dei- 19
19 anos de reclusão, mas saiu
meio a uma enorme poça de sangue. No xando, junto à po-
peito da irmã, a menina viu o punhal crava- pulação, a sensa- da cadeia em menos de
do havia pouco tempo pelo assassino, Ro-
bson dos Santos Almeida Gomes, como res-
ção de que o crime
compensa. 5
anos. Entre 2008 e 2009,
posta às negativas da jovem em reatar um É o caso do as-
os homicídios no DF aumentaram
namoro que não a fazia feliz. No peito de sassino de Grace em 10% e os estupros em
Caroline, a dor que se instalou para sempre Kelly. Robson Al-
é a mesma que arrancou a paz dos familia-
res das 41.532 mulheres assassinadas no
meida Gomes foi
condenado, no final
50%
Brasil no período de 1997 a 2007 – uma de 2003, a 19 anos
ARQUIVO PESSOAL

vítima a cada duas horas –, de acordo com de reclusão. Mas, por conta da série de be-
o Mapa da Violência 2010, do Instituto San- nefícios que a lei garante aos homicidas
gari, traçado a partir de registros do Siste- no país, saiu da cadeia menos de cinco
ma Único de Saúde (SUS). anos depois e desfruta de uma liberdade
Quinto estudo de uma série iniciada que afronta a família da vítima, reclusa na
Olindina Silva: pelo instituto em 1998 para avaliar a evo- dor, no medo e na luta para se reerguer do
luta para se lução da violência no território nacional, o trauma. “Meu sobrinho deu de cara com
reerguer do
trauma de ver a
mapa também confirma uma tendência ele em uma festa, às 10 da noite, quando
filha Grace Kelly apontada nos levantamentos anteriores: as deveria estar na cadeia”, revolta-se a mãe
(acima) assassi- maiores vítimas são jovens como Grace da vítima, Olindina Silva. Enquanto Rob-
nada pelo ex-
namorado. Moti-
Kelly, na faixa dos 14 aos 25 anos. Os re- son e outros assassinos ganham as ruas
vo: não quis gistros colocam o Brasil no 12º lugar no antes da hora, o Mapa da Violência revela
reatar o relacio- ranking dos países que mais registram as- que os números que alçaram o DF ao séti-
namento
sassinatos de mulheres, com média mais de mo lugar no ranking da violência fatal con-
oito vezes maior que a dos países europeus, tra as mulheres acompanham a tendência
onde os índices não passam de 0,5. ascendente de crimes na capital da Repú-
A proporção se torna mais assustado- blica. Somente entre 2008 e 2009, as ocor-
ra quando se comparam os registros das rências de homicídios aumentaram 10%,
CARLOS ALVES

unidades da Federação. As mais violentas e as de estupros, 50%.

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 9


SOCIEDADE

Sem proteção do Estado dia desse mundo sem tempo de enten-


der por que partia daquela forma, sem
“Para viver um grande amor, pri- imaginar o que assistiria em seguida. ninguém do lado de fora com uma es-
meiro é preciso sagrar-se cavalheiro e Estendido no chão entre o balcão e pada para protegê-la e garantir o amor
ser de sua dama por inteiro — seja lá a porta do banheiro, o corpo da geren- cavalheiro a que julgava ter direito. No
como for. Há que fazer do corpo uma te que minutos antes se empenhava segundo ano de vigência da Lei Maria
morada onde clausure-se a mulher para que o almoço saísse a gosto do da Penha, aprovada em 2006, a bata-
amada e postar-se de fora com uma freguês se tingia rapidamente do san- lhadora caçula de nove irmãos que cri-
espada — para viver um grande gue que não parava de brotar de seu ava sozinha os três filhos foi esfaquea-
amor.” (Vinicius de Moraes) peito. Os olhos de Ana Paula pareciam da sem dó pelo ex-companheiro Mar-
15 de dezembro de 2008, 13h15. fixar o infinito enquanto ela se despe- celo Rodrigues Moreira, o homem de
Faltavam apenas dez
dias para o Natal e o cli-
CARLOS ALVES

ma era de confraterni-
zação em um simpático
e acolhedor restaurante
da Asa Norte. Com as
mesas cheias de gente
que se reunia ali para
curtir a boa comida e o
carinho de amigos e co-
legas de trabalho, a ge-
rente Ana Paula Mendes
de Moura, 33 anos, se
desdobrava entre a
atenção à clientela e as
tarefas do caixa. De re-
pente, gritos de deses-
pero e socorro levaram
o terror por entre as
mesas espalhadas ao ar
livre e as lojas vizinhas.
De dentro do pequeno
espaço entre o balcão
do caixa localizado ao
fundo do restaurante e
as portas de entrada,
correu um homem cor-
pulento vestido de pre-
to. Assustadas, as pes-
soas pensavam que se
tratava de algum segu-
rança em perseguição a
um suposto assaltante e
abriam passagem. Nin-
guém seria capaz de

Guilherme e Thais, dois dos três


filhos de Ana Paula, que agora mo-
ram com a tia Fátima (ao lado). Oito
ocorrências policiais registradas por
Ana contra o ex-marido não basta-
ram para impedir seu assassinato

10 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


preto que invadiu o restaurante confi- denunciou. Mas o Estado não agiu, é de uma clareza exemplar ao confi-
ando ter o poder de vida e morte sobre deixando o algoz da moça livre para gurar as situações de violência. Inova
a mulher que dizia amar. violar a Justiça e lhe tirar a vida. ao introduzir conceitos modernos de
Por acreditar que o apoio ao com- “É bom lembrar que a violência ge- unidade doméstica, família e relações
panheiro o ajudaria a mudar, Ana Pau- ralmente é seguida pelo ‘arrependimen- íntimas de afeto, e ao respeitar a ori-
la conviveu, durante nove anos, com to’ do agressor, o que pode justificar a entação sexual. No inciso III, assegura
idas e vindas entre agressões físicas e tolerância da vítima por anos seguidos”, a proteção “em qualquer relação ínti-
morais, separações e reconciliações. afirma o promotor de Justiça do Minis- ma de afeto, na qual o agressor convi-
Quando a violência se tornava insu- tério Público do DF Fausto Rodrigues va ou tenha convivido com a ofendi-
portável, ela recorria à polícia. Quan- de Lima. No livro Violência doméstica – da, independentemente de coabita-
do ele se dizia arrependido e ela se vulnerabilidades e desafios na interven- ção”. A juíza que analisou o pedido,
comovia, repetia para a família o sur- ção criminal e multidisciplinar, Lima lem- no entanto, optou por uma interpre-
rado argumento. “Minha irmã era uma bra que a maioria das vítimas leva pelo tação preconceituosa. Alegou não exis-
pessoa maravilhosa, alegre, não me- menos oito anos para registrar a pri- tir uma relação duradoura que justifi-
recia o que aconteceu com ela. Os fi- meira ocorrência. “Quando o fazem, é casse a proteção, violando o espírito
lhos dela sofrem muito, eu queria ser preciso que o Estado esteja preparado da lei criada exatamente para assegu-
forte para não deixar eles sofrerem, para ouvir e agir para cessar o martí- rar os direitos humanos da mulher.
mas sofro tanto quanto eles”, conta a rio”, diz ele.
técnica judiciária do Superior Tribunal A importância dessa intervenção
Militar, Maria de Fátima Mendes Mou- pode ser traduzida com apenas duas
ra, que ficou com a guarda dos três palavras: vidas salvas. Essa leitura po-
filhos da vítima. deria ter selado de outra forma o des-
Maria de Fátima acompanhou de tino de mulheres como Elisa Samudio,
perto o drama da irmã. Ela relata que que em outubro de 2009 registrou
as oito ocorrências policiais registradas queixa de agressão, ameaças, cárcere
por Ana Paula, a última, um mês antes privado e indução ao aborto contra o
de ser assassinada, apontavam crimes ex-goleiro Bruno, na polícia do Rio de
como lesões corporais, injúria, pertur- Janeiro. Apesar da violência física com-
bação da tranquilidade. Por força da Lei provada no IML, das evidências da si-
ARQUIVO PESSOAL

Maria da Penha, Ana Paula havia con- tuação de risco e da existência de uma
seguido que a Justiça proibisse Marce- vida em gestação, nada foi feito. Elisa
lo de se aproximar dela. A ordem de teve o pedido de proteção contra o seu
manter a distância mínima de 200 me- algoz negado pela Justiça carioca. Elisa Samudio poderia ter tido um destino diferente:
juíza se negou a aplicar a Lei Maria da Penha
tros, no entanto, não foi respeitada. Ela O artigo 5º da Lei Maria da Penha baseada em uma interpretação preconceituosa

Um ciclo de agressões e morte


Pesquisa da socióloga Bárbara fases. A primeira é a “de construção tra arrependimento e jura que jamais
Musumeci Soares, da Universidade da tensão no relacionamento”, com voltará a agir com violência. De acordo
Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, ocorrências de agressões verbais, ame- com os estudos de Bárbara, nessa fase
comprova a necessidade de preparo aças, crises de ciúmes, destruição de “ele será novamente o homem por quem
para que o Estado atenda as vítimas, objetos. É quando a mulher acredita a vítima se apaixonou”. O promotor cita
como sustenta o promotor Fausto que pode acalmar o agressor e sente- a pesquisa para alertar que os registros
Lima. Especialista em violência domés- se responsável pelos atos dele. policiais ou o simples relato, pela mu-
tica e de gênero e autora do livro Mu- Na segunda fase, da “explosão da lher, de violências sofridas são suficien-
lheres Invisíveis, ela revela que o ciclo violência”, a relação é marcada pelo tes para justificar uma intervenção do
em que vítimas como Ana Paula são descontrole e destruição, ficando im- Estado, pois a “lua de mel” geralmente
enredadas e conduzidas à morte vio- possível de administrar. A terceira é a dura pouco e termina quando o agres-
lenta é composto, geralmente, por três da “lua de mel”. O agressor demons- sor se sente impune.

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 11


SOCIEDADE

Elas morrem, eles riem tra as feministas. E Lins e Silva (o advoga-


do do assassino) irritou-se com a reper-
20 de agosto de 2000. A jornalista San- me que chocou o país. Uma mulher morta cussão que transformou uma ‘briga entre
dra Gomide, 32 anos, estava em um haras a covardemente, um bebê largado de mão em amantes em acontecimento nacional’,”
64 quilômetros de São Paulo quando foi sur- mão pelos assassinos, nove envolvidos in- relata a socióloga Eva Alterman Blay, pro-
preendida pelo ex-namorado, Antônio Pimen- diciados pela polícia, todos ligados ao ex- fessora da Universidade de São Paulo e co-
ta Neves, também jornalista. Levou um tiro goleiro, o homem que se recusa a fazer o ordenadora do Núcleo de Estudos da Mu-
pelas costas. Já no chão, mais um, na cabe- exame de DNA que apontaria a paternida- lher e Relações Sociais de Gênero (Nemge).
ça. Morreu no local onde o ex-todo podero- de do bebê. A ciranda é macabra, mas isso Hoje, a repercussão dos crimes violen-
so diretor do Estadão ficara de tocaia desde não impede Bruno de ostentar um sorriso tos no território democrático da internet
cedo, à espera de sua presa. Crime premedi- confiante na impunidade. ajuda a mostrar que a distância entre os
tado, por motivo torpe, sem chance de defe- Ele, Pimenta Neves e outros crimino- homens das cavernas e os agressores dos
sa à vítima. Apesar de tantas qualificadoras sos do gênero, no entanto, já não contam tempos modernos, que acreditam ser os
(condições que agravam a pena), o homem mais com o apoio escancarado do clamor senhores da vida das mulheres, ainda está
que não se conformava com o fim da rela- machista que dividiu a sociedade ante o longe de acabar – mas diminuiu. A enxur-
ção e por isso matou Sandra foi condenado assassinato de Ângela Diniz, em 1976. Si- rada de artigos e comentários a cada vio-
a apenas 19 anos de reclusão. nal de que, mesmo devagar, há mudanças. lência dá o tom da mudança. “A impuni-
Pimenta Neves deixou o Tribunal do Júri Ângela foi morta a tiros pelo companhei- dade facilita o surgimento das redes de
ostentando a mesma arrogância com que ro Doca Street, ao romper um relaciona- proteção aos agressores e enfraquece nos-
entrou, certo de que não ficaria na cadeia. mento tão curto como o que motivou o sa sensibilidade à dor das vítimas”, afir-
Não ficou e ainda conseguiu redução da assassinato de Grace Kelly em Brasília, 26 ma a antropóloga da UnB Débora Diniz,
pena para 15 anos. Institucionalizando a anos depois. O crime tornou-se um divisor em artigo que circulou na web ao analisar
impunidade e o desrespeito à vítima e à de águas nas mobilizações de repúdio à a barbárie contra Elisa Samudio.
sociedade, uma jurisprudência do STF o li- violência contra a mulher. Enquanto gru- “O sofrimento de Elisa provoca espan-
vrou de cumprir a pena até que seja julga- pos feministas reagiam com a campanha to. A surpresa pelo absurdo dessa dor tem
do o último recurso. Assassino confesso, “quem ama não mata” às tentativas da que ser capaz de nos mover para a mu-
ele continua afrontando a sociedade com defesa de jogar a vítima no banco dos réus, dança de padrões sociais injustos”, pro-
a liberdade injusta. culpando-a pelo crime que os advogados põe Débora, que atribui ao modelo patri-
22 de julho de 2010. As algemas e os tachavam de “passional, cometido sob vi- arcal uma das explicações para a violên-
gritos de “assassino” vindos de populares olenta emoção”, para engabelar o júri, im- cia. A aplicação do castigo aos agressores
não impediram o ex-goleiro Bruno de sair portantes formadores de opinião se ocu- não é suficiente para modificar os padrões
rindo do Juizado da Infância e da Juventu- pavam em atiçar o preconceito. culturais de opressão, “mas indica que mo-
de, em Contagem (MG), onde mais uma vez “Os jornalistas Paulo Francis e Tristão delo de sociedade queremos para garantir
se negou a falar às autoridades sobre o cri- de Ataíde mostraram-se indignados con- a vida das mulheres”.

QUEM AMA
NÃO MATA
A morte de Ângela Diniz,
em 1976, tornou-se um
divisor de águas no
repúdio à violência contra
a mulher. A campanha
“quem ama não mata”
mobilizou feministas, mas
a tese de “legítima defesa
da honra” garantiu a
liberdade do assassino,
que alegou se “sentir
AINDA IMPUNE traído” para justificar os
três tiros que deu à
Condenado a 19 anos de reclusão, Pimenta Neves, queima-roupa no rosto da
assassino confesso da ex-namorada em 2000, não foi namorada. Quatro anos
para a cadeia e ainda conseguiu redução da pena. depois um novo
Institucionalizando a impunidade, uma jurisprudência julgamento o condenou a
do STF o livrou de ser preso até o recurso final. 15 anos de prisão.

12 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


Caminho lento
(e tortuoso)
O movimento em defesa da vida da
mulher começou a ganhar força no Brasil
somente a partir dos anos 1970. Na mes-
ma década, entidades internacionais co-
meçaram a se mobilizar contra a violência
de gênero. As conquistas culminaram com
a Lei Maria da Penha, em 2006 – hoje pre-
judicada por uma decisão do STJ.

1975
A ONU institui oficialmente o Dia Internaci-
onal da Mulher (8 de março), para comba-
ter o discriminação e a violência de gênero.

1976
O assassinato da socialite Ângela Diniz pelo
companheiro levanta o debate em torno dos
direitos humanos da mulher. Advogados fa-
lam em “crime passional”, feministas re-
batem com “quem ama não mata”.

1979

RENATO ARAÚJO / ABR


É aprovada, em Assembleia Geral da ONU,
a Convenção da Organização das Nações
Unidas sobre a Eliminação de Todas as For-
mas de Discriminação contra a Mulher, es-
tabelecendo o compromisso de assegurar
os direitos humanos das mulheres.
MARIA, A LUTADORA – A biofarmacêutica cearense Maria da Penha
Maia Fernandes não se curvou às agressões do ex-marido, o professor
1983 universitário Marco Antonio Viveros, que tentou matá-la por duas vezes e
São Paulo cria o primeiro Conselho Esta- a deixou paraplégica. Sem conseguir justiça no país, denunciou as
dual da Condição Feminina, para comba- agressões à Organização dos Estados Americanos, que acusou o Brasil de
ter a violência contra a mulher. negligência e pressionou o governo a cumprir as convenções de erradicação
da violência contra a mulher. Assim nasceu a Lei Maria da Penha.
1984
O Brasil ratifica a Convenção da ONU so-
bre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, de 1979. 1994 2006
O Brasil assina a Convenção Interameri- Entra em vigor a Lei Maria da Penha (Lei nº
1985 cana para Prevenir, Punir e Erradicar a Vi- 11.340), determinando a criação de juiza-
São Paulo cria a primeira Delegacia de De- olência contra a Mulher. dos de Violência Doméstica e Familiar con-
fesa da Mulher do país, para assegurar tra a Mulher, medidas de proteção às víti-
atendimento adequado às vítimas. 2003 mas e punição dos agressores.
A Lei 10.778 determina a notificação com-
1993 pulsória, em todo o território nacional, dos 2007
A II Conferência Internacional sobre os casos de violência contra a mulher atendi- O CNJ determina que tribunais de todo o país
Direitos Humanos da ONU defende a igual- dos em serviços de saúde públicos ou pri- criem juizados de Violência Doméstica e Fa-
dade de condição social e os direitos hu- vados. A lei foi regulamentada no ano se- miliar contra a Mulher e recomenda capaci-
manos das mulheres, incluindo um capítu- guinte pelo Decreto 5.099, que criou nor- tação em violência de gênero aos operado-
lo com medidas para coibir a violência. mas para as notificações. res de Direito, especialmente magistrados.

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 13


SOCIEDADE

ENTREVISTA • FAUSTO RODRIGUES DE LIMA

País conservador
e falso moralista
Enfrentar a violência contra a mulher numa sociedade em
que essa prática é culturalmente legitimada pela herança
patriarcal como o Brasil não é uma tarefa simples, reconhece
o promotor de Justiça do MPDFT Fausto Rodrigues Lima. Há
13 anos atuando em questões de gênero, ele afirma que a Lei
Maria da Penha avançou, ao classificar a violência doméstica
como uma violação dos direitos humanos. Apesar disso, a
nova lei não está protegendo as vítimas. Para o promotor, isso
acontece porque a forte cultura machista impede que as
pessoas enxerguem a violência. “O sistema judicial, espelho
dessa sociedade, não raro tem se negado a aplicar a lei.”
ARQUIVO PESSOAL

Mulheres são assassinadas por paração feita pela mulher sem a aceitação poral. Não se exige mais que as vítimas,
ex-companheiros mesmo após a Jus- do parceiro. A clássica ameaça “se não fi- num esforço heróico e contrário ao senti-
tiça decretar medidas protetivas, car comigo, não ficará com mais ninguém” mento de lealdade que vige na família, au-
como a que proíbe o agressor de se é um indício claro de que o acusado é pe- torizem a investigação ou o processo. Qual-
aproximar. Por que essas vidas não rigoso. Os tão propalados crimes passio- quer pessoa pode denunciar e o Estado é
são preservadas? A lei é falha? nais são na verdade crimes de ódio, em obrigado a punir o culpado, mesmo que
As medidas protetivas são eficazes em que um dos parceiros, geralmente o ma- as vítimas não queiram ou tenham se re-
muitos casos, mas não funcionam isola- cho, se considera proprietário de um obje- conciliado com o agressor. Essa medida
damente. A Lei Maria da Penha prevê três to. Eliminar o outro é a forma de dizer que visa tranquilizar as vítimas e os próprios
mecanismos que devem ser aplicados pre- ele é que manda. agressores, para que eles não se sintam
ferencialmente em conjunto: medidas pro- Num país em que dez mulheres são motivados a se vingar daquelas.
tetivas, inclusive a prisão; a punição, com mortas por dia, não é possível esperar o
o processo obrigatório e a condenação dos assassinato para se decretar a prisão. Num A Lei determina a criação de ca-
culpados; e a prevenção, com a orienta- caso em Belo Horizonte em que câmaras sas abrigo para receber mulheres
ção por equipes multidisciplinares qualifi- flagraram um homem matando a ex-espo- agredidas e seus filhos, condenan-
cadas em gênero. sa, a vítima já havia registrado várias ocor- do-os à reclusão. Não seria mais jus-
A violência continua e evolui para o rências. O acusado deveria ter sido preso to e eficaz afastar o agressor, evi-
assassinato quando os mecanismos não na primeira delas. A Justiça, porém, per- tando assim penalizar duplamente a
são aplicados no momento certo e em sin- mitiu o resultado funesto e previsível. mulher e as crianças com o afasta-
tonia. Não há fórmulas mágicas, mas exis- mento do lar e da vida comunitária?
tem circunstâncias que exigem a prisão Qual foi o maior avanço? Sem dúvida, as casas abrigo têm sido
imediata. Por exemplo, a proposta de se- O maior avanço da Lei foi preconizar utilizadas de forma errada desde a sua in-
que a violência doméstica é uma trodução no Brasil. Geralmente, as mulhe-
violação dos direitos humanos (art. res e seus filhos ficam retidos nesses lo-
6º), e não crime de menor potenci- cais enquanto seus algozes usufruem da

‘‘Os tão propalados crimes passionais são al ofensivo (art. 41). Por isso, é pos- liberdade. A Lei Maria da Penha não admi-
na verdade crimes de ódio, em que um dos sível a prisão provisória e o acusa- te mais essa anomalia, pois agora é possí-
do não se livra do processo com o vel prender os acusados durante a investi-
parceiros, geralmente o macho, se considera
mero cumprimento de medidas al- gação e o processo. Quem deve ser “abri-
proprietário de um objeto. Eliminar o outro é ternativas. Além disso, o processo é gado” é o acusado, pelo menos enquanto

‘‘
a forma de dizer que ele é que manda obrigatório no caso de lesão cor- ele representar um risco para a segurança

14 Revista do Sindjus • Agosto


Ago/Setde
de2010
2010
‘‘
de seus familiares. As Casas Abrigo só de- aos promotores, para que possam reque- Não há fórmulas mágicas, mas
vem ser usadas quando as vítimas não têm rer seus direitos e se orientar. As vítimas existem circunstâncias que exigem
pra onde ir ou o acusado estiver foragido. devem sempre estar acompanhadas de prisão imediata. A clássica ameaça ‘se
A Justiça tem procurado determinar a pri- advogados ou defensores públicos. Mui-
são em casos mais graves, mas ainda se tos Juizados não garantem esse direito, em
não ficar comigo, não ficará com mais
encontra muita resistência. Muitos julga- violação flagrante à Lei Maria da Penha. ninguém’ é um indício claro

‘‘
dos consideram que crimes de ameaça e Quando o direito for negado judicialmen- de que o acusado é perigoso
lesão têm penas muito pequenas e que, te, o promotor ou o advogado deve recor-
por isso, não seria cabível a prisão provi- rer aos Tribunais de Justiça.
sória. O aumento das penas pode resolver Em caso de discriminação que atente
essa questão. contra direitos fundamentais ou represen-

Apesar da clareza do artigo 5º da


Lei Maria da Penha, a Justiça cario-
ca negou proteção a Elisa Samudio
te abuso de autoridade, é necessário re-
clamar às Corregedorias da Justiça (quan-
do o abusador for juiz) ou do Ministério
Público (quando for promotor) de cada Es-
‘‘Decisão do STJ passou a
exigir que as mulheres autorizem
a investigação e a punição.
Com isso, impedem familiares e o
contra as agressões do ex-goleiro tado. É possível também representar dire-
Bruno, alegando que não havia rela- tamente aos Conselhos Nacionais da Jus- Ministério Público de atuar. E os

‘‘
cionamento familiar entre eles. A lei tiça ou do Ministério Público, que têm atri- agressores fazem a festa
permite essa interpretação? buição de fiscalizar essas instituições em
A Lei Maria da Penha se aplicava todo território nacional.
como uma luva no caso de Elisa Samu- Por fim, pode-se levar os casos às cor-
dio, pois ela tinha uma convivência com tes internacionais, como fez Maria da Pe- do as vítimas? Simples, a forte cultura
o acusado proveniente de uma relação nha (leia quadro na página 15). O país machista impede que as pessoas enxer-
íntima de afeto, como está expresso no pode ser condenado por descumprir seus guem a violência. Por isso, o sistema judi-
art. 5º. Não é necessária a coabitação compromissos em matéria de direitos hu- cial, espelho dessa sociedade, não raro tem
para caracterizar violência doméstica. A manos. É preciso que toda a sociedade se se negado a aplicar a lei, utilizando os ar-
lei não exclui os relacionamentos sexu- mobilize. Por isso, as entidades feministas gumentos mais criativos possíveis.
ais, com ou sem pagamento (prostitui- e demais órgãos públicos e privados que Tome-se por exemplo decisão do Su-
ção), ou os extraconjugais. A decisão da atuam com violência devem estar sempre perior Tribunal de Justiça, de fevereiro deste
Justiça carioca em negar proteção a Elisa atentos para exercer a fiscalização, cobrar ano, que, a pretexto de respeitar a “von-
é uma forma preconceituosa e moralista uma postura e denunciar os abusos que tade da mulher”, passou a exigir que elas
de puni-la por ter um relacionamento ex- ocorrem em todo o país. autorizem a investigação e a punição. Com
traconjugal com Bruno. isso, impedem familiares, amigos ou vizi-
Infelizmente, esse entendimento tem No livro Violência doméstica – nhos e o Ministério Público de atuar. E os
seduzido muitos juízes e promotores. Há vulnerabilidades e desafios na inter- agressores fazem a festa. Milhares de ocor-
quem defenda que a Lei Maria da Penha venção criminal e multidisciplinar, o rências estão sendo arquivadas diariamen-
não se aplica sequer para namorados. As- senhor afirma que no Brasil “a mai- te a pedido das vítimas. Milhões de pesso-
sim, o falso moralismo reinante faz com oria absoluta dos promotores e juí- as agredidas deixam de denunciar por ra-
que somente as que se submetem ao pa- zes ainda aceita tudo, ou quase tudo, zões óbvias. Apesar de tudo, ainda há luz
drão sexual monogâmico estável sejam em matéria de violação dos direitos no fim do túnel. O Procurador-Geral da Re-
protegidas. Por isso, é necessário que os humanos das mulheres”. Essa heran- pública intentou uma ação no Supremo Tri-
profissionais que atuam na área partici- ça patriarcal que se alinha com a prá- bunal Federal para desconstituir a decisão
pem continuamente de programas de ca- tica da impunidade coloca a Lei Ma- do STJ, por violação à Constituição. Espe-
pacitação em gênero. O Ministério Públi- ria da Penha em situação de risco? ra-se que nossa Corte Maior comece a re-
co do DF, em parceria com universidades, Nós vivemos num país machista, con- ver a jurisprudência permissiva à violência
tem promovido o curso Diálogos Interdis- servador e falso moralista. Apesar dos gran- doméstica que ameaça a eficácia da Lei
ciplinares em Violência Doméstica e Gê- des avanços alcançados no sentido da Maria da Penha.
nero, para todos os profissionais que atu- igualdade entre homens e mulheres, as
am na Justiça, entre promotores, juízes, instituições estatais, religiosas, educacio-

‘‘
psicólogos e servidores. nais etc ainda apresentam um grande ran-
ço do sistema discriminatório do passado, Espera-se que nossa
O que as vítimas podem fazer em traduzido no preconceito de gênero. Corte Maior comece a rever a
casos como esse, de interpretações Qual a solução? A Lei Maria da Penha
jurisprudência permissiva à
discriminatórias da lei? deu o caminho: educação em gênero, pro-
Primeiramente, é preciso que as víti- teção das vítimas, punição dos agresso- violência doméstica que ameaça a

‘‘
mas tenham acesso direto e permanente res. Por que a nova lei não está protegen- eficácia da Lei Maria da Penha

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 15


ENQUETE

Síndrome de
Amélia
A cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil. Na absoluta maioria dos
casos, por maridos, namorados ou ex. Estamos falando apenas de morte, sem contar os
espancamentos, as humilhações, as ameaças, a violência emocional e psíquica – enfim,
todos os abusos que nem chega a fazer parte das estatísticas, porque não são
denunciados pelas vítimas. De acordo com a OMS, as consequências da violência contra
a mulher são profundas; elas vão além da saúde individual e afetam o bem-estar de
comunidades inteiras. Por que hoje, no nosso país, essa questão ainda é tão grave?
O que leva mulheres modernas e independentes a se submeterem a abusos?

FOTOS: CARLOS ALVES

Após 33 anos de casamento, Tenho um exemplo em casa: Conheço um caso no meio mili- Presenciei vários casos de
meu ex-marido me bateu meu pai batia na minha mãe e tar, onde uma funcionária e as discriminação no trabalho.
e eu me separei. Procurei a ela teve a coragem de se colegas eram assediadas moral- Também tive uma colega
Delegacia da Mulher, mas eles separar. Eu a admiro muito por mente e sexualmente. Ela de- agredida pelo namorado;
minimizaram a agressão, questi- isso. Conheci mulheres nunciou e a instituição se voltou mesmo ameaçada ela o enfren-
onaram se eu tinha para onde ir, discriminadas no trabalho, mas contra todas. Uma recorreu à tou. Mas a maioria das mulhe-
se tinha certeza do que fazia... ninguém denuncia. Esse é o Justiça, as outras ficaram com res não denuncia. Acho que é
Voltei sem a ocorrência. A problema. Tivemos um diretor medo. A agressão não é ques- por medo, porque a maioria é
mulher não tem orientação algu- que só queria trabalhar com tão de força física, é uma heran- independente, mas fica domina-
ma. Conheço outras mulheres homens; dizia que eles não ça cultural que temos na família da pelo homem a ponto de não
que sofreram violência em casa, menstruavam, não tinham filhos, e na sociedade, que acaba ter coragem de enfrentar.
em todas as classes sociais. não precisavam se licenciar... constrangendo as mulheres.
Nemilza de Souza
Nancy Pereira Santos, técnica Eva Cláudia Medeiros da Sil- Wilza Rosa da Silva Lima, Landim Nunes, técnica
judiciária da Justiça Federal veira, técnica judiciária do STM analista judiciária do STM judiciária do STM

16 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


Conheço pessoalmente O marido de uma colega um No trabalho a gente é Eu e algumas colegas
mulheres que sofreram dia invadiu o trabalho para discriminada só por ser mulher. assumimos a chefia de um
violência física. Acho bater nela. Só os seguranças Já passei por situações que projeto, mas os homens se
inaceitável as agressões evitaram a agressão. Por vergo- certamente um homem não sentiram realmente incomodados.
contra as mulheres. Elas nha, ela pediu transferência. passaria. Não denunciei porque Em qualquer alteração de humor
têm que procurar ajuda, mas Isso é uma humilhação pública. sabia que não teria respaldo. A já diziam que estávamos com
não basta a polícia, é preciso As mulheres têm dupla jornada, sociedade é muito machista,um TPM. Hoje há discriminação e
um acompanhamento mas os homens não reconhe- exemplo disso é o fato dos competição. E a mulher é vista
psicológico. A mulher agredida cem isso. Acho que ainda falta homens comentarem que ela de forma equivocada. Veja o
fica muito fragilizada, sem muito para a mulher se igualar está com TPM só porque ela caso do goleiro Bruno: a justifi-
condições de se defender. ao homem na sociedade. está num dia de mau-humor, cativa é de que a mulher provo-
que num homem é normal. cou e teve que ser punida.
Rosana Moreira Tolentino de Ocalinia Francisco de
Brito, técnica judiciária da Souza, assistente técnica Waldete Paulino da Cruz, Giselle Moreira Cabral de Oli-
Justiça Federal da Justiça Federal técnica judiciária do STM veira, analista judiciária do STM

Acho muito triste as mulheres Numa empresa particular, fui Discriminação e violência não Conheço muitos casos de
que sofrem agressões. A muito discriminada e sofri fazem parte do meu dia a dia, violência. Trabalho na campanha
conscientização seria um bom assédio sexual. Também passei mas vejo casos todos os dias Central de Atendimento à
caminho, já que elas relutam em por violência física em casa, mas nos jornais. A mulher tem que Mulher: sua vida recomeça
procurar seus direitos. Nunca não denunciei. Conheço muitas lutar com muita garra para quando a violência termina.
sofri discriminação no trabalho; mulheres que sofreram violência conquistar uma posição e ain- Muitos parentes pedem ajuda e
a nossa sociedade ainda é ma- doméstica. A mulher nunca da sofre com o machismo. As informações. Existe muito
chista, mas está mudando para foi tratada com igualdade. humildes são as que mais so- machismo e muitas mulheres
melhor. Pesquisas mostram que Até as próprias mulheres são frem. Acho que o homem se machistas. Elas não assumem,
as mulheres estão alcançando machistas: além de não saberem sente forte diante de uma dona mas infelizmente é verdade.
cargos mais altos nas empresas. reagir, ainda discriminam de casa, de uma “Amélia”. Acho que isso persiste por
as que tomam uma atitude. falta de conscientização.
Maria Carolina Valente do Maria Auxiliadora de Oliveira
Carmo, analista judiciária da Águida Maria da Silva, analis- Santos, técnica judiciária Julia Maria Teodoro,
Justiça Federal ta judiciário da Justiça Federal da Justiça Federal analista judiciária do STM

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 17


OUTROS EUS

A maior riqueza do homem


é a sua incompletude. Uma vida de
aventuras
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou – eu não aceito.
Não aguento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
Thais Assunção deixou de lado o futebol, paixão com-
compra pão às 6 horas da tarde, partilhada com o irmão. Após alguns

D
que vai lá fora, a infância pobre à realização de so- anos mudou-se para o Plano Piloto, onde
que aponta lápis, nhos em Brasília – assim pode ser se viu distante da família e dos espor-
que vê a uva etc. etc. descrita a trajetória de Absalão Alves tes. “Quando mudei para cá fiquei sem
Amorim. Desde criança, no interior do atividade física, mas logo comecei a cor-
Perdoai
Maranhão, ele sempre praticou esportes. rer”, conta.
Mas eu preciso ser Outros. Os preferidos do garotinho humilde eram Da corrida para o mountain bike foi
Eu penso renovar o homem o futebol e a natação, que era muito po- um pulo. As trilhas, as paisagens e prin-
usando borboletas. pular nos rios da cidade de São Félix. cipalmente as cachoeiras fizeram com
Em 1972, quando chegou a Brasília que ele se tornasse um praticante assí-
vindo de Araguarina, no estado de To- duo desse esporte. “Adoro a natureza,
Manoel de Barros cantins, a vida de Absalão começou a o verde. Saía pra pedalar e sempre che-
mudar. Aos 21 anos, o jovem trazia a gava a uma cachoeira aqui perto de
cunhada para morar na capital. Nem ti- Brasília. Sempre gostei desses lugares,
nha planos de permanecer na região, como o Jalapão e a Chapada dos Vea-
mas seu irmão que o convenceu ao ofe- deiros”, afirma.
recer um emprego como garçom, em Quando criança Absalão sonhava se
Do alto dos seus 91 anos, uma boate de Brasília. Depois disso ele aventurar, mas, além de morar no interi-
trabalhou em dois hotéis, também como or, a falta de dinheiro também o impe-
o poeta Manoel de Barros garçom, mas nunca deixou de lado seus dia de realizar seu desejo. Agora, porém,
ensina que o ser humano planos: terminar os estudos e concorrer nada pode detê-lo. Depois da corrida e
é incompleto, e que isso não a um emprego público. do mountain bike veio o rapel. Há dois
é defeito; é qualidade. Dividindo o pouco tempo que resta- anos ele teve sua primeira experiência,
va com os estudos, Absalão conseguiu nas grutas da cidade de Bonito, Mato
Assim como ele, muitas outras
passar em um concurso. Mas não ficou Grosso do Sul. Nem o medo que ele
pessoas precisam ser Outras. satisfeito, e continuou estudando até ser sentia de cavernas foi um obstáculo.
E são. Esta coluna publicará aprovado no TST. “Fiz faculdade, depois “Fico feliz por praticar os esportes
mensalmente histórias de gente um concurso interno, e hoje sou analis- de que gosto e ainda me sinto livre das
ta”, conta ele. toxinas do trabalho. Quando volto na se-
que concilia o serviço público
Mas os sonhos de Absalão não se re- gunda-feira, volto limpo”, diz.
com as mais diversas sumiam a conquistar um bom emprego; Após o rapel veio a tiroleza, o arvo-
atividades. São atletas, chefes ele queria mais. Queria desbravar o Bra- rismo e o rafting (descida de rios com
de cozinha, professores, sil praticando esportes radicais. “Era um corredeiras, em equipe, com botes inflá-
pintores, mágicos, mecânicos, desejo que eu guardava desde a infân- veis) na cidade de Corumbá. “Foram
cia, mas, como não tinha condições, es- quatro horas de descida com muita chu-
músicos... A lista não tem fim. perei até o momento em que poderia va. Isso fez com o que o rio ficasse mais
custear as minhas aventuras”, explica. agitado. Foi um dos melhores esportes
Assim que chegou a Brasília Absa- que já pratiquei”, lembra Absalão.
lão foi morar em Taguatinga, onde não Mas seu coração bateu mais forte
Revista do
18 Revista
18 do Sindjus
Sindjus •• Ago/Set
Ago/Set de
de 2010
2010
após uma de suas inúmeras visitas ao
Jalapão, em Tocantins, onde ele se en-
cantou com uma comunidade rema-
nescente de quilombolas chamada
Mumbuca. Sensibilizado com a histó-
ria da comunidade pobre, chamou os
amigos para levarem mantimentos e
roupas para doar aos moradores. O
gesto de solidariedade já completou
seis anos. “Sempre na Semana Santa
levamos as doações aos moradores. Eu
nasci no interior e não tinha nada, mas
minha mãe nunca negou nada às pes-
soas que necessitavam de alimento.
Acho que essa atitude dela me aju-
dou a ser solidário”, avalia.
A saga do analista aventureiro está
só começando. Inspirado no explorador,
jornalista e fotógrafo Airton Ortiz, que
já escreveu dez livros sobre suas via-
gens internacionais, Absalão já montou
um roteiro que começa em setembro
deste ano, com uma viagem à África,
onde vai escalar o monte Kilimanjaro.
Um livro também está à caminho.
É uma espécie de autobiografia, onde
o analista conta sua história de vida e
um pouco da vida de sua mãe, uma
pessoa com grande força e garra. Mas
ainda não há data para publicação. Pri-
meiro Absalão vai se aposentar, neste
mês de agosto, e viajar durante seis
meses, praticando esportes radicais e
conhecendo o mundo.

Absalão com crianças quilombolas


no Jalapão e praticando rapel
(ao lado): sonhos realizados e roteiro
“radical” para a aposentadoria
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 19


NA RAIZ DO “SÓ UM TAPINHA NÃO DÓI”
pode estar o crescente de um abuso maior. Se
o tapinha é “consenso” entre adultos para experi-
mentos sensoriais (sabe-se lá o porquê) ainda vai. Mas
quando é imposto na pressão, pelo assédio de um poder
mais dominante sobre outro em dependência crônica, é caminho
para criar hematomas mais fundos.

cria uma norma geral com cara autoritária de O novo estatuto


“verdade”. E quem apanha e quem é dominado, submetido ao capricho alheio, de repente se vê sob
sevícia ou até uma fatalidade radical. A deputada Erika Kokay (PT-DF) tem uma cartilha contra a violên- do torcedor e a
cia sobre as mulheres que diz: “Quem aceita qualquer coisa vira uma coisa qualquer.” Toca na questão “lei da palmadinha”
cultural sobre o quanto a fatalidade se desenha em iniciais “brincadeiras” de mau gosto, piadas depre-
ciativas, comentários depressores, até chegar no cacete, faca ou tiro. E pede a reação das agredidas,
reforçam a raiz
digamos leves, antes de virarem vítimas ou óbitos. LUTA antes para não virar LUTO depois! da questão: na
no enquadramento das ofensas que, óbvio, em
base dos atos
um estádio inflamado e turbinado pela droga legal mais conhecida como álcool (que patrocina os estão as atitudes
eventos), é rastilho no barril para assumir proporções descontroladas. O tapinha é molestador quando que se consolidam
sinaliza que pode resolver. Como não resolve, logo vira um tapão e daí para um espancamento depen-
de do grau de desequilíbrio. O “perdi a cabeça” não é álibi e soa irônico como atenuante para quem como prática
sofreu na carne a tal perda. Atenua sua pena técnica, não minhas dores, vivas. usual e solidificam
como se torpe não fosse toda agressão, tem raiz comportamentos
cultural: arrogância exacerbada que “não leva desaforo pra casa”, nem pra cadeia (se o/a cara for rico/ que se autorizam
a). O “você sabe com quem está falando” (com a crise atual pode ser “falindo”), a carteirada, o
prioridade vip, eu paguei mais (logo posso tudo) e o privilégio não legitimado, são os combustíveis para a crescer – e talvez
o despreparo estúpido de quem se perde porque “se acha” maior e melhor. Mesmo sob o risco das tais resultem em algo
“leis que não pegam”, por ser uma interferência de estado sobre o indivíduo (aí se impõe a prática
cultural), vale lutar para que a cultura (modificada) anule a culatra (da arma carregada).
mais trágico

mas tem raízes. A perda de sentido do valor do outro cria


essa perversidade dos “playboys” sem limites, mimados, arrogantes, incapazes de manter um relacio-
namento real onde há troca, solidariedade, afeto profundo que nos encanta ante o mistério que é
compartilhar para crescer. Isso vem da atitude cultural, isso se aprende com a magnífica pluralidade
cultural do Brasil onde a mestiçagem não é nivelamento de gosto ou expressão, mas a maravilha que
afirma: posso ser o que você é sem deixar de ser quem sou. Afinal, quem tem de ser especial é você, TT CATALÃO
não o seu cheque. Lutar antes para evitar o luto... irreversível, fatal, humilhante, depois!
MEIO AMBIENTE
VJERAN LISJAK

Eles cuidam da
Terra Num evento pioneiro, 400 crianças e
adolescentes de 12 a 15 anos, eleitos em 46
países, debatem responsabilidades e ações para
cuidar do planeta guiados por três princípios
básicos: jovem escolhe jovem, jovem educa
jovem e uma geração aprende com a outra

Jovens antenados:
eles não são “o
futuro do país”, mas
sujeitos de transfor-
mação capazes
detomar decisões e
atuar no presente

22 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


Luísa Molina cas ou maléficas da intervenção”. As as-
pas são de um texto oferecido aos parti-
Visão global,
U m desavisado acharia que aterris-
sou num país desconhecido. Jovens
com as mais diversas feições conversam
cipantes e facilitadores do evento, e ilus-
tram um lado marcante da Conferência:
a constante reflexão e a preocupação
ações locais
A Conferência Internacional reuniu
em diferentes línguas. Em salas cheias, cri- com as discussões conceituais. 400 crianças e adolescentes, entre 12 e
anças e adolescentes reúnem-se em ro- Essa preocupação transcende o mo- 15 anos de idade, eleitos em 46 países.
das, discutem e escrevem, concentrados, mento específico da Confint. Esteve pre- Esses delegados contaram com o apoio
acompanhados por facilitadores pouco sente antes do seu nascimento, nas ex- de 80 facilitadores, jovens entre 18 e 25
mais velhos, cujo trabalho é estimular o periências pioneiras de discussão sobre anos vindos dos países participantes e das
diálogo nos grupos. Por todo lado há car- meio ambiente e sociedade com crian- conferências estaduais brasileiras. Entre
tazes em português, inglês, francês e es- ças de todo o Brasil (veja box na página 5 e 10 de junho deste ano, um centro de
panhol – são as quatro línguas oficiais 29). Está presente também nas redes de treinamento em Luziânia, cedido pela
desse país curioso. A sensação de alegria grupos que dão sustentação a essas Confederação Nacional dos Trabalhado-
quase tangível se intensifica no intervalo iniciativas, como os Coletivos Jovens res na Indústria, transformou-se em um
das atividades, quando os grupos de me- de Meio Ambiente. Há uma maturidade microcosmo, um espaço vivo e “pulsan-
ninas e meninos das mais variadas par- ímpar no movimento socioambiental bra- te”, como lá se gostava de falar.
tes do mundo aproveitam para tocar tam- sileiro e latino-americano, que se pensa e Esse pequeno planeta teve também
bores, cantar e dançar. repensa o tempo todo, imprimindo as suas um acréscimo de cerca de cem pessoas,
Não se trata de um país estranho, idéias nas ações que empreende. entre organização executi-
mas da reunião de muitos países em um A Confint é fruto de tudo isso. Ela se va, oficineiros e equipe de
Grupos de pessoas
só espaço. A Conferência Internacional guiou por três princípios: jovem escolhe apoio. O evento foi regis-
de 15 a 29 anos
Infantojuvenil Vamos Cuidar do Planeta jovem, jovem educa jovem e uma gera- trado por uma equipe de que atuam em
(Confint) reuniu pela primeira vez na his- ção aprende com a outra. Essa é uma afir- vídeo e pelo grupo respon- questões socioam-
tória crianças e adolescentes de todos mação da autonomia das crianças e ado- sável pela comunidade vir- bientais. Integram a
os continentes para refletir sobre as res- lescentes como sujeitos de transformação, tual Vamos Cuidar do Pla- Rede de Juventude
pelo Meio Ambien-
ponsabilidades e as ações (assim mes- capazes de tomar decisões e atuar no pre- neta – espaço de encon-
te e Sustentabilida-
mo, em itálico, com ênfase) de todos e sente – não como “o futuro do país”, tro e desenvolvimento da de (Rejuma).
de cada um frente às transformações que como tanto se afirma. Há aí também uma continuidade da Confint.
ocorrem no planeta. visão processual das mudanças vividas e O objetivo do encontro
A atitude que aí se desenvolve tem realizadas no mundo, e uma perspectiva foi “possibilitar que crianças e adoles-
como uma das fontes de inspiração a de continuidade das ações empreendidas centes do mundo todo se apropriem lo-
Ética do Cuidado de Leonardo Boff, que no âmbito socioambiental. Também en- calmente de compromissos globais, as-
“protege, potencia, preserva, cura e pre- tende-se que o processo de participação sumindo responsabilidades para a cons-
vine”, em uma atitude que “quando in- política no qual esses sujeitos estão en- trução de sociedades sustentáveis”. Vin-
tervém na realidade o faz tomando em volvidos é um processo de aprendizagem das das mais diferentes realidades – An-
consideração as consequências benéfi- e de produção de conhecimento. gola, Guatemala, Índia, Canadá, Timor

FOTOS: VITOR MASSAO

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 23


MEIO AMBIENTE

Leste, Paraguai, Estados Unidos, México,


China, Guiné-Bissau, França, Itália, Chile, Pa-
Os delegados foram escolhidos em con-
ferências municipais, estaduais e nacionais O encontro
lestina – os jovens discutiram as mudanças
socioambientais globais, focando-se em
sobre meio ambiente em cada país, seguin-
do o exemplo pioneiro do Brasil. Na Con- dos tambores
mudanças climáticas, e participaram de ofi- fint, organizados primeiro por continente e A Confint foi um lugar de produ-
cinas temáticas e de edocomunicação. depois por idiomas, eles discutiram e con- ção de conhecimento nas oficinas re-
densaram as propostas de seus países e alizadas – sobre agroflorestas, ener-
elencaram ações ligadas às responsabilida- gia solar, rádio e cobertura jornalísti-
A edocomunicação une educação e des expressas nessas propostas.
comunicação. Defende o direito de ca, entre outras. Foi também um espa-
As discussões foram sintetizadas pelo
produzir informação: além de ler jornal, ço de intercâmbio e de convivência
ouvir rádio e ver TV, as pessoas também grupo de delegados que redigiu a Carta das
entre diferentes culturas. Danças, pal-
podem fazer jornal, rádio e TV. Responsabilidades Vamos Cuidar do Pla-
mas, cantos e músicas, as mais diver-
neta. Ela foi levada aos líderes de cada país
e divulgada pelos participantes, para que
sas, eram parte vital da Conferência.
seus compromissos sejam apropriados lo- Começava de manhã bem cedo, quan-
calmente. Pode ser assinada na internet por do dois facilitadores (o brasileiro Ran-

‘‘ O espírito de equipe nos tornou todos que desejem apoiar as propostas gel, coordenador da facilitação, e a ca-
mais do que amigos; viramos (http://carta.vamoscuidardoplaneta.net). nadense Marie-Ève) juntavam os co-
irmãos. Não podemos salvar o Além do documento escrito, uma “carta legas para tocar flautas e pandeiros

‘‘
planeta sem antes nos unirmos. musical” também sintetizou as ideias da pelos corredores do CTE e acordar todo
Bernardo Carvalho, Conferência (veja na comunidade virtual mundo. E a todo momento se viam de-
delegado de Portugal Vamos Cuidar do Planeta). legados e facilitadores se juntando

24 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


para tocar e cantar. e uma mostra de fil-
Um momento marcante ficou conhe- mes, objetos e ou-
cido como “o encontro de tambores”. tros materiais trazi-
Depois do jantar, um delegado da Gui- dos dos vários paí-
né-Bissau começou a tocar seu tambor ses. Todos esses mo-
ao lado do refeitório. Logo foi seguido mentos foram regis-

FOTOS: VITOR MASSAO


pelos seus colegas de delegação, que trados e exibidos ao
cantavam e dançavam. Em questão de vivo na internet.
minutos os delegados da Palestina se Como o micro-
juntaram aos da Guiné, levando seus cosmo que era, a
tambores também. Daí para uma gran- Conferência abri-

‘‘
de festa não levou mais que um piscar gou atividades que aconteciam ao Vimos culturas do mundo todo.
de olhos: logo o saguão ficou lotado, com mesmo tempo e o tempo todo. Os Eu estava sonhando acordada!
participantes de todos os países – dele- adultos acompanhantes das delega- Quando levantava, não

‘‘
gados, facilitadores e adultos – e de to- ções tiveram uma programação para- queria que o dia acabasse.
das as áreas da Conferência. lela à dos delegados e discutiram o en-
Sacha Pouliot-Ngo, delegada do Canadá
Com tanta diversidade, naturalmen- volvimento de todos e de cada um nos
te a organização do evento previu es- compromissos firmados na Confint. Os
paços interculturais na programação; 80 jovens facilitadores também se reu-
realizou um Festival das Culturas, com niram em um espaço onde começaram Dança, canto, percussão: linguagens
apresentações dos próprios delegados, a dar corpo e força a uma nova rede. universais que acompanharam as
quatro línguas oficiais do evento
(inglês, francês, português e espanhol)

Confira esse e outros momentos na


comunidade virtual http://vamoscuidar
doplaneta.net/videos/cobertura/

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 25


Crianças surpreendentes Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Moçam-
bique, Timor Leste, Portugal e Brasil –
A estrutura brasileira serviu como Essa proposta foi muito bem aco- foram notadamente ricos. A CPLP criou
modelo para a organização dos pro- lhida pelos países. Eventos emocionan- um projeto para incentivar e apoiar os
cessos nos países participantes da tes aconteceram pelo mundo afora. Por seus membros na Confint; junto com
Confint: conferências nas escolas pre- exemplo, depois da Conferência Naci- o MEC, elaborou um passo a passo que
cedendo as etapas regional e nacio- onal Vamos Cuidar da Guiné-Bissau, guiou as comissões organizadoras na-
nal (veja box). Na etapa nacional fo- onde a delegação de doze meninos e cionais, responsáveis pelos processos
ram escolhidos os delegados para a meninas foi eleita, duzentas pessoas sa- em cada país. Foi desenvolvido tam-
Conferência Internacional. Foi pedido íram em caminhada pelo centro de Bis- bém um blog dos países da CPLP, onde
aos países que elaborassem as suas sau, a capital, para encontrar o presi- as experiências puderam ser divulga-
cartas das responsabilidades – um do- dente do país, Malam Bacai Sanha. Um das e compartilhadas.
cumento que condensasse os compro- dos delegados entregou em suas mãos No Brasil a seleção dos participan-
missos para cuidar do país, elabora- a Carta de Responsabilidades Vamos tes da Confint se deu em uma platafor-
dos durante as conferências. Cuidar da Guiné-Bissau, propondo um ma virtual chamada Circuito de Apren-
acordo para cui- dizagem. Voltado para os delegados da
dar do país junto III Conferência Nacional Infanto-Juve-
FOTOS: VITOR MASSAO

com os jovens. O nil pelo Meio Ambiente, esse circuito foi


documentário uma ferramenta com três funções: de
está disponível formação, com leituras e discussões; de
no blog da Co- ação, com a realização de ações con-
munidade dos cretas ligadas aos temas discutidos; e
Países de Língua de eleição da delegação brasileira para
Portuguesa a Conferência Internacional.
(CPLP). À exemplo da equipe que acom-
Assim como panhou as conferências nos países da
na Guiné-Bissau, CPLP, os profissionais do MEC que
os processos na- acompanharam o Circuito de Apren-
cionais nos ou- dizagem se impressionaram com o
tros países de conteúdo das discussões dos jovens.
Pequenos delegados: crianças do mundo todo surpreenderam os facilitado- língua portugue- O mesmo aconteceu com os facilita-
res do evento pelo grau de afinação com conceitos ambientais de ponta sa – Angola, São dores das atividades da Confint: foi fre-

26 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


Apresentações dos delegados:
orgulho de mostrar seu país,
alegria pela oportunidade de
quente ouvi-los comentar que teriam conhecer todos os outros

que estudar muito para acompanhar Pioneirismo brasileiro


as reflexões das crianças e adolescen-
tes, todos em perfeita afinação com A Confint nasceu para expandir para o
os conceitos considerados “de ponta” resto do mundo uma bem-sucedida experiên-

‘‘
na área socioambiental. E isso foi re- cia brasileira: construir espaços participativos
onde crianças e jovens possam dialogar sobre Foi um encontro real
latado pelos facilitadores que acom-
questões socioambientais e elaborar propos- de pessoas persistentes
panharam a formação dos grupos em
tas de ação para sociedades sustentáveis. São e determinadas. Religião,
todos os cinco continentes.
ações propostas para escolas, comunidades, etnia e qualquer outra
A Europa também se organizou grupos e indivíduos. diferença não foram
antes da Conferência Internacional, A primeira etapa das conferências pelo barreiras. Eu mudei, senti
com o seu próprio passo a passo, um

‘‘
meio ambiente foi feita em escolas em todo o isso dentro de mim.
site próprio e um seminário entre os país, com discussões e elaboração de projetos
países participantes (Itália, França, Re- e propostas. A segunda etapa foi estadual e Audrey Marquis-Drolet,
regional. Ali reuniram-se os participantes dos delegada do Canadá
pública Tcheca, Rússia, Alemanha, Por-
tugal, Grécia e Espanha), logo depois eventos nas escolas e foram eleitos os dele-
das etapas nacionais. No seminário os gados que participaram da Conferência Naci-

‘‘
jovens delegados discutiram ações em onal Infanto-juvenil pelo Meio Ambiente (CNI-
JMA). Esse processo aconteceu três vezes no
Quando fui dele-
torno de cinco temas trabalhados na gado na 2ª Conferência
Brasil, em 2003, 2006 e 2009.
Confint: água, terra, fogo, ar e socie- Nacional, eu tinha só
As duas últimas conferências nacionais
dade. Eles elaboraram, durante o se- 13 anos. Meu sonho
tiveram observadores estrangeiros interessa-
minário e a Confint, o Manifesto Eu- era ser facilitador. Hoje
dos em conhecer a iniciativa, que ao todo
ropeu Vamos Cuidar do Planeta. eu me orgulho muito
envolveu 13 milhões de crianças e adolescen-
de ter trabalhado na
tes em 20 mil escolas do país. Entre esses
Confint. Foi muito bom
observadores estava Edith Sizoo, representan-
saber o que as pessoas
te do comitê do documento internacional
Documento aprovado pela Assembleia pensam e o que elas

‘‘
Carta das Responsabilidades Humanas.
Mundial de Cidadãos, em 2001. Parte desejam para o futuro.
A partir do diálogo com Sizoo e com os jo-
das dinâmicas da Aliança por um Mundo
Responsável, Plural e Unido, e também vens participantes das conferências, o Minis- Cristiano Costa, 18 anos,
orienta os princípios da Confint, com o tério da Educação brasileiro (MEC) abraçou o facilitador brasileiro
conceito de responsabilidade. Veja em desafio de realizar uma conferência interna-
www.charter-human-responsibilities.net cional e enviou convites para todo o mundo.

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 27


MEIO AMBIENTE

GIORGI MAMATSASHVILI

A grande roda na
Esplanada: espaços
políticos também são
espaços humanos

E o mundo gira... VITOR MASSAO

Para os meninos e meninas de 12 a 15 A Confint foi não só um evento inova- pantes, estrutura da hospedagem e alimen-
anos de idade, a Conferência foi não só um dor, mas um espaço de convivência especi- tação durante o evento. E não apenas isso,
trabalho produtivo como também uma ex- al, onde cada participante viveu experiênci- mas também sutilezas que fizeram toda a
periência inesquecível, rica em novidades e as únicas. Delegados, facilitadores, organi- diferença. Não era privilégio da equipe essa
em contrastes. Eles chegaram com muita zadores, jornalistas, seguranças, cozinheiros forma de estar e construir o espaço; era
vontade de participar, expressar suas idei- – todos foram tocados por uma vivência que uma disposição geral nas equipes de lo-
as, mostrar o seu país e conhecer gente do foi além da estrutura do evento. Quem po- gística, de metodologia, de apoio etc.
mundo todo. Alguns estavam saindo de sua deria imaginar que, na despedida, os segu- E a Conferência, como um organismo
cidade pela primeira vez. Uma das delega- ranças estariam chorando junto com os ado- vivo, tinha um pulso alimentado e mantido
das, a matogrossense Letícia, contou que lescentes? Ou que os participantes ofere- por todos. Esse pulso foi levado no último
para ter acesso à internet precisa enfrentar ceriam uma salva de palmas (além de mui- dia do evento para o centro de Brasília, no
seis horas de caminhada à pé. tas palavras de agradecimento) aos profis- gramado da Esplanada dos Ministérios. Ali,
Enquanto as delegadas angolanas sionais de limpeza, refeitório e hotelaria da ele tomou forma de uma enorme espiral fei-
apresentavam um número de dança, um equipe do CNTI, a instituição anfitriã? ta por todos os presentes na Confint, de
grupo de pessoas que assistiam admira- No caso da Confint, essas formas de mãos dadas, cantando “e todo mundo cui-
das perguntou ao facilitador de São Tomé estar no espaço não eram exceção, mas da, oiê, oiê, cuida do planeta, oiê, oiê”. Em
e Príncipe: “Existe alguém na África que regra. Ao contrário do que comumente se seguida, todos foram para o auditório do
dance mal?” Ele pensou, pensou e respon- vê, experiências dessa ordem não só eram Museu da República, onde a Carta das Res-
deu, sério: “Não.” Olinda Milagritos, jo- acolhidas e positivadas por todos – orga- ponsabilidades Vamos Cuidar do Planeta e
vem facilitadora peruana, declarou emo- nização, facilitadores, apoio –, como tam- a Carta Musical foram lançadas na presen-
cionada, no último dia da Conferência, que bém ativamente estimuladas. E não se trata ça do Ministro da Educação, Fernando Ha-
havia realizado o sonho de conhecer o apenas de emotividade ou troca de genti- ddad, e outras autoridades.
mundo inteiro: ela o conheceu em todos lezas. Estamos falando de uma nova visão Mas a Confint continua. Participantes
os que estavam presentes ali. dos espaços participativos e políticos, ago- e apoiadores estão na comunidade virtual
ra construídos como espaços essencial- Vamos Cuidar do Planeta e em outras re-
mente (e não apesar de tudo) humanos. des sociais, onde trocam informações so-

‘‘
Havia uma sala especial, chamada de bre ações, projetos e eventos em seus pa-
A Confint já tem vida própria, Sala do Bem-Estar, onde duas profissionais íses. A facilitadora Ariadna Pomar conta
não pode parar. Estamos em de técnicas de cura alternativas e medici- que os jovens da Catalunha estão traba-
contato com o governo para nos na oriental cuidavam dos participantes com lhando nas escolas com as responsabili-
apoiar na produção de material carinho e competência. Um dos pilares da dades e ações da Confint e do manifesto
educativo para discutir as cartas organização de toda a Conferência era jus- europeu. Junto com os jovens do País Bas-

‘‘
e sua implementação. tamente a equipe de bem-estar, que ob- co e da Galícia, eles estão organizando um
Ariadna Pomar, servou os mais diversos elementos, como encontro das escolas envolvidas nesse pro-
facilitadora da Catalunha comunicação com as famílias dos partici- jeto, para intercâmbio de experiências.

28 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 29
SAÚDE

Hiperativos e
desatentos
Q uem não ouviu falar em crianças muito
agitadas ou desligadas? A imagem que
vem à mente é a do “capetinha” correndo,
O TDAH é uma doença do desenvolvimen-
to do sistema nervoso central e possui forte
componente genético. O transtorno atinge de
subindo, pulando, quebrando coisas e dando quatro a cinco crianças e de dois a três adul-
muito trabalho para pais e professores. Ou a tos a cada cem habitantes. Estudos recentes
Yuri Matsumoto Macedo
formou-se em Medicina pela criança que vive no mundo da lua, alheia, per- mostram que ele tem distribuição mundial, ou
Universidade Federal do Pará, pós- dida em suas fantasias.Mas engana-se quem seja, não é apenas um traço cultural.
graduou-se em Medicina do acha que estas sejam sempre inocentes carac- Várias são as dificuldades no diagnóstico
Trabalho pela Universidade terísticas infantis. do TDAH. Ele é uma condição dimensional e
Estadual do Pará e fez residência
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hi- não categorial – ou seja,todos nós temos os
em Psiquiatria no Hospital de Base
do DF. Publicou o livro Louco é peratividade (TDAH) é uma condição patoló- sintomas descritos nos questionários de avali-
quem me diz (2005), com casos gica descrita há décadas sob diversos nomes. ação, pelo menos em alguns dias. O portador,
verídicos de pacientes psiquiátricos. Ela sempre começa na infância, mas pode porém, os têm sempre, intensamente, e acaba
Também é membro da ABP e APBr. acompanhar o sujeito até a vida adulta e cau- sofrendo perdas irrecuperáveis por causa de-
sar muito sofrimento. Caracteriza-se basica- les. Outra dificuldade são as diferenças óbvias
mente por três sintomas: desatenção, hipe- na sintomatologia da criança e do adulto. Além
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

ratividade e impulsividade. Em algumas pes- disso há o preconceito, tanto entre os leigos,


soas predomina a desatenção; em outras, a portadores e familiares, quanto entre os pro-
hiperatividade e a impulsividade. Há também fissionais da área de saúde.
o subtipo combinado, onde estão presentes Para fazer o diagnóstico, psiquiatras e psi-
todos os sintomas. cólogos experientes e capacitados sobre o as-
Se na infância podem ocorrer baixo rendi- sunto são os mais indicados. O tratamento do
mento escolar e dificuldades disciplinares e so- TDAH deve ser uma combinação de medica-
ciais difíceis de serem superadas, na vida adulta mentos, orientação e técnicas psicoterápicas
André Luis Macedo, especialista o TDAH pode resultar em prejuízos ainda mai- específicas que são ensinadas ao portador. A
em Psiquiatria, formou-se em Medi- ores, como, por exemplo, diminuição de pro- medicação é parte muito importante do trata-
cina pela UnB e fez residência em dutividade no trabalho, formação profissional mento e pode ser necessária para o resto da
Psiquiatria no Hospital de Base do inferior ao potencial da pessoa, dificuldades vida, especialmente no caso dos adultos. A te-
DF. É psiquiatra do TJDFT, membro
da Associação Brasileira de Psiquia- de relacionamento, tendência a largar proje- rapia é essencial na recuperação, principalmen-
tria (ABP) e da Associação Psiquiá- tos, desorganização, baixa auto-estima, uso de te quando há anos de prejuízos sociais e psi-
trica de Brasília (APB). drogas, depressão e outros transtornos. cológicos acumulados.

TESTE • Conheça os sintomas do TDAH


MARQUE: 3. Com que frequência você tem dificuldade
a) Nunca para se concentrar no que as pessoas dizem,
b) Raramente mesmo quando elas estão falando direta-
c) Algumas vezes mente com você?
d) Frequentemente 4. Com que frequência você deixa um proje-
e) Muito Frequentemente to pela metade depois de já ter feito as par-
tes mais difíceis?
PARTE A 5. Com que frequência você tem dificuldade
1. Com que frequência você comete erros para fazer um trabalho que exige organização?
por falta de atenção quando tem que traba- 6. Quando você precisa fazer algo que exige
Neste espaço, os psiquiatras Yuri
lhar num projeto chato ou difícil? muita concentração, com que frequência
Matsumoto Macedo e André Luis
Macedo publicam mensalmente artigos 2. Com que frequência você tem dificuldade você evita ou adia o início?
sobre saúde mental. Para saber mais, para manter a atenção quando está fazendo 7. Com que frequência você coloca as coisas
acesse www.animaconsultorio.site.med.br um trabalho chato ou repetitivo? fora do lugar ou tem dificuldade de encontrar

30 do
30 Revista Revista do •Sindjus
Sindjus • Ago/Set
Ago/Set de 2010de 2010
MUITAS PEDRAS NO CAMINHO • Depoimentos de pacientes

“Era uma confusão única coisa a fazer era continuar an- ram de “Lentina”, ou seja, lenta.
na minha mente” dando do jeito que dava. A 6ª série foi a mais difícil, repeti
Busquei respostas para o meu duas vezes. Eu achava que era mes-
Meu apelido quando criança era problema, e nada. O transtorno ainda mo lenta e burra. O sentimento era
“voador”. Eu tinha dificuldade de não era conhecido pelos psicólogos de inferioridade. Outro dia, achei um
manter a atenção nas coisas. Não da minha antiga cidade. Tentei vários pedaço de papel com anotações do
tinha muitos amigos e passava boa exercícios de concentração e memó- meu pai referente a uma reunião de
parte do tempo em casa, perdido em ria, mudei a alimentação. Mas o avan- pais que dizia: “Muito desatenta na
pensamentos. Era como viver em uma ço era muito pequeno. Estava perden- sala de aula, muito desorganizada
bolha. Estudar era uma tortura. Lem- do a esperança de uma solução quan- com o material....”.
bro da dificuldade que tinha para me do vi o TDAH na TV e busquei a ajuda Até que consegui chegar ao anti-
concentrar nas aulas. Por mais que eu de uma especialista. go 2º grau, com muita dificuldade e
tentasse, não dava certo. Sentia fortes Aos 28 anos comecei a usar o me sentindo mal por ser a mais velha
dores de cabeça sempre que tentava medicamento. Minha vida mudou da sala. No 1º ano tive a péssima
me forçar a estudar. Em período de completamente. Hoje não perco mais experiência de ser reprovada mais
prova era mais complicado, travava tempo, facilmente desenvolvo as mi- uma vez. Resolvi fazer um supletivo
tudo. Era um branco total. A pressão nhas atividades e meus pensamentos para “terminar” os estudos, pois
anulava minha concentração. estão mais ordenados. achava que não tinha capacidade
Foram anos de sofrimento. Com intelectual para fazer faculdade.
muito esforço conseguir concluir o Mauricio da Silva, Após muita conversa com meu
curso de Engenharia Civil. Mas a engenheiro civil namorado, hoje meu marido, fui
partir daí as coisas ficaram mais difí- convencida de que era capaz. Para
ceis. A atividade profissional exigia “Eu achava que era minha surpresa passei para uma boa
muita atenção. Diante da pressão eu faculdade; apesar de algumas difi-
ficava confuso, não conseguia pensar,
mesmo lenta e burra” culdades, virei uma psicóloga apai-
mal entendia os pedidos do chefe, Minha primeira experiência de xonada pela profissão. Hoje sou uma
tinha dificuldade de concluir tarefas, fracasso escolar foi na pré-escola. pessoa realizada, tenho orgulho de
cometia erros frequentes. Meus pais receberam a notícia de que mim mesma por ter conseguido
Minha vida era uma bagunça.O eu não passaria para a 1ª série por chegar aonde estou. Tenho meu
TDAH dificultava expor as minhas não conseguir acompanhar a turma trabalho reconhecido e pretendo
ideias, que eram muitas e desordena- nas atividades. Passei para os anos fazer especialização em TDAH. Faço
das. Era uma confusão só na minha seguintes sempre com dificuldades e uso de medicamento e levo uma
mente. Pensei várias vezes em desistir ficando de recuperação, mesmo sendo vida normal e feliz.”
de tudo. Mas o quer eu podia fazer? estudiosa e esforçada. Só para ter
Partir para outro ramo? Como? A uma ideia, meus irmãos me apelida- Catarina, psicóloga

Indicação de leitura: Associação Brasileira do Déficit de Atenção • http://www.tdah.org.br

as coisas em casa ou no trabalho? 3. Com que frequência você se 8. Com que frequência você tem
8. Com que frequência você se distrai sente inquieto ou agitado? dificuldade para esperar nas situações
com atividades ou barulho à sua volta? 4. Com que frequência você tem onde cada um tem a sua vez?
9. Com que frequência você tem dificul- dificuldade para sossegar e relaxar 9. Com que frequência você interrompe
dade para se lembrar de compromissos? quando tem tempo livre para você? os outros quando eles estão ocupados?
5. Com que frequência você se sente
PARTE B ativo demais, necessitando fazer
1. Com que frequência você fica se me- coisas, como se estivesse “com um ATENÇÃO! Este teste é apenas
xendo na cadeira ou balançando as motor ligado”? ilustrativo. Quanto mais letras E e D
mãos ou os pés quando precisa ficar 6. Com que frequência você se pega você marcou, maiores as chances
sentado por muito tempo? falando demais em situações sociais? de ter TDAH. Mas é importante
2. Com que frequência você se levanta 7. Quando você está conversando, com lembrar que só um especialista
da cadeira em reuniões ou em outras que frequência você se pega terminando pode fazer o diagnóstico.
situações em que deveria ficar sentado? as frases das pessoas antes delas?
Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 31
BRASÍLIA DO BEM

O dom de
Moradora de Santa Maria
divide a casa simples com
a sede da associação que ela
mesma criou para ajudar idosos
e outras pessoas carentes
servir
Fabíola Góis cionado aos velhinhos virou um pon- pessoas carentes que são esquecidas
to para as demandas de mães soltei- pelo Estado. Campanhas políticas vêm

M aria Perpétua Vieira da Silva, uma


baiana de 46 anos, dedica-se à
causa social como um agradecimento
ras, egressos do sistema penitenciário
e crianças. A Associação Adolescente
da Segunda e Terceira Idade (ADSTI)
e vão, promessas se repetem, mas
muito pouco é feito. E é cada vez mais
difícil diminuir as desigualdades soci-
por estar viva. Moradora de Santa funciona na casa de Perpétua, que ab- ais existentes nas cidades satélites que
Maria, ela não economiza palavras pra dicou de viver sozinha com os filhos circundam Brasília, a capital do país.
dizer que o que faz hoje é uma retri- em uma casa de primeiro andar numa Perpétua é dessas pessoas que nas-
buição a Deus por ter sido curada de quadra humilde de Santa Maria para cem predestinadas a se líder. Ela lem-
um câncer (linfoma) quando tinha ape- dividir o espaço com aqueles que pre- bra que desde os dez anos de idade aju-
nas 29 anos. Ficou um ano internada, cisam de atenção. Ela divide os cômo- da a mãe, devota de Nossa Senhora
entre a vida e a morte. Não só ficou dos da residência com a Associação. A Perpétua do Socorro, a organizar a fes-
livre da doença como conseguiu ter casa não funciona como abrigo per- ta da Santa, em Bom Jesus da Lapa, na
forças e saúde para cuidar dos outros. manente, mas serve de local para que Bahia. “Cresci com o dom de servir”,
Sem receber um centavo do gover- idosos sejam alfabetizados e recebam resume a baiana. Depois disso não pa-
no, Perpétua montou há sete anos uma orientações para aposentadoria; tam- rou mais. Veio para Brasília em 1979
entidade para atender idosos caren- bém há distribuição de verduras e fru- ajudar a irmã a cuidar da filha. Depois
tes. O que seria um atendimento dire- tas e ensino de artesanato. trabalhou como doméstica, terminou o
Todo mundo ajuda: filhos, vizinhos, ensino médio e empregou-se em uma
Perpétua feirantes da Ceasa, comerciantes. Me- empresa privada, até se aposentar.
só não nos o governo. Ela até hoje não con- O trabalho voluntário no DF come-
conseguiu
vencer a
seguiu desenrolar a documentação da çou com o Grupo dos Vicentinos, liga-
burocracia: entidade para conseguir receber recur- do à Igreja Católica. Ao fazer visitas nas
todo mundo sos do GDF. E não foi por falta de ori- comunidades carentes, Perpétua ficou
ajuda a
associação, entação e ajuda. Advogados se empe- ainda mais perto das necessidades bá-
menos o nham para agilizar a tramitação, mas sicas do ser humano: falta de alimento,
governo
a burocracia atrapalha. roupas, remédios. E viu que havia gen-
A sorte é que, na mesma propor- te muito mais humilde do que ela, que
ção do descaso do governo, há gente precisava de atenção, de carinho, de
empenhada em mudar a realidade à amor. “Lembrava do tempo que fiquei
sua volta. Nos quatro cantos do Dis- em cima de uma cama sem poder cui-
FOTOS: CARLOS ALVES

trito Federal, há homens e mulheres dar dos meus filhos. E jurei que se Deus
preocupados com o próximo. Associa- me deixasse cuidar deles ia servir ao
ções beneficentes, asilos de idosos, próximo e continuar o trabalho Dele”,
creches ser proliferam para atender conta Perpétua, emocionada.
32 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010
Ilda Pereir
a Porto,
60 anos, e
o
marido Mes
sias,
80, aprend
eram
a ler e escr
ever
na escolinha
da
ADSTI: org
ulho dos
cadernos es
colares

Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 33


BRASÍLIA DO BEM

A Associação tem um grupo de pernas estão enferrujando, não pos- ceiros para construir uma casa. A Ad-
atendimento para 70 idosos, além de so parar”, diz. ministração da cidade cedeu o espaço
400 que são assistidos de alguma for- Também é atendido na Associação há seis anos; políticos prometeram aju-
ma. Quem não sabe ler, aprende. o casal Messias Pereira Porto, 80 anos, da, mas até agora nada. “Nossa ideia
Quem não tem profissão passa a ter. e Ilda Pereira Porto, 60 anos. Eles é construir um local onde os mais ca-
Quem não se aposentou consegue aprenderam a ler e escrever na esco- rentes possam ficar. Todo idoso que
receber o benefício. Simples assim. É lhinha. A filha de Perpétua, Núbia da nos procura eu tenho que encaminhar
a dedicação dos voluntários (a enti- Silva Ribeiro, 25 anos, é quem alfa- para um abrigo, que está sempre cheio
dade tem dez dirigentes) que promo- betiza o grupo. Os dois têm dificul- de gente”, comenta Perpétua.
ve essas mudanças na vida das pes- dades na fala e não acreditavam que O sonho dela – e dos demais vo-
soas, como na da aposentada Maria pudessem conseguir ler e escrever. luntários – é ampliar o atendimento.
Celeste da Silva e Souza, uma riso- Eles guardam os cadernos das aulas “Há muitos filhos que batem e mal-
nha senhora de 69 anos que mal sa- com orgulho. Perpétua também en- tratam os idosos carentes. Só querem
bia ler e escrever e hoje consegue volveu a irmã nas atividades da As- receber a aposentadoria deles e não
muito mais que isso. Ela vive na co- sociação. Aluna das aulas de alfabe- querem compromissos”, denuncia.
munidade cercada por pessoas de tização, é ela quem atende os telefo-
quem gosta e com quem divide os no- nemas e anota os recados.
Para ajudar a Associação Adolescente
vos ensinamentos. “Os voluntários O local para a sede da Associação da Segunda e Terceira Idade (ADSTI):
nos levam para passear e dançar. As já existe, mas não há recursos finan- 3394-0553 / 8532-5365

Núbia, 25 anos,
filha de Perpétua:
alfabetizadora

CARLOS ALVES

34 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010


Quer ajudar? Comece agora!
Doe sangue, salve vidas Livros infantis e outros Computadores Óculos velhos
Onde doar: O projeto Casa do Saber já O Centro de Democratização ou quebrados
• Hospital de Base: SMHS, implantou 73 bibliotecas no DF da Informática (CDI) é uma A Voriques Óptica recebe
quadra 101, fone 3325-4050. e beneficia cerca de 160 mil ONG que trabalha com a óculos com defeitos ou que-
pessoas, tudo com doaçoes de população carente do DF e brados, conserta e doa para
• Fundação Hospitalar do DF: livros. Doe nos postos da rede entorno. Conta com doação idosos e crianças carentes.
SMHN, quadra 3, cj. A, bl. 3, Gasol ou agende o recolhimento de equipamentos para Contatos: Marina e Walace,
próximo ao HRAN. Seg. a sex., pelo telefone 0800-614553. continuar o trabalho. Conta- 3346-6100 e 3346-9692.
de 7h a 18h; sáb. de 7h a 12h. tos: (61) 3322-7233; Marco Lojas: Centro Médico de
Contatos: fones 160 e 3327- Livros de qualquer tipo Ianniruberto (diretoria@ Brasília (SHLS 716, bl. F, lj.
4424/4410. Mais informações A ONG T-Bone fez bibliotecas em cdi-df.org.br) e Aldiza 16/43) Pátio Brasil (térreo,
no site www.fhb.df.gov.br 36 pontos de ônibus da W3 nor- (aldiza@esquel.org.br). lj. 104W, fones 3225-8586 e
te. Doações no Açougue Cultural 3223-3496) e Gilberto Salo-
• Fundação Hemocentro: SMHN T-Bone , das 8h às 19h. CLN 312, Bicicletas usadas mão (Lago Sul, fones 3248-
quadra 3, cj. A. Contatos: 3327- bl. B, lj. 27, fone 3274-1665. ou com defeito 6952 e 3364-3616). E-mails:
4462/64 e pr@fhb.df.gov.br A ONG Rodas da Paz marketing@voriques.com.br e
Livros, CDs e RPG recebe doação de bicicletas assessoria@voriques.com.br
Potes de vidro O Espaço Cultural COPE compra, novas, usadas ou com
para leite materno vende e troca livros (novos e defeito. Eles reformam e Adoção de animais
Seus potes de vidro usados usados), CDs e jogos RPG. Eles doam a crianças carentes. A Associação Protetora dos
podem ajudar a salvar vidas de doam livros didáticos usados As que não têm conserto Animais do DF (ProAnima)
muitos bebês (e seu leite para escolas públicas de ensino servem para fazer triciclos promove a adoção de ani-
também). Campanha do Berçário fundamental. Contatos: para deficientes. Contatos: mais abandonados e recebe
do Hospital Santa Helena. 3274-1017 (CLN 409, bl. D, lj 19/ Maurício (8408-8498) doação de remédios e ali-
Atenção: apenas vidros com 43) e 3201-1017 (Feira dos e Andréia (9986-2911 e mentos. Contatos: 3032-
tampa de plástico. Acima de 30 Importados, cj. B, lj. 418/420). 3447-4551). E-mails: 3583 e proanima@proanima.
unidades eles buscam em casa. thebruce@terra.com.br e org.br. SCLN 116, bl. I, lj. 31,
Contatos: 3215-0029. Livros com temas ambientais www.osteixeiras.com.br subsolo, Ed. Cedro.
A Associação Amigos do Futuro
Remédios recebe livros, vídeos, revistas e Eletrodomésticos Jovens voluntários
O HRAN recebe doação de remé- monografias sobre temas am- A cooperativa de reciclado- A ONG Sonhar Acordado
dios. Contato: Dra. Neide, 3325- bientais. Contatos: 3346-0422. res de lixo 100 Dimensão leva jovens para passar o dia
4249, neide@linkexpress.com.br recebe eletrodomésticos fazendo companhia a
Kimonos usados usados ou com pequenos crianças carentes. Recebe
Roupas, alimentos O professor Tranquillini dá defeitos, restaura e repassa doação de roupas, calçados,
e brinquedos aulas de judô para crianças e a quem precisa. Fica na QN alimentos e materiais de
A Aldeias SOS recebe roupas, adolescentes carentes de 7 a 17 16 cj. 5, lt. 2, entrada do construção. Contatos:
alimentos, brinquedos para crian- anos e precisa de kimonos Riacho Fundo II. Contatos: Mateus, fones 9963-9639 e
ças. Mais informações no site usados. Contatos: 3224-7728 e Sônia (8442-3275) e Ângela 3468-3769. E-mail: mateus@
www.aldeiasinfantis.org.br tranquillini@abordo.com.br (angel01@hotmail.com). sonharacordado.com.br

SEJA VOLUNTÁRIO
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Você também pode indicar entidades sociais que precisem de trabalho voluntário de qualquer
tipo, ou ainda de doações. Nossa equipe entra em contato com a instituição e inclui na lista.
Se você tem vontade de fazer um trabalho voluntário mas não sabe onde, escolha
uma entidade na nossa lista. Tem muita gente precisando daquilo que você sabe fazer.
Vale tudo: de plantar árvores a visitar doentes; de advogar a pintar paredes; de contar histórias
a consertar computadores; de fazer contabilidade a liderar campanhas. Veja a lista no nosso site.
Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010 35
ESPECIAL

Antônio Carlos Queiroz, ACQ

Emily R ecentemente, ao tentar traduzir um po-


ema de Emily Dickinson de 1862, per-
cebi, na sua leitura vertical, que a peça se

Dickinson,
parece com um tapete ou uma toalha bor-
dada. Além das rimas, algumas apenas visu-
ais, saltaram aos olhos e aos ouvidos padrões
gráficos e fonéticos ao longo do texto.
Três clusters repetem-se nas quatro li-

poesia &
nhas da primeira estrofe: “Bird, did, bit,
ate”, “down, know, Angle, fellow” e “Walk,
saw, Worm, raw”.
A segunda estrofe bisa a expressão
“And then” na primeira e na terceira linha,

bordado e a palavra “Grass” da segunda linha rima


com “pass”, da quarta..
Na terceira estrofe, destacam-se na mes-
ma posição quatro verbos flexionados no
particípio passado: “ glanced, hurried,

Emily: ousadia
e subversão da
linguagem

Revista do
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looked, stirred”. A expressão “rapid tura contrapontística linha a linha do servador oferece migalhas ao passari-
eyes” da primeira linha joga fonetica- poema, e uma leitura vertical harmô- nho que, no entanto, o esnoba e volta
mente com a expressão “like frightened” nica. É de se imaginar os efeitos sono- para casa. As imagens do retorno são
da terceira. De maneira imperfeita, a ros desse poema se ele fosse explora- belíssimas. O bicho fica eriçado e vai
palavra “abroad” da segunda linha do por um coral. embora como se estivesse remando, de
rima com o vocábulo “Head” da quar- maneira mais tranquila do que remos
ta linha. Mais próximos, entretanto, fi- CRUA? – Sem título, como todos os que fendem o oceano, muito calmo, sem
cam as palavras “abroad” e “thought” outros de Emily Dickinson, o poema ondas. Essa tranquilidade é compara-
(terceira linha). E é interessante notar em análise conta o encontro de uma da também às borboletas, que das prai-
as rimas visuais de “Beads” (terceira pessoa com um passarinho que pousa as de alguma região ensolarada (um
linha) com “Head” (quarta). na calçada, come uma minhoca (crua!, país do Mediterrâneo ou algum país
Jogos semelhantes ocorrem nas mas desde quando passarinho cozinha tropical?) voam como se estivessem na-
duas últimas estrofes. Por outro lado, minhocas?), bebe uma gota de orva- dando, sem borrifos.
chama a atenção esse tipo de jogo lho e dá passagem a um besouro. Des- São inúmeras as possibilidades de
também na leitura horizontal do poe- confiado, ele sonda os arredores, e interpretação do poema. Na primeira
ma, como as consonâncias com “d” seus olhos inquisitivos são compara- parte do poema, a natureza é flagra-
na primeira linha da segunda estrofe dos a contas assustadas. Na primeira da em estado bruto: um passarinho de-
(he drank a Dew) ou com “p” na últi- linha da quarta estrofe, uma ambigui- vora uma minhoca sangrando, bebe
ma linha do poema (Leap, plashless). dade: quem fica em estado de alerta, água e, já saciado, deixa um besouro
Os músicos diriam que há uma lei- o passarinho ou o observador? O ob- passar. Na segunda parte, um civiliza-

A Bird came down the Walk – Passarim pousou no Passeio –


He did not know I saw – Sem saber que eu o via –
He bit an Angle Worm in halves Trinchou uma minhoca ao meio
And ate the fellow, raw, E engoliu a bicha, crua,

And then, he drank a Dew Ele então bebeu o Orvalho


From a convenient Grass – De uma Grama vizinha –
And then hopped sidewise to the Wall De banda pulou na Muralha
To let a Beetle pass – Pra um Besouro passar –

He glanced with rapid eyes Relançou os olhos ligeiros


That hurried all abroad – Assuntando a redondeza –
They looked like frightened Beads, I thought – Miçangas medrosas, pensei –
He stirred his Velvet Head. – Buliu a Testa Velosa. –

Like one in danger, Cautious, Como alguém em perigo, Cauto,


I offered him a Crumb Lhe atirei umas Migalhas
And he unrolled his feathers E ele arrepiou as penas
And rowed him softer Home – Remou pra casa mais calmo –

Than Oars divide the Ocean, Que Remos que sulcam o Mar,
Too silver for a seam – Liso demais pra marola –
Or Butterflies, off Banks of Noon, Ou Borboletas que ao Meio-Dia
Leap, plashless as they swim. Saltitam como a nadar.

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ESPECIAL

do intervém na cena, oferecendo


restos de comida ao passarinho, que Artesanato de palavras
lhe dá as costas e vai embora. Na Quem trata de poesia, trata de um Para os estudiosos de literatura
terceira parte, um olhar sublimado texto especial, muito diferente, por e os teóricos da comunicação, tudo
da natureza, em que se compara o exemplo, do texto jornalístico (em ge- isso é trivial. Para quem, como este
que se passa no ar com o que flui ral, objetivo, detalhista, colado no fac- repórter, que traduz poemas de
nas águas do mar. Seria uma via- tual), do texto científico (ainda mais Emily Dickinson como hobby, lidar
gem desde a natureza até a civili- objetivo que o texto jornalístico, ri- com as características da poesia
zação ou a transcendência? Uma goroso na definição prévia de concei- constitui permanente fonte de sur-
história do desenvolvimento da per- tos, para evitar ambigüidades), ou presas e prazer estético.
cepção artística? mesmo do texto literário em prosa Mais ainda por se tratar de Emily
É curiosa a precisa observação de (que, aliás, pode trafegar com qual- Dickinson (1830-1886), americana da
Dickinson sobre o vôo das borbole- quer dos outros gêneros, inclusive o Nova Inglaterra, considerada por mui-
tas, registrada 90 anos antes da in- lírico, mas aí já é outra história). Os tos como a maior poeta do mundo
venção do nado borboleta pelo ja- significantes na poesia costumam ter depois da grega Safo (630-612 a.C),
ponês Jiro Nagasawa! E também é in- significados abertos, ambíguos, vari- sendo páreo para Walt Withman, Wi-
teressante a expressão “Leap, plash- ados. Em poesia importa tanto o que lliam Blake e até mesmo Shakespeare.
less”, que evoca a beleza de um salto é dito como a maneira como as coi- A vida, a morte, a natureza em estado
ornamental, tanto mais perfeito e va- sas são ditas. Poesia é, sobretudo, ar- bruto ou brutal, as dúvidas sobre a
lorizado quanto menos faz borrifos. tesanato feito de palavras. eternidade, as armadilhas armadas

Bordando águas
Para um leitor brasileiro, o poema faz lembrar a maes-
tria da arte da navegação de João Cândido, o almirante
negro que liderou no Brasil a Revolta da Chibata, em
1910. Primeiro timoneiro do encouraçado Minas Gerais,
Cândido era um dos maiores especialistas de sua época,
só superado pelo kaiser alemão Guilherme II. Conta o
historiador mineiro José Murilo Carvalho que ao chegar
ao Rio de Janeiro, o jurista e jornalista pernambucano
Gilberto Amado manifestou admiração pela “perícia ma-
João Cândido, o gistral” do marinheiro, que “fazia parnasianismo de ma-
“navegante negro”:
bordados, corações nobra”. Quer dizer, navegava como quem faz poesia no
e passarinhos mar, mas poesia parnasiana, preciosista, que valoriza as
formas. O próprio Carvalho escreve que João Cândido
“bordava as águas da baía com o lento e majestoso evo-
luir dos encouraçados”. Bordar é outra arte preciosista,
como a tapeçaria, cujas tramas de pontos coloridos tam-
bém podem contar histórias. João Cândido, registra Car-
valho, fazia bordados com agulhas e linhas, decorando
toalhas de mesa com passarinhos e corações flechados.

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pelo cérebro e os jogos da alma, tudo ousadas características incluem o nas por causa da forma, mas por sua
isso é matéria prima para a arte dessa abuso de maiúsculas para enfatizar originalidade cognitiva, comunicam
mulher, cujos mitos biográficos, infe- conceitos; rimas inusitadas; “desvios” uma rica e inteligente visão artística
lizmente, obscurecem a sua obra – gramaticais deliberados; adjetivação do mundo que transbordam os limites
1.789 poemas e 1.049 cartas para de substantivos e o contrário; flexões de seu tempo, o final do século XIX,
mais de uma centena de correspon- verbais correntes apenas na norma época em que os Estados Unidos en-
dentes, também consideradas textos popular do inglês; uso peculiar de tra- frentaram a guerra civil e em que fazi-
poéticos para todos os efeitos. vessões para marcar pausas ou subs- am história personalidades do naipe
Dickinson trilhou caminhos muito tituir qualquer outro sinal de pontu- de Abraham Lincoln, Karl Marx, Char-
diferentes dos de seu contemporâneo ação; extrema concisão obtida com les Darwin e Franz Liszt.
Walt Withman. No lugar dos versos violentas elipses; e outros tantos tor- Eis a definição que a própria Emily
brancos revolucionários daquele, seus neios verbais para cavar novos valo- Dickinson deu de poesia: “Se leio um
poemas cabem na fôrma clássica dos res semânticos. livro (e) ele deixa meu corpo inteiro
hinos de igreja do reverendo inglês Obviamente, esses recursos se gelado que nem um fogo pode aque-
Isaac Watts (1674-1748). Mas isso é prestam muito bem ao artesanato cer, eu sei que isso é poesia. Se fisica-
só o começo da conversa e impres- feito de palavras. No caso de Emily mente eu sinto como se o topo da mi-
são da primeira leitura. A subversão Dickinson, porém, não se trata da arte nha cabeça fosse arrancado, eu sei que
que ela fez da linguagem é tão gran- pela arte. Seus poemas, aparentemen- isso é poesia. Esses são os únicos jei-
de e original que a consideram uma te fáceis mas muito difíceis de ler, como tos que eu tenho de saber. Será que
das precursoras do modernismo. Suas diz o crítico Harold Bloom, não ape- tem outro jeito?”

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O futuro
do Brasil
passa por
você.
Vote com
consciência.

O sindicato da
cidadania

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