Das características eminentemente humanas, a que mais me chama a atenção é a
de falsificar, ou melhor, plastificar aquilo que é orgânico. É como se fosse uma tentativa de eternizar o que inevitavelmente vai morrer, ou de controlar o que não tem controle, por isso em tantos carros aqueles cachorrinhos docemente sentados, que apenas balançam a cabeça, num automatismo delicado e silencioso, bem distante do movimento natural dos cães. Até para os cães de verdade falsificamos ossos. Enganamos seu instinto com uma desfaçatez cômica para nós, trágica para eles, que nada sabem das sutilezas do plástico. Outras vítimas da falsificação humana são os jardins: é uma profusão de garças imóveis, ou de sapos verdes engessados, simpáticos, distantes do nojo e da sombra. Tudo bonito, tudo estátua, tudo bem pouco incômodo, enquanto na vida real os sapos são excluídos da vida branca das pessoas e as garças estão enfeitando as margens dos nossos rios-esgoto. E as samambaias, os comigo-ninguém-pode, ou todas as plantas de plástico? Artefatos feitos de verde-mentira. Tristes e secas, escravas da preguiça humana, cumprem apenas seu destino de serem um enfeite que não respira, que não dá trabalho, que se pode lavar com água e sabão de vez em quando e que depois de um tempo desbota, ou fica antiquada, ou joga-se fora. Simples e prático e limpo, sobretudo limpo. Pior são as flores de plástico nos túmulos. Os mortos não merecem antúrios, margaridas, cravos mortos. Por que, para alguns, o efêmero de uma flor real não tem valor? É como se o vaso de flor fosse a duração que ele fica sobre o túmulo, e não a lembrança, a saudade que ele representa. Antes ter a catacumba cheia de ervas- daninhas, mal-me-queres, cristas-de-galo, os mais diversos tipos de capim, plantados por pássaros, do que a falsificação durável de uma flor de plástico enfeitando a lápide. Existem também as frutas e legumes, lustrosos, feitos à imagem e semelhança do real. Algumas frutas falsas estão tão próximas da verdade que chegam a enganar a fome de um ou outro mais crédulo, adulto ou criança. No entanto, são feitas para os olhos, desalimentam qualquer encanto que possa haver no sabor. Este falseamento não se detém apenas no vegetal ou nos animais de jardim. Falsificamos humanos também. Inteiros, como as bonecas infláveis. Um desmazelo da modernidade. Ou em partes. Órgãos genitais expostos em vitrines dos sex-shops. Tudo sem pulso, sem veia e sangue, sem culpa e prazer. Tudo para abastecer a fantasia erótica, mas ao mesmo tempo manter o corpo longe da carne do outro. E do sentimento, das imperfeições, das abstrações, dos humores vários que constituem o outro, e que plástico nenhum jamais conseguirá imitar.