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Análise Psicológica (2000), 1 (XVIII): 59-70

A obesidade feminina

RENATA GÜENTER (*)

1. INTRODUÇÃO te a existência do factor genético que se manifes-


ta de acordo com o ambiente e características do
A obesidade é o excesso de peso causado pelo próprio indivíduo.
aumento do número de células adiposas no corpo Entre as influências familiares, Kreisler
(Fisberg, 1993; Kaplan, Sadock & Grebb, 1997). (1978) refere que a criança é inseparável do am-
Por sua vez, Santoro (1996) define a obesida- biente em que vive, pois é, nesse ambiente, que
de como um desvio do bom estado nutricional. os hábitos alimentares se desenvolvem. O autor
Essa é, na realidade, do âmbito de uma investi- reconhece que existe uma tendência familiar
gação multidisciplinar (Kahtalian, 1992; Hersco- para a obesidade, porém, não está relacionada a
vici & Bay, 1997; Schussel, 1993). uma hereditariedade fatal, mas, provavelmente,
A obesidade pode ter sua etiologia nos facto- esses pais estão repetindo com seus filhos o con-
res de inter-relações endócrinas e metabólicas. flito que obtiveram na geração anterior, com os
Nesse caso, é considerada fruto de alterações seus pais (Pietsch & Prietsch, 1995).
Bruch e Voss (apud Kolb, 1977) assinalam
bioquímicas e fisiológicas do organismo (Diabe-
que o bebé, ao nascer, não possui uma consciên-
tes, Função Tireoidiana, Função Supra-renal,
cia discriminatória sobre a fome. Essa instala-se
Função Ovariana, etc.) (Dillon, 1983), levando a
através das trocas recíprocas estabelecidas no
um aumento de peso. Por sua vez, há igualmente relacionamento com a pessoa que dispensa os
a influência dos factores genéticos (Santoro, cuidados maternos e as respostas às demandas
1996), entretanto, Martins (1993) considera as que ocorrem entre a criança e seu objecto.
influências genéticas como importantes determi- Fenichel (1981) admite que a obesidade pode
nantes da obesidade humana, todavia, salienta estar associada a distúrbios psicossomáticos que
que a obesidade não é determinada no momento possuem a origem em conflitos no desenvolvi-
da concepção, como a cor dos olhos e, dessa for- mento psicogênico, vindo a desenvolver anorma-
ma, não é uma variável imutável. A autora admi- lidades hormonais. O autor lembra que, nas neu-
roses, ocorre justamente um reviver de sentimen-
tos e experiências relacionadas aos primeiros ní-
veis de desenvolvimento.
(*) Mestre em Psicopatologia e Psicologia Clínica
pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa,
Portugal. Docente na Universidade Luterana do Brasil. 2. MATERIAL E MÉTODOS
Administradora e Psicóloga Clínica da Psiquê-Psico-
clínica, Canoas – Rio Grande do Sul, Brasil. Esta pesquisa científica foi de cunho explora-

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tória-qualitativa. Magagnim, Korbes e Barros A entrevista diagnóstica foi utilizada com in-
(1998) enfatizaram que os estudos exploratórios- tuito de conhecer a história clínica dos sujeitos,
qualitativos são investigações de pesquisa empí- bem como a forma de organização dos sintomas.
rica, cujo objectivo é a formulação de um pro- Segundo Cunha e Raymundo, a entrevista diag-
blema com tripla finalidade: desenvolver hipóte- nóstica objectiva elucidar os problemas, conhe-
ses, aumentar a familiaridade do pesquisador cer a psicodinâmica e a psicopatologia do sujei-
com um ambiente, facto ou fenómeno para rea- to.
lização de uma pesquisa futura mais precisa ou
modificar e classificar conceitos.
A amostra da pesquisa é de quarenta mulheres 3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
obesas que não possuem comprometimento en-
dócrino e que estão fora do período da meno- A obesidade mostrou-se distribuída em três
pausa. O grau de escolaridade foi de 1.º grau in- níveis, 75% dos sujeitos da amostra apresentam
completo até superior completo, dentre essas uma obesidade de Segundo Grau, ou seja, que se
existiam sujeitos nos três níveis socioeconômico: situa entre 30 e 39,9 pontos, reflectindo alto grau
baixo, médio e alto. de sobrepeso. Entre os sujeitos, verificou-se que
Os sujeitos da amostra foram escolhidos de 20% das mulheres obesas apresentam Obesidade
acordo com o seu desejo de colaborar com a pes- Mórbida Grau II. Apenas um número pequeno
quisa, na unidade do Complexo Hospitalar Ul- de sujeitos, 5% da amostra, demonstrou uma
bra-Restinga-RS, bem como em três empresas as Obesidade de Grau I. O maior grau de obesidade
quais se presta atendimento clínico. sugere estar ligado a um maior nível de psicopa-
Como método de classificação de obesidade tologia a nível interno. Em nossa amostra, 15%
dos sujeitos, foi utilizada a tabela da Organiza- dos sujeitos são bulímicos e não mostraram dife-
ção Mundial de Saúde (Genebra). Kessler, Hal- renças em relação ao funcionamento psicodinâ-
pern e Zukerfeld (1997) referem que o método mico, mas indica ser uma evolução da psicopato-
mais usado é a correlação entre peso e altura, ou logia.
seja, índice de Massa Corpórea (I.M.C.) que é Quanto à incidência da obesidade, verificou-
obtido dividindo-se o peso (em quilos) pela altu- se um percentual um pouco superior entre os su-
ra elevada ao quadrado. jeitos com idades de 31-40. Pode-se, nesse caso,
sugerir que é o momento, na vida das mulheres,
peso actual (Kg) em que já possuem os seus filhos, bem como
IMC = alguns anos de casamento. Esse aspecto indica
altura2 haver uma dificuldade de dar sentido a essa vi-
vência familiar, reflectindo-se uma dificuldade
Realizando essa operação matemática, as obe- de investir em afectos, em relações vinculares
sas são classificadas em graus de obesidade. mais próximas ou íntimas.
A partir dos resultados obtidos, pode-se inferir
Menos de 20 – peso inferior ao normal
que não existe nenhuma explicação a nível so-
De 20 a 25 – peso normal
cioeconómico ou cultural para a obesidade, pois
De 25 a 29,9 – sobrepeso ou obesidade grau I
a mesma aparece em todos os níveis indiscrimi-
De 30 a 39,9 – obesidade grau II
nadamente.
Mais de 40 – obesidade mórbida ou de grau II
Da mesma forma, detectou-se que os sujeitos
Como instrumentos, utilizaram-se o Psico- desta pesquisa não se enquadram em uma obesi-
diagnóstico de Rorschach e a Entrevista Diag- dade de origem endócrina, visto que 100% des-
nóstica. ses já passaram por avaliação do Médico Endo-
O Psicodiagnóstico de Rorschach é um teste crinologista e não demostraram desvios dessa or-
projectivo de personalidade que propicia o en- dem. De acordo com Dillon (1983), a obesidade
tendimento psicodinâmico, e conflitos de per- de ordem endócrina é aquela que está associada
sonalidades dos sujeitos. O instrumento foi ava- a alterações metabólicas de insulina, alterações
liado de acordo com o método proposto por Vaz da função tireoidiana, alterações de função su-
(1997). pra-renal, hormônio de crescimento, alterações

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na função ovariana e obesidades da terceira ida- vive, pois é neste que a criança desenvolve seus
de. hábitos alimentares.
A obesidade dos sujeitos da pesquisa é de or- Nos sujeitos da pesquisa, verificou-se a cons-
dem psicogênica. Segundo Fenichel (1981), a tante relação da mãe associada a momentos de
obesidade psicogênica é aquela que está relacio- alimentação e à indiferença por parte da figura
nada a dificuldades de ordem emocional. objectal em outras situações, nas quais suas fi-
Constatou-se que, entre as famílias das mulhe- lhas encontravam-se saciadas. Kreisler (1978)
res obesas, existe um valor «idealizado supe- acredita que os gestos maternos que acompa-
rior», um valor inconsciente, projetado sobre a nham a alimentação são fundamentais no es-
comida que se sobrepõe às necessidades de diá- tabelecimento da comunicação mãe-filho, pois é,
logo e outras necessidades afectivas. Estas suge- nessa comunicação, que se cria o núcleo psíqui-
rem estar relacionadas ao valor que as figuras co para a obesidade, devido à mãe ter atendido a
paternas atribuem à alimentação, onde esta acaba todos os pedidos, desejos e insatisfações da
superpondo-se às demais necessidades subjecti- criança através da alimentação. Kalitalian (1992)
vas de suas filhas. Entre os sujeitos, 82,5% ti- partilha do mesmo ponto de vista de Kreisler,
veram mães obesas e 15% tiveram o pai obeso. atribuindo ao ambiente familiar a mola mestra
A satisfação das necessidades físicas revelou ser sob a qual a obesidade desenvolve-se, pois é,
o tema central desta vinculação pais-filhos. nessa vivência familiar, que a criança detecta
Kreisler (1978) refere que, quando os pais aten- múltiplos comportamentos e fantasias quanto
dem todas as necessidades da criança pela ali- ao significado de comer e aumento de peso.
mentação, cria-se a confusão entre necessidade e Também, nestes sujeitos constatou-se que,
satisfação, entre distância e expectativa, que si- aos poucos, desenvolveu-se a consciência discri-
tuarão o imaginário e a sublimação, causando a minatória, onde a presença da mãe, por um lado,
confusão psíquica entre fome e saciedade. juntamente com a alimentação, trazia sensações
Essa relação inconsciente com a comida au- que propiciavam uma vivência de conforto e
xilia a compreender o motivo pelo qual 40% dos bem-estar, enquanto que, por outro lado, nos mo-
sujeitos foram obesos na infância, emagreceram mentos que não estavam supridas de alimenta-
e tornaram a engordar na gravidez ou na vida ção, não existia a presença da figura objectal ma-
adulta. O que denota que essas obesidades ins- terna, muito pelo contrário, nesses momentos,
talam-se frente a factores de mudança na vida vivenciavam sentimentos de «abandono», pois as
dos sujeitos, que diante de reacções de conflitos suas mães tinham a tendência a se ocuparem
e mal-estar, tornam a buscar a comida como for- com aspectos objectivos da vida de suas filhas
ma de se acalmar ou resolver o problema, assim, como, por exemplo, alimentação, cuidados de hi-
adaptando-se. Kreisler (1978) refere que, na vida giene, limpeza e organização da casa. Bruch e
do sujeito, frente a momentos de conflitos, os in- Voss (apud KoIb, 1977) relacionam a obesidade
divíduos podem lançar mão de recursos imedia- a algum tipo de distorção na relação mãe e filho.
tos que estão inscritos na relação primitiva com KoIb (1977) caracteriza a obesidade como um
as figuras paternas. Bruch (apud Creff & Hers- impulso aumentado de comer, cujos estudos fi-
chberg, 1983) afirma que essas obesidades sur- siológicos e psicológicos identificaram que este
gem como forma de adaptação à dificuldade vi- distúrbio está relacionado com as influências pa-
venciada, respondendo com hiperfagia e obesi- ternas que afectaram o desenvolvimento da con-
dade em vez de desenvolver qualquer outro tipo duta alimentar visto que, segundo o autor, para
de patologia. que haja uma normalidade em relação à sacieda-
O início da obesidade, em 15% dos sujeitos, de, deveria haver, por parte das figuras paternas
deu-se quando esses, ainda, eram bebés, o que com a criança, uma estabilização da consciência
sugere, de certa maneira, que a obesidade dessas da fome, bem como da saciedade para que este
mulheres está directamente relacionada à hiper- impulso de comer possa se estabelecer de forma
alimentação por parte das mães ou substitutos controlada e estável na personalidade. Haja vista
que supervalorizavam. a sensação da fome sobre que, por parte da lactente e da criança de tenra
as demais necessidades. Kreisler (1978) explica idade, é alicerçado o senso básico de segurança e
que a criança é inseparável do ambiente em que confiança, o que torna a criança capaz de enfren-

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tar a separação e sua consequente solidão e, des- quer resquício desse tipo de relação. Possuem,
se modo, buscar uma identidade autónoma. no entanto, uma consciência de que o amor de
De outra monta, essa falta de atenção que as suas mães era diferente, já que as preocupações
mulheres obesas tinham por parte de suas mães, básicas de suas mães centravam-se em procurar
nos momentos que estavam saciadas e providas saciar todas as necessidades físicas e viabiliza-
das necessidades físicas, sugere ter mobilizado a ção das «coisas materiais», todavia, o carinho, o
constante sensação de ansiedade frente à mono- amparo e, o pegar no colo não fizeram parte de
tonia que as invadia nos períodos saciados, en- suas vivências infantis ou qualquer outra etapa
quanto suas mães dispersavam-se com as activi- na história de suas vidas. Essa falta de amor su-
dades da casa. Essa cognição e sentimentos das gere ter sido o núcleo básico, nas mulheres, su-
mulheres obesas são o núcleo da ansiedade e an- jeitos da pesquisa, para o desenvolvimento da
gústia vivenciadas pelas mesmas no período de obesidade. Por sua vez, Kolb (1977), também,
bebé como a consequente vivência durante toda relaciona obesidade à privação de amor. O autor
vida (100% dos sujeitos). Sá (1995) salienta afirma que a obesidade desenvolve-se mais em
que, quando os pais se fecham em si mesmos, pessoas que tiveram períodos de privação de
entregam seus filhos à solidão. A solidão é, para amor, nos quais substituíram a felicidade e o re-
Sá, um ressentimento persistente em relação conhecimento pessoal pela satisfação na ali-
àquilo que se sente, gerando, com isso, uma de- mentação.
sesperança «uma dor na alma». Segundo o autor, Segundo os dados da pesquisa, essa dificulda-
essa é a raiz do «adoecer da relação». Fenichel de das mães das mulheres obesas, em criar vín-
(1981) também possui o mesmo ponto de vista, culos afectivos com suas filhas, sugere estar di-
pois explica que os primeiros sinais de angústia rectamente relacionado e ser reflexo da própria
derivam-se justamente da satisfação da fome, deficiência destas com as suas mães. Dias e
visto que as crianças pequenas dependem dos Monteiro (1989) trazem justamente essa ideia
adultos, todo sinal de amor que vem destes, que quando referem que a capacidade de uma mãe
são mais poderosos, tem o mesmo efeito que a estar com o seu bebé depende da sua identifica-
provisão de leite teve sobre o bebé, dessa ma- ção primária com esse bebé, e esta, por sua vez,
neira, a criança pequena perde a auto-estima depende da própria capacidade de se identificar
quando perde o amor, obtendo-a, novamente, ao com o bebé que ela foi.
recuperá-lo. Parece, no entanto, que, aos poucos, na inter-
O autor acrescenta que o bebé que vivência acção com suas mães, passaram a ter consciência
um desamparo pode ficar sujeito a estados de de que o amor de suas mães estava associado à
alta tensão dolorosa. Dessa maneira, o sofrimen- comida, momento no qual elas concentravam
to dos estados traumáticos inevitáveis dos pri- suas atenções e, por meio do alimento, estabele-
meiros anos de vida, ainda, indiferenciados, re- ciam algum tipo de relação com suas filhas, des-
presentam a raiz comum dos vários afectos fu- sa maneira, atendendo às necessidades físicas
turos como a angústia ou ansiedade. Não obstan- das mesmas. Sá (1994) chama atenção ao facto
te, diz o autor que a angústia não é criada pelo de que, nem sempre, aquela criança que é acom-
Ego, mas por estímulos internos e externos in- panhada, por fora, pelas pessoas da família, esta-
controlados pelo bebé e que, à medida que o be- rá acompanhada por dentro. O autor diz que não
bé experimenta essa angústia como sentimento é preciso um abandono de facto para a criança se
doloroso consciente, experimentando-a passiva- sentir abandonada, mas pelo contrário, quando
mente, mais tarde, desenvolverá o medo na ten- os pais ignoram, em seus filhos, as pequenas coi-
tativa de antecipar e evitar essa angústia primá- sas que por eles são vividas com intensidade,
ria, devido a esses factores. nesse momento, na realidade, também, estão os
As mulheres obesas vivenciaram uma relação abandonando. Entre os sujeitos, isso é algo visí-
de ausência afectiva com as suas mães. Desse vel, visto que estão frente a uma busca incons-
modo, verificou-se que não possuem recordações ciente de amor, e submetem-se a aceitar a comi-
de momentos de vivências afectivas com as figu- da, sob o preço de uma obesidade, por migalhas
ras objectais, como, por exemplo, afago, carinho, de «amor» de suas mães, tornando-se obesas co-
carícias, «contacto de pele», não guardam qual- mo as mesmas, pois é, através da comida, que a

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comunicação se estabelece. «Ou aceita-se a co- do-se à normalidade da vida psíquica, defende
mida e a obesidade ou aceita-se a solidão.» que, para que haja um desenvolvimento normal,
Kolb (1977) afirma que, na dinâmica familiar um bebé não pode vivenciar nem excessos de
de famílias obesas, a criança não é tratada como gratificação, nem ausência dos mesmos. Se, no
um indivíduo que tem suas próprias necessidades entanto, a mãe não deu o alimento e o afecto que
e que precisa de afecto e apoio emocional, ao precisava ou desejava, esse estágio ficará marca-
contrário, em muitos casos, diz o autor, a criança do na criança, por um «momento» de desprazer,
obesa não é uma criança desejada, e sim alguém insaciedade e de frustração, uma vez que a crian-
que aceitou passivamente esse papel, sem revol- ça, não foi suficientemente satisfeita, instalando-
ta, devido à sua própria atitude solicitante. Entre- se, assim, uma sensação de implenitude de grati-
tanto, nessa dinâmica familiar, as demandas dos ficação ao longo da vida.
filhos são equilibradas pela substituição do amor Abraham (1923), também, salienta que, quan-
pela satisfação por alimentos. do uma criança vive a fase oral de forma insatis-
De acordo com Anna Freud (1980), esse tipo fatória, frustrada em seus desejos, esta traz con-
de relação denota uma identificação ao sintoma, sigo uma lacuna na satisfação das suas necessi-
visto que as mães atribuem às suas filhas um dades básicas. Vive uma grande falta de autocon-
papel na patologia delas próprias e é, nessa base, fiança e uma atitude apreensiva durante a vida,
que se relacionam com elas e não através das na figura da mãe que não lhe proporcionou o
próprias necessidades reais de suas filhas. A au- afecto, o aconchego, o conforto que necessitava
tora salienta que existem pais que, por razões pa- ou desejava. Nesse processo, as mulheres obesas
tológicas inconscientes, necessitam que seu filho revivem a vida toda em uma busca inconsciente
seja doente, perturbado ou infantil, cujas conse- de tentar resgatar, através da comida, esse único
quências patológicas para a criança sejam tanto momento de relação com a figura objectal que se
mais intensas quanto mais a figura objectal ma- fez presente nesta fase do desenvolvimento psí-
terna ou paterna expressar essa relação anormal quico. As mulheres obesas comem quando ficam
através da acção ou da fantasia. Já Dias (1990) nervosas, ansiosas ou quando as «coisas» não
denomina este tipo de relação como identifica- ocorrem da forma que esperavam. Frente à inse-
ção adesiva ou identificação mimética, onde a gurança vivenciada no presente, «lembram» do
patologia é uma das formas de relação objectal. objecto mediador «comida» que as tranquilizava
Segundo o autor, o sujeito alia-se ao controlo do perante à presença da mãe. Esse facto torna
objecto ou à perturbação narcísica apresentada possível compreender o motivo porque quanto
pela sua realidade e, aos poucos, vai realizando mais comem menos sentem-se supridas, visto
projecções identificatórias, com intuito de evitar que faltou a continuidade de relação afectiva nas
a angústia de separação. fases subsequentes do desenvolvimento, ficando,
Dessa maneira, essa falta de afectividade das por conseguinte, a fase oral como única em que
figuras objectais, na relação dos primeiros anos conseguiu vivenciar a paz, a tranquilidade e a se-
de vida, constitui a falha básica na vida das mu- gurança na história de vida com a figura objec-
lheres obesas. Para Balint (1993), a falha básica tal.
instala-se nas fases mais precoces do indivíduo, Sandler (1990) enfatiza que um indivíduo
anteriores ao complexo de Édipo, quando existe sob tensão, situações de conflito, que lhe mobili-
uma discrepância entre as necessidades biopsi- zem angústia, pode incorrer em uma reversão,
cológica e afectiva do bebé. Para o autor, o ter- uma atitude que parece ser um processo de satis-
mo «falha» origina-se na existência de uma falha fação da pulsão instintual. Segundo o autor, o in-
dentro do sujeito, sendo que esta foi provocada divíduo pode recorrer a este tipo de comporta-
por alguém que «falhou» ou se descuidou da ne- mento porque lhe proporciona uma repetição de
cessidade do bebé. Já o adjectivo «básico» deve- sentimento anterior de conforto, por exemplo,
se ao fato da origem desta reportar-se a uma fase aquele associado com a sucção em uma mama-
na relação bipessoal mãe-bebé, anterior ao com- deira ou seio. Essa é uma reversão à situação se-
plexo de Édipo. Assim sendo, constitui-se de gura de conforto e à revivência de pulsões e de-
acordo com Balint (1993), a «falha-básica». sejos sexuais anteriores.
Já Matos (1982), em outras palavras, referin- Na amostra, a depressão é vivenciada por

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100% dos sujeitos (através do Psicodiagnóstico dade de permanecerem sós, consigo mesmas. Sa-
de Rorschach, observa-se a incidência constante mi-Ali (1992) refere que o estar só significa, na
dos tempos de reacção e duração dilatados da verdade, ficar só com um objecto, na continuida-
lâmina I até a lâmina X), onde 80% das mulheres de sob o signo de uma depressão, onde o perma-
obesas disseram que sentem depressão quando necer sem amor, sem desejos para satisfazer,
estão sozinhas, bem como quando não têm o que ameaçado de uma impotência da alma e de cor-
fazer, momento este em que procuram comida. po, naturalmente deprimido, mas mal sentindo a
Nessa perspectiva, 30% procuram mais o doce, sua depressão de forma que não pode resignar a
7,5% procuram tudo que é calórico e salgados e si mesmo. Revive apenas a indiferença, o «va-
62,5% procuram doces e salgados, indiscrimina- zio», a depressão a priori, onde o sujeito e o ob-
damente, não conseguindo parar de comer. Kah- jecto não existem mais, porque formam apenas
talian (1992) diz que as pessoas fixadas em do- um super-ego corporal. Dias e Monteiro (1989)
ces possuem um grau mais primitivo de fixação assinalam que, quando uma criança não tem o
na etapa do desenvolvimento mental do que as sentimento da continuidade da presença de uma
pessoas fixadas em salgados. Em 5% dos su- mãe suficientemente boa, esta passa a ser inva-
jeitos, a depressão é vivida de forma tão intensa, dida por afectos de frustração e por sentimentos
de modo que as mulheres dizem: «a depressão persecutórios. Uma criança que possui esse tipo
para mim seria uma coisa perigosa, poderia até de afecto, em relação ao objecto maternal, passa
ser suicida se eu não fosse tão forte», sendo que a ter esse sentimento em relação a si própria, ge-
25% já tomaram remédio antidepressivo. Toda- rando, nesta, uma incapacidade de ficar só.
via, 80% da amostra sentem tristeza, solidão e As mães das mulheres obesas são altamente
«vazio» à tardinha, ou à noite. Não sentem de- exigentes com as suas filhas, sujeitos da pesqui-
pressão enquanto estão trabalhando. Sentem de- sa, cobram a perfeição na vida de suas filhas
pressão quando as coisas não ocorrem da forma quer a nível escolar como no tocante a organiza-
que esperavam, porém 20% têm depressão mes- ção, limpeza da casa e, quando essas tarefas não
mo quando tudo está ocorrendo da forma que se encontram num patamar de perfeição ideali-
planejavam, mas internamente vivenciam uma zado pela mãe, esta mostra-se brava, rancorosa,
sensação de que nada está suficientemente bom. pune e manda repetir a tarefa. Gabbard (1998)
Percebe-se, ainda, que 15% dizem que sentem concebe que as pessoas obsessivas compulsivas
depressão, um «vazio», mesmo com o marido e são caracterizadas pela busca da perfeição. Con-
os filhos por perto, parece que lhes falta algo por forme o autor, essa característica é fruto do fac-
«dentro». to do genitor nunca parecer satisfeito, este é in-
Na óptica de Matos (1982), o núcleo depres- ternalizado como um superego severo que espera
sivo da personalidade é objectal, permanecendo cada vez mais do sujeito. O mesmo acrescenta
no sujeito por meio de uma ideia de um objecto que diante à exigência obsessiva compulsiva
idealizado, associado a sentimentos mais ou me- passa a ter um Ego hipertrofiado devido à sua in-
nos perdidos, investidos de saudade e de desejo cansável exigência de perfeição. Quando essas
e, em um objecto odiado, por não ter respondido demandas não são satisfeitas por um longo pe-
com afecto, no entanto imprescindível para exis- ríodo de tempo, pode instalar-se a depressão. Em
tência do sujeito, que é introjectado (introjeção contrapartida, para Matos (1983), essas formas
agressiva) e com o qual mantém uma luta cons- de agir constituem um objecto sádico, que se ca-
tante, onde agride o objecto e é por este agredi- racteriza como controlador, culpalizante e infe-
do. Segundo o autor, a depressão surge de um in- riorizante, é a destruição do Ego juntamente
suficiente acompanhamento afectivo da criança, com destruição da sua capacidade de decisão e
que deixa, na mesma, um traço de privação ou luta, da coragem e da confiança na sua própria
frustração mais ou menos primitivos no bebé, força. Dessa forma, as mulheres obesas possuem
porém essa privação e ódio ficam recalcados mães cujo nível de exigência é depressivante. A
diante do medo de perder este objecto. incapacidade de atingir a perfeição gera, nas mu-
O sentimento depressivo que as mulheres lheres obesas, o constante medo de falhar. Frente
obesas vivenciam frente à falta de ocupação, ao à alta exigência por parte das mães, é natural que
entardecer ou à noite, também reflecte a dificul- essas mulheres se sentiam muito castradas para

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adquirir sua própria personalidade. Perante à Matos (1983), a criança que não se sentir apre-
constante frustração, sentem-se impotentes e ciada, atraente, alvo de amor e admiração vai,
dependentes de suas mães, ao mesmo tempo em consequência, estruturar um fundo de senti-
que vivenciam sentimentos de raiva por essa fal- mento de inferioridade, baixa auto-estima e pou-
ta de afecto que as invade. Demonstram amor e co apreço a si mesma, estabelecendo-se, por
ódio em relação às suas mães. Freud (1909b) re- conseguinte, características depressivas, um
fere que o obsessivo compulsivo possui um con- Ideal de Ego inflacionado, grandioso, idealizado,
flito entre amor e ódio, ambos dirigidos a mesma no entanto um Ego real abatido e arruinado. Wel-
pessoa e com elevadíssimo grau de intensidade, lausen (1988) refere que a imagem corporal, a
pois o amor não conseguiu extinguir o ódio, mas identidade não apreciada de si mesmo, pode
apenas reprimiu-o no inconsciente. Segundo estar relacionada a perdas de objectos internos
Freud (1909c), a relação entre o amor e o ódio protectores, causando, em contrapartida, depres-
está entre as características mais frequentes e são e ansiedade. Diante dessa perda de objectos
mais marcantes e, provavelmente, mais impor- internos, o indivíduo passa a projectar esse não
tantes da neurose obsessiva. gostar de si mesmo para o externo, ao passo que
Matos (1982) refere que esse sentimento de é interno. Gabbard (1998) compartilha do mes-
dependência e ódio em relação ao objecto primá- mo ponto de vista, referindo que os indivíduos
rio define-se por um conflito de ambivalência com Transtorno de Personalidade Obsessiva
afectiva. Visto que, de acordo com o autor, o ob- Compulsiva sofrem de grande insegurança, pelo
jecto mostra-se constantemente frustrante e seve- fato de terem sido crianças não suficientemente
ro, levando a criança a reagir com hostilidade valorizadas ou amadas pelos seus pais. A frieza e
pela insuficiente satisfação que recebe e por se o distanciamento foram reais na relação com as
sentir fortemente reprimida em seus impulsos. figuras parentais.
Sente, dessa maneira, seu objecto como malevo- Matos (1982) salienta que, como defesa con-
lente e sádico, tende, diante deste, a agir cons- tra esse self diminuído, essa imagem de si pró-
ciente ou inconscientemente de forma ainda prio desvalorizada, o indivíduo tende, muitas ve-
mais agressiva, o que gera, por conseguinte, o zes, inflacionar certos aspectos de sua personali-
aumento da agressividade inter-objectal e intra- dade. Entre as mulheres obesas, essas caracterís-
psíquica desfavorável, deixando apenas fragili- ticas aparecem claramente, visto que supervalo-
dade, frustração e depressão. rizam suas condições intelectuais e desvalorizam
Frente a isso, as mulheres obesas possuem sua auto-imagem. Dentre os sujeitos, 100% não
uma auto-imagem denegrida de si mesmas, auto- gostam da imagem corporal, 88% não gostam de
desvalorizam-se tendo baixa auto-estima e de- se olhar no espelho, no entanto hipervalorizam
preciação de sua imagem corporal. Essa autode- as condições intelectuais. Possuem uma tendên-
preciação é fruto da ausência de qualquer grati- cia a cobrar muito de si próprias e das pessoas à
ficação ou valorização da parte de seu objecto. sua volta. Segundo Gabbard (1998), o obsessivo
Sentem que não são amadas e não possuem valor compulsivo envolve-se em uma cuidadosa aten-
algum como sujeito para seu objecto, muito pelo ção a detalhes, porém, enquanto prende-se em
contrário, por mais que façam nada está suficien- detalhes, com frequência, perde o objectivo prin-
temente bom. Na presente amostra, 20% dos su- cipal da tarefa em questão.
jeitos referem que não podiam errar, senão a mãe Os sujeitos da pesquisa denotam ser pessoas
mandava repetir a tarefa; outros 20% sentiam rígidas, severas, estruturalmente reprimidas e
que a mãe não respeitava as iniciativas das fi- repressivas. Gabbard (1998) refere que o obses-
lhas; 10% disseram que faziam tudo para agradar sivo compulsivo é uma pessoa que apresenta es-
a mãe, mas por mais que fizessem nada estava tilos rígidos de cognição, gerando nele a falta de
suficientemente bom. Essa baixa auto-estima é espontaneidade e flexibilidade. Dessa maneira,
confirmada por 100% dos sujeitos que denotam baseadas no modelo materno de exigência, co-
conflito em relação à imagem corporal. Gabbard meçam aos poucos um processo de identificação,
(1998) salienta, justamente, que a baixa auto-es- adquirindo as mesmas características de exigên-
tima está ligada à sensação infantil de não ter si- cia de suas mães. As tendências à meticulosi-
do valorizada na infância. No entendimento de dade, perfeccionismo preocupação com detalhes,

65
pontualidade: organização, ordem e confiabilida- zes nem cores e sem capacidade de imaginar o
de são uma identificação com a figura materna. futuro ou outra situação desejável».
De acordo com Matos (1980), essa identificação Para a referida autora, essa dificuldade de in-
é um aspecto normal no ser humano, onde este, terpretar as próprias emoções, ou seja, a confu-
através do mecanismo de conhecimento de seu são sobre suas sensações internas a nível de sen-
objecto, passa por iniciar um processo do meca- timentos, leva a pessoa obesa a vivenciar con-
nismo projectivo. Klein (1974) chamava a este fusões entre fome e saciedade. Percebe-se, nesta
mecanismo de identificação projectiva. Matos pesquisa, que as mulheres obesas não experien-
(1980), no entanto, prefere chamá-lo de «pro- ciaram trocas afectivas com as suas mães, viven-
jecção identificativa», ou seja, é a projecção ciaram apenas cobranças para tarefas perfeitas.
que visa à identificação de reconhecimento do Apresentam, consequentemente, uma carência
objecto. É aquele processo psíquico organizado afectiva, confundindo a mesma com falta de co-
na fase evolutiva em que os limites do Ego são mida. Como explica Herscovici (1997), é real-
estabelecidos. Matos, na verdade, defende que mente difícil para as mulheres obesas discerni-
esse processo nada mais é que uma extensão de rem se realmente desejam mais comida ou afec-
identidade, isto é, o prolongamento do objecto to.
na vida do sujeito, ao qual este estende a própria Os sujeitos da pesquisa demonstram dificulda-
vivência. Dias (1990) concebe de forma seme- des de controlo sobre suas reacções afectivo-
lhante, onde refere que a identificação projectiva emocionais, mostrando, frequentemente, atitudes
é um mecanismo fundamental na interacção e re- de descontrolo emocional, reacções explosivas e
lação de objecto, visto que, através dela, estrutu- agressivas quando fracassa a repressão, utilizan-
ra-se toda a comunicação humana, quer no sen- do-se por conseguinte de defesas maníacas. Se-
tido positivo quer no sentido negativo. gundo Fenichel (1981), as defesas maníacas são
A ausência de trocas afectivas com as figuras aquele estado vivenciado pelo sujeito que trazem
objectais desenvolveram nas mulheres obesas di- à tona um sentimento de auto-amor. É uma pro-
ficuldades afectivas. Os sujeitos da amostra, visão de impulsos, quase todos de índole oral,
55%, tiveram respostas F% elevado, denotando que aparece justamente com o aumento da auto-
serem pessoas rígidas, severas, estruturalmente estima, produzindo um sentimento de «riqueza
reprimidas e repressivas, o que remete a dificul- da vida», ao passo que esse sentimento é uma
dades afectivas ou à frieza emocional. Essa ri- defesa inconsciente frente à opressão que vive,
gidez é confirmada por 80% dos sujeitos da semelhante a que se experimenta na depressão.
amostra que asseveram possuir problemas com De modo geral, as mulheres obesas possuem
novos relacionamentos. De modo geral, as pes- «certa» consciência de suas necessidades afecti-
soas não correspondem ao que estas esperam das vas, contudo, expressam-nas de forma sublima-
demais pessoas de seu convívio. Para Mackin- tiva para actividades concretas, como arrumar a
non e Michels (1992), o obsessivo compulsivo casa ou actividades profissionais ou, ainda, con-
possui uma atitude de rigidez e evitação de seus tactos sociais onde são superficiais e formais, en-
afectos, onde tende a disfarçar seus sentimentos tão, a forma sublimativa de expressar seus
afectuosos. Suas emoções são na verdade man- afectos é compensada pelo activismo, ou seja,
tidas o mais secretamente possível. Dessa manei- pela necessidade de estarem sempre ocupadas fa-
ra, ao serem mobilizados afectiva e emocional- zendo alguma coisa.
mente não conseguem investir em trocas afecti- Dessa maneira, o conflito em relação à sexua-
vas, no adequado dar e receber de afectos, deno- lidade, por um lado, é decorrência da ausência da
tando uma forte alexitimia. pulsão do afecto. Por outro lado, como tiveram
Herscovici (1997) explica que a alexitimia é as figuras paternas totalmente omissas ou ausen-
uma dificuldade vivenciada pelas pessoas que tes, dificultou-se a constituição do triângulo edí-
sofrem de obesidade. Estas demonstram uma pico, onde a menina precisa rivalizar com a
grande dificuldade de distinguir e expressar mãe para buscar, dessa maneira, o amor do pai.
emoções e sensações, demonstram pouca capaci- Como nessa relação a figura objectal paterna não
dade para imaginar e fantasiar, «como se sua vi- tomou o lugar da mãe libidinal, as mulheres obe-
da fosse um filme em preto e branco, sem mati- sas fixaram-se ao objecto primário, a mãe, o que

66
gerou nas mesmas a dificuldade de ligação ao pesquisa, atribuem à sua falta de interesse pela
objecto heterossexual, por não terem vivido o sexualidade ao facto da mãe «achar tudo feio» e
amor edipiano com intensidade. Matos (1996) dizer que os «homens não prestam». No tocante
infere que o distanciamento afectivo do pai pre- ao relacionamento mãe e filha, denota-se que
judica o investimento afectivo futuro, visto que, 30% das mulheres possuem uma percepção de
na menina, o pai não toma o lugar da mãe libi- sua mãe como uma pessoa moralista, pois não
dinal, não se processando a mudança do objecto. podiam ter nenhuma amizade com homens, co-
Nesse caso, a menina fixar-se-á no objecto pri- mo simplesmente conversar, ir ao portão, ir dan-
mário, a mãe. Esse facto, segundo o autor, causa çar, pois a tudo isso suas mães atribuíam um va-
o reforço da dependência, mas também da ambi- lor pejorativo, proibindo-as deste tipo de amiza-
valência, manifestando-se futuramente em difi- de ou relacionamento interpessoal.
culdades de ligação ao objecto heterossexual Dessa forma, pode-se concluir que as mulhe-
por não terem vivido o amor edipiano em toda res obesas apresentam características de persona-
sua plenitude, gerando, por conseguinte, dificul- lidade idênticas às constatadas no Transtorno de
dades de estabelecer relações objectais maduras, Personalidade Obsessivo-Compulsivo. Entre as
completas. Kernberg (1995), ao referir-se às pa- características apresentadas pelos sujeitos da
tologias das relações amorosas, salienta o mes- amostra encontram-se rigidez afectiva, meticulo-
mo ponto de vista do autor acima, afirma que a sidade, perfeccionismo, preocupação com deta-
patologia que predominantemente interfere num lhes, pontualidade, organização, ordem e confia-
relacionamento estável e totalmente gratificante bilidade, preocupações com a limpeza, devota-
com um membro do genero oposto é represen- mento ao trabalho ou comportamentos compul-
tada pelo narcisismo patológico, por sua vez, e sivos entre os quais destaca-se a compulsão em
pela incapacidade de resolver os conflitos edí- comer, indicando ser uma forma inconsciente de
picos com a figura paternal do mesmo género. O se manter ocupado. De acordo com o DSM-IV
autor acrescenta que, nas mulheres, os conflitos (1995), para se diagnosticar o Transtorno da
edípicos não resolvidos apresentam-se mais fre- Personalidade Obsessivo-Compulsiva são obser-
quentemente em vários padrões masoquistas, vados: a preocupação extensa com detalhes, re-
como um apego persistente a homens insatisfató- gras, ordem, organização ou horários, que o
rios e na incapacidade de usufruir plenamente do ponto principal de actividade é perdido; perfec-
relacionamento. cionismo que interfere na conclusão de tarefas (é
Nos sujeitos desta pesquisa, essa dificuldade é incapaz de completar um projecto porque não
algo bem visível, pois não viveram a triangula- consegue atingir seus próprios padrões demasia-
ção edípica, mãe, pai, filha, pela perda da figura damente rígidos; devotamento excessivo ao tra-
paterna através da separação dos pais, onde 60% balho e à produtividade, em detrimento de activi-
dos sujeitos da amostra dizem que o pai se sepa- dades de lazer e amizades, não explicado por
rou da mãe porque era brigona e autoritária e uma óbvia necessidade económica); excessiva
que, por isso, perderam a única pessoa carinhosa conscienciosidade, escrúpulos e inflexibilidade
de sua vida. Verificou-se também que 55% das em assuntos de moralidade, ética ou valores
mulheres obesas tinham um pai presente, porém (não explicados por identificação cultural ou
ausente em sua presença. Percebe-se isso clara- religiosas). Relutância em delegar tarefas ou ao
mente quando 37,5% dizem que o pai estava pre- trabalho em conjunto com outras pessoas, a seu
sente, porém não participava das conversas mãe- exacto modo de fazer as coisas; adopção de um
filha e 17,5% afirmam que o pai «bebe» ou vai estilo miserável quanto a gestos pessoais e com
ler depois de comer, mas também não participa outras pessoas; o dinheiro é visto como algo que
do relacionamento familiar. Em contrapartida, deve ser reservado para catástrofes futuras; rigi-
40,5% tinham uma imagem negativa da figura dez e teimosia.
paterna, visto que esta parte da amostra referia Esse diagnóstico de Transtorno de Personali-
que não tinham um bom relacionamento com o dade Obsessivo-Compulsiva indica ser uma
pai, porque esse traía sexualmente a sua mãe identificação com a figura objectal materna.
com outras mulheres. Este dado parece ser con- Nessa amostra, 80% das mães eram rígidas e
firmado quando 20% das mulheres, sujeitos da perfeccionistas, 20% das mães exigiam tudo

67
certo, não podiam errar se não «ela batia»; 20% ção à fase oral do desenvolvimento psíquico. Po-
referiram que a mãe não respeitava as iniciativas de-se fazer esse entendimento dinâmico refe-
da filha e exigia que fosse feita a vontade dela; rindo o fracasso da relação objectal que se traduz
80% reconhecem que a mãe não demonstrava o pela falta de afecto por parte de suas mães.
carinho através do contacto físico, ela procurava Desse modo, essa falta de afecto gera uma busca
fazê-lo através da organização, da limpeza da ca- «desesperada» por parte das mulheres obesas de
sa e da roupa, 62,5% respondem que a mãe pro- algo que preencha este vazio.
videnciava as coisas materiais, mas afecto não Esse, processo possibilita compreender que a
existia; 55% afirmam que não existia um relacio- depressão é efeito de mães exigentes, narcísicas,
namento afectivo com a mãe, esta parava apenas depressivantes que não valorizavam suas filhas,
no momento de servir a refeição. sendo que, através das suas constantes críticas,
desenvolveram uma baixa auto-estima e depre-
ciação na personalidade das mulheres obesas e
4. CONCLUSÃO
conflitos no tocante à imagem corporal.
Evidenciaram conflitos em relação à sexuali-
De acordo com o problema levantado, dentre
dade, por um lado, em decorrência da ausência
os dados mais significativos do estudo, está o
da pulsão do afecto. Por outro lado, a omissão ou
facto de que 80% dos sujeitos da amostra apre-
ausência da figura objectal paterna não permitiu
sentam características de personalidade idênticas
aos do Transtorno Obsessivo Compulsivo, entre a vivência do amor edipiano em sua plenitude,
os quais se evidenciou: rigidez afectiva, meticu- dessa maneira, a figura objectal paterna não to-
losidade, perfeccionismo, importância demasia- mou o lugar da mãe libidinal. Permaneceram, as-
da com detalhes, pontualidade, organização, or- sim, fixadas ao objecto primário, a mãe, o que
dem e conflabilidade. Denotam, também, grande gerou a dificuldade de ligação ao objecto hete-
preocupação com a limpeza, devotamento ao tra- rossexual.
balho ou comportamentos compulsivos entre os
quais se destaca a compulsão em comer. Isso não
significa que todos os 100% de sujeitos apre- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sentem todas as características, contudo, o con-
junto dessa amostra apresenta claramente esse ti- Abraham, K. (1923). Contributions to the theory of the
anal character. International Journal of Psycho-
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desencadeando, assim, uma imensa insegurança, Trad. Maurício Leal Rocha. São Paulo: Masson do
adquirindo, com isso, formas de controlo obses- Brasil, Ltda.
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também, apresentam essas mesmas característi- lidade: enfoque psicodinâmico. 13. ed. Rio de Ja-
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via identificação projectiva com suas mães. Essa Dias, C. A., & Monteiro, J. S. (1989). Eu já posso ima-
dinâmica evidenciou-se no facto das mães reali- ginar que faço. Lisboa: Assírio & Alvim.
zarem o controlo de seus próprios conflitos, Dias, C. A. (1990). Para uma psicanálise da relação.
exercendo esse mesmo controlo nas suas filhas, Porto Alegre: Sagra.
as quais acabaram identificando-se com as mães, Dillon, R. S. (1983). Manual de endocrinologia. 2. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. S.A.
dessa maneira, adquirindo as mesmas caracterís-
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ticas, bem como a mesma «patologia», a obesi- transtornos mentais, 4.ª ed. Trad. de Dayse Batista.
dade, configurando-se, consequentemente, uma Porto Alegre: Artes Médicas.
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As mulheres da amostra apresentam uma fixa- Rio de Janeiro e São Paulo: Livraria Atheneu.

68
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Médicas.
Herscovici, C. R., & Bay, L. (1997). Anorexia nervosa RESUMO
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um desafio. Porto Alegre: Artes Médicas.
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tais na primeira infância. A partir dessas relações
Compêndio de psiquiatria. 7.ª ed. Porto Alegre:
com os pais e seu ambiente, estudou-se o desenvolvi-
Artes Médicas.
mento da oralidade com as figuras paternas ou subs-
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titutas e a interação com a alimentação, correlacionan-
amorosas. Trad. de Maria Adriana Veríssimo Ve-
do esse aspecto com o sentimento depressivo vivencia-
ronese. Porto Alegre: Artes Médicas.
do pelas mulheres obesas. A amostra é de 40 sujeitos
Kessleir, M., Halpern, A., & Zukerfeld, R. (1997).
pertencentes a três classes socioeconómicas: baixa,
Emagreça mudando o corpo e a cabeça: motiva-
média e alta, sendo que o nível de escolaridade variou
ção, auto-estima e baixa calorias. Porto Alegre:
entre 1.º grau incompleto até superior completo. Para
CREEO Publicações.
realizar esta investigação, utilizou-se, primeiramente,
Klein, M. (1974). Inveja e gratidão: Um estudo das fon-
o Psicodiagnóstico de Rorschach para compreensão
tes do inconsciente. Rio de Janeiro: Imago.
aprofundada sobre o funcionamento da personalidade
Kolb, L. C. (1977). M. D. Psiquiatria clínica. 2.ª ed.
dos sujeitos obesos e, na sequência, fez-se uso da en-
Rio de Janeiro: Guanabara.
trevista diagnóstica a fim de verificar a forma de or-
Kreisler, L. (1978). A criança psicossomática. Lisboa:
ganização dos sintomas. Para análise e interpretação
Editorial Stampa Ltda.
dos dados de Rorschach, utilizou-se o cálculo do per-
Mackinnon, R. A., & Michels, R. (1992). A entrevista
centual para identificar os dados significativos. Os
psiquiátrica, 3.ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas.
achados desta investigação científica contribuem para
Magagnin, C., Körbes, J. M., & Barros, T. M. (1998).
prevenção da obesidade.
Normas para elaboração do trabalho de conclusão
Palavras-chave: obesidade, personalidade, oralida-
do curso de psicologia. Canoas: Ulbra.
de, depressão.
Martins, A. M. (1993). Aspectos genéticos da obesida-
de. Uma perspectiva histórica. Pediatria Moderna,
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do Jornal O Médico, 417, 1-3.
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personalidade. Separata do O Médico, 1597, 103, comprehension of the psychodynamic functioning of
2-3. v. 103. the personality of obese women as a consequence of
Matos, A. C. (1982). A deflexão da agressividade. parental relationship during childhood. Starting from
Separata do Jornal de O Médico, Março, 1-14. these relationships with parents and their environ-
Matos, A. C. (1983). Textos sobre o narcisismo, depressão ments, the development of the oral phase with the pa-
e masoquismo. Análise Psicológica, 3 (4), 409-423. rents or their substitutes was studied, and the inter-
Prietsch, A. I. F. C., & Prietsch, S. O. M. (1995). action with feeding, correlating this aspect with de-
Obesidade na adolescência – Relação com desvios pressive feelings experienced by obese women. The
ponderais durante o primeiro ano de vida. Pedia- sampling consisted of forty subjects belonging to
tria Moderna, 31 (2), 184-188. three social economic classes: low, medium and high;

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and schooling varying from unfinished first degree to the analysis and interpretation of Rorschach’s data,
university degree. In order to run the investigation firstly the percentage calculation was used to identify the
the Psycho-diagnosis of Rorschach was used to deeply significant data. The findings of this scientific investi-
understand the functioning of the personality of obese gation contribute to the prevention of obesity.
subjects, and the diagnostic interview was used in or- Key words: obesity, personality, oral phase, depres-
der to verify the way symptoms were organised. To sion.

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