Desde a ingestão dos alimentos pelos camarões, até a chegada dos nutrientes
às células e, posteriormente, a eliminação dos resíduos, milhares de reações
químicas ocorrem, sem as quais a vida animal não seria possível.
A nutrição só se desenvolveu como ciência, quando os pesquisadores
passaram a estudar as reações químicas e os nutrientes envolvidos nelas,
identificando-os, quantificando-os e entendendo o papel que desempenham. Só
assim, foi possível nutrir adequadamente os animais, melhorar o desempenho e
obter produtos a custos mais baixos. Rações mais simples, eficientes e de menor
custo também foram obtidas graças a estes progressos na ciência animal.
A produção animal é baseada em quatro pilares: nutrição, sanidade, genética
e manejo. Para obter resultados é necessário que todos os fatores envolvidos sejam
utilizados de maneira adequada ao mesmo tempo.
Apesar de serem igualmente importantes, a nutrição geralmente recebe maior
atenção por representar até 60 % dos custos totais de produção de camarões
marinhos.
1.1. NUTRIÇÃO
1.1.1. PROTEÍNAS
As proteínas são substâncias orgânicas formadas por moléculas muito
grandes, quando comparadas à maioria das moléculas existentes. Por isso são
incluídas na categoria das macromoléculas (macro = grande).
A molécula de proteína é formada por centenas de moléculas menores,
denominadas aminoácidos, ligados em seqüência. Todas as proteínas existentes
são formadas pela combinação de apenas 20 tipos de aminoácidos. Daí ser comum
definir proteínas como uma cadeia de aminoácidos. Essa característica confere às
proteínas uma enorme complexidade e grande possibilidade de variação.
As proteínas constituem a matéria prima com que o organismo do camarão
constrói os músculos, sangue, cutícula e todas as partes do corpo. As moléculas de
proteínas contêm carbono, hidrogênio e oxigênio, da mesma forma que os
carboidratos, mas diferindo desses pela presença de átomos de nitrogênio.
Existem vários tipos de proteínas, mas todas estruturadas a partir dos 20
diferentes aminoácidos. O próprio organismo consegue fabricar vários dos
aminoácidos de que precisa, a partir de moléculas mais simples ainda, compostas
por açucares e gorduras combinadas com nitrogênio.
Os camarões precisam consumir proteína diariamente para suprir suas
necessidades em aminoácidos. Depois da ingestão, as proteínas são digeridas ou
hidrolizadas, liberando os aminoácidos, que são absorvidos no trato intestinal e
distribuídos para vários órgãos e tecidos, onde são utilizados para síntese de novas
proteínas.
Se o suprimento de aminoácidos for inadequado ou desbalanceado, o
resultado é a redução do crescimento, seguido pela perda de peso, uma vez que as
proteínas contidas nos tecidos são consumidas pelo próprio organismo, com o
objetivo de manter suas funções vitais. Por outro lado, se a houver uma grande
quantidade de aminoácidos, mas se eles não estiverem adequadamente
balanceados, somente parte deles serão utilizados na construção de novos tecidos,
o restante, será convertido em energia. O detalhe é que as proteínas não são a fonte
mais adequada de energia para os organismos vivos, além de serem o mais caro
dos macronutrientes.
Há alguns aminoácidos, que o organismo não consegue fabricar ou o
fabricam em quantidades insuficientes. Esses têm que ser fornecidos
obrigatoriamente através da alimentação. São os chamados aminoácidos
essenciais.Por outro lado, os aminoácidos não-essenciais podem ser fabricados pelo
próprio organismo, nas quantidades necessárias para um ótimo crescimento. Os
aminoácidos essenciais são metionina, arginina, treonina, triptofano, histidina,
isoleucina, leucina, lisina, valina e fenalanina.
Rações que contenham aminoácidos em proporções próximas às existentes
nos próprios músculos dos camarões são aquelas que propiciam as melhores taxas
de crescimento e de sobrevivência durante os cultivos comerciais. Assim, qualidade
da ração não está obrigatoriamente relacionada à quantidade total de proteínas
existentes na ração, mas sim ao balanço dos aminoácidos, como apresentado na
Tabela 1.
1.1.2. LIPÍDIOS
O termo lipídio é utilizado para gorduras e substâncias gordurosas. Lipídios
são definidos como componentes do alimento que são insolúveis em água e solúveis
em solventes orgânicos, tais como éter etílico, éter, acetona, clorofórmio, benzeno e
álcoois.
Existem dois tipos diferentes de lipídios: os simples e os complexos. Os simples
apresentam em sua constituição apenas átomos de carbono (C), hidrogênio (H) e
oxigênio (O), compreendem os glicerídeos, cerídeos e os esteróides. Os complexos,
além de C, H, O, apresentam nitrogênio (N), fósforo (P) e enxofre (S). Os mais
importantes são os fosfolipídeos e os esfingolipídeos.
Os lipídios representam uma fonte importante de energia, apresentando
elevado potencial calórico, com uma energia metabolizável de cerca de 9 kcal/g,
contra 4 kcal/g dos carboidratos. São requeridos como fontes dos ácidos graxos
essenciais, necessários para síntese dos tecidos e membranas celulares, além de
serem requeridos para absorção e utilização normal das vitaminas
lipossolúveis. Essas funções são, em grande parte, assegurada por ácidos graxos
polinsaturados essenciais (não sintetizados pelo organismo) presentes nos
alimentos. O aporte adequado dessas matérias-primas é, assim, indispensável para
a manutenção das funções vitais dos camarões.
Há quatro ácidos graxos que são considerados essenciais para os camarões:
linoléico (18:2n6), linolênico (18:2n3), eicosapentaenóico (20:5n3) e
decosahexaenóico (22:6n3). Geralmente, óleos vegetais são ricos em 18:2n6 e
18:3n3, enquanto isso, óleos provenientes de animais marinhos são ricos em 20:5n3
e 22:6n3. Os níveis recomendados para lipídios nas dietas de camarões variam
entre 4-7% (Tabela 2).
Tabela 2. Níveis recomendados de ácidos graxos e de fosfolipídios em rações
comerciais de camarões.
ÁCIDOS GRAXOS PERCENTAGEM NA
RAÇÃO
18:2n6 0,4
18:3n3 0,3
20:5n3 0,4
22:6n3 0,4
Fosfolipídios totais 2,0
Lecitina 1,0
1.1.3. CARBOIDRATOS
Composto por carbono e água, como o nome diz, também conhecido como
glicídios. São classificados pelo número de açúcares simples em combinação: a)
Monossacarídeos: unidade básica dos carboidratos, a terminação "ose" indica que
se tratam de açúcares. A glicose, frutose e galactose são os monossacarídeos com
importância nutricional. b) Oligossacarídeos (poucos monossacarídeos -
dissacarídios), os 3 principais dissacarídios para os camarões são a sacarose e a
maltose. C)
Polissacarídios, como, por exemplo, o glicogênio que é sintetizado a partir da
glicose.
Carboidratos são considerados a fonte de energia mais barata nas dietas de
camarões, mas sua utilização e metabolização é limitada. Entretanto, na ausência
de carboidratos ou de lipídios na dieta, os camarões utilizam as proteínas como
fonte de energia. Quando os níveis de energia na ração são suficientes, as proteínas
serão utilizadas para o crescimento.
Os carboidratos também servem como precursores para vários produtos
metabólicos necessários para o crescimento, como, por exemplo, aminoácidos não-
essenciais, ácidos nucléicos e quitina.
1.1.4. VITAMINAS
Vitaminas são complexos orgânicos, requeridos em quantidades diminutas
para um crescimento normal, metabolismo e reprodução dos camarões.
Em sistemas de cultivo onde os níveis de produção não excedem 250 g/m2,
os alimentos naturais costumam estar presentes em quantidades suficientes prover
algumas ou até todas vitaminas essenciais para os camarões. Entretanto, em
cultivos intensivos, onde as densidades são mais elevadas, a disponibilidade de
alimentos naturais tende a ser menor. Neste caso, as vitaminas devem ser
suplementadas na dieta para que os camarões apresentem padrões normais de
crescimento.
A quantidade e o tipo de vitaminas exigidas pelos camarões são
influenciados pelo tamanho, idade e taxas de crescimento dos camarões, condições
ambientais e inter-relação entre os nutrientes presentes na dieta.
Normalmente, as rações comerciais precisam ser preparadas com
concentrações mais elevadas de vitaminas que as necessárias aos camarões, uma
vez que parte delas acaba sendo sempre perdida durante o processamento e
armazenamento das rações. A vitamina C, por exemplo, pode sofrer decomposição,
pela luz, pelo calor e pela umidade. Outra dificuldade a se considerar é que, como
os camarões se alimentam lentamente e manipulam continuamente o pélete, assim,
a ração pode permanecer várias horas na água. Se a vitamina adicionada à ração
não apresentar nenhuma forma de estabilização, ela será totalmente perdida antes
de ser consumida. Há 11 vitaminas hidrossolúveis e 4 lipossolúveis que são
essenciais para os camarões marinhos (Tabela 3)
1.1.5. MINERAIS
Como a maioria dos animais aquáticos, os camarões podem absorver e
excretar minerais diretamente pela superfície do corpo e pelas brânquias. Assim, a
necessidade de suplementação mineral da ração depende da composição química
da água em que os camarões estão sendo cultivados.
O sistema digestivo dos camarões não é muito ácido. Por isso, os
suplementos minerais que são hidrossolúveis são mais facilmente assimilados pelos
camarões. Entre os minerais requeridos, o fósforo é considerado o mais limitante
nas rações. O nível recomendado de fósforo é de 0,9%, mantendo-se uma relação
Ca:P entre 1,1-1,5 :1,0.
1.3. ALIMENTAÇÃO
Adotar um programa eficiente e correto de arraçoamento (fornecimento de
ração) talvez seja o maior desafio que o produtor enfrentará para aumentar a
margem de lucro de seu empreendimento.
A ração é o item de maior importância na definição dos custos finais de
produção. Erros de arraçoamento poderão ocasionar:
a) Em caso de fornecimento de ração abaixo da quantidade necessária: a
taxa de crescimento dos camarões ficará aquém da ideal; os camarões
ficarão sub-alimentados e, por isso mesmo, mais estressados e sujeitos a
enfermidades (Tabela 5).
b) Em caso de fornecimento de ração acima da quantidade necessária: os
resultados serão ainda piores, pois praticamente se estará jogando dinheiro
fora; a água tenderá a se tornar eutrofizada, isto é, muito rica em nutrientes,
provocando grandes blooms de fitoplâncton. Como resultado, as
concentrações de oxigênio dissolvido na água poderão atingir níveis críticos
e as concentrações de matéria orgânica no fundo do viveiro aumentarão
acima dos níveis desejados (no caso de não se utilizarem bandejas
alimentares). Essa perda de qualidade da água e do solo também estressará
os camarões e aumentará os riscos de ocorrência de enfermidades. Nos dois
casos, o resultado final é um só: prejuízo.
Importante: A qualidade da ração não pode ser determinada apenas com base em
análises químicas (laboratoriais). Níveis elevados de proteína isoladamente não
significam nada e não determinam, por isso, a qualidade da ração. A real qualidade
da ração deve ser avaliada a partir das taxas de crescimento, conversão alimentar e
sobrevivência dos camarões cultivados.
Exemplo: Supondo que a ração seja fornecida duas vezes ao dia e que seja
colocado 1 kg de ração na primeira alimentação e 1,5 kg na segunda, o
procedimento a ser adotado é o seguinte:
• O encarregado da primeira alimentação do dia levanta a bandeja e observa se
sobrou ou não ração fornecida no período anterior.
• Em caso de haver sobras, ele pode retirar uma argola que representaria, por
exemplo, 100 g, deixando um número suficiente de argolas para que o responsável
pela segunda alimentação coloque exatamente 1,4 kg de ração na bandeja.
• No seu turno, o responsável pela segunda alimentação levanta a bandeja e
igualmente observa se houve sobras ou não, em relação ao período anterior.
• Depois ele coloca na bandeja a quantidade de ração anteriormente determinada e
deixa registrada a quantidade de ração que deverá ser fornecida no próximo
período.
Tabela 7. Variação dos níveis protéicos ideais na ração de camarões marinhos e das
taxas diárias de arraçoamento em função do seu peso.
Peso médio Proporção de Taxa diária de
dos camarões de proteína na Arraçoamento*
dieta (%)
(%)
0,3 - 3,0 g 45 12, %
3,1 - 4,0 g 42 8,0%
4,1 - 7,5 g 40 6,0 %
7,5 - 8,5 g 39 5,5 %
8,5 - 9,5 g 38 5,0 %
9,5 - 10,5 g 36 4,5 %
10,5 - 11,5 g 35 4,0 %
11,5 - 12,5 g 35 3,5 %
12,5 - 13,5 g 35 3,0 %
13,5 - 14,5 g 35 2,5 %
* Em relação à biomassa dos camarões
Tabela 10. Taxa de conversão alimentar (TCA) e quantidade de efluentes gerados por
tonelada de camarão produzida.
Efluentes/Tonelada de camarões
TCA
Matéria orgânica Nitrogênio Fósforo
1.0 500 kg 26 kg 13 kg
1.5 875 kg 56 kg 21 kg
2.0 1.250 kg 87 kg 28 kg
2.5 1.625 kg 117 kg 38 kg
Recomentações:
• O manejo alimentar e o controle da quantidade de efluentes gerados são
preceitos fundamentais para a viabilização ou para a manutenção da viabilidade
econômica de qualquer fazenda de cultivo de camarões marinhos. A melhoria
das técnicas de manejo e a redução das taxas de conversão alimentar
contribuem para a redução dos custos de produção e da poluição, além de
aumentarem a lucratividade do empreendimento.
• A quantidade máxima de ração fornecida deve ser determinada pelos
parâmetros de qualidade de água e não pelos níveis esperados de
produtividade.