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Cultura & Economia Actas do Coléquio realizado em Lisboa, 9-11 de Novembro de 1994 Coordenagao: M. Lourdes Lima dos Santos INSTITUTO DE CIENCIAS SOCIAIS. DA UNIVERSIDADE DE LISBOA ESTUDOS EF INVESTIGACOES Carlos Fortuna* As cidades e as identidades: patriménios, memérias e narrativas sociais** INTRODUCAO: A DESTRUICAO CRIADORA DAS IDENTIDADES religiosos ede trabalho que os 20 jugo impiedo- 50 dos poderosos. Quebrar tais vinculos e alcangar a cidade, entendida como es ibertador e promessa de salvagio, era uma aspiragao radical. Nela estaria uma ambicionada auto dividual e a livre afirmaglo pessoal. Por arantia dava forma ao desejo de se tornar out "ase de lugar, enfim, construfa-se uma nova identidade ‘A radicalidade de tal proposta 6 dupa, Por um are do facto de pressupor ‘que a fuga para a cidade romperia por si os rgidos sistemas de constr das ident, des tipicos da era pré-moderna, quando as idenidadese as respectivas cosmologias ram pré-eterminadase impostas do exterior a partir de sistemas de mitos e erengas rientados por prncipios religisos,poticos de parentesco, Por outro lado a aspra. ‘¢f0 enunciada mostra-e radical porquanto © ambiente sécio-poltco pre-industrial nd «contém a plasticidade que hi-de permit cidade da era moderna e industrial tomnar-se ‘num espago de libertagao pessoal e olectiva, no seatido da transfiguragso das identi. dades de origem dos sueitos. As cidaces da era feudal sio também reguladas por sis. temas de poder e autoidade que envolvem formas codifcadas de obrigatoredace, semelhantes 2s existentes no mundo rural medieval, nas quas se esconde um rigido sistema de clasificario s6 aparentementeiluséio, Antecipava-se o tempo, * Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Ce * Agradego os comentirios dos colegas do Nicleo de Ex « Sociedase, do Centro de Estudos Socais eda Margarida L, Fria, os quis procure! o>. Servarna prepara desta versto do texto, cujaresponsabildade, no entanto, me cae por Cee Para que os aves da cidade se em tornado realmente libertador preciso, como se sabe, que se tivessem alterado profundamente os prinespi ‘denadores da sociedade arcaica, $6 0 despontar da modernidade e as correspon- denies transformacées civilizacionais tomaram possfvel a transfiguragio identitd- ria, A partir de entio, criaram-se as condigSes para que os anteriores sistemas de classificagio e mudanga identitiias pudessem ser problematizados e, com elas, a8 suas componentes ¢ metamorfoses, a sua rigidez e plastcidade, o seu cardcter essencial esubstantivo, ‘Devemos aos contributes de ilstres analistas como S, Freud, N. Elias © M. Fou- cault a compreensio do modo como os factores externos, de natureza s6cio-- ambiental, que intervém na formagdo das identidades dos sujeitos, tendem a ser in- \eriorizados, fazendo aproximar a sua ideatidade da sua subjectividade. As identids- des passaram a ser entendidas como expresses compésitas de intersubjectividades, fem que a fronteira entre factores intervenientes extern e interns se tornau impos” sivel de deciffar. Em resultado dist, aceita-se hoje que nas situagbes socias do seu quotidiano, 0s plurais e auto-reflexivas. Sdo objecto de escolhas e de possibilidades individuais,feitas de acordo com a prépriapercepeo da estrtura das retagdes so- ciais e, portant, desencadeadas em fungo dos recursos disponiveis e dos efeitos ras entre # estrutura social ¢ @ aogdo dos sueitos, a 20 sabor das mudangas sociais 1do-se pautar por uma progress tiva, perante a crescente compl rmostra-se contingente e remete vva que 6 progressiva ¢ continuamente (re [Nesta (Fe)construsio das identidades esta envolvido um processo dindmico de constante conironto do velho com o novo. Este constante fluir permite-me utilizar snalogicamente 0 pensamento de J. Schumpeter e admitir que, tl como no desenro- lar evoluivo do sistema captalista, também as identidades sociais esto sujeitas a tum processo de destruigdo criadoral, Por destruigdo eriadora das identidades en- tendo a aegdo de continua re-elaboragto dos critérios de auto-validagdo pibica dos. sujetos, varidvel de acordo com a mulplicidade de situagSes sociais do quotidian eas transformagées econémices, pol fies e cultura que earacterizam as 1 Em Capitalism, Socialism and Democracy, J Schumpeter carteterizou a evolusio do sistema capitalist como estando sujita a uma srevolugdo permanente, feta partir de 211 __Ascidades eas identidades: patriminios, memérias ¢ narrativas sociais sociedades contempordneas ¢ que pioporcionam um continuo renjustamento das, rmatrizes identitirias dos sucitos. 'A vatiedade e a sobreposigGo de narrativas e parimetrosinterpretativos sobre ‘9 mundo e a vida e, mut , sobre as identidades sociais, revelam como cesias tltimas vo send fas a cada passo e, de modo acelerado, ce- endo cxiadoramente a mais ou menos momentineas ¢ desordens- das, Tanto o discur um ese instaurou uma expécie de sobre 6 modo como aqueles se Imente, do modo como véem, apresentam e avaliam os outros?. ‘A destruigdo eriadora das idensidades impbe a necessidade de re sgnificado atribuldo aos centros ou matrizes primordiais das id modernidade ~ a classe soc! 1, assiste-e hoje ao descentramento dos sujeitos €& problematizagio tanto nas suas concepyses essencialistas (do tipo eu som eu) como tas (do tipo a vida fez-me assim. "Novas cosmologias so hoje geradas a partir de renascidas ideologias da cul- fas em fungdo de emergentes social, desponta um novo gosto ‘encontramo-nos perante um processo de renova~ 0 daquilo a que R. ‘chamou a sestratura dos sentimentos» dos indivi- Sao que implica uma deslocago das nossas metodologias de andlse das genea- Togias e das relagGes sociais fixas ¢ f ara uma compreensio do cerécter mais fluido e movedico da sociedade (Wi ‘A tendéncia parece ser a da busca acompanhar da construcio de personalidades errantes, ccompromissos duradouros e aptas a adesdes fugazes, nfo raro draméticas, a novos centros em emergéncia (Cohen, Nachman ¢ Av ‘A ceste descentramento ‘do mundo corresponde um novo recentramento dos sujeitos, pautado pela valor- lazer, © corpo, a estética © a ot ‘ribose ~ nfo apenas se equivalem entre si, mas também se Carios Fortuna 212 substituem aos anteriores na sua capacidade de radicacao das identidades dos su- Jeitos, Para alguns tedricos da pos-modernidade, a questo das identidades passou. ser um objecto sociolégico problematico e de limitado valor heuristico para a compreensio do sentido dos actuais modos e estilos de vida e da natureza das rmudangas sociais. Assim sucederd, nesta perspectiva, por que as identidades, su reder lugar a processos avaliagdo que procurarei proceder a ur ‘modo como as relagbes entre 0 espago e o tempo se prefigur sujeitos na pés-mod (0s sentidos 0s signficados do patrimsnio histérico © primeiro lugar, de ensaiar uma breve . tivas sociais e dos modos de percepgio das relagbes espacio-temporais. De segui- da, ¢ ordenadamente, oferecerei uma interpretagio sobre as fungSes ¢ os modos de apropriagto/percepgao das rufnas, monumentos ¢ museus das cidades, para c we tendem a ser fundamentalmente percepcionados como elementos da o dos ambientes vivides na cidade, através do que os individuos pro- ccuram ov obter vados de satisfago pessoal, ou aleangar patamares de ESPAGO, TEMPO E NARRATIVAS SOCIAIS Central a esta nova problematizagdo da sociedade € o entendimento e o modo 4e relagdo que os sujeitos estabelecem com o tempo e 0 espago, A vastissim ratura que tem sido produzida em redor desta temética ao longo das duascltimas «décadas poe em relevo uma profunda redefinigo do lugar do tempo e do espago ‘os imagindrios nas prticas sociais dos sujeitos. Uma das linhas da sua rele ‘encontra-se no modo como, conforme as correntes do pensamento, ora se privile- agi 0 espago ota o tempo, como eixo principal ao longo do qual se process a formagio identitria, id, 0 tempo cronolégico e como opressivo e sujeito a impe- wumentais de produtividade, trabalho e controle social (Baudrillard, itucional, como Ihe chamaria $. Kern (1983), & respon- sivel pelo empobrecimento do gosto de viver pelo que, em alternativa, si0 virios (5 autores que sustentam concepodes anarquizantes e desconexas do tempo, s- tamente mais concordantes com os modos de aco e o pensamento contempo- 0S: 0 tempo ¢ 0s conceitos de passado, de presente e de futuro, aio podem ser situados nem controlados pelos noss0s enunciados discursivos, como nada pode star, alguma vez totalmente ausente ou totalmente presente (Rosenau, 1992; 67-70), 213__As cidades eas identidades: patriménios, memérias e narrativas sacais Por outro lado, ¢ em parallo a esta exorizagdo do tempo, em algumas ani ses de cari possmodern da reaidade€ 0 espago que parece ntata consegutn. que orientem 08 n0380s trajectos & de acco Jameson, 1988), Este desafiotinhaj sido enunciado por W. Benjamin. Na sua Berlin Childhood, Benjamin (19926) assinalava que mais importante do que coahecer uma cidade ber perder-se nela,sobreviver na ausEncia de guias, sem orientagGes ou tra- 108 pré-estabelecidos Quer temporais quer espaciais, os limites da cidade iam cada vez mais dificeis de decifrar~ a cidade nfo tem exterior -e G. Simmel, outro so ia os sentidos a sua qualquer reacgion 328), refugiando-se o ie blasé, cuja es ide na sindiferenca face & sas» (ibid). A cidade produz uma cultura de estranhamento & todavia, se pode revelar paradoxalmente libertadora. Se, por um 1, por outro lado, torna-o também mais permissive as escolhas © opeses individuals. Para tanto contribui no apenas a excitagio dos sentidos e emogdes mas, sobretudo, a teatralizago do quotidiano, desenroladas, ‘uma e outra, no cendtio magndnima da cidade,+ 5 aNto conbeoer bem os percursos de uma cidade, ama Benjamin, io tem muito ‘diga, Per __,,__ cidade image lorena sociale, Sem capac pars onder ee a ro empogo a soiedde perde 08 sus gues © esai-ns ee ri gop pra que as sprendanos de noo, de mo tiferent EM acid que eo o apo de H. Bhabha cing de um erciroexpac0 one ree ings da eens ultras ~ apa de inoduzit ams Fan eran andiioal procuracaltralista de um modelo trata rsenits ea incspensvel nega da catza se nds eotias..» Bhabha, 199435). Ente a bused de rea hata ou 6a tradi, e a incerteza do es necessidaes soca e cults, est com ‘que pode e, de acordo com Bhabha, deve ser subv almen- daa dimensio enunci ‘Yae por em causa os modos dominantes de imposigaolsujeigio cult vagwsentes da nossa crenga do passado distante ou da cultura inferior. “tproposta de Bhabha ganha em clareza se conjugeda cam 0 aquilo ave me parece sef central nos chamados estas subaltemos ov pés (idem, 260. a Lina de id icas modemnos, 4 ges» que as ruinas de s, C. Rojek dé vor a Pierre de Coubertain, 0 pai dos Jogos 1896, inserevia no seu disrio as «supremas sensa- ‘ransmiiram: Deixs sar a vero sol nascer,¢ logo que os primeiros raios de uz in- ‘vadiram o vale, aprssei-me a chegar as ruinas. A sua pequenez(.. ndo me Surpreendeu nem me decepcionoy, Era uma arquitectura moral aquela onde cw ia buscar ensinamentos; ¢ eis que ela se ampliou em todas as suas di- jensdes. A minha meditagio durou toda a manhaf...). Por toda a manhi ddeixeisme andar a divagar por entre as rufnas (Coubertai, cit. in Rojek, 1993: 113). Retenhamos, por um instante, as duas tum lado, a esteticizacdo do espago que as 1 vvocam sensagio de paz. Por outro lado, e a nsdes acabadas de ref ‘raduzem ¢ pela qual n salada com esta, a sua capacidade para suspender 0 nosso presente ¢ nos fazer divagar. Na conjugacio da estética Com a suspensio do presente e a divagacio, aquilo que nés temos é, por analo- gia, um acto sumo moderno. ‘Sem © lugar para uma andlise detalhada do significado da mensa- ‘das rufnas das nossas cidades, enquan- . porém, no posso deixar de referir to objecto de moderno consumo tu 219 __As-cidades eas identidades: pat aque esta me parece ser a melhor demonstragio da fungZo que as rufnas hoje Acsempeaham no now quotdiane cain Pentemor apenas nas tgunes és mensagens: : [No fimde semana, aide casa ‘ene par stele Carlos Fortuna 20 Carlos Forma 2 ‘sto mensayens publicitérias divulgadas massivamente entre nés ¢ apostas sob um pano de fundo em que sot do nosso patriménio historico construido. A tuz do que tenho vindo a di icitérias podem ler-se como: ‘ISITE LOCAIS HISTORICOS: DEIKE-SE TRANSFORMAR! Estes locas historicos, em particular as ruinas, mas também, como veremos de seguida, os monumentos, 50 lugares especiais que, como as heterotopias de Fou- ‘cault (1986), destocalizam os sujeitos ao mesmo tempo que os fixam mum deter- tinado espago. Funcionam como uma espécie de espacializagio da utopia 20 ppodorem converter a nossa identidade na nossa alteidade. A paisagem espacial pés-moderna das nossas cidades esti carregada deste lugares. Ao lado dos mo- Hhumentos e ruinas, também 0 museus, os santudrios, os cemitérios, os estédios ou ‘os hiper-mercados funcionam, em diferentes graus, como lugares de deslocaliza- «0 da personalidade dos sujeitos8, .2¢ artistica, quer da sua mater stes lugares no se imitam TImplicam estados de tra condigdo sociale, sobretudo, dos estados de espirito das emocies dos sujeitos. ‘Aarte, como a ciéncia modema, reconhece que entre o observador e 0 observado Se estabelecem relagies complexas. Observar qualquer coisa é torné-la objecto ‘dos nossos sentidos, exercer uma influgncia sobre ela, transformé-la e consumi-a. io do objecto é sempre também a transformagio do se transfigura no acto da observagio do Duncan quando conclui que os visitantes desies lugares «trazem consigo 0 desejo e a capacidade de se sransferirem para tum outro estado de receptividade (...] © um certo tipo de contemplagio © de aprendizageno» (Duncan, 1991: 91. fdlicos meus). "As ruinas € 0 restante pattiménio hist6rico so, portanto, espagos ritual que suportam a transformagdo da identidade dos st raves do processos sociais de liminaridade, semethantes aos rituais de pas ‘Tumer (1969). Assim acontece com os visitantes das histérieas, ou seja com aqueles que «saem de casa para entrar na histéria» © que, ao fazé-lo, suspendem ¢ se libertam deliberadamente do seu preser mmando-se. O mesmo sucede com aqueles outros que «visitam locais colundveis>, ‘num mero acto de esteticizagio do seu quotidiano e que, por via disso, também se 8 Noutro lugar (Fortuna e Ferreira, 1992), tive jé oportunidade de analisar 0 modo como o prio acto peregrnieo pode exerer estas masmasfungBes de deslocalizago das ender 221 __Ascidades eas identidades: patriménios, memérias ¢ nar ddeixam, preferem acto de aut correspor aalidade. E possivel assim sustentar que a visita as cidades histSricas ¢ aos lugares do passado representa e pode significar uma passagem, uma tran sagem e uma transigao especiais, a que no seu decurso, os si prdprios e aos olhos dos outros como nio tendo obrigagbes. Véer-se © ‘uto, sem propriedade ¢ sem distinivos sociaise, simultaneamente, com tudo isso. ‘As nossas cidades historicas ¢ ncia interpretativa a que estlo sujetas, so lugares privilegiadas para que nos permitamos divagar par en- ‘ne 0 seu patriménio, dando aso & nossa imaginagao interpreativa sobre nds pré- prios, 0 nosso passado e o nosso presente, isto é, actuando no sentido da destrai- (0 criadora das nossas identidades. Isto niio de, cumpea is rmudanga de condigZo ou estatuto do vi esenvolver sobre 0 turismo sima incorporagdo da mensage Aiscursos e imaginérios construfdos dos ispostos a verem alterado o arranjo ambiental e toda a estéica circundante da- queles exemplares do iio, em favor do seu confor pessoal e da satisfa- fo de eritérios estéticos circunsta erir para um outro esiado de reveptividade. Que dizer ainda dos que de casa e «omar um banho de c ante um romogdo e, mais que isso, de cont tural) © incorporagio de outros sentidos novos ao conjunto da sua perso- falava Simmel, a fuga do presente e 0 refiigio no passado, prop rufna, so profundamente temporérios e baseiam-se em avaliagbes de naturezs estétca, nfo substantiva, Terminado o ritual de vista e contemplagio, regressa-se a0 presente descentrado do quotidiano. O visitante, comportase assim como 0 ‘Adneur, divagando sem destino, pelos espagos fantasmagéricos da cidade e das "uf, observance ,imtneamene,clvand o gosto masta de ser obser Por mais efémera e supert totalmente errado que a despr Pela minha part, julgo que esta situagio revela desde logo uma indiferenca peran- te a historia, o tempo e 2 meméria como constituintes das formagdes identtiias na I que esta atitude pareca ser, no ent 9 Trat-se de um estudo sobre o impacto turistico e os modos de relago dos vistantes com 0 paltimeni hisérico das cidades de Evora e Coimbra, integrado mums investgasa0 ‘monuments que vistam (Fortuna, 1994), 222 wo da ppia memoria Feaberstone, 1991). Pete amo ue forma de ress Bode joj ost em caus, qu retenia i ado era qualquer comniade esl de intersies ve yersas de sociabilidade e de interacgio gas surgr ima por aes ae ge fone gendor mimeélea, Nest cso, os monuments podem re roensos de ena creusena ceféers ene ond Fre slate soins qe se eabeleem erdurem apenas enguan- objected cons, ou pode ger ‘particularmente quando lgdes © histGrias imaginadas por sujitos descentrados e, last but 1a propria comercializagio da cultura. © a este propésito, o processo de mercadorizagdo a que os monumen- tos, como outros exemplares do patriménio histérico, esto hoje sujeitos. A sua reproducio em postas, guias turiticos, cinema, ou reportagens televisivas, ainda ue 0s tornem objectos de consumo de acesso massificado, nfo se traduz directae ‘mente em sintoma da perda da sua aura, Pode-se problematizar aqui o conhecido argumento de W. Benjamin (1992s), de acordo com o qual a reproducio massiva do objecto artistico elimina o seu valor aurdtico. Creio que a sedugo que qual- quer monumento encerra,resultante de uma simbiose de elementos fisicos e re- presentacionais, por emergir de factores atemporais, como 0 simbélico e 0 dra- ‘matismo da hist6ria que pretende revelar, escapa a situapfo de anti-climax que a ‘eprodugdo poders ocasionar noutras sitwagdes. A reprodugdo da imagem do mo- rhumento é a reproducdo do seu elemento fisico, ndo do seu elemento simbélico e representacional. A sua vista directa, o monumento conserva um valor de sedugo idade mais elevado do que advogam os defensores da tese da perda da jo-se que poucos escapam a uma estimulagio mais ou menos forte 3s. Divaga-se quando se olha 9 monumento e, como espectadores, so- ‘os postos perante um instante de singular dramatismo que nés préprios nos en- carregamos de gerar e de gerir. N4o raro, podemos deixar-nos transportar a um universo fantistico de imaginacdo pessoal, tanto histrica, como estética ou polt- tica AAinda que possamos admitir que 0 monumento nio escapa ao «sentido da ‘gualdad universal das coisas», que W. Benjamin responsabilizava pela perda da ‘ura do objecto anistico, em meu entender, ele conserva um profundo sentido de ‘encantamento, em tudo semelhante & generalidade dos artefactos consumidos na nossa sociedade. Tudo ocorte, afinal, como no caso do som, da imagem ou do texto que, reproduzidos ou citados com frequéncia, cont ser abjectos do desejo dos respectives consumidores e vel pluralidade de formas de percepgdo e de apropriagio. im, por isso mesmo, a 108 uma incontesté- MUSEUS E AUTENTICIDADE _Existe uma outra dimensfo do nosso patriménio cultural e histérico que mere- ce uma referéncia breve neste contexto. Trata-se do lugar dos museus modemnos tanto os museus de arte como os histéico-emograficos e arqueolGgicos. Os mu- seus tém uma hist6ria recente que comesa com o Iluminismo e depois se acelera, dada a sua multiplicagio e variedade, em meados do século XIX (Pomian, 1990). Esta histéria pode ser contada nos termos das relagSes complexas que se desenro- lam no seio do poder polftico e das insttuigbes (como, por exemplo, no caso do ‘Museu do Louvte), ou no xadrez de influfneias de promotores abastados © os etentores do saber ¢ da arte, tanto sagrada como profana (como no caso do Me tropolitan Museum of Art de Nova Forque) (Duncan, 1995). De um modo geral, os museus estio hoje, todos eles, perante uma crise de sdentidade, que #2 relaciona drectamente com a sua gradual tansformagio de tas em espagos piblicas ¢ de lazer. Nesta metamorfose ceprevmtida a perda do sentido pateralisa originrio com que as classes altas © catlan uedcadas» ofereciam © musen as suas congéneres mais desfavorecidas ¢ Medes, Mas est também contida, nesta crise de identidade dos museus, a his- Nia da desvatorizagao cultural do objecto © da correspondente valorizayio do dliscurso ¢ da narrativa, De acordo com an focura de solugio para esta crise tem for- «gad & revisto dos obj dos museus. A pretensio de servirem senanidade, local ou nacional, e 0 passado tem sido posta em causa e substituida ‘por uma outra perspectiva ividualstica © presentista, de acordo com a {qual os museus servem hoje 0 seDonald ¢ Silverstone, 1990), Aquilo que esta destoc uo e do passado para 0 preser fe objectives (4 stemunha € a ofuscagio do cidadio e 0 sur- ‘museus tem por isso contornos econsmicos, jconsumidores, ¢ culturas, €atrar, depois, um visitante que, ‘ponto de vista social como do ponto (Jade das suas narativas e discurses, Como dar resposta 2 minorias socials © pert= frais ¢ sem divida, un dos principals motivos de preocupasio dos Conservadores dos museus das nossas cidades, Parte do problema radica na incer~ tune na ambivaléncia dos nossos crtérios classificarérios, ja que se chegou a um pponto em que, para utilizar as palavras de U. Eco, «conc Pilsidade, Auténtico e Faso, Tdentidade c Diferenga se definem circularmente uns foe outros» (Eco, 1992: 217). A questio central da crise actual dos museus é, “igio que a sociedade tem vindo a procurar na fle~ rados para determinar aquilo que ¢ esteticamente ‘ative ou arquelogicamente integro, para péblicos lizagio dos objectos smuseol6gicos Vistos, nalgumas critics mais radicais, como {da criagdo», o§ museus sho responsebilizados pela «ptrificagdo» quer da histéria quer da cultura. Esta tritica ¢ uma dentineia da sobreposigao quer dos tempos quer dos critéios estéti- os que devem presidr 3 ordenacio daquilo que € exposto. O que est em causa ¢ ve autenticidade: «os museus podem expor ‘objects reais’, mas ums funco da ‘pistemologia relaivista é demonstrar que a autenticidade ium traco no 227 __ As cidades e as identidades: patriméh 5, memBrias e narrativas sociais aneaas do object em si mas da expec do prpriosucte ( Silverstone, 1990; 181). we : eeeteee 2 (Outros modos de exposgto da ela eis Jade, como elev, conse um desifio 8 autntcidade do chee xoxo «A propia verdad do muse, Nio tstamos nunca ceo, porque ot sgufcados sho lndivdualneste egovives sobre aquilo que é mais ou menos eauténtico», se 0 objecto expasto num conjunto taxonomicamente ordenado, ou antes 0 objecto mostrado pritico ; ina no se context race de uso, como a televisio ¢ capaz de fazer. - 10 sas on 0 mc a og erage tio mail ie 6 umbem eacima de tudo uma nav, ou sj ua hits Conta sobre 1s piprios ou sobre os uo, qe, como satntl ass orou no cnt. ma ea mesma cos, Preinmente hae dna a comple to radical de descentramento dos su) ‘ "Tal como os objects “ambi ssn se confontam om im mao menor gr ede AA este mundo preside o paradigma da promessa os qu, n0 ese ¢ finderentalmente a promes: ‘© que a sua concretizag 4 ago especii em que op se tornou individual. s - tana observa, Hes apropinn, a seu belo pace, 0 aio do ambiente que o muscu ener Ese € un ‘mundo de consumo, A critica enderecada aos museus como «lugares de petrificagdo» das culturas e das me nia ha tae eo pt ceca ore ds pa as, clturas © pariménios humanos que neles so fepresentado, vida do mi- s,s Sime dia opto dane < de lain, ¢ deta, or pure quis pus pars, el pina da dente damon Ne cultura do consumo, regia por igual principio de fnude e renovagio, aquela Gue hoje preside 8 orgaizaao dos nonsos musus? Por quo alo haveria de er {sim como consumo da cultura que se exercta estes lugares? Dito de outra maneira, no ex aliag lo creo que ara join a avalago fia dos museus pela qual esis ttm uma fngSo menor, porque inautéaicn, ae monial das comunidades. Como as rui : Carlos Fortuna 228 rodos particulares de expressio cultural numa sociedade de sujeitos descentra- Hos em busca permanente e criadora das suas identidades. Para este of tmuseus valem tanto como 0s outtos potenciais centros identitérios. Para além do inais, seria de todo incorrecto que, por detrés do recoahecimento da dificuldade dm definiro que € a autenticidade das objectos e dos museus, se escondesse vela- Gamente a intengdo de desprezar o lugar do lazer, da cultura de consumo e da testeticizagio do quotidian que permeiam sus cidades. Podemos até izer que, com as suas reconhecidas dticuldades taxondraicas, de selecgio ati- revalorizada a sua fun- sultural e pot jade e a ambivalénci. ise dos museus» a fos que nele se ex- o contemporineo onde pontuam 0 pareelar, ta sim, parece nfo se adequar & compreensio da fa com base no critéio da autenticidade dos obj ‘realidade» ¢ a «autenticidade» do museu fru fdas no quadro de uma realidade superlativa, imediati semelhante ao que U. Eco caracterizou como «hi aida nem regresso e o seu context ddos museus, como a identidade dos sujeitos, faz-se aqui e agora, no presente © na texperigneia, O museu um mundo fantistico de sensagdes, como 0 € o patrimé- ide ea cultura. Nele entrase hoje, para rocar as coisas, ver os objecios, enfim, construire dar seniido a realidade, fe presentista, em CONCLUSAO Serio estes sinais de crise ou de renovagio dos nossos museus? E, por arras~ tamento, estario os nossos monumentos € rufnas em situagio paralela? E que di- {er da cultura? E do patriménio da cidade? E das identidades? A resposta deve “fer afesida pelo entendimento que tivermos do tempo e do espago na nossa socie- dade. O que se pode dizer 6 que estdo ambos submersos num mundo de imagens € sempre umn objecto obsceno ou desdenhado pela r lade do pensarfiento Social, a crise, se existe € deste ultimo. Oposta as categorias de steal» ou de sracional», a percepedo imaginati passado ndo alcancou nunca © estatuto ontologicamente mais 10 que atribuimos a0 «presente», no qual Somos convidados a viver, 08 ao «futuro», no qual somos aconselhados a ter f ‘Marginalizados, 0 passado e a meméria tornaram-se um risco. Recordar transpot- ta-nos para outro tempo e, deste modo, para outro lugar. E nisto que reside o peri- {go da moméria, Se 0 tempo é um lugar, o passado é uma terra distante © 0 nosso receio, uma fuga a0 confronto com ‘a diferenga. Esta, por sua vez, € uma fuga ao encontro connosco proprics. As 3s, 08 nossos Mond rmentos e 08 nossos museus, enfim, 0 nos jos & historia e patriménio, 0 ios, memérias ¢ narrativas sociais sagem escticizada, Tad 0 ue € esto € hoje mereador- Desa ai, eae invius suena at lar nos seus seis e etter O pasado os gates nossas cidades tornaram-se pees ea exaltagdo do seu consumo di i- ngulas de mater, Nas ness cidaes sem ites em que para sobeviver€ preciso dexamaonos pede, nfo ht sai nem open se, Nio odes segue o futuro, como etna ov camporsss Skemfsaue vam a et ned Foes dno nos resignaraviver neste present, obriados, poicae morimen. tearevestl, sempre ede odo prisons. do maximo ean, REFERENCIAS oomingon avon, Jean (1987), «Mint Canadian ural of ; iso Agus idem, Bee logo Brot, Homi (1998), The Location of Culture, Landes ¢ Nov Bau Hom 199, Th Location of ¢ Nova orgie, Rouedge. ‘Cuaney, David ae ve Life: Public drama in late modern culture, , Nacnui B.A. Recenering the World: the quest for 8 secularized universes, in The Sociological Review, 38: 2. 320 FERGUSON, Harvie (1992), The Science of lease? 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