DA TRADUÇÃO
Criação & Crítica 12
|edusP
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
|ed u s P
llfAü 2003
Laranjeira, Mário
Poética da Tradução: Do Sentido à Significância / Mário Laranjei-
ra. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. - (Cria-
ção e Crítica; v. 12)
Bibliografia
ISBN 85-314-0152-6
93-0732 CDD-418.02
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Introdução 9
Gênese 9
Uma Proposta e Seus Limites 11
Caminhos 12
1. A Atividade Tradutora 15
As Traduções Intcrsemiótica, Intralingual e Interlingual 16
Os Fatores Sócio-culturais e a Tradutibilidade 18
Os Fatores Lingüístico-estruturais 19
Os Fatores Textuais: Textos Veiculares, Literários e Poéticos .. 21
2. A Tradução Interlingual do Poema 23
Seria a Poesia, por Natureza, Intraduzível?
O Indizível e o Nâo-dito 23
Ideologia Dualista e Intradutibilidade 24
A-Oposição Forma/Conteúdo 25
A Oposição Autor/Tradutor 33
A Oposição Original/Tradução 38
A Intradutibilidade Circunstancial e Tópica 42
3. Conceituaçâo do Poético e Tradução 45
Com a Palavra Poetas, Tradutores e Teóricos 45
A Poesia das Coisas 45
A Poesia-texto 46
4. Lingüística, Poesia e Tradução 55
A Função Poética 56
Para Além da Função Poética: A Autotelicidade 64
À Margem do Poema: Textos Publicitários, Ditos e Provérbios,
Jogos Verbais Infantis 65
5. Semiótica, Semanálise, Poesia e Tradução 77
Mimese e Semiose, Sentido e Significância 81
O Poema como Lugar da Significância 83
Unidade de Significância e Unidade de Tradução em Poesia ... 83
As Agramaticalidades como Chaves da Significância
e a Tradução das Agramaticalidades 85
Os Processos de Geração e de Organização
do Sentido no Poema e na Tradução 93
As Manifestações Textuais da Significância
e a Tradução do Poema 101
O Título e os Signos Duplos 104
6. Reescritura e Fidelidade em Tradução Poética 123
Fidelidade Semântica 126
Fidelidade Lingüístico-estrutural 127
Fidelidade Retórico-formal 130
Fidelidade Semiótico-textual 139
Conclusão 145
Apêndices 149
1. Quadro Comparativo das Publicações de Outubro/87
a Setembro/88 - Prosa/Poesia, Originais/Traduções 151
2. Cálculo, por Amostragem, da Diferença de Condensação
entre as Línguas Francesa e Portuguesa 155
3. Comptines, Jogos Verbais Infantis, Trocadilhos etc 159
4. Poemas e Traduções 163
Bibliografia 211
INTRODUÇÃO
Gênese
1. Em Poétique n" 7: " 'Je te donne ces vens...' Esquisse d'analyse linguistique". Paris,
Seuil, 1971.
10 POÉTICA DA TRADUÇÃO
Caminhos
Para atingir tais objetivos, não podia me limitar ao exame de um
corpus fechado como seriam, por exemplo, as traduções de Les Fleurs
du Mal de Baudelaire por Jamil Almansur Haddad, ou por Ivan Jun-
queira, ou por ambos. Ou as traduções de Verlainc no Brasil. Qual-
quer escolha assim limitada não me permitiria dar ao trabalho o cará-
ter abrangente que aponta para uma poética da tradução e não para
uma análise crítica das traduções deste ou daquele poeta, deste ou
daquele tradutor.
Optei pelo caminho inverso: parti de um arcabouço conceituai
estruturado e, em função de cada item tratado, foram escolhidos tex-
tos, originais e traduções, que pareceram adequados para exemplifi-
car e apoiar a minha argumentação. Foram, assim, utilizados textos
medievais ou clássicos ao lado de poemas modernos ou contemporâ-
neos. Os textos que aqui se trabalharam são, em geral, poemas em
língua francesa traduzidos para o português. Ocasionalmente, entre-
tanto, foram examinados textos em outras línguas, ou textos cujos ori-
ginais são em língua portuguesa. Em que pese essa limitação parcial
imposta pelo fato de se privilegiar o confronto de apenas duas lín-
guas-culturas, os princípios que esteiam as posições aqui defendidas
parecem-me extensíveis à tradução de textos poéticos em geral, sejam
quais forem as línguas de partida e de chegada, resguardadas, eviden-
temente, as suas especificidades estruturais e culturais.
INTRODUÇÃO 13
3. Entrevista dada à revista Trabalhos cm Lingüística Aplicada, nfl 11, jan./jun. de 1988,
p. 58.
14 POÉTICA DA TRADUÇÃO
contexto
destinador mensagem destinatário
contato
código
Contexto I Contexto II
DestinadorI Mensagem! Destinatário I Mensagem II Destinatário II
(autor do Contato I Tradutor/Destinador II Contatou
original) Código I Código II
Os Fatores Lingüístico-estruturais
9. Cf. Paulo Vizioli, "A Tradução de Poesia em Língua Inglesa", p. 113; Augusto de
Campos, O Anticrítico, p. 76.
10. Cf. "La Différence de concentralion en traduetion", em La Traduelion, p. 130 et pas-
sim.
11. "A Margem do Mar do Cemitério", introdução à tradução O Cemitério Marinho, por
Jorge Wanderley, p. 4.
12. Cf. Apêndice, p. 155.
A ATIVIDADE TRADUTQRA 21
13
zende , a própria estrutura morfossintática da língua portuguesa
obriga à explicitação do gênero (Você é manhoso - v. 5; não tão ner-
voso, v. 9) pela concordância dos adjetivos, o que tira uma parte da
incerteza, do segredo, do mistério inerente ao original.
As variantes da língua, as formas dialetais ou simplesmente
idioléticas trazem elementos de caracterização de difícil solução em
tradução14.
Os Fatores Textuais:
Textos Veiculares, Literários e Poéticos
13. "Folhetim" n° 371, Folha de S. Paulo, de 26.02.84, cilado por Roscmary Arrojo, Ofi-
cina de Tradução, pp. 67-68.
14. Cf. Paulo Vizioli, "A Tradução de Poesia em Língua Inglesa", p. 126.
22 POÉTICA DA TRADUÇÃO
dera sobre ele, gera-o. O signo deixa de ser arbitrário e, com freqüên-
cia, o significante sofre profundas perturbações na sua linearidade.
Estamos então diante de textos tradicionalmente ditos literários,
diante da escritura, do texto em sua acepção moderna, com tendência
para o apagamento das fronteiras entre prosa e poesia: "O apaga-
mento das fronteiras entre os gêneros, próprio do texto moderno, re-
pousa na utilização [...] dos três mecanismos que articulam a lingua-
gem: a transposição, a condensação e o deslocamento metonímico"15.
"O Texto frustra qualquer tipologia cultural - mostrar o caráter ili-
mitado de uma obra é fazer dela um texto; mesmo se a reflexão sobre
o Texto começa na literatura (isto é, num objeto constituído pela ins-
tituição), o Texto não pára aí forçosamente; em todo lugar onde se
ponha em jogo uma atividade de significância segundo as regras de
combinação, de transformação e de deslocamento, há um Texto: nas
produções escritas, por certo, mas também nos jogos de imagens, de
signos, de objetos: nos filmes, nas histórias em quadrinhos, nos obje-
tos rituais"16.
Para esses textos, sim, cabe realmente a discussão sobre a tradu-
tibilidade. E cabe muito mais pertinentemente quando o texto se in-
sere em determinados padrões espaciais e temporais - principalmen-
te o verso e o ritmo -, passando a constituir o poema, a mais carac-
terística das manifestações da poesia.
1. Pour Ia poétique II, pp. 166-167 (as citações em português de textos estrangeiros,
quando o tradutor não é mencionado, são traduções minhas).
'/ KÊTICA DA TRADUÇÃO
2. Idem, p. 166.
3. Idem, p. 148.
A TRADUÇÃO INTERLINGUAL DO POEMA 25
Uma ideologia quer dizer a busca de idéias enquanto entidades vivendo
vida independente, desenvolvendo-se de maneira independente e submetidas
unicamente às suas próprias leis. O fato de que as condições materiais de
existência dos homens, no cérebro dos quais se dá esse processo ideológico,
determinam, em última análise, o curso do mesmo processo permaneceu ne-
les necessariamente inconsciente; caso contrário, não haveria condição para
qualquer ideologia4.
A oposição forma/conteúdo
Os poetas russos não são e não serão jamais traduzidos. Um poema líri-
co é um ser vivo, de uma vida furtiva que reside no arranjo das palavras; não
se transporta essa vida para um corpo estranho. Eu lia uma tradução russa
muito exata e aceitável das Noites de Musset, e ela me dava o mesmo prazer
que pode produzir o cadáver de uma bela criatura. A alma tinha desertado, o
aroma que constitui todo o valor dessas sílabas evaporara-se. O problema é
ainda mais insolúvel quando a versão se opera do idioma mais suave da Eu-
ropa (o russo?) para o menos de todos (o francês?)5.
.1 "nlin.i ", • "vida furtiva que reside no arranjo das palavras", o "aro-
IH.I dll ifltbas", ou seja, a forma, esta "evapora-se", e, com ela, a
BOMÍI
Portanto, se se aceitam essas colocações, o que resta na tradução
|fl ii.Ki é poesia, mas "um fragmento de prosa em que lhe recolhem os
despojeis"'. E quanto à idéia de que existem línguas mais suaves, mais
poéticai do que outras, esta prende-se a uma ideologia colonialista
que nflo resiste à análise, lembra o famoso aforismo: Tout ce qui n'est
l>ns clairn'estpas français, que ninguém mais, hoje, leva a sério.
Há quem tente dar à oposição forma/conteúdo enquanto fonte
da intradutibilidade da poesia uma roupagem mais científica:
7. Idem, ibidem.
8. Jean Cohen, Slnu-ture du langage poélique, pp. 35-36.
A TRADUÇÃO INTERLINCUAL DO POEMA 27
Não mais podemos ver o texto como uma combinação de um fundo e de uma
forma; o texto não é dúplice, mas múltiplo; no texto só há formas, ou, mais exata-
mente, o texto, em seu conjunto, não é mais do que uma multiplicidade de formas
- sem fundo17.
Se até agora se viu o texto sob as espécies de um fruto com caroço (um da-
masco, por exemplo), a polpa sendo a forma e a amêndoa o fundo, convém de pre-
ferência vê-lo agora sob as espécies de uma cebola, combinação superposta de
películas (de níveis, de sistemas), cujo volume não comporta finalmente nenhum
miolo, nenhum caroço, nenhum segredo, nenhum princípio irredutível, senão o
próprio infinito dos seus invólucros - que nada envolvem a não ser o próprio con-
junto de suas superfícies'8.
Se a tradução está para o original assim como a lua está para o sol, a
de Castilho pode ser considerada uma lua da lua: Eduardo Laemmert fez pa-
ra uso de José Feliciano de Castilho uma tradução interlinear fidelíssima;
José Feliciano, irmão de Castilho, trocou a prosa em versos variados; Castilho
tomou deste segundo parto e retraduziu o monstro em vernáculo, auxiliado,
como ele mesmo esclarece, por sete intérpretes, a tradução textual e ilustrada
do prestimoso Laemmert, a de José Feliciano, a de Agostinho D'Ornelas e
quatro francesas em prosa entremeada de verso. É fácil imaginar o resultado,
um dos subprodutos mais estranhos da história das traduções, refogado na
panela do purismo com recheio de enxertos23.
22. Augusto de Campos, Verso, Reverso, Controverso, pp. 44-45. A respeito dessa tra-
dução, ver comentários de Yara Frateschi Vieira em "Provecta Provença. Reflexões
a Propósito de uma Tradução de Arnaut Daniel", Remate de Males, 4 - Território
da Tradução, pp. 231-238.
23. Augusto Meyer, "Traduções", Remate de Males, 4 - Território da Tradução,
pp. 204-205.
32 POÉTICA DA TRADUÇÃO
A oposição autor/tradutor
[...] o tradutor de poesia experimenta cruelmente a distância que separa essa ime-
diata realidade sensível - o poema - do domínio que sobre ela pode exercer pela
intermediação de alguns signos reunidos. Essa distância, não cabe ao tradutor
aboli-la. Poderia ele ter tal pretensão, ele que não pode decidir nem do seu lugar
de palavra nem do seu avanço? Seja qual for a língua em que opera, a sua em-
presa será sempre segunda, e essa diferença de estatuto, menos cronológico do
que existencial, decide de fato de um comportamento mental e de uma relação
particular com a linguagem que, ambos, traem a inferioridade e a quase parali-
sia criativa do tradutor".
e que foi a intenção de fazer que quis o que eu disse3i, diz Paul
Valéry.
Não cabe ao tradutor competir com o autor, nem mesmo consi-
derá-lo como modelo acabado para o qual deva tender, sabendo, de
antemão, que nunca vai atingi-lo. Isso geraria necessariamente uma
frustração e uma inferiorização falsas porque fundamentadas numa
falsa visão do que é traduzir e do que é o tradutor.
Guilherme de Almeida, que chama de re-produção a tradução
poética, não vê a sua atividade como secundária e castradora. Pelo
contrário, para ele
re-produzir quer dizer produzir de novo, ou seja, sentir, pensar e dizer com o
autor [...], versos - quase todos - que eu sempre soube de cor e que, de tão
ditos e réditos, citados e recitados ao acaso das minhas vadiações, pouco a
pouco se foram tornando uma fôrma para a forma do meu próprio sentimen-
to e do meu pensamento próprio, até que eu me surpreendi repetindo-os co-
mo coisas minhas, na língua que é a minha..?''
38. Paul Valéry, citado por João Alexandre Barbosa em "Leitura Viva do Cemitério",
introdução à tradução do Cimeticre marin, por Jorge Wanderley, p. 7.
39. Guilhermede Almeida, Introdução a Poetas de França, pp. 19-21. Os gritos são meus.
40. Israel Dias Novais, "Imagem de Guilherme de Almeida" em Revista de Poesia e Crí-
tica, Brasília-São Paulo-Rio, n" 1, 1976, p. 40.
A TRADUÇÃO INTERUNGUAL DO POEMA 37
A oposição original/tradução
47. Mello Nóbrega, O Soneto de Arvers, 3a ed, Rio, Civilização Brasileira, 1980.
48. Cf. O Soneto de Arvers, p. 82, e o suposto modelo italiano à p. 81.
40 POÉTICA DA TRADUÇÃO
não sossegou [...] enquanto não o arrebatou [...]. De resto, não posso em ge-
ral voltar sobre o que quer que eu tenha escrito que não pense que faria ou-
tra coisa se alguma intervenção estranha ou alguma circunstância qualquer
não tivesse rompido o encantamento de não terminar49.
49. Cf. João Alexandre Barbosa, "Leitura Viva do Cemitério", prefácio a O Cemitério
Marinho, Paul Valéry, trad. J. Wanderley, pp. 10-11.
50. J. Ricardou, "Les Leçons de 1'écrit", Colloquc de Cerisy sur Ia Icelurc, 1982, p. 21,
apud, J.-M. Adam, Pourlire de poèmc, p. 198.
A TRADUÇÃO INTERLINCUAL DO POEMA 41
dem ser traduzidos stricto sensu. Cabe ao tradutor usar o seu domínio
dos instrumentos lingüísticos e a sua criatividade para superar tais
impasses.
Examinaremos a seguir a conceituação do poético, suas manifes-
tações textuais no espaço e no tempo, o seu modo de significação, a
leitura poética e a reescritura translingüística dessa leitura, ou seja, a
transposição (tradução) do poema de uma língua-cultura para outra.
3. CONCEITUAÇÁO DO POÉTICO
E TRADUÇÃO
menos unânime. Victor Hugo afirma que a poesia "é aquilo que exis-
te de íntimo em tudo'". Jean Cohen admite que "existem coisas com
vocação política", como a lua, que desde tempos imemoriais vem ins-
pirando poetas de todas as latitudes, c acrescenta: "O próprio Mallar-
mé, que, cansado dessa obsessão, jurara bani-la, teve um dia de in-
clinar-se: 'É poética, a danadinha'" 2 . Mas o mesmo autor já dissera
que "as coisas só são poéticas em potência, e cabe à linguagem fazer
com que tal potência passe a ato"3. Isso não o impediu de propor uma
espécie de "poética geral" que alargasse as fronteiras do poético para
além das fronteiras da literatura, buscando as suas causas entre os
seres da natureza e as circunstâncias da vida. Assim, todo objeto, ar-
tístico ou não, seria suscetível de provocar a emoção poética4, inde-
pendentemente de assumir, para sua veiculação, a forma lingüística.
Veremos, aliás, que a poesia, em maior ou menor grau, ultrapassa
sempre os estritos limites da lingüística na manifestação da sua
significância.
A Poesia-texto
Não c, entretanto, essa poeticidade difusa das coisas, essa maior
ou menor capacidade dos seres de provocar em nós uma vaga e nunca
definida "emoção poética", essa vocação mais ou menos irrefreável
que podem ter certos objetos de penetrar no mundo da poesia que nos
interessa aqui analisar, a não ser na medida em que deixem de ser
coisas e passem a ser texto. O texto é a matéria-prima e o produto da
tradução. Só o texto poético, portanto, interessa ao tradutor de poe-
sia. Convém ainda lembrar que o texto poético é um fato social que
se inscreve na história; a sua temática, portanto, será sempre forte-
mente penetrada de ideologia: o que hoje faz poético um objeto ou
um tema não o fazia ontem e pode não fazê-lo amanhã. Baudclaire,
tivesse vivido um ou dois séculos antes, dificilmente teria feito um
poema tomando por tema a carniça. Tem razão Anne-Maric Pclletier
e acrescentaríamos: os tradutores.
Baudelaire, nas pegadas de Edgar A. Poe, já escrevera: "A poe-
sia [...] só tem como fim a si mesma. Não tem a Verdade por objeto,
só tem a si mesma"7, colocando assim, muito antes das especulações
dos críticos e lingüistas, o princípio da autotelicidade da poesia.
Qualquer outra manifestação lingüística, mesmo as que se servem de
certos recursos formais da poesia, tem função transitiva, veicular,
não tem por objeto a si mesma. Anos depois, Mallarmé, reconheci-
damente o pai de toda a poesia moderna, opõe a "reportagem", que
não é poética, à "poesia" e toma por base, para tal oposição, o fato
de que "o Dizer, antes de tudo, sonho e canto, reencontra no poeta
[...] a sua virtualidade. O verso que de vários vocábulos refaz uma pa-
lavra total, nova, estranha à língua e como que encantatória, perfaz
esse isolamento da palavra: negando, com traço soberano, o acaso"8.
Em que a palavra do poeta seria estranha à língua? Na língua, dirão
os lingüistas, o signo é arbitrário; o significado é que comanda o signi-
ficante e lhe dá trânsito. Mas o poeta intuiu, na sua prática do texto,
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas
i
CONCEITUAÇAO DO POÉTICO E TRADUÇÃO 49
... a poesia
é sempre o contrário
do que dizem as regras que ela é14.
Uma geração é como uma multidão levada à praça pública por um sinal
de alarme. Todos pressentem a catástrofe e indagam pela saída. De repente,
do burburinho geral, alguém emerge de si mesmo e da massa, assume a pala-
vra do seu tempo: O verbo se faz carne. Os outros ouvem como se ouvissem a
si mesmos e tomam aquele discurso como o próprio discurso23.
A Função Poética
Num artigo publicado no jornal Le monde, em 1971, intitulado
"Um Belíssimo Presente", Roland Barthes analisa e elogia a contri-
buição de Jakobson à literatura em geral e à poesia em particular:
E adiante acrescenta:
sia. Essa relação é aquela em que duas convergências abarcam formas natu-
ralmente equivalentes (isto é, equivalentes quanto ao som ou ao sentido, ou
quanto a ambos) que ocorrem em posições equivalentes; por outras palavras,
quando temos um acoplamento de convergências. Ora, duas formas quais-
quer que ocorram em posições equivalentes representam um emparelhamen-
to de convergências; mas só se as formas forem naturalmente equivalentes é
que teremos acoplamento, a estrutura verdadeiramente importante para a
poesia9.
9. Idem, p. 55.
10. Idem, p. 67.
11. Idem, ibidem.
(,0 POÉTICA DA TRADUÇÃO
12. Jacques Prévert, Poemas, seleção e tradução de Silviano Santiago, 2a ed., Rio, Nova
Fronteira, pp. 44-47. O texto completo c a tradução encontram-se em Apêndice,
pp. 164-165.
LINGÜÍSTICA, POESIA E TRADUÇÃO 61
13. Nicolas Ruwet, no seu livro Langage, musique et poésie (1972, pp. 151-209), transcre-
ve três artigos seus anteriormente publicados em Linguislics 2 (1963, pp. 38-59), em
Linguistics 3 (1964, pp. 62-83) e em Linguislics 17 (1965, pp. 69-77), intitulados res-
pectivamente "Analyse structurale de Ia poésie", "Un sonnet de Louise Labé" e
"Sur un vers de Baudelaire", em que, com base na gramática transformacional gera-
tiva e retomando particularmente as teorias de Samuel R. Levin, faz uma análise
bastante minuciosa de vários textos poéticos franceses.
14. Paris, Larousse, 1973. Não utilizo a tradução brasileira publicada pela Cultrix/
Edusp devido às numerosas falhas que contém.
15. Op. cit., p. 30.
16. ldem, p. 60.
17. Idem, p. 61.
62 POÉTICA DA TRADUÇÃO
e no último lemos:
Como se vê, Tes pas e vos pas abrem e fecham o poema. Entre
ambos medeiam catorze versos. Nem por isso, entretanto, o parale-
lismo é mais fraco, visto a importância posicionai no início e no fim
do poema.
Sem entrar no mérito de questões outras, convém apenas ressal-
tar que, dos três tradutores desse poema que confrontei - Guilherme
de Almeida, Cláudio Veiga e Nelson Ascher -, apenas este último
trouxe para o texto de chegada essa importante marca do poema ori-
ginal21.
22. Cf. Pour lire le poème, pp. 73, 74, 76, 77, 81. 118, 185.
23. Idem, p. 79.
66 POÉTICA DA TRADUÇÃO
dos termos franceses para o português, pois isso nos levaria a esbarrar
numa intradutibilidade tópica e factual. Haveria que traduzir-se a re-
lação estrutural de seus termos mantendo as ambigüidade que, no ca-
so, não poderiam ser as mesmas. Quanto à "margarida", não haveria
problema visto que, além da flor, temos também o modelo da máqui-
na de escrever, que seria, no caso, o anunciante.
Mas como resolver a ambigüidade da palavra rapports (relató-
rios/relações)? Teríamos de encontrar outra palavra, ambígua em
português, que pudesse manter a relação que estrutura o texto. Uma
possibilidade, talvez, seria:
"Desde que aceitei uma margarida do meu chefe, ele tem-me
dado muito trabalho" (no sentido próprio e no sentido de que o chefe
vem sendo muito insistente nas suas investidas amorosas).
Os provérbios, adágios, ditos populares, máximas têm estreito
parentesco lingüístico com a poesia pois também baseiam o seu modo
de estruturação textual no princípio de equivalência e na plurivalência
verbal, embora tenham, cada um, as suas marcas específicas e distin-
tivas24. Assim, o significado do provérbio é metafórico, conotado, ao
passo que o do dito e da máxima é geralmente referencial, denotati-
vo. Quando dizemos: "Quem tudo quer tudo perde", falamos de fato
da ambição exagerada que pode conduzir ao fracasso. Mas o provér-
bio francês: "Pierre que roule n'amasse pas mousse", ou a sua versão
em português: "Pedra que rola não cria musgo", não remetem de fato
nem para pedra, nem para musgo. O sentido se encontra numa si-
tuação de comunicação em que se trata da movimentação, da ativida-
de, do trabalho das pessoas.
Como o texto poético, também o provérbio tem na estrutura fô-
nica uma das suas marcas: organiza-a por um sistema de recorrências,
oposições, gradações. Dessa estruturação depende em grande parte a
sua memorabilidade e a sua força expressiva.
Lembremos o triângulo cromático das vogais proposto por Ja-
kobson25, que constitui a base do simbolismo fonético:
24. Cf. Greimas, Du Sens, pp. 309-14; Delas e Filliolet, Linguislique et poétique, pp.
97-98; J.-M. Adam, Pourlirc lepoème, pp. 100-101.
25. La Charpentc phonique du langagc, pp. 160 e ss.
LINGÜÍSTICA, POESIA E TRADUÇÃO 67
compacto claro
v
difuso escuro
u
- a ausência de artigo:
Am stram gram
Pie et pie et calégram
Bourre et bourre et ratatam
Am stram gram
Um ninho de mafagafos
Com cinco mafagafinhos
Quem os desmafagafar i
Bom desmafagafador será
Eduardo Sétimo
Úsáva paletó
Paletó Paletó
Úsáva paletó
Adaarda Satamá
Asava palatá
Palatá palatá
Asava palatá
Edeerde Setemê
Eseve peletê
Peletê peletê
Eseve peletê
LINGÜÍSTICA, POESIA E TRADUÇÃO 75
Idriirdi Sitimi
Odoordo Sotomô
Uduurdu Sutumu
Coucaboulari
Dans 1'eucalyptus
Heureux comme un roi
Riait tant et plus.
Kakabalara
Dalakalapta
Harakamara
Raatatapla
Kékébéléré
Délékélépté
Hérékeméré
Rée té té plé
Keukeuteuleureu
Kokoboloro
Koukouboulourou
Kukubulum 34
34. Para outros exemplos, ver Apêndice, pp. 159 a 161. Cf., também, Claude Aveline, Le
Code desjeux, Livre de poche (n° 100), Paris, Ilachetlc, 1961.
7(5 POÉTICA DA TRADUÇÃO
Pode-se conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da
vida social; ela formaria uma parte da psicologia social e, conseqüentemente,
da psicologia geral; chamemos a essa ciência semiologia (do grego semeion,
signo) [...]. A lingüística é apenas uma parte dessa ciência geral; as leis que serão
descobertas pela semiologia serão aplicáveis à lingüística, e esta se verá assim
vinculada a um campo bem mais definido no conjunto dos fatos humanos4.
E adiante acrescenta:
Assim, é esse caminho novo aberto por Julia Kristeva que vamos
tentar trilhar na busca dos conceitos que nos pareçam mais operacio-
nais e que possam trazer-nos novas perspectivas para a tradução do
texto poético. Não cabe, entretanto, discutir aqui as suas teorias, nem
tampouco se pretende atrelar com exclusividade este trabalho aos
seus conceitos e métodos. Outros autores que, parcialmente pelo me-
nos, se situam na mesma linha da moderna semiótica vão fornecer-
nos subsídios para a compreensão e para a análise do poético, assim
como para o trabalho da tradução, que também deve ser visto como
uma prática significante, uma operação que se situa em nível da signi-
ficância enquanto re-produção de sentidos. Trata-se de um processo
dinâmico. É ainda Kristeva quem nos diz, dando um passo decisivo
adiante das lingüísticas estruturalista e gerativa:
Unidade de significância e
unidade de tradução em poesia
19. "A gramática é o pilar sobre o qual repousa a significação" (Jean Cohen, Stnicíurc
du langage poétique, p. 185).
20. Sémiotique de lapoesie, pp. 12-13. (N. do T.)
21. Idem, p. 16.
16 POÉTICA l'i TRADUÇÃO
desliga o sujeito de sua dependência com relação à mãe e, através dessa falta,
faz da função fálica uma função simbólica - a função simbólica. Momento
decisivo e prenhe de conseqüências: o sujeito, encontrando a sua identidade
no simbólico, separa-se da sua implicação na mãe, localiza o seu gozo como
genital e transfere a motilidade semiótica para a ordem simbólica. Assim se
conclui a formação da fase tética, que coloca a hiância entre o significante e o
significado como abertura para todo desejo, mas também para todo ato e até
mesmo para o gozo que os ultrapassa33.
36. La Révolulion du langage poélique, p. 48, quanto ao sentido da palavra "cora", que
Kristeva tira de Platão, vejam-se idem, pp. 23 e ss.
37. Estruturas Lingüísticas em Poesia, p. 19.
90 POÉTICA DA TRADUÇÃO
42. Veja-se^ Augusto de Campos, Verso, Reverso e Controverso, pp. 9 a 106, em que o au-
tor analisa a importante obra dos poetas provençais e deles apresenta vários poemas,
em tradução justaposta ao texto original.
43. Cf. Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Mallarme, pp. 152 a
173.
44. Haroldo de Campos, "Lance de Olhos sobre 'Ura Lance de Dados' ", op. cit., p. 187.
Artigo originalmente publicado no Jornal das Letras, Rio de Janeiro, 1958.
92 POÉTICA DA TRADUÇÃO
Fome
Só me agrada almoçar
Comendo pedras e chão.
Apetecem-me o ar,
Rocha, ferro, carvão.
Fome
hen. Ele toma um texto banal, uma notícia de jornal: "Hier, sur Ia
Nationale sept, une automobile roulant à cent à 1'heure s'est jetée sur
un platane. Ses quatre ocupants ont été tués", e o redistribui espa-
cialmente como segue:
55. Struclure du langage poctiqiw, p. 168. "Ontem, na rodovia Nacional Sete, um au-
tomóvel, rodando a cem por hora, lançou-se contra um plátano. Os seus quatro
ocupantes morreram."
56. Linguistique et poétiquc, pp. 168-169.
57. Cf. J.-M. Adam, Pour lire le poème, pp. 27-28. Ver também Apêndice, pp. 205-206.
SEMIÓTICA, SEMANÁL1SE, POESIA E TRADUÇÃO 103
Poema-Orelha
Poème-Oreille
Mea Culpa
Cest ma faute
Cest ma faute
Cest ma três grande faute d'orthographe
Voilà comment j'écris
Giraffe.
Cest ma faute
Cest ma faute
Cest ma três grande faute.
60. Diz Michael Riffaterre que "a passagem do sentido à significância impõe o conceito
de interpretante, um signo que governa a interpretação dos signos superficiais do tex-
to e explicita tudo aquilo que estes signos apenas sugerem indiretamente" (Sémioti-
que de Ia poésie, p. 107). O autor distingue os interpretantes texemáticos, que mais ou
menos se confundem com os signos duplos a que já nos referimos, dos interpretantes
textuais: "O interpretante (textual) é um fragmento do texto efetivamente citado no
poema que ele serve para interpretar" (idem, p. 141). Como se vê, o conceito de in-
terpretante de Riffaterre é mais amplo do que aquele proposto por Peirce (Semióti-
ca, p. 46).
61. Cf. Jacques Prévert, Poemas, p. 39.
SEMIÓTICA, SEMANÁL1SE, POESIA E TRADUÇÃO 107
Mea Culpa
Errei
Errei
Que enorme erro de ortografia
Eis como escrevi
Girrafa.
Minha culpa
Minha culpa
Minha máxima culpa...
Mea Culpa
Minha culpa
Minha culpa
Mirfha máxima culpa em ortografia
Vejam como escrevi
Bassia.
Que francês não a conhece? Que antologia não a inclui? Que tra-
dutor de poemas não se sentiu tentado a trazê-la para a sua língua,
brindar com ela a cultura do seu próprio povo? Várias são as traduções
dessa balada para a língua portuguesa. Lembro, de início, a tradução
(ou, como ele diz, a "recriação") de Guilherme de Almeida65:
Digades-m'u, en q paiz
He Flora, a fremosa Romana?
Archipiades, oh Thais,
Q foy sua prima germana?
Echo, a falar se rruydo emana
D'estagno ob rribeyras q vam,
Q belleza ouve mays q humana?
Mas ú sam as neves d'entam!
Vão nessa linha as críticas que Yara Frateschi Vieira faz à tra-
dução "modernizada" que Augusto de Campos, obediente ao make it
new de Ezra Pound, faz dos poetas provençais.
Aquilo que, para Valéry, era fundamental não foi modificado: refiro-me
ao esquema rítmico e métrico adotado. Desde a primeira versão do poema -
o de sete estrofes - trata-se de um texto escrito em decassílabos com acen-
tuação regular, obedecendo ao sistema de rimas AABCCB...
73. Citado em Lagarde e Michard, XXo Sièc/c, Paris, Bordas, 1973, p. 325.
114 POÉTICA DA TRADUÇÃO
the(oo)is d(oo)is
lOOk OlhO
(aliv s/viv
e)e os)v
yes êe
are(chlld)and m(enIno)e
wh(g qu(s
0 e
ne) vão)
o e
w(A)a(M)s f(E)u(U)i
Fidelidade Semântica
Fidelidade Lingüístico-estrutural
11. Ct. Os Aramos da Poesia Surrealista, seleção José Picrre e Jean Schuster. tradução
de Antônio Houaiss, S. Paulo, Ed. Brasiliense, 1988.
128 POÉTICA DA TRADUÇÃO
12. Cláudio Veiga, Mini-anlologia Bilingüe da Poesia Francesa, p. 59. Ver original e tra-
dução em Apêndice, p. 199.
REESCRITURA E FIDELIDADE EM TRADUÇÃO POÉTICA 12»
passeront / passeront
sur Ia face des mers / sur Ia face des monts
sur les fleuves... / sur les forêts.
Fidelidade Retórico-formal
15. Como exemplo do que está dito, lembro um dos poemas mais conhecidos da litera-
tura brasileira, o I-Juca-Pirama de Gonçalves Dias:
No meio das tabas de amenos verdores, (5-11)
Cercados de troncos - cobertos de flores, (5-11)
Alteiam-se os tetos d'altiva nação: (5-11)
Quental ou Olavo Bilac. Sob esse ponto de vista a sua opção é perfei-
tamente válida. Convém, entretanto, lembrar que, em francês, é o
verso alexandrino que, desde fins do século XVI, vem, com maior
freqüência, servindo de módulo rítmico para o soneto. Assim, embora
o decassílabo (5 + 5) não seja um verso estranho à moderna poesia
francesa, não se integra na tradição dos sonetistas. Há, assim, sob o
aspecto retórico-formal, algum estranhamento para o leitor francês
diante do soneto de Baudelaire. Isso se perde na opção de Ivan Jun-
queira.
Sobre a preferência francesa pelo verso dodecassilábico na com-
posição do soneto e a possibilidade, com base em nossa tradição, de
fazer a tradução em decassílabos, retomo o exemplo do Sonnet d'Ar-
vers. Das cento e trinta e duas traduções a que me referi, cento e vin-
te e três mantiveram os alexandrinos originais. Nove tradutores, en-
tretanto, preferiram enfrentar dificuldades técnicas maiores na tra-
dução e usar versos decassilábicos heróicos ou sáficos, mais consentâ-
neos com a nossa tradição16.
Quanto à alternância de rimas masculinas e femininas, praticada
pela poesia francesa desde a Idade Média para alguns tipos de poe-
ma, principalmente as peças líricas de forma fixa, e que vai generali-
zar-se a partir do século XVI, os tradutores de língua portuguesa, em
geral, não a observam por não haver tradição semelhante em nossa li-
teratura.
No caso de La Mo/t des Amants, Jamil Almansur Haddad
mantém a alternância das rimas; Ivan Junqueira, não. Neste caso es-
pecífico, não me parece de importância mantê-la ou não.
Há casos, entretanto, em que a observância dessa particularidade
pode ser responsável pelo ritmo do poema. Isso acontece especial-
mente quando os versos são curtos e se inserem num andamento rít-
mico mais amplo.
Exemplifiquemos com o conhecidíssimo poema de Paul Verlai-
ne, Chanson d'automne, e as traduções de Onestaldo de Pennafort e
Guilherme de Almeida17.
16. Também o teatro clássico francês utiliza os versos alexandrinos, o que não corres-
ponde à tradição em língua portuguesa. Veja, em Apêndice, três propostas minhas
diferentes, do ponto de vista retórico-formal, para a tradução de um trecho de /,'//-
lusion comique de Pierre Corneille (cf. Apêndice, pp. 207 e ss.).
17. Ver texto completo e traduções em Apêndice, pp. 200 a 202.
tu, POÉTICA DA IKADUÇÃO
Chanson d'Automne
Tout suffocant
Et blême quand
Sonne Pheure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.
Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui irTemporte
Deçà, dela,
Pareil à Ia
Feuille morte.
-/ (4)
-/ (4)
/- (3)
-/ (4)
-/ (4)
/- (3)
Cada estrofe seria então constituída por dois desses grupos rítmicos,
obedecendo ao esquema:
/ / - - / - (11)
/ / - - / - (11)
- -/- (4)
- -/- (4)
-/- (3)
- -/- (4)
- -/- (4)
-/- (3)
/ / /- (13)
/ / /- (13)
Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.
Fidelidade Semiótico-textual
que ele funciona, no texto, como um signo múltiplo que aponta para
várias obliqüidades de significação do poema por ser o fulcro de
agramaticalidades no nível sintático e no nível semântico.
Na tradução de Augusto de Campos, lemos:
I. Sables de vieux os
(ou) le flot rale...
II. Paludpâle
ou Ia lune avale de gros vers...
21. "O poema resulta da transformação de uma malriz, uma frase nominal e literal nu-
ma perífrase mais extensa, complexa e náo-literal" (Michel Riffaterre, Sémantique de
Ia poésie, p. 33).
22. "As diferenciais significantes organizam um sentido, muitas vezes complementar à
significação dos enunciados denotativos, segundo dois tipos de processos bem co-
nhecidos: o deslocamento e a condensação." (J. Kristcva, La Révolution du langagc
poélique, p. 230.)
REESCRJTURA E FIDELIDADE EM TRADUÇÃO POÉTICA 143
2. Cf. J. Kristeva, La Révolution du langagepoéliquc, pp. 83-86, 207 e ss., 213 e ss.,e225.
CONCLUSÃO 147
»
1. QUADRO COMPARATIVO DAS PUBLICAÇÕES
DE OUTUBRO/87 A SETEMBRO/88
PROSA/POESIA, ORIGINAIS/TRADUÇÕES
N° Total de N°de % de Prosa Literá- % S/Total de %S/TotaIde N"de % S/Total de
Lançamentos Publicações Publicações ria Nacional Publicações Lançamentos Traduções Lançamentos
Nacionais Nacionais Nacionais Publicadas
A. Prosa:
B. Poesia
1Q quarteto: 10 + 11 + 8 + 8 = 37 palavras
2 o quarteto: 6 + 8 + 7 + 13 = 34 palavras
1° terceto: 8 + 8 + 11 = 27 palavras
2 o terceto: 6 + 8 + 7 = 22 palavras
Total: 119 palavras
Diferença: 3,87%
Original Tradução
1. 6 palavras 5 palavras
2. 7 5
3. 8 5
4. , 5 4
5. 3 3
6. 3 2
7. 6 7* (continua)
8. 6
9. 4
10. 5
11. 5
12. 5
13. 6
14. 6
15. 7
16. 6
17. 6
Voyelles
Buvons un coup
Ma serpette estperdue
Mais le manche (bis)
Buvons un coup
Ma serpette estperdu
Mais le manche est revenu
(italien: i)
Biviziki
misirpitipirdi
milimichi (bis)
biviziki
Misirpitipirdi
milimichirivini
(chien: oua)
Bwavwazwakwua
mwaswarpwatwapwardwa
160 POÉTICA DA TRADUÇÃO
(allemand: ou)
bouvouzoukou
mousourpoutoupourdou
Pomponeta
peta peta
peta pe ruge
pomponeta
peta peta
peta petu
(Só o último verso tem referencial semântico: "É você quem sai".)
Compare-se com:
UExpédition
A Expedição
(Tradução de Silviano Santiago, Jacques Prévert - Poemas, 2' ed. Rio de Ja-
neiro, Nova Fronteira, 1985, pp. 4<M7.)
166 POÉTICA DA TRADUÇÃO
Les Pas
Os Passos
Os Passos
O Passo
(Jacques Prévert)
Fatrasie
(trecho inicial)
(Minha tradução)
172 POÉTICA DA TRADUÇÃO
Faim
(Rimbaud, Une Saison en enfer, Delires, II. Ouvres completes, Pléiade, Galli-
mard, p. 109.)
176 POÉTICA DA TRADUÇÃO
Fome
Só me agrada almoçar
Comendo pedras e chão.
Apetecem-me o ar,
Rocha, ferro, carvão.
Fome
Fêtes de Ia Faim
Envoi
(François Villon)
ISO POÉTICA DA TRADUÇÃO
Digades-m'ú, en q paiz
He Flora, a fremosa Romana?
Archipíades, ob Thais,
Q foy sua prima germana?
Echo, a falar se rruydo emana
D'estagno ob rribeyras q vam,
Q belleza ouve mays q humana?...
Mas ú sam as neves d'entam!
Offerenda
Le Cimetière Marin
O mon âme,
N'aspirepas à Ia vie immortelle,
Mais épuise le champ du possible
Paul Valéiy
Pindare, Pythiques, III
O Cemitério Marinho
Ó minha alma,
não aspira à vida imortal,
mas esgota o campo do possível.
Pindaro, Píticas, III
Cemitério Marinho
Soleil Couchant
(Victor Hugo)
APÊNDICES 199
Pôr do Sol
Chanson d'automne
Tout suffocant
Et blême quand
Sonne Vheure,
Je me souviens
Desjours anciens
Etjepleure.
Etjem'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, dela,
Pareil à Ia
Feuille morte.
(Paul Verlaine)
APÊNDICES 201
Canção de Outono
Os longos sons
dos violões
pelo outono,
se enchem de dor
e de langor
de abandono.
E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias
e as alegrias
e ais de outrora.
E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá p'ra lá,
como faz à
folha morta.
Canção de Outono
Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma.
De sono.
E soluçando,
Pálido quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doudos
De outrora.
E vou à-toa
No ar meu que voa:
Que importa?
Vou pela vida
Folha caída
E morta.
Paysage Mauvais
(Tristan CorWèrc)
204 POÉTICA DA TRADUÇÃO
Paisagem Má
Dernière Heure
Blaise Cendrars
Ayant pu se procurer des revolvers, ils prirent de force les clés d'un
geôlier et se précipitèrent hors de leurs cellules en tirant sur les gardiens
dont quatre furent tués.
Les forçats s'emparèrent d'une jeune filie employée comtne sténo-
graphe dans Ia prison et reussirent à se proteger en Ia maintenant entre
eux et les personnes que les poursuivaient. La jeune filie fut blessée d'un
coup de feu tire par les gardiens.
Devant Ia porte de Ia prison, les forçats montèrent dans une voiture
qui les attendait et qui partit à toute vitesse pendant que les gardiens dé-
chargeaient leurs revolvers dans Ia direction desfugitifs.
Quelques gardiens sautèrent à cheval et se lancèrent à Ia poursuite
des forçats. Des deux côtés des coups de feu furent échangés.
Une baile ayant frappé à mort le cheval qui emportait Ia voiture,
les gardiens purent approcher et trouvèrent les forçats morts, le corps
criblé de bailes.
M. Thomas, ancien membre du Congrès, comme représentant de
1'Illinois, qui visitait Ia prison, a été tué par les forçats au moment ou
ceux-ci prenaient Ia fuite.
APÊNDICES 207
Uillusion Comique
Cotnédie
Acte Premier
Scène Premiei?. - PRIDAMANT, DORANTE
(Pierrc Corncillc)
208 POÉTICA DA TRADUÇÃO
A Ilusão Cômica
Comédia
Primeiro Ato
Cena I - PRIDAMANTE, DORANTE
A Ilusão Cômica
Comédia
Primeiro Ato
Cena I - PRIDAMANTE, DORANTE
A Ilusão Cômica
Comédia
Primeiro Ato
Cena I - PRIDAMANTE, DORANTE
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BIBLIOGRAFIA 217
Dicionários Especializados
1. Henrique IV e Pirandello
Aurora Fornoni Bernardini
2 . 0 Tabuleiro Antigo
Maria Helena Nery Garcez
3. Fenomenologia e Teoria Literária
Maria da Glória Bordini
4 . 0 Nariz & A Terrível Vingança
Nicolai Gógol
5. As Mulheres de Branco
Luiza Franco Moreira
6. Contos Húngaros
Paulo Rónai
7. Um, Apetite pela Poesia
Frahk Kermode
8. Sob o Signo do Silêncio
Lourival Holanda
9. Sobre Shakespeare
Northrop Frye
15. Arquivo/Ensaio
Jorge Wanderley
Título Poética da Tradução:
do Sentido à Significando
Autor Mário Laranjeira
Produção Roberta Sacoda
Projeto Gráfico Marina Mayumi Watanabe
Capa Plínio Martins Filho
Marina Mayumi Watanabe
Texto de 4a Capa Manuel da Costa Pinto
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Formato 12,5 x 18 cm
Tipologia Times Roman 9/11
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