Controle de qualidade
A rotina de trabalho dos profissionais envolvidos no laboratório clínico
independe da demanda que pode variar de poucos exames diários à carga de
trabalho extenuante, sendo sua responsabilidade e compromisso básico
assegurar que os resultados produzidos reflitam de forma fidedigna e
consistente a situação clínica apresentada pelos pacientes e clientes. Todos os
esforços devem ser realizados com constante verificação e busca assídua do
erro, no sentido de produzir dados de confiabilidade e exatidão firmemente
estabelecidos favorecendo o correto diagnóstico, tratamento e prognóstico das
doenças.
Evolução da qualidade
Na área de laboratórios clínicos, a primeira iniciativa interlaboratorial de
controle da qualidade foi realizada nos Estados Unidos, em 1947, por Belk e
Sunderman, que empregaram um pool de soro humano para comparar as
análises de um grupo de laboratórios. Em 1950, Levey e Jennings aprimoram o
controle interno, já praticado na época por meio da representação gráfica dos
valores de cada dia. Essas atividades foram denominadas de Programas de
Controle de Qualidade e hoje são chamados de Controle Externo e Interno da
Qualidade. No Brasil, os programas de controle de qualidade em laboratório
clínico foram introduzidos na década de 70/80, com o Programa Nacional de
Controle de Qualidade (PNCQ) da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas
(SBAC) e do Programa de Excelência para Laboratórios Clínicos (PELM) da
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC).
Padronização
Para se obter qualidade nos exames é preciso também que haja
padronização dos processos, desde a solicitação médica até a liberação do
laudo. A padronização refere-se tanto aos métodos quanto aos materiais. Um
material padrão é usado para calibrar os instrumentos analíticos e para conferir
valor quantitativo aos calibradores. Sempre que possível, devem estar
correlacionados à uma medida física ou química definida ou baseada em
unidades de comprimento. Portanto, a padronização no laboratório clínico tem
a finalidade de prevenir, detectar, identificar e corrigir erros ou variações que
possam ocorrer em todas as fases da realização do teste. Todas as atividades
do laboratório devem ser documentadas através de Instruções de Trabalho (IT)
ou Procedimentos Operacionais Padrão (POPs), aprovadas e colocadas à
disposição do corpo técnico e de apoio. As ITs ou POPs são documentos que
descrevem detalhadamente cada atividade do laboratório, tais como:
atendimento ao cliente, coleta de amostras, limpeza e descarte de materiais,
manipulação de equipamentos, realização de diversos exames e liberação de
laudos.
O controle de qualidade laboratorial pode ser dividido em dois maiores
tipos: controle de qualidade interno (intralaboratorial); e controle de qualidade
externo (interlaboratorial). O controle de qualidade intralaboratorial pode ser
feito nos resultados das amostras controladas. Já no controle interlaboratorial,
um analito pode ser analisado por vários laboratórios e posterior comparação
dos resultados. A finalidade de ambos os controles é avaliar realisticamente a
atuação usual do laboratório com relação a outros, com o intuito de identificar
não conformidades. Para o estabelecimento do controle interno, deve-se contar
com manual da qualidade e documentação atualizado, pessoal técnico bem
treinado e atualizado, instalações, equipamentos, instrumentos de medição de
boa qualidade e calibrado, reagentes de boa qualidade, manipulação das
amostras e conservação adequadas, limpeza e existência de boas condições
de trabalho.
Atualmente, existem vários sistemas de controle para as variáveis. Os
mais utilizados para o controle interno são: Sistema de Controle de Levey-
Jennings e Sistema de Controle através das Regras Westgard.
Os gráficos de Levey Jennings são confeccionados através de linhas
especificando o valor médio para o analito na linha central e os limites de
controle estabelecidos (1, 2 e 3 desvios padrão) para identificar e mostrar
tendências dos resultados encontrados. Geralmente, analisa-se a amostra
controle da substância por no mínimo 20 dias diferentes e calcula-se, com isso,
a média e o desvio padrão. Com esses dados, estabelece-se os Limites
Aceitáveis de Erro (LAE) ou Limites de Controle (LC). Quando o resultado
estiver dentro desse LAE, o exame é liberado. O contrário ocorre para os
resultados fora dos LAE.
Como o sistema já citado, o Sistema de Multiregras de Westgard
também emprega amostras controle e gráficos de controle. Este, por sua vez, é
indicado para descobrir e interpretar alterações discretas que ocorrem nos
dados de controle. Também segue o esquema dos 3 desvios padrão, com a
seguinte interpretação:
Uma observação que excede a média 3s: rejeição do resultado
Uma observação que excede a média 2s: é uma alerta: deve-se
procurar o erro e repetir as análises
2 observações consecutivas excedem a média +2s ou -2s:
rejeição do resultado
Uma observação excede a média +2s e a seguinte excede a
média -2s: rejeição
Quatro observações excedem a média +1s ou a média -1s:
rejeição do resultado
Dez observações consecutivas estão do mesmo lado da média
(acima ou abaixo): rejeição do resultado
Já o controle externo da qualidade ou controle interlaboratorial é
altamente recomendado num programa de controle de qualidade, sendo
exigência da RDC 302 e visa a padronização dos resultados de laboratórios
diferentes pela comparação de análises de alíquotas do mesmo material. Um
tipo de programa de controle externo da qualidade para laboratórios é o Teste
de Proficiência que consiste de amostras múltiplas de valor desconhecido
enviadas periodicamente aos laboratórios para a realização de ensaios ou
identificação. Nesse caso, os laboratórios também são agrupados por
metodologias, equipamentos e os resultados são comparados com os dos
outros participantes, sendo o resultado da avaliação reportado aos laboratórios
participantes.
Automação
Introdução e definição
A palavra automação é proveniente do latim automatus e significa
mover-se por si. Diversas definições estão disponíveis, mas, em resumo,
automação é a aplicação de técnicas computadorizadas ou mecânicas com o
objetivo de tornar um processo mais eficiente, maximizando a produção com
menor gasto de energia e gerando maior segurança. Entendemos por gasto de
energia a aplicação de mão de obra especializada em atividades de baixa
geração de valor, gasto de tempo, desperdícios etc. Nas últimas décadas, a
introdução da automação na medicina laboratorial foi destacada como a
espinha dorsal na busca de eficiência e viabilidade das empresas atuantes
nesse setor e expandiu-se para todas as fases dos processos no laboratório
clínico (pré-analítica, analítica e pós-analítica), além da tecnologia e de sua
evolução permitirem que empresas de diferentes portes e quantidades de
exames implementassem algum tipo de automação em seus processos.
Motivos
Diferentes fatores serviram de motivadores para a rápida evolução da
automação na medicina laboratorial: fatores externos de mercado (1),
necessidade de melhor assistência à saúde (2) e fatores internos de operação
(3) e do ambiente financeiro econômico das instituições.
Modelos
A implementação de um processo de automação laboratorial deve levar
em consideração o posicionamento estratégico da empresa e sua forma de
atuação. Diferentes modelos de processos automatizados funcionam para
diversos negócios, definidos pelos tipos de exame e serviços oferecidos,
volume de processamento, atributos estratégicos necessários, capacidade de
investimento etc. Os processos automatizados em medicina laboratorial podem
ser descritos nos seguintes grupos:
• stand alone automation (SAA) – em termos gerais, a implementação de um
processo automatizado demanda tempo, planejamento e investimentos. O
modelo de SAA é uma alternativa interessante. É definido como um processo
automatizado isolado, como, por exemplo, um equipamento analítico
automatizado que opera por bateladas, um processo automatizado de
separação de amostras, armazenagem, distribuição e aliquotagem etc. Na
maioria das vezes, esse modelo de operação permite que empresas que
operam com volumes menores ou que não possuem porte financeiro para
maiores investimentos introduzam processos automatizados e gerem
benefícios relacionados com a produção. Uma forte tendência nesse tipo de
automação está associada aos processos de testes de biologia molecular e
testes genéticos;
• modular automation (MA) – um conceito bastante empregado, que derivou
daqueles da SAA, é a modularidade, ou seja, a capacidade de integrar
diferentes fases da automação em tempos diferentes. Essa abordagem
apresenta mais flexibilidade tanto na escolha e na definição das plataformas e
fases a serem implementadas quanto no tempo, no aprendizado e na utilização
de novos conceitos, prevendo novas decisões ou mudanças de modelos de
automação. Devido à menor necessidade de investimento desse modelo, em
termos gerais, o retorno sobre o investimento realizado costuma ser em menos
tempo. Atualmente, as plataformas modulares permitem a integração dos
processos pré-analíticos aos analíticos e apresentam, na maioria das vezes,
uma vantagem importante na grande quantidade de ensaios disponíveis
quando comparadas, por exemplo, ao total laboratory automation (TLA). Um
ponto-chave do sucesso da MA é a consolidação de metodologias distintas em
únicas plataformas, reduzindo o número de equipamentos que necessitam ser
implementados e, consequentemente, trazendo benefícios em termos de
velocidade, quantidade de amostras coletadas e atividades manuais que não
agregam valor ao produto, como o transporte das amostras entre plataformas;
• task target automation (TTA) – esse modelo de automação, direcionada a
atividades, tem seu foco principal em suportar atividades específicas dos
processos laboratoriais, como as fases pré- e pós-analítica, que possuem alto
grau de trabalho pessoal, riscos biológicos e alto potencial de erros. A TTA foi
desenvolvida para as atividades de recepção de amostras, aliquotagem,
distribuição, retirada de tampas e armazenamento, ou seja, fundamentalmente
ela opera na geração de amostras secundárias e fases pré- e pós-analíticas. A
introdução de um processo automatizado na fase pré-analítica de um
laboratório pode representar reduções significativas de custos de até 60% a
70% dos gastos totais do laboratório
• total laboratory automation (TLA) – a implementação dos modelos de TLA
iniciou-se no Japão e expandiu-se para a América do Norte na década de
1990. O conceito de TLA envolve a automação de todos os processos
envolvidos na medicina laboratorial, ou seja, fases pré-, pós- e analítica. Em
termos gerais, essas plataformas funcionam com a integração e equipamentos
analíticos de diferentes tipos e metodologias em células de trabalho (workcell),
conectados por uma esteira (track), como as áreas de bioquímica, sorologia e
endocrinologia, hematologia e coagulação. Toda a movimentação das
amostras nas diferentes direções da esteira é gerenciada por meio de leituras
por código de barras ou RFID. Uma importante vantagem da TLA é a
possibilidade de operar com diferentes tipos de amostras, como urina e fluidos
biológicos, além de amostras séricas
Fase analítica
A maior evolução da tecnologia na medicina laboratorial ocorreu na
etapa analítica. Hoje, podemos considerar que, vistos de forma isolada,
praticamente todos os equipamentos analíticos são processos automatizados.
A maioria dos equipamentos analíticos iniciou com desenhos de ensaios em
cuvetas, geralmente dispostos em um fluxo contínuo, provenientes
principalmente da automação dos ensaios bioquímicos enzimáticos.
A definição dos equipamentos a serem utilizados deve estar sempre
alinhada ao tipo de automação a ser implementada. Os principais parâmetros a
serem determinados são referentes a capacidade e velocidade de produção,
throughput, tempo e necessidade de manutenção, modo de utilização de
controles e estabilidade das calibrações, metodologias disponíveis e
preparação de reagentes. A quantidade (tipos) de reagentes que podem
abastecer os equipamentos (denominada on board) reduzindo os períodos de
máquinas paradas para reabastecimento e calibrações tem impacto
significativo no processo de automação e em sua capacidade de produção e
throughput. É sempre importante lembrar que deve se implementar o que for
mais viável para a rotina do laboratório analisado. As técnicas de bioensaio
para dosagem de hormônios, tanto as vivo (que requeriam o uso de animais
preparados) e as in vitro (que requeriam o cultivo celular) são, por exemplo,
consideradas inviáveis e foram substituídas pelos ensaios baseados em
receptores, imunoensaios ou, quando for possível, pela espectrofotometria de
massa. O mesmo ocorreu com os exames que utilizavam radioisótopos e os
radioimunoensaios também utilizados na dosagem de hormônios.
Nos últimos anos, algumas das principais tendências em automação
laboratorial foram a introdução dos conceitos de consolidação, ou seja, uma
pressão de convergência de mais tipos de exames em uma única plataforma, e
a integração, focada na obtenção de plataformas únicas com diferentes
metodologias, como, por exemplo, a integração de imunoensaios com ensaios
bioquímicos enzimáticos. Em ambos os conceitos, diversos benefícios foram
gerados ao processo do laboratório, como a possibilidade de operação com
menos tubos (muitas vezes, um único), diminuição do TAT, maior produtividade
operacional, diluição de custos fixos, entre outros.
Outro importante aspecto a ser considerado é o alinhamento ao modelo
de negócio da empresa com as plataformas a serem instaladas e os tipos de
exames (menu) disponíveis. Laboratórios que atuam em mercados de apoio ou
referência possuem maior número de testes raros (como as dosagens
hormonais) nos tipos de exame ofertados; aqueles em ambientes hospitalares
utilizam mais os modos de urgência (tempo de disponibilização de resultados
reduzido) e os ambulatoriais realizam mais testes denominados de rotina.
Fase pós-analítica
A etapa pós-analítica nas linhas de automação compreende o
armazenamento das amostras (soroteca), segundo determinados padrões
previamente definidos. Seu processo de automação (não só o armazenamento,
mas a busca de amostras a serem repetidas, diluídas, ou daquelas que
necessitam de um teste reflexo) leva a um ganho importante de produtividade e
à eliminação de atividades que não geram valor ao produto ou serviço
oferecido. Para isso, a utilização de processos de autovalidação dos exames,
fornecendo essas diretrizes, é fundamental.
Sistema de informação
Permeando todas as fases dos processos em medicina laboratorial, o sistema
de informação é um dos pontos-chave para o bom funcionamento de uma
plataforma de automação. Em termos gerais, um sistema de informação que
administre os processos automatizados deve ter, no mínimo, a habilidade de:
• monitorar a qualidade;
• monitorar os resultados;
• monitorar os equipamentos analíticos e sua operação;
• gerenciar as decisões referentes à repetição de exames;
• gerenciar as decisões referentes aos testes reflexos;
• cancelar testes;
• gerenciar o fluxo de trabalho de todo o laboratório, com base nas
necessidades de TAT, capacidade de produção e throughput, modo de
utilização do equipamento e disponibilidade para a operação.
Todas essas etapas devem fazer parte da escolha de um sistema de
informação laboratorial (LIS) para sua implementação, assim como a validação
dos processos. A definição de um LIS deve considerar a adaptação à realidade
e aos processos do laboratório.