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MENÇÕES DE DESTAQUE – Compós 2008

Polícia que conversa: reciprocidade, publicidade e


accountability na implantação da filosofia de polícia
comunitária*
RESUMO Desde o final da década passada a Polícia Militar de
O trabalho examina a mudança na comunicação pública Minas Gerais iniciou, no âmbito do Comando de Polici-
da Polícia Militar de Minas Gerais sob a perspectiva da amento da Capital, Belo Horizonte, o Plano de Polícia de
interlocução e da parceria decisória entre polícia e cida- Resultados. Instituído com o intuito de reduzir a crimi-
dãos, esperada com a implantação de uma filosofia de nalidade – que na década de 90 alcançara altíssimos
polícia comunitária. A instituição de instâncias formais níveis, baseia-se em dois eixos principais: o geoproces-
de interação entre a PM e públicos locais – os Conselhos samento e o policiamento comunitário. Este último cor-
Comunitários de Segurança Pública - enseja uma aten- responde a uma corrente doutrinária com raízes nas
ção precípua aos princípios de reciprocidade, publicida- reformas policiais de muitos países, iniciadas há pelo
de e accountability que devem presidir as condições de menos três décadas. Além de uma simples alteração nas
deliberação pública. táticas cotidianas de policiamento, trata-se de uma filo-
sofia, comumente descrita na literatura como uma mu-
PALAVRAS-CHAVE dança profunda na orientação e na missão policial, que
comunicação pública deixa de ser reativa (com foco nos incidentes de caráter
deliberação criminal) para ser preventiva e orientada para a solução
polícia comunitária de problemas (com foco na prevenção).
Tal característica informa que a polícia comunitária
ABSTRACT exige mudanças mais significativas no modelo das agên-
This article examines the change in the public communication cias policiais, incluindo a sua cultura organizacional,
of the Military Police of Minas Gerais under the perspective of de modo a torná-la mais aberta e permeável às deman-
dialogue and deliberation between police and citizens, face the das da população a que deve servir. Envolve participa-
introduction of community police practices. The constitution ção dos cidadãos na própria gestão dos problemas de
of formal interaction between PM and local publics - through segurança que lhes concernem, sendo, por isso, um fator
community councils - brings an attention to the elements that político considerável, condizente com a demanda por
should preside public deliberation conditions: reciprocity, pub- participação cívica nos negócios públicos, o que é pró-
licity and accountability. prio de democracias nos moldes deliberativos.
O caso da PMMG é particularmente interessante por-
KEY WORDS que, além de redirecionar suas táticas de policiamento,
public communication começou progressivamente a institucionalizar a polícia
deliberation comunitária como uma diretriz doutrinária. A implan-
community police tação de instâncias formais de interlocução, os Conse-
lhos Comunitários de Segurança Pública (CONSEP), em
todo o Estado, cria uma nova configuração organizacio-
nal e demanda a administração de processos de intera-
ção completamente novos. Impõe o desafio de gerar e
manter uma interlocução com o público – genericamen-
te denominado de “comunidade” - e orientar suas ações
em cada localidade por uma série de questões derivadas
desse diálogo, que devem responder às expectativas ge-
radas neste processo.
Este trabalho se ocupa desse aspecto da implantação
da polícia comunitária: seu caráter deliberativo, que exi-
ge uma mudança nas políticas de comunicação da Polí-
cia Militar. Acostumada a falar para a sociedade, agora é
instada a conversar com as comunidades, o que represen-
Márcio Simeone Henriques ta uma transformação nada desprezível. O distancia-
Professor do departamento de Comunicação Social da UFMG/MG/BR mento entre a polícia e o público, sua estrutura burocrá-
simeone@fafich.ufmg.br tica rígida e hierárquica, sua pouca sensibilidade às
demandas dos cidadãos e a resistência à interlocução e

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à parceria decisória, aos quais se junta um acúmulo instauram um movimento de “repolitização” da polícia,
histórico de casos de abuso do poder policial e desres- enquanto várias pesquisas começam a demonstrar o
peito aos direitos humanos, tudo isso costuma lançar esgotamento do modelo de policiamento adotado quan-
dúvidas sobre a viabilidade e a capacidade da institui- to à efetividade na resolução de crimes e redução da
ção policial de implantar uma prática deliberativa. Exa- violência nos grandes centros urbanos (Reiss Jr., 1971).
minaremos brevemente algumas questões que emergem Assim, ao lado de um questionamento sobre a eficácia
com esta demanda pela conversa com os públicos locais das técnicas, a crise do modelo se fez acompanhar de um
e pelo estabelecimento de efetiva parceria decisória, a crescente questionamento sobre o papel das agências
partir do exame do caso da PMMG, atentos aos princípi- policiais em regimes democráticos, também muito influ-
os de reciprocidade, publicidade e accountability que re- enciado pelas exigências de respeito aos direitos huma-
gulam as condições para a ocorrência da deliberação nos.
pública. Duas vertentes estratégicas importantes surgem como
resposta ao desafio de gerar uma nova aceitação pública
A filosofia de polícia comunitária: uma resposta política da polícia e reposicionar sua missão e operações, além
A princípio, a idéia de policiamento comunitário pode de buscar maior efetividade na redução do crime: o poli-
limitar-se a uma perspectiva operacional, onde a polícia ciamento orientado à solução de problemas e o policiamento
busca exercer suas funções em proximidade maior com comunitário (Goldstein, 2003). Ambas, na verdade, tor-
a população, usando de táticas de patrulhamento a pé nam-se complementares, intrinsecamente relacionadas,
(ou de bicicleta), em contraposição ao patrulhamento voltadas para as atividades de cunho preventivo – no
motorizado acionado por telefone (numa relação mais lugar da ênfase dada às tarefas repressivas e envolven-
“fria” com o público). Mas diversos autores situam-na do a direta participação do público (Peak & Glensor,
como uma filosofia, uma orientação distinta daquela que 2004; Moore, 2003). A proposta de polícia comunitária é
embasa o modelo reativo que se tornou hegemônico ao movida pela idéia-força de que o público pode ser “co-
longo do século XX que previa um distanciamento da produtor da segurança e da ordem, juntamente com a
polícia por meio da profissionalização e burocratização polícia” (Skolnick; Bayley, 2002, p.18). Em vários países,
de suas atividades. O modelo profissional enfatizaria a programas de policiamento comunitário e de solução de
técnica e a eficiência operacional e, ao lado da burocrati- problemas começaram a ser experimentados desde a
zação, buscaria garantir a neutralização das pressões década de 1970, primeiro de forma isolada. Depois ex-
cívicas do ponto de vista do regime administrativo e a pandiram-se para várias partes do mundo, inseridos
neutralidade política e a confiabilidade legal da polícia, como doutrina, assumindo formatos diferenciados, mas
ao desenvolver um sistema hierárquico de comando e tendo princípios em comum como a maior escuta (for-
controle (Bordua; Reiss, 1966; Reiss Jr., 2003). mal ou informal) da população, patrulhamento mais
próximo e promoção de ações preventivas com a coope-
ração das comunidades.
A implantação da filosofia de A implantação da filosofia de polícia comunitária no
Brasil é consentânea com as mudanças no exercício po-
polícia comunitária no Brasil é lítico, com o processo de redemocratização das últimas
décadas. A Constituição Federal de 1988 criou condi-
consentânea com as mudanças ções para o exercício de uma cidadania que prevê inter-
locução entre poder público e sociedade civil, por meio
no exercício político, com o de instâncias formais de interação que permitem a parti-
cipação dos cidadãos nos negócios públicos, em especi-
processo de redemocratização al na formulação de políticas públicas. Neste contexto,
tomam forma diversos fóruns como os conselhos gesto-
das últimas décadas. res de políticas públicas, cobrindo a grande variedade
de áreas da administração pública, o que é reconhecido,
A tentativa de estabelecer uma demarcação entre as em geral, como inovação institucional democrática
atividades policiais e o exercício da política por meio (Avritzer, 1994, Fung, 2004a; Fung; Whright, 2001). A
deste modelo, além de promover a quebra de uma rede idéia de polícia comunitária está presente na PMMG
de relações entre a polícia localmente organizada e a desde a década de 1980, mas só ganhou força na década
comunidade a que servia (Goldstein, 2003), instaurou seguinte. A filosofia só ganharia fôlego para inserir-se
também uma tensão permanente entre a sua autonomia realmente como doutrina e lograr maior efetividade a
e a sua responsabilização, que se refletiu com bastante partir de 1999, com a implantação do “Plano de Polícia
vigor na legitimidade da força policial em países demo- de Resultados”, no âmbito do Comando de Policiamen-
cráticos (Moore, 2003). A partir da década de 1960, nos to da Capital (CPC)1. Baseava-se em dois eixos princi-
Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá, seguidos de pais: mapeamento da criminalidade, através de técnicas
outros países, as novas configurações políticas e sociais de geoprocessamento, e atendimento descentralizado às

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demandas das comunidades através da criação de Con- porativa, com forte solidariedade interna, cria dificulda-
selhos Comunitários de Segurança Pública (CONSEP)2. des para aceitação do cidadão comum e de suas deman-
das; o sistema de recompensas, que tende a premiar
Mudança nos padrões de relacionamento: um desafio à mais os esforços de reação repressiva (pronta resposta),
comunicação pública da polícia não incentiva o engajamento dos policiais em ativida-
A mudança nos padrões de relacionamento entre a polí- des tipicamente preventivas. Um dilema básico que pre-
cia e os públicos sob a égide dos princípios de polícia ocupa a polícia é que a abertura à participação freqüen-
comunitária e de resolução de problemas, torna-se uma temente leva a uma maior pressão sobre a sua atividade
questão complexa que necessita equacionar ambas as e, com isso, ela tende a sentir maior cobrança em relação
dimensões – operacional e política e tentar superar os aos seus métodos de trabalho, aos resultados e ao próprio
principais obstáculos a uma proximidade com os públi- controle sobre as suas atividades mais rotineiras, que têm
cos. A relação mais próxima com os públicos locais a ver com o seu poder discricionário (Goldstein, 2003).
reflete a necessidade de resgatar a confiança na atuação Sob o ângulo externo, a expectativa de mudança no
da polícia, mas, além disso, através dessa confiança, relacionamento com os públicos requer que a organiza-
obter a cooperação desses públicos na execução de suas ção enfrente o desafio de lidar com uma imagem pública
tarefas. Jerome Skolnick e David Bayley colocam a escuta contraditória: por um lado pode inspirar admiração,
das demandas da população como condição para obten- confiança e sentimento de proteção (considerando a no-
ção de apoio e cooperação para a participação civil no ção de uma função social cumprida pela polícia) e, por
policiamento: “os policiais têm descoberto que, se dese- outro, o medo, a suspeita e a desconfiança (consideran-
jam gozar do apoio e cooperação do público, devem do a polícia como símbolo de autoridade e força e mesmo
estar preparados para ouvir o que a população tem a devido ao acúmulo histórico de abusos do poder polici-
dizer, mesmo que seja desagradável” (Skolnick; Bayley, al). Essa ambigüidade nas expectativas sociais em rela-
2002, p.32). Isso implica em reciprocidade de comunica- ção ao papel da polícia e, conseqüentemente, na sua
ção que deve não somente ser aceita, mas encorajada imagem perante a população constitui um problema
delicado, que demarca os limites dentro dos quais o
relacionamento com os públicos tem lugar. A cultura
Como observa Maia (2003), a organizacional fortemente marcada estimula percepções
coletivas contraditórias (Punch, 1979), ou mesmo reple-
publicidade, num sentido forte, ta de estigmas que recaem sobre a figura do policial e
sobre as suas tarefas (Bittner, 1975).
não se limita a uma difusão ou Quanto à comunicação organizacional, o desafio, ao
introduzir a filosofia de polícia comunitária, é o de tra-
exposição pública, mas também çar uma política de comunicação pública que contemple
essa nova demanda. Seja do ponto de vista das estratégi-
cria um espaço para a as de comunicação interna, seja com mudanças na ma-
neira como se refere aos públicos externos. Para estes,
deliberação e o governa, cremos que o modelo tradicional de relações públicas,
baseado essencialmente na difusão de informações para
produzindo padrões para julgar públicos gerais em larga escala, não se mostra mais
adequado e suficiente para atender à demanda de esta-
os acordos ali produzidos. belecer contatos mais próximos com públicos específi-
cos. De uma ênfase quase exclusiva na produção e difu-
O grau e a qualidade de participação que está em jogo são de informações, passa-se à exigência de interlocução,
sob este modelo é um ponto sempre controverso e confli- o que altera o fluxo comunicativo. Ao lado das funções já
tante, principalmente no que se refere à expectativa de tradicionais de esclarecer sobre as questões públicas e
deliberação conjunta dos atores que participam das ins- prestar contas, deve voltar-se também para a função de
tâncias formais. Entre as expectativas consultivas e deli- estabelecer políticas e estratégias de comunicação que
berativas projetadas sobre estes fóruns, nem sempre há estimulem a participação e cooperação dos cidadãos,
uma visão clara dos limites a partir dos quais a própria estabeleçam e orientem a interlocução e fomentem o de-
participação civil passa a ser considerada inconvenien- bate cívico (Zémor, 1995), ou seja, deve abranger as rela-
te pelas autoridades policiais. Sob este prisma, a im- ções comunicativas que tem por objeto a deliberação
plantação de polícia comunitária encontra vários obstá- conjunta entre a polícia e os cidadãos.
culos, principalmente no que se refere à cultura interna Por deliberação entendemos não apenas tomadas de
da corporação, que vão muito além da disposição de decisão formais do sistema político ou o debate que as
descentralização da autoridade, mudando a responsa- precede, mas um processo argumentativo bem mais am-
bilização interna do comando: a cultura fortemente cor- plo e dialógico de troca de razões, de discussão em

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público que busca, pela coordenação e cooperação entre O problema da deliberação através dos Conselhos
os sujeitos envolvidos, entender e/ou resolver situações- Comunitários de Segurança Pública
problema que escapam às suas esferas individuais (Bo- Ao mesmo tempo em que um modelo de democracia
hman, 2000; Dryzek, 2004). A expectativa é de que a deliberativa cria oportunidades de participação dos ci-
deliberação seja um processo contínuo, dinâmico, que dadãos em processos de formulação e controle de políti-
mantenha abertura ao diálogo cooperativo. Supõe dis- cas públicas, traz o desafio de garantir a qualidade e a
posição constante para a discussão de atores muito diver- legitimidade dessas deliberações, principalmente em lar-
sificados, o acolhimento das divergências e a expectativa ga escala (Dryzek, 2004). Por outra via, também é impor-
de algum entendimento mútuo. Para isso, os públicos tante considerar as possibilidades efetivas de engaja-
devem ter possibilidade não apenas de participar dos mento cívico e deliberação através de mecanismos de
fóruns, mas de apresentar seus argumentos e suas propos- menor escala. Os CONSEP assemelham-se ao tipo que
tas sobre os temas em debate, livres de constrangimentos, Archon Fung (2004a) denomina de “minipúblicos”, ou
coerções, recompensas e sanções (Bohman, 2000). seja, não configuram uma instância de deliberação em
larga escala, mas em escala reduzida e localizada. O
autor analisa pelo menos oito desenhos institucionais
A falta de uma visão mais diferentes para este tipo de deliberação, dentre eles um
tipo que denomina de “cooperação para a resolução
uniforme sobre as expectativas participativa de problemas”, que prevê “um relaciona-
mento contínuo e simbiótico entre o Estado e a esfera
de contribuição dos participantes pública destinado a solucionar determinados proble-
mas coletivos” (Fung, 2004a, p.177). Diversas questões
civis também é recorrente. acerca da deliberação nesta escala e sobre os mecanis-
mos capazes de impulsionar a participação e a mobili-
Também são pertinentes preocupações com as condi- zação dos atores locais se apresentam como relevantes.
ções essenciais para que nestes fóruns se efetive uma De modo mais específico, a chamada à parceria decisó-
deliberação democrática e, conseqüentemente, com os prin- ria na área de segurança envolve alguns dilemas comu-
cípios que regulam essas condições: reciprocidade, pu- mente enfrentados nos processos deliberativos.
blicidade e accountability (Guttman; Thompson, 1996). Destacamos neste trabalho alguns desses dilemas, vis-
Isso evidencia que a prática da deliberação pública não tos sob a perspectiva específica da constituição dos Con-
exige apenas atenção a processos comunicativos que selhos Comunitários de Segurança Pública, na ótica de
ocorrem para divulgar ou chamar à participação, mas tam- alguns de seus protagonistas. Os dados foram coletados
bém quanto às possibilidades de propor publicamente a através de pesquisa de campo em amostra de três CON-
tematização de questões que devem ser reconhecidas como SEP da cidade de Belo Horizonte, com características
relevantes. Como observa Maia (2003), a publicidade, diferentes. Ao lado de entrevistas em profundidade com
num sentido forte, não se limita a uma difusão ou expo- os membros desses Conselhos e com os comandantes
sição pública, mas também cria um espaço para a delibe- das respectivas Companhias PM, foram também reali-
ração e o governa, produzindo padrões para julgar os zadas entrevistas com oficiais do Estado-Maior da
acordos ali produzidos. O posicionamento dessas ques- PMMG diretamente envolvidos na concepção e implan-
tões no plano coletivo envolve negociação de sentidos tação do Plano de Polícia de Resultados e/ou em situa-
onde entram em jogo interesses individuais, formulação ção atual de comando em postos-chave do emprego ope-
de acordos através do debate público e a promoção de racional da PM3. O exame desses dilemas em relação aos
sua visibilidade. Os fóruns de discussão abertos à parti- princípios diretores das condições de deliberação – reci-
cipação dos cidadãos precisam operar sob exposição procidade, publicidade e accountability - pode evidenciar
pública de razões, tanto no sentido de que possam ser pontos críticos que merecem atenção para o desenvolvi-
livremente expressas, como também de serem reconheci- mento das políticas organizacionais da Corporação, mais
das como válidas. Por outro lado, a discussão - e a especialmente para o delineamento de uma política de
eventual tomada de decisões informada sobre os assun- comunicação pública.
tos públicos - depende, como condição geral, da dispo- (a) Reciprocidade - O problema de estabelecer o alcance
nibilidade aberta de informações (Bohman, 2000; Held, deliberativo dos CONSEP é ponto capital na definição
1995), que devem ser inteligíveis para o público e de uma de sua forma de atuação. Os princípios inscritos na
oferta ao conhecimento público dos fenômenos, inten- diretriz que orienta a polícia comunitária na PMMG
ções, planos e atualidades. As condições e princípios deixam clara a expectativa de que haja condições efeti-
criam, portanto, um nexo fundamental com a prática da vas de parceria decisória para resolução de problemas
comunicação institucional, seja dos próprios fóruns, seja de segurança: “estabelecimento de um estilo de processo
das agências administrativas do poder público que a decisório baseado em estreita parceria dos órgãos da
ele estão ligados. segurança pública com a comunidade” (Minas Gerais,

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2002, p. 3). Esta expectativa mostra-se bem clara por ria, uma parceria que acaba sendo logística: doar
parte de oficiais do Estado-Maior: viaturas, prover equipamentos que o Estado não
fornecia. [...] Com isso a população não se coloca na
O ideal é que o CONSEP seja a instância onde a posição de participar efetivamente, mas acha que
comunidade possa apresentar os seus problemas e ao doar já está participando e pode cobrar maior
possa conjuntamente resolver. Em algumas locali- eficiência (Oficial, Estado-Maior).
dades não terá o poder de deliberar, mas essa deli-
beração existe e ocorre. As pessoas têm um poder de A questão do alcance deliberativo mostra-se impreci-
fato na mão de ajudar a encaminhar o serviço e sa (qual o tipo de participação, sobre o quê se deve
assumir compromissos. Muitas vezes, a resposta e realmente deliberar, até que ponto a comunidade pode
a solução para um problema local estão nas mãos ou não interferir nas práticas e operações policiais, em
da própria comunidade, mais do que nas da polí- que medida as partes selam compromissos em relação
cia. Para estas questões ela acaba tomando decisões às ações de prevenção). De outra via, a configuração
e se comprometendo com ela, encaminhando a ou- sugerida para o CONSEP, de uma associação civil, pre-
tros órgãos etc. (Oficial, Estado-Maior). vê algum tipo de deliberação interna, para decidir sua
forma de atuação independentemente da tutela da polí-
Porém, a força de deliberação desses conselhos é algo, cia. O que gera também uma série de problemas, princi-
além de delicado, controverso e dependente da compre- palmente quanto às possibilidades de participação do
ensão de todos os níveis hierárquicos. É evidente a difi- cidadão comum, que não seja associado:
culdade da polícia de orientar-se por compromissos ge-
rados nessa instância. O problema da reciprocidade na
relação entre polícia e públicos manifesta-se costumei- Considera-se fundamental a
ramente vinculado à necessidade de mudança da cultu-
ra interna e de preparo dos policiais para lidar com a prestação de informações
comunidade:
Não tem poder deliberativo, porque temos proble- qualificadas que orientem
mas sérios na cultura da própria instituição (Ofici-
al, Estado-Maior). melhor o cidadão sobre as
Tem que estar preparado para isso, para atender possibilidades de participação,
bem a comunidade. [...] Alguns policiais mais anti-
gos não entendem isso e acham que não pode ‘um principalmente em comparação
paisano mandar em mim’. A própria formação nos-
sa, de antigamente, não permite isso (Oficial, Co- com outras áreas do poder
mandante de Cia.).
público.
A falta de uma visão mais uniforme sobre as expecta-
tivas de contribuição dos participantes civis também é Vou chamar o cidadão para participar das reuni-
recorrente. Às vezes, a participação pode ser meramente ões. Mas na hora de deliberar, como é o processo de
“passiva” (presença em palestras ou em eventos promo- deliberação? Só para quem é filiado. Como é o pro-
vidos pela PM ou pelo CONSEP ou mesmo participação cesso de filiação? Aí os CONSEP começam, nos
específica em projeto desenvolvido com a participação seus regimentos internos a limitar a possibilidade
da PM). Na perspectiva de uma cooperação mais “ati- de a pessoa votar à participação em determinado
va”, as expectativas mais comuns são de que a comuni- número de reuniões. Além disso, as pessoas que
dade colabore com denúncias, participe de esquemas vão votar tem que ter algum peso dentro da comuni-
colaborativos de prevenção (como as redes de vizinhos dade (Oficial, Estado-Maior).
protegidos), auxilie na reocupação de espaços públicos,
forneça apoio logístico (ou mesmo patrocínio). Muitas Isso chama a atenção para os constrangimentos à
vezes, o histórico de parcerias logísticas é indicador de participação do cidadão comum nos debates, reforçan-
boas relações com a PM, mas os oficiais da PM criticam, do o caráter mais institucional das representações nos
em geral, as experiências que se limitam apenas a uma CONSEP4. Mas há outras situações que também limitam
ênfase nas parcerias logísticas ou trabalhos assistenci- a representatividade e a reciprocidade esperada: as re-
ais: sistências históricas ao próprio contato com a polícia e
os constrangimentos à participação de instituições de
Há um desvirtuamento do que seria polícia comu- certas localidades. Um dos grandes desafios é o da par-
nitária em cima de uma visão equivocada de parce- ticipação de lideranças dos aglomerados (vilas, favelas),

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principalmente aqueles que são considerados áreas de sabe o que é o CONSEP, porque não tem interesse.
risco, dada sua vulnerabilidade às situações de violên- As pessoas se fecham. Há os que ficam surpresos se
cia. Em vários dos CONSEP não houve envolvimento ficarem sabendo. A maioria não preocupa em inte-
dessas lideranças ou, em alguns casos, a participação é ragir. Muitos nem conhecem as associações do bair-
sempre encarada com cautela e com reservas pelos pró- ro. Muitos não sabem que tem um pelotão da PM no
prios líderes: bairro (Oficial, Comandante de Cia.).

A gente encontra com as lideranças [dos aglomera- Considera-se também fundamental a prestação de in-
dos], conversa, telefona. Mas o lugar onde eles mais formações qualificadas que orientem melhor o cidadão
gostam de conversar com a gente é quando a gente sobre as possibilidades de participação, principalmente
encontra na Prefeitura, quando tem OP [Orçamento em comparação com outras áreas do poder público:
Participativo] ou outro encontro (Membro de CON-
SEP). Seria utopia da parte da PM imaginar que todo
cidadão ordeiro compreendesse ou estivesse dispo-
Eles [os líderes dos aglomerados] não participam, nível para compreender o que é polícia comunitária
porque sentem que não é bom mexer com isso, tem e que ele pode ter voz ativa no processo. [...] Ainda
muito risco, então eles atuam de outra forma, vão carecemos de muita informação qualificada, de
conversando com a gente, mas não nas reuniões muita informação de mídia mesmo, no sentido de
com a polícia militar. Eles ficam preocupados por- divulgar o que é polícia comunitária (Oficial, Esta-
que moram num lugar que tem alguma violência, do-Maior).
apesar de ter melhorado. Eles ficam com medo de ter
esse contato com a polícia (Presidente de CONSEP). Os CONSEP da amostra utilizam poucos instrumen-
tos de divulgação, além da comunicação interpessoal.
Alguns [líderes dos aglomerados] participam mais Há uma percepção de que as formas de divulgação não
discretamente, porque tem receio. Mas a gente tem são suficientes para chamar à participação, mas isso
ido muito a essas comunidades, nas associações sugere também que não se dá muita visibilidade às ques-
deles, pra discutir sobre as questões da segurança tões que são discutidas e sobre as deliberações desses
(Presidente de CONSEP). conselhos:

Também emerge neste contexto a dependência desses A divulgação é mais boca-a-boca (sic) ou faixas, por
conselhos da atuação da Polícia Militar, o que se reflete exemplo. Mas, infelizmente, mobilizar o povo é difí-
numa restrição do espaço de decisão mais autônoma: cil. [...] Também falava nas igrejas e a gente panfle-
tava nos condomínios (Oficial, Comandante de Cia.).
Eu acho que não há uma expectativa deliberativa
mais forte, organizando pautas e projetos, estabele- (c) Accountability - As reuniões dos CONSEP envol-
cendo prioridades, por conta da própria organiza- vem, em regra, a apresentação pelo Comandante da Com-
ção dos conselhos, que dependeram muito da inici- panhia dos dados estatísticos extraídos do geoprocessa-
ativa da polícia para se constituir (Oficial, mento, o que figura como importante ponto de pauta, em
Estado-Maior). geral para iniciar as discussões:

(b) Publicidade - Há uma percepção comum aos entre- Geralmente a gente passa a estatística criminal da
vistados de que a população de modo geral, não conhece Companhia, da área toda, a gente comenta essa
os CONSEP nem identifica a filosofia de polícia comuni- estatística, quais são os crimes que mais acontece-
tária e que a falta de divulgação, seja mais ampla, seja no ram, qual foi a resposta da polícia, a gente faz um
nível das localidades, é uma das razões para o desco- comparativo deste ano com o ano passado (Oficial,
nhecimento e para a baixa participação: Comandante de Cia).

A população conhece o Consep? Acredito que na sua A polícia traz as informações, inclusive através de
maioria, não. Acho que falta um trabalho para, primeiro, mapeamento: os locais, as fotos dos criminosos, ela
a gente conscientizar as lideranças (Oficial, Comandan- tá sempre informando pro pessoal o trabalho que
te de Cia). ela tem prestado, mostra os dados todos dos mapas
(Presidente de CONSEP).
A comunidade não participa; a gente não divulga o
CONSEP (Presidente de CONSEP). Mesmo com força deliberativa limitada, os encontros
demonstram que uma dimensão de prestação de contas
Na realidade a maioria da população da região não da polícia está de certo modo presente e que essa accoun-

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tability é fator apreciável, de ambos os lados, criando um tability mais efetiva carece de um razoável grau de reci-
fluxo de informações que, de outra forma, não aconteceria: procidade e de publicidade.
Acentuam-se, assim, os desafios de traçar estratégias
A coisa mais louvável da PM é trazer ao conheci- de comunicação pública que possam dar suporte a todo
mento da população o geoprocessamento (Presi- esse conjunto de relações de proximidade – com os cida-
dente de CONSEP). dãos nas localidades e com as diversas instituições com
as quais a Polícia precisa manter interlocução. Neste
O ponto mais forte do CONSEP, no meu ponto de mapa de relacionamentos – uma “comunidade” com-
vista era a cobrança deles sobre o que a Polícia tá posta por variados grupos de cidadãos e instituições
fazendo, uma prestação de contas: trabalhei assim com seus diversos graus de representatividade e legiti-
e assim, tive tal dificuldade, tal resultado; acho que midade – enseja relações (todo o tempo) contraditórias,
é uma coisa muito importante e talvez se existisse divididas entre o conflito e a cooperação, o que é próprio
só pra isso já valeria a pena (Oficial, Comandante de um jogo de relações políticas e deve ser encarado
de Cia.). como o desafio da participação em modelos democráti-
cos de deliberação pública. A comunicação pública para
De toda forma isso garante que a PM possa ouvir a esta finalidade precisa ser aberta o suficiente para não
comunidade e uma aproximação maior e serve para só informar cidadãos e instituições sobre as possibilida-
a PM saber que se não estiver atendendo à deman- des de deliberação, mas também para buscar manter
da da comunidade não adianta. [...] Os líderes co- coesão entre os diversos atores, não obstante as suas
munitários começam a identificar isso mudar as diferenças. A tarefa é a de garantir a manutenção da
referências que tem de polícia e do conceito operaci- instância de interlocução, da forma mais representativa,
onal de polícia (Oficial, Comandante de Cia.). legítima e estável possível nFAMECOS

De todo modo, evidencia-se a indissociabilidade NOTAS


dos três princípios, já que as restrições e limitações em * Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Co-
qualquer um deles comprometem a efetividade dos de- municação e Política”, do XVII Encontro da Compós,
mais. Isso também ressalta a importância de compreen- na UNIP, São Paulo, SP, em junho de 2008. O artigo
der a lógica comunicativa implicada neste processo, que baseia-se em pesquisa realizada para fins de douto-
não pode, de forma alguma, conformar-se apenas ao ramento em Comunicação pela Universidade Fede-
princípio da publicidade. ral de Minas Gerais.

Considerações Finais 1. Concebido e iniciado em 1999, foi institucionalizado


Com o estudo realizado, podemos perceber que, apesar como diretriz operacional mais tarde, em 2002, quan-
da expectativa de parceria decisória, os CONSEP en- do os elementos do Plano de Polícia de Resultados
frentam várias dificuldades para constituírem-se como passam a ter status de doutrina, regulando o emprego
instâncias deliberativas, no sentido de fóruns abertos, da PMMG na segurança pública. É um marco para a
tais como as restrições à participação do cidadão co- generalização do modelo para além da Capital.
mum, participação inibida de certos segmentos, falta de
preparo dos policiais para lidar com situações delibera- 2. No ano 2000 o programa alcançou maior dimensão
tivas, mas, principalmente, a falta de clareza sobre limi- com a implantação simultânea de 25 CONSEP por
tes e alcance das deliberações, o que, de certo modo, iniciativa da PMMG, no âmbito territorial de cada
compromete o princípio de reciprocidade que deve guiar uma das 25 companhias do município de Belo Hori-
o processo deliberativo. Além disso, há variadas expec- zonte.
tativas de participação da comunidade, sem uniformi-
dade de visão sobre o tipo de contribuição dos públicos 3. Foram realizadas ao todo 22 entrevistas individuais,
locais. Os CONSEP e as companhias às quais estão com roteiro semi-estruturado, sendo 11 com oficiais
ligados utilizam poucos recursos de divulgação e pos- PM e 11 com lideranças comunitárias civis, no perío-
suem recursos limitados em termos de instrumentos de do de março de 2006 asetembro de 2007.
comunicação dirigida, o que é visto como problema para
atingir um nível satisfatório de mobilização das comu- 4. No caso dos conselhos de Belo Horizonte, o que se
nidades e dar visibilidade pública para o que se discute verifica é uma representação majoritária de lideran-
e delibera nos conselhos. No entanto, vistos os próprios ças das associações de bairro.
CONSEP como estratégia de comunicação, são instânci-
as onde se realiza accountability em certa medida. Mesmo REFERÊNCIAS
assim, pode-se questionar a limitação dessa prestação AVRITZER, Leonardo. Sociedade Civil e Democratização.
de contas, já que, de modo mais abrangente, uma accoun-

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