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Espiritualidade, dimensão esquecida e

necessária
por Leonardo Boff

Espiritualidade vem de espírito. Para entendermos o que seja espírito precisamos


desenvolver uma concepção de ser humano que seja mais fecunda do que aquela
convencional, transmitida pela cultura dominante. Esta afirma que o ser humano é
composto de corpo e alma ou de matéria e espírito. Ao invés de entender essa
afirmação de uma forma integrada e globalizante, entendeu-a de forma dualista,
fragmentada e justaposta. Assim surgiram os muitos saberes ligados ao corpo e à
matéria (ciências da natureza) e os vinculados ao espírito e à alma (ciências do
humano). Perdeu-se a unidade sagradada do ser humano vivo que é a convivência
dinâmica de matéria e de espírito entrelaçados e inter-retro-conectados.

1. Espiritualidade concerne ao todo ou à parte? Espiritualidade, nesta


segmentarização, significa cultivar um lado do ser humano: seu espírito, pela
meditação, pela interiorização, pelo encontro consigo mesmo e com Deus. Esta
diligência implica certo distanciamento da dimensão da matéria ou do corpo.

Mesmo assim espiritualidade constitui uma tarefa, seguramente importante, mas


ao lado de outras mais. Temos a ver com uma parte e não com o todo.

Como vivemos numa sociedade altamente acelerada em seus processos históricos-


sociais, o cultivo da espiritualidade, nesse sentido, nos obriga a buscar lugares
onde encontramos condições de silêncio, calma e paz, adequados para a
interiorização.

Esta compreensão não é errônea. Ela contem muita verdade. Mas é reducionista.
Não explora as riquezas presentes no ser humano quando entendido de forma mais
globalizante. Então aparece a espiritualidade como modo- de-ser da pessoa e não
apenas como momento de sua vida.

Antes de mais nada importa enfatizar fato de que, tomado concretamente, o ser
humano constitui uma totalidade complexa. Quando dizemos “totalidade” significa
que nele não existem partes justapostas. Tudo nele se encontra articulado e
harmonizado. Quando dizemos “complexa” significa que o ser humano não é
simples, mas a sinfonia de múltipas dimensões. Entre outras, discernimos três
dimensões fundamentais do único ser humano: a exterioridade, a interioridade e a
profundidade.

2. A exterioridade humana: a corporeidade: A exterioridade é tudo o que diz


respeito ao conjunto de relações que o ser humano entretém com o universo, com
a natureza, com a sociedade, com os outros e com sua própria realidade concreta
em termos de cuidado com o ar que respira, com os alimentos que
consome/comunga,com a água que bebe,com a roupas que veste e com as
energias que vitalizam sua corporeidade. Normalmente se entende essa dimensão
como corpo. Mas corpo não é um cadáver. É o próprio ser humano todo inteiro
mergulhado no tempo e na matéria, corpo vivo, dotado de inteligência, de
sentimento,de compaixão, de amor e de êxtase. Esse corpo total vive numa trama
de relações para fora e para além de si mesmo. Tomado nessa acepção fala-se hoje
de corporeidade ao invés de simplesmente corpo.

3. A interioridade: a psiqué humana: A interioridade é constituída pelo universo


da psiqué, tão complexo quanto o mundo exterior, habitado por instintos, pelo
desejo, por paixões, por imagens poderosas e por arquétipos ancestrais. O desejo
constitui, possivelmente, a estrutura básica da psiqué humana. Sua dinâmica é
ilimitada. Como seres desejantes, não desejamos apenas isso e aquilo. Desejamos
tudo e o todo. O obscuro e permanente objeto do desejo é o Ser em sua totalidade.
A tentação é identificar o Ser com alguma de suas manifestações, como a beleza, a
posse, o dinheiro, a saúde, a carreira profissional e a namorada, o namorado, os
filhos, assim por diante. Quando isso ocorre, surge a fetichização do objeto
desejado. Significa a ilusória identificação do absoluto com algo relativo, do Ser
ilimitado com o ente limitado. O efeito é a frustração porque a dinâmica do desejo
de querer o todo e não a parte se vê contrariada. Daí, no termo, predominar o
sentimento de irrealização e, consequentemente, o vazio existencial.

O ser humano precisa sempre cuidar e orientar seu desejo para que ao passar
pelos vários objetos de sua realização – é irrenunciável que passe - não perca a
memória bemaventurada do único grande objeto que o faz descansar, o Ser, o
Absoluto, a Realidade fontal, o que se convencionou chamar de Deus. O Deus que
aqui emerge não é simplesmente o Deus das religiões, mas o Deus da caminhada
pessoal, aquela instância de valor supremo, aquela dimensão sagrada em nós,
inegociável e intransferível. Essas qualificações configuram aquilo que,
existencialmente, chamamos de Deus.

A interioridade é denominada também de mente humana, entendida como a


totalidade do ser humano voltada para dentro, captando todas as ressonâncias que
o mundo da exterioridade provoca dentro dele.

4. A profundidade: o espírito. Por fim o ser humano possui profundidade. Tem a


capacidade de captar o que está além das aparências, daquilo que se vê, se
escuta, se pensa e se ama. Apreende o outro lado das coisas, sua profundidade. As
coisas todas não são apenas coisas. Todas elas possuem uma terceira margem.
São símbolos e metáforas de outra realidade que as ultrapassa e que elas
recordam, trazem presente e a ela sempre remetem.

Assim a montanha não é apenas montanha. Em sendo montanha, traduz o que


significa majestade. O mar evoca grandiosidade; o céu estrelado, infinitude; os
olhos profundos de uma criança, o mistério da vida humana e do universo.

O ser humano capta valores e significados e não apenas fatos e acontecimentos. O


que definitivamente conta não são as coisas que nos acontecem, mas o que elas
significam para a nossa vida e que experiências elas nos propiciam. As coisas,
então, passam a ter caráter simbólico e sacramental: nos recordam o vivido e
alimentam nossa interioridade. Não é sem razão que enchemos nossa casa ou o
nosso quarto de fotos, de objetos queridos dos pais, dos avós, dos amigos,
daqueles que entraram em nossa vida e significaram muito. Pode ser o último toco
de cigarro do pai que morreu de enfarte ou o pente de madeira da tia que morreu
ou a carta emocionada do namorado que revelou seu amor. Aqueles objetos não
são mais objetos. São sacramentos, pois falam, recordam, tornam presente
significados, caros ao coração.

Captar, desta forma, a profundidade do mundo, de si mesmo e de cada coisa


constitui o que se chamou de espírito. Espírito não é uma parte do ser humano. É
aquele momento da conscicência mediante o qual captamos o significado e o valor
das coiss. Mais ainda, é aquele estado de consciência pelo qual apreendemos o
todo e a nós mesmos como parte e parcela deste todo.

O espírito nos permite fazer uma experiência de não-dualidade. “Tu és isso tudo”
dizem os Upanishads da India, apontando para o universo. Ou “tu és o todo” dizem
os yogis. “O Reino de Deus está dentro de vós” proclama Jesus. Estas afirmações
remetem a uma experiência vivida e não a uma doutrina. A experiência é que
estamos ligados e re-ligados uns aos outros e todos à Fonte Originante. Uma fio de
energia, de vida e de sentido perpassa a todos os seres, constituindo-os em
cosmos e não em caos, em sinfonia e não disfonia.

A planta não está apenas diante de mim. Ela está como ressonância, símbolo e
valor dentro de mim. Há em mim uma dimensão montanha, vegetal, animal,
humana e divina. Espiritualidade não consiste em saber disso, mas em vivenciar e
fazer disso tudo conteúdo de experiência. Bem dizia Blaise Pascal: “ crer em Deus
não é pensar em Deus mas sentir Deus”. A partir da experiência tudo se
transfigura. Tudo vem carregado de veneração e de sacralidade.

A singularidade do ser humano consiste em experimentar a sua própria


profundidade. Auscultando a si mesmo percebe que emergem de seu profundo
apelos de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o
grande Outro, Deus. Dá-se conta de uma Presença que sempre o acampanha, de
um Centro ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se
elaboram os grandes sonhos e as significações últimas da vida. Trata-se de uma
energia originária, com o mesmo direito de cidadania que outras energias como a
sexual, a emocional e a intelectual.

Pertence ao processo de individuação acolher esta energia, criar espaço para esse
Centro e auscultar estes apelos, integrando-os no projeto de vida. É a
espiritualidade no seu sentido antropológico de base. Para ter e alimentar
espiritualidade a pessoa não precisa professar um credo ou aderir a uma instituição
religiosa. A espiritualidade não é monopólio de ninguém, mas se encontra em cada
pessoa e em todas as fases da vida. Essa profundidade em nós representa a
condição humana espiritual, aquilo que designmos espiritualidade.

Obviamente para as pessoas religiosas, esse Centro é Deus e os apelos que dele
derivam é sua Palavra. As religiões vivem desta experiência. Articulam-na em
doutrinas, em ritos, celebrações e em caminhos éticos e espirituais. Sua função
primordial reside em criar e oferecer condições para que cada pessoa humana e as
comunidades possam fazer um mergulho na realidade divina e fazer a sua
experiência pessoal de Deus.

Essa experiência porque é experiência e não doutrina tem como efeito a irradiação
de serenidade, de profunda paz e de ausência do medo. A pessoa sente-se amada,
acolhida e aconchegada num Utero divino, O que lhe acontecer, acontece no amor
desta Realidade amorosa. Até a morte é exorcizada em seu caráter de espantalho
da vida. É vivida como parte da vida, como o momento alquímico da grande
transformação para poder estar, de fato, no Todo e no coração de Deus.

Esta espiritualidade é um modo de ser, uma atitude de base a ser vivida em cada
momento e em todas as circunstâncias. Mesmo dentro das tarefas diárias da casa,
trabalhando na fábrica, andando de carro, conversando com os amigos, vivendo a
intimidade com a pessoa amada, a pessoa que criou espaço para a profundidade e
para o espiritual está centrado, sereno e pervadido de paz. Irradia vitalidade e
entusiasmo, porque carrega Deus dentro de si. Esse Deus é amor que no dizer do
poeta Dante move o céu, todas as estrelas e o nosso próprio coração.

Esta espiritualidade tão esquecida e tão necessária é condição para uma vida
integrada e singelamente feliz. Ela exorciza o complexo mais difícil de ser
integrado: o envelhecimento e a morte.

Para a pessoa espiritual o envelhecer e o morrer pertencem à vida, não matam a


vida, mas transfiguram a vida, permitindo um patamar novo para a vida. Assim
como ao nascer, nós mesmos não tivemos que nos preocupar, pois, a natureza agiu
sabiamente e o cuidado humano zelou para que esse curso natural acontecesse,
assim analogamente com a morte: passamos para outro estado de consciência sem
nos darmos conta dessa passagem. Quando acordamos nos encontraremos nos
braços aconchegantes do Pai e Mãe de infinita bondade, que desde sempre nos
esperavam. Cairemos em seus braços. E então nos perdemos para dentro do amor
e da fonte de vida. Leonardo Boff

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