Julio Tomé
Universidade Federal de Santa Catarina
juliohc7@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/1442467181851279
Resumo
Neste trabalho apresenta-se a problemática dos Direitos Humanos, mais precisamente nas abordagens
que tentam responder à questão da existência de um Direito Humano à Democracia e sua correlação com
o Direito à Autodeterminação (coletiva). Para tanto, utiliza-se de duas perspectivas distintas, a saber,
uma perspectiva contrária a um Direito Humano à Democracia – mas defendendo o Direito à
autodeterminação coletiva – com base teórica em Joshua Cohen e Fabienne Peter, e por outro lado, uma
perspectiva que defende um Direito Humano à Democracia, baseada nas defesas realizadas por Rainer
Forst e Luigi Caranti. Este trabalho faz uma leitura crítica de ambas as posições, também reconhecendo
seus pontos positivos, e o objeto principal de estudo é apresentar, de maneira clara e concisa, leituras
diferentes e com posicionamentos divergentes das problemáticas levantadas, realizando assim um
debate amplo e franco acerca dos Direitos Humanos e do Direito Humano à Democracia.
Palavras-chave
Direitos Humanos; Democracia; Autodeterminação coletiva.
Abstract
This paper presents the issue of human rights, specifically in the approaches that pursue to answer the
question of the existence of a human right to democracy and their correlation with the Right to
(collective) Self-Determination. Therefore, we use two different perspectives, namely, a counter
perspective to a human right to democracy – but defending the right to collective self-determination –
with theoretical basis in Joshua Cohen and Fabienne Peter, on the other hand, a perspective
that advocates for a human right to democracy, based on the defenses performed by Rainer Forst and
Luigi Caranti. This paper, do a critical reading of both positions, also acknowledging its positive points;
the main object of study is to present a clear and concise manner, diverging interpretations and different
positions of the problems raised, thus creating a vast and frank discussion about human rights and the
Human Right to Democracy.
Keywords
Human Rights. Democracy. Collective self-determination.
1. Considerações iniciais
Neste trabalho tem-se como objetivo apresentar uma discussão crítica acerca dos Direitos
Humanos, assim como a questão da existência de um Direito Humano à Democracia. Pelo título
e problemáticas levantadas terem um grande escopo de discussão e uma vasta bibliografia, faz-
se necessário um recorte na problemática e no escopo aqui apresentado. Este recorte se faz a
partir dos autores e textos que serão utilizados para a elaboração deste trabalho.
A saber, foca-se na discussão do artigo Is there a human right to democracy? de Joshua
Cohen, que defende uma perspectiva contrária à ideia de um direito humano à democracia.
1 Neste trabalho utilizou-se, para fins de leitura, a tradução do alemão para o português realizada por Denilson
Werle, mas por esta tradução ainda não ter sido publicada, todas as citações desta obra de Forst serão da tradução
para o inglês. Faz-se aqui um agradecimento ao professor Denilson por ter disponibilizado sua tradução para a
realização desse trabalho.
A conclusão deste ponto para Cohen é que uma vez que as instituições políticas da
democracia estão no lugar, é natural que se considere os membros da sociedade como iguais,
com reivindicação mais ampla para o igual respeito e a igual consideração, nos arranjos da
sociedade. E assim, é natural endossar uma concepção democrática da sociedade. Assim como,
uma vez que os membros da sociedade são considerados como indivíduos livres e iguais, é
natural concluir que deve haver sufrágio universal e governo eleito em condições de asserção
política, com proteções das liberdades relevantes (de participação, expressão e de associação).
Para Cohen, há três dimensões de um direito de participação, que são sugeridos por
uma descrição da democracia fundada sobre a concepção de pessoas como iguais: (i) os direitos
iguais de participação, incluindo os direitos de voto, de associação e office-holding, bem como os
direitos de expressão política; (ii) uma forte presunção a favor da igualdade de votos
ponderados; e (iii) igualdade de oportunidades para influência política eficaz. “Thus
democracy’s right to participate demands equal opportunity for effective political influence
rather than equality of influence” (Cohen, 2006, p. 241-42).
Segundo Cohen, ao se perguntar se existe um Direito Humano à Democracia, deve-se
fazer duas perguntas correlatas: (i) é o igual direito à participação que se deve associar a um
Direito Humano à Democracia?; e (ii) é a concepção democrática de pessoas livres e iguais um
componente plausível de uma concepção de Direitos Humanos abrigado dentro da razão
pública global?
Cohen analisa três elementos de defesa a um direito humano à democracia. O primeiro é
a verdade (Truth), que, apoiando a alegação de que a concepção de pessoas livres e iguais é um
elemento plausível de uma concepção de direitos humanos, pode-se argumentar que ele
representa a verdade sobre os seres humanos e a posição moral. Entretanto, segundo o autor,
não é uma verdade reconhecida por todos, pois a concepção de pessoas como livres e iguais não
é universalmente aceita pelas diferentes perspectivas éticas e religiosas.
O segundo é o Bootstrapping. Argumenta-se nesta perspectiva que a concepção de
pessoas como livres e iguais não só é verdade, como também implica na razão pública global,
porque algumas descrições (abertas) dos direitos humanos são parte da razão pública global, e
todos os direitos humanos dependem, para a sua justificação, da concepção de pessoas como
livres e iguais. Entretanto, não haveria um Direito Humano à democracia, pois tem-se os casos
de sociedades islâmicas e confucionistas, por exemplo, que não assumem o pressuposto da
igualdade e liberdade dos cidadãos.
2 A autora utiliza-se do texto de Thomas Christiano, Self-determination and the Human Right to Democracy, para fazer as
considerações referentes aos direitos morais.
3 Neste ponto de seu texto, Fabienne Peter cita Thomas Christiano e seu texto Self-determination and the Human Right to
Democracy. Sendo que a frase acima exposta, no texto original encontra-se apresentada da seguinte maneira: “[...]
there is moral justification for the international community to respect, protect, and romote the above legal or
conventional right to x in all persons [...]” (Christiano, 2015, p. 460).
Indo de encontro a esta ideia, Rainer Forst afirma que a demanda por Direitos Humanos
surge dentro de conflitos sociais, em que uma justificação para as estruturas existentes é
percebida como injusta. Sendo que, a reivindicação ao direito à justificação precede todas as
demandas pelos direitos humanos concretos.
Para o filósofo alemão, pode-se dizer que se deve atribuir à concepção dos direitos
humanos uma justificação e uma substância moral independente e suficiente, e não uma
substância ética fundada em uma concepção de bem. O fundamento moral dos direitos
humanos em Forst é então o respeito à pessoa moral como agente autônomo com um direito à
4 Toda concepção de direitos humanos pressupõe uma concepção da pessoa moral que é o autor e destinatário de
reivindicações de direitos fundamentais. A noção básica fundamental, captada a partir do concreto auto-
entendimento ético-cultural, é da pessoa com o direito e a capacidade para a justificação recíproca e geral (general) de
ações e normas moralmente relevantes.
5. Considerações finais
Neste trabalho, apresentou-se, em paralelo, duas visões distintas acerca dos Direitos Humanos,
e sobre a questão da existência de um Direito Humano à Democracia. Por um lado, foi
apresentada a perspectiva de Joshua Cohen e Fabienne Peter, contrária a um Direito Humano à
Democracia. Por outro, foi exposta a perspectiva favorável a um Direito Humano à Democracia,
com base no pensamento de Luigi Caranti e Rainer Forst.
Donde, agora, faz-se necessário alguns comentários críticos às teorias apresentadas.
Como se viu, por exemplo, os autores contrários a um Direito Humano à Democracia
argumentam que a autodeterminação coletiva é menos exigente que a democracia. Para Cohen,
por exemplo, a democracia é em si própria uma autodeterminação coletiva, podendo ser
possível que haja uma autodeterminação coletiva que implique em uma sociedade não-
democrática e está deva ser respeitada. Na mesma linha desta ideia, Peter afirma que a
democracia não poderia ser imposta aos povos, assim como um Direito Humano à Democracia
iria na contramão ao direito à autodeterminação. Ambos os autores partem do pressuposto que
a autodeterminação coletiva pode ser satisfeita em um arranjo político antidemocrático.
Neste ponto de vista, os Direitos Humanos e a Democracia dependem da igualdade
entre as pessoas, onde numa sociedade democrática todos são tratados com igual respeito e
cooperam mutuamente, sendo natural quando se vive em democracia crer que exista um direito
a tal. Porém, para Cohen, ser uma verdade moral que todos os seres humanos são livres e iguais
não torna o Direito Humano à Democracia uma conclusão lógica. Pois há culturas e países que
não reconhecem a todos como livres e iguais.
Contudo, neste ponto, faz-se um comentário crítico ao posicionamento de Cohen,
principalmente, pois, acredita-se que não é porque uma cultura (ou Estado) não parte do
pressuposto que as pessoas são livres e iguais que se deve abandonar os ideais dos Direitos
Humanos, ou da Democracia, mas sim tem-se um fator ainda mais forte para a luta contra as
opressões, nessas sociedades e culturas que não tratam igualmente seus cidadãos. Pois, como
afirmado por Forst, os seres humanos devem ser tratados com um igual direito à justificação. E,
como argumenta Luigi Caranti, uma sociedade que não se autodetermina democraticamente
poderia estabelecer um Estado com uma legislação incompatível com os Direitos Humanos,
donde, não só se poderia desobedecer a tal Estado como seria um dever moral desobedecê-lo.
Porque, a autodeterminação é a reivindicação pela liberdade. Não se poderia aceitar um Estado
que dá a seus cidadãos diferentes tratamentos, seja pelo critério que for. Para o autor italiano,
com a interpretação de Cohen dos Direitos Humanos, governos não-liberais estariam aliviados
do fardo de terem que oferecer explicações das suas políticas, que poderiam ser, por vezes,
discriminatórias. Sendo que, segundo Caranti, os Direitos Humanos, nas relações
5 Este trabalho é fruto de um artigo final para a disciplina de Direitos Humanos ministrada pela professora Milene C.
Tonetto, no programa de pós-graduação em filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGFIL/UFSC), no
primeiro semestre de 2016. Agradece-se a professora Milene pela incontáveis lições e aprendizados no decorrer
daquele semestre, assim como todos os colegas de disciplina, em especial Camila Añez, Fernanda Gontijo, Nayara
Barros, Ivan Rodrigues, Tiago Mendonça, Edegar Fronza Jr. Agradece-se, também, o colega de PPG Nunzio Ali pelas
inumeráveis recomendações e conversas no decorrer da elaboração deste artigo, e a minha amada Samantta
Portela pelas dicas e correções de português. A todxs, muitíssimo obrigado!