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1.

A situação do artista

A concepção de Artista articula-se com a concepção de Autor, ambas recorrentes no seu


pensamento crítico e estético, chamados à sua argumentação para ajudar a compreender a
natureza das Artes e suas implicações na vida, no Todo da humanidade. O Autor, o Artista é
tomado, quer na singularidade, quer na paridade, quer na oposicionalidade, por relação aos
outros indivíduos. Os artistas são entendidos como seres de excepção, indivíduos
enciclopédicos, "indivíduos de perfeito conhecimento geral, indivíduos libertos das grades de
todas as profissões porque são mestres em todas"1. Precisamente porque fazendo parte da
humanidade, são indivíduos que pertencem à Arte, sendo esta a sua parte substantitiva; seres
de qualidades excepcionais, aceitam-nas como herança e compromisso, mandatados pela
própria sociedade: "mandou-os que fossem, a humanidade e a sociedade."2 Deviam dirigir —
utopicamente — os destinos da colectividade, mesmo a humanidade.

Por outro lado, o artista e/ou o autor apresentam-se, na argumentação de Almada, como
pessoas humanas vulgares, "gente de todos os dias, gente de passar todas as idades" 3. O
artista é o indivíduo que usufrui a estabilidade pessoal e a harmonia moral, ideia herdada da
estética socrática — cuja dominante incide sobre o aspecto ético-social do artista, fundamento
que perdurou nas estéticas sequentes, privilegiadoras da intervenção do artista, responsável
moral, em coerência com a responsabilidade cívica na colectividade.

Colocando-se numa atitude nitidamente normativa e moralizante, Almada penetra no domínio


psicossocial da sua idealização do artista, afirmando que o equilíbrio físico e moral são
condições necessárias para que o artista possa iniciar um verdadeiro trabalho de criação,
devendo o artista como autor prevalecer sempre o humano, a pessoa que produz a criação.4
Ao artista compete ser o utópico protagonista do humano, o que lhe exige ser um indivíduo
pessoal devidamente liberto em si mesmo, fruindo uma liberdade absoluta que lhe confere a
autêntica personalidade — experiência e matriz efectivas da sua pertença à colectividade:

Nem o religioso, nem o profano, nem o místico, nem o pagão, nem o


científico, nem o inspirado, nem o herético, nem o crente: o humano,
restrita e profundamente humano.5

1"Arte e Artistas", Ensaios, p. 83


2"Mensagem estética — os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som", Textos de
Intervenção, p.141.
3"Cuidado com a Pintura", Textos de Intervenção, p.103
4Esta ideia surge explicitada em "Cuidado com a Pintura", onde Almada escreve: "Em pintura o primeiro
é o pintor, isto é o autor, o humano que produz a criação." Cf. op. cit., p.103; ver ainda no mesmo texto
p.108. Em "Arte e Artistas", Almada acentua: "Recordai e ligai: autor e artista são ambos da mesma
ordem." Cf. op. cit., p.79
5"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.110
Quando Almada se refere à liberdade absoluta e ao facto do artista se achar liberto, entende-
o, por afinidade à situação de estado de Graça, equivalendo — em termos místicos — ao
significado que tem para o cristão a vivência e posicionamento nesse estado. Missão simbólica
do artista, mais do que religiosa, de ordem esotérica, de um esoterismo estético, de raiz
personalista, articulava-se com uma profunda convicção humanista. O artista, na concepção de
Almada agia por necessidade, porque responsável relativamente à Humanidade; a acção
criativa exigida pela consciência do artista, resultava de uma profunda vocação para a Arte, de
modo a realizar em genuína acertação ao seu "princípio de necessidade interior", na acepção
em que o estabeleceu Kandinsky em 1912.

A argumentação normativa de Almada incidiu num plano que apresenta coincidência com
enunciação do pintor russo, designadamente, no domínio estrito do artista, perante si, no
respeito pela sua interioridade exteriorizada na Arte; ao sublinhar que as exigências do artista
consigo mesmo têm sentido porque ele pretende criar obras verdadeiras, cuja unidade não se
questiona, antes se presentifica na sua própria natureza de obra. O artista encontra na obra, a
confirmação de si, em estado superior de personalização, podendo preocupar-se
"essencialmente em libertar também o mundo das suas próprias entranhas atávicas, as quais
são afinal o único que faz ensombrar a claridade e a luz."6 Como se pode deduzir, pelo acto de
criação, no domínio estético e no domínio do esotérico, a personalidade do artista — do
pintor, enfim do autor —, é transformada, configurada em objecto-presença — e substância —
da sua própria criação, porque apenas nesses moldes realizará a verdadeira criação,
transposição da unidade entre si e a obra, através do acto genésico: "O pintor tem de apurar-
se a si mesmo; fazer de si próprio a obra-prima da criação, o homem."7

Por contraponto às directrizes utopistas que expôs, Almada constatou a situação efectiva,
verificando que os artistas, cientes da sua responsabilidade no contexto da colectividade,
dificilmente viam reconhecido o valor de suas acções ou obras, pois não existia a consciência
pública da necessidade de Arte. Apesar da desconsideração que lhes era votada, os artistas
mantinham os seus compromissos, de ordem ética e societária, com a colectividade, convicção
que determinava os termos de relacionamento, subjacentes na Arte, impregnada de valores
antropológicos.8

A Arte do artista, porque de génese pessoal, fruto do seu conhecimento, preserva a unidade
que à Arte compete, por natureza específica. No criador de Arte, o caso pessoal deixa de ser

6Idem, ibidem, p.111


7Idem, ibidem, p.104
8Era ao artista que cabia tomar os seus caminhos próprios, gerando as suas decisões criacionais: "...os
artistas devem participar das necessidades colectivas, mas são os próprios artistas que devem orientar a
forma como hão-de intervir e não outrém. "Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o
Teatro", Ensaios, p.134
apenas assunto de carácter individual, para ser de âmbito societário simultaneamente; é
"resultado do seu mérito pessoal e na sociedade em que vive."9 Por isso, o artista pode optar
por não cumprir as regras que lhe são mostradas — impostas mesmo nalguns casos —, antes
deve ele tomar a consciência dos seus actos: pode ser um desses artistas que existem para não
seguir as regras. Aos artistas fica a opção de seguir ou não as regras, embora Almada mencione
a necessidade delas existirem, devendo ser discutidas. A atitude dos artistas, relativamente a
esse aspecto, depende das circunstâncias culturais e históricas em que se inserem.10 As regras
na Arte "não são para serem sabidas de cor mas para servir a quem tenha alguma coisa para
dizer."11 O verdadeiro artista, aquele que precisamente as pode questionar ou discutir, exerce
a sua acção e vontade "por verdadeira superioridade a tudo o que o rodeia."12

A situação do artista como independente que se impõe, traduz a posição de Almada acerca da
formação artística — tema fundamental e integrador de toda a sua teorização tão própria. O
artista não é apenas um profissional que domina as técnicas e os materiais, é esse "indivíduo
enciclopédico" que conhece o mundo e a humanidade.13 Como profissional, é o indivíduo que
mais tardiamente chega à sua mestria, demorando a sua personalidade mais tempo a formar,
do que nos outros indivíduos. Donde se infere que, a formação do artista não radica,
exclusivamente, na área profissional artística: a sua formação é global e abrange a sua unidade
pessoal. Somente, se realizada nesses termos, promoverá a criação, possuindo genuína
condição de ser artista, recusando qualquer educação restritiva — ensino formal — ou
impositiva, geradora de cisões epistemológicas, prejudiciais ao conhecimento adequado aos
artistas: "é inadmissível a existência ou a formação de uma escola oficial para artistas."14

9"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o Teatro", Ensaios, p.134


10Almada referia-se certamente ao facto das estéticas da modernidade terem incorporado a necessidade
normativa para a praxis, substituindo a normatividade das anteriormente vigentes — em termos
académicos, o que sucedeu com o Cubismo, exemplo com que avança. Veja-se "Modernismo", p.59
11"Modernismo", Textos de Intervenção, p.59
12"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.105
13Numa entrevista a António Valdemar, Almada referiu-se às lacunas do ensino superior, partindo duma
comparação à indistinção anterior entre artes e ciências, atribuindo as responsabilidades, da situação que
era presente, à actuação do Estado: “O grau de doutor do nosso Pedro Nunes na Universidade de Lisboa,
era em Artes e Medicina. Por estas palavras se reconhece que por então a iniciação universitária era por
conhecimento do cânone antes de uma especialidade. Mas desde o momento que a instrução oficial houve
por bem separar vocação de profissão, a sua solução era efectivamente pelo conhecimento de formulário.
De qualquer maneira, o conhecimento por formulário parece cumprir o dever canónico de não tocar
opinião.
Simplesmente ao invés do conhecimento por cânone, o universitarismo moderno, actual, desinteressa-se
também e não deixa tempo para o desocultamento de cada vocação. Aos estados cada vez menos
interessam as vocações que não sirvam exclusivamente o critério dos próprios estados. Ora, o dever
sagrado de não tocar opinião, não significa de maneira nenhuma desinteressar-se dela e ainda menos tirar-
lhe o seu legítimo tempo, esquecendo que cada vocação individual é a única fortuna deste mundo. O tapa-
olhos do progresso e a auto-publicidade estadual só por si diminuem a humanidade e desflexibilizam a
ordem." Cf. op.cit., 23 de Junho 1960.
14"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.76
2. O ensino artístico

A posição pedagógica, em Almada, relativamente ao ensino artístico, coincide com a


perspectiva contextualizadora, que assume a nível do ensino na generalidade: recusa-o quase
liminarmente15: "...Em Portugal educar significa burocratizar. Ex.: Coimbra. Mas na maioria o
portuguez é analfabeto e em geral é ignorante…"16 As grandes razões que apresenta,
relacionam-se com a análise iconoclasta das organizações e instituições de ensino superior,
com os princípios orientadores, com a filosofia educativa, e finalmente com a política
educativa vigente, não demonstrando interesse em aprofundar qualquer um dos aspectos.

As escolas oficiais são técnicas ou politécnicas e não podem nunca,


mesmo reunidas em Universidade, formar enciclopédicos.17

A dogmaticidade de afirmação, impede o próprio questionamento do problema: Almada foi


taxativo, não admitia o tipo de ensino ministrado nas escolas de arte, ou melhor, não
acreditava nele, exprimindo publicamente a sua recusa: "Peço-lhes por tudo quanto há que
não me perguntem a razão pela qual eu não entrei na Escola de Belas-Artes. Eu senti a
impressão, ao ver aquela fachada, que tinha de estar outra vez mais dez anos a tirar os sete
dos liceus."18 Uma vez mais, na forma de parábola, narrada em fundamento próprio, Almada
transmitiu a força da desilusão, da rejeição do ensino artístico instituído, porventura ainda
agravada pela natureza de atitudes e posicionamentos intrínsecos aos próprios académicos.
Almada aceitava o saber dos companheiros, aceitava o saber dos "Mestres secularmente
mortos, pois os professores vivos foram mestres de escorraçar"19, não aceitava imposições e
demagogias

Numa das suas narrativas autobiográficas, Almada acreditava-se desde cedo "artista nato" e
foi desenganado quando entrou curioso no reino do ensino artístico, "já maravilhado por
aquela porta que dizia Arte, quando vi os balcões invisíveis dos senhores que tiveram o

15Almada parecia ter em mente essa reflexão de Goethe em "L'Essai sur la peinture de Diderot" (1799)
quando este considerava que: "...l'homme n'est pas fait pour enseigner, mais pour vivre, il est fait pour
être actif et productif." Cf. Goethe, Écrits sur l'Art, p.190
16"Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX", Portugal Futurista, p.37.
17"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.76
18"Modernismo", Textos de Intervenção, p.58. Ironicamente Almada considerava a Escola de Belas-Artes
um local que não se conciliava com o que ele considerava ser Arte: "conheci pouco a pouco toda essa
multidão que entrou na vida por aquela porta que tem Arte escrito em cima. Por último, eu julgava ter-me
já enganado de porta e ter metido pela do Comércio ou por qualquer, menos a da Arte. Porém não era eu
que me tinha enganado de porta, eram eles." Cf. "Modernismo", op. cit., p.58
19Orpheu 1915-1965, p.18
descaramento de entrar pela porta dos artistas; eu teria morrido nesse instante de decepção,
se a minha fé fosse susceptível de ser perturbada mais do que por um instante."20

A rejeição generalizada pelo ensino universitário, designadamente, pelas universidades em si,


persistiu na argumentação de fundo transposta na dramaturgia, pelo "2º Jovem", protagonista
clarividente em "Aqui Cáucaso", incrementando a intenção que pretendia atingir:

2º Jovem:"…O poder da Universidade limita-se ao triunfo profissional,


pouco lhe importando o caso vocacional? (…)
O que nos ensina a Universidade levará bem em conta o nosso tempo
de mortais para profissão e vocação? Para ambas?
Queremos que o homem não fique um acréscimo da sua profissão,
queremos que o homem caiba inteiro na inimitável forma da sua
vocação pessoal…"21

Almada criticava no ensino universitário o distanciamento persistente entre os conhecimentos


transmitidos e a Vida em si, o que marcava de forma intransponível a dicotomia que
transtornava a possibilidade do indivíduo em formação se tornar pessoa. Criticava não apenas
os procedimentos metodológicos que regulavam a actuação docente, mas também os
pressupostos pedagógicos que os determinavam, paradigmaticamente denunciados pelo
fenómeno da leitura "interminável" e obsessiva que contrariava proporcionalmente a
brevidade da vida.22 Almada reiterou, em discurso ironista, a convicção de que as
"Universidades não deixam bem medido o nosso tempo de imortais. Ora o mesmo que na
natureza divina ocupa o lugar da imortalidade, o mesmo, tem o mesmo lugar na nossa
natureza humana, a mortalidade."23

Almada sabia que o ensino artístico tinha de ser aceite, política e pedagogicamente como um
caso especial que, como tal, exigia uma atenção, condições e investimento adequados: "Mas a
Arte é uma outra coisa diferente de tudo isto e inconfundível de espécie e acção."24
Nomeadamente, porque vigorava no ensino artístico, o mesmo tipo de pedagogias na
formação superior, dos outros e diferentes profissionais das artes: pintores, escultores,
arquitectos à semelhança dos engenheiros, médicos, advogados..., para os quais existia,

20"Modernismo", Textos de Intervenção, p.58


21"Aqui Cáucaso", Teatro, p.250
22Como já se sabe desde A Invenção do Dia Claro , Almada começou por procurar um livro de Filosofia
porque queria pôr Ciência na sua vida e a Filosofia era precisamente a Ciência que tratava da vida, e
nesse caso, da sua própria vida. Na procura dos conhecimentos dos Mestres, pessoas a quem caberia
salvar a humanidade, pois "...iam escrevendo as frases que hão-de salvar a humanidade, percebeu que não
adiantava procurar vidas de outrém para copiar, que lhe servissem de modelo para ser. Compreendeu sim
que as vidas das pessoas, à semelhança dos livros, tinham princípio, meio e fim, mas afinal não existiam
"Tratados da vida das pessoas", à semelhança dos Tratados de Zoologia ou Botânica. A vida era feita de
continuidade e termos próprios de cada um. Cf. Invenção do Dia Claro, pp.11-12
23"Aqui Cáucaso", Teatro, p.250
24"Arte e Artistas", op. cit., p.76
efectivamente, um ensino que lhes transmitia o saber dos "ofícios" — e sob esse aspecto,
nenhuma profissão era menos importante que outra, existindo as escolas adequadas a essas
profissões. Se se apresenta clara (e aceitável) a existência de "escolas oficiais para pintores,
escultores, arquitectos, músicos e literatos (...) assim também é evidente que é inadmissível a
existência ou a formação de uma oficial para artistas."25 Persistindo numa concepção
educativa, exclusiva das profissões sobre o seu domínio técnico, através do ensino de modelos
técnico-profissionais delimitados — paradigma pedagógico do ofício —, não serve à formação
do artista que exige a abrangência do conhecimento por si, pois a "Arte diz respeito ao
indivíduo e nunca, por ser nunca, à sua profissão". Assim manter-se-ia "o erro capital de todo o
sistema da Pedagogia que ainda hoje vigora em toda a Europa.(...) A razão do erro está na
importância exclusiva que se dá à instrução em prejuízo total da educação que fica a cargo dos
particulares."26

A educação do artista teria de ser uma "educação unânime"27, uma educação que atendesse à
vida na sua complexidade, gerada e desenvolvida pelo próprio artista, à semelhança do caso
pessoal do indivíduo humano que, apenas por si, sabe encontrar (adquirir profundamente) a
sua personalidade. A educação do artista devia ser uma auto-gnose. Nesse caso seria absurdo
acreditar que se pudesse ensinar a alguém, devendo "cada um aprender por si mesmo o que é
pintura"28.Exigia uma cumplicidade simbólica, entre o artista e a sua própria arte como
universo — como todo, entendida a educação como a "disciplina que cada um organiza" e
entre todas as disciplinas individuais, a Arte é a disciplina que ocupa o melhor lugar.29

"Eu perdi-me a vez de ser analfabeto


esse segredo para não ser doutor
e para não saber também
o que as letras sabem
do mundo e de mim.
Eu perdi a vez de não ter instrução,
a vez sagrada de não saber ler
a vez daquele que não sabe
que é como a de quem não vê…"30

25Idem, ibidem, p.76


26Idem, ibidem, p.76. A resposta à situação, Almada revela-a em entrevista a António Valdemar: "O
modo pessoal de ouvir pela primeira vez histórias antes passadas é imprevisível ao pedagogo, é-lhe
mesmo completamente interdito interferir no caso, e o que pode pedagogo que não tenha vocação
consciente da sua inibição é estropiar as histórias e o entendimento alheio. O pedagogo não tem que
atender aos casos pessoais mas ao cânone, o qual significa precisamente todos os casos, o que não
acontece com as regras.” Diário de Notícias, 23 de Junho 1960.
27Almada reafirma esta ideia, justificada pelo conceito de Arte que privilegia: "A única razão de
existência de arte é a unidade. A unidade apaga todas as fórmulas." Almada Negreiros em entrevista a
António Valdemar, Diário de Notícias, 21 de Julho 1960.
28"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.108
29Idem, ibidem, p.107
30"As Quatro manhãs - a 2ª manhã", Poesia, p.181
A noção de educação é enunciada por Almada, num quadro axiológico de ordem
antropológica, em que domina o primado do humano, como demanda e culminância. Subjaz-
lhe a relevância atribuída ao conceito de pessoa e de humanidade, na unidade e conciliação do
Todo que é a própria Vida. A educação "é um todo que coincide unanimemente com o todo da
vida."31 Almada, com a acuidade e visionarismo que o caracterizam, avançava com uma
definição que hoje se poderia afirmar afecta a um paradigma dito antropológico,
salvaguardadas as suas especificidades e circunstâncias.32

Almada considerava, em duas asserções nítidas, as condições para que o artista,


designadamente o pintor, existisse como tal: a primeira é que houvesse educação, a segunda,
o desenho. Entendeu desenho como capacidade intelectual de sentido integrador, como
conhecimento estruturante, como discernimento arquetípico, por obrigar ao exercício das
capacidades intrínsecas que o artista deve promover — e desenvolver para a sua arte.

3. A Educação do artista

A educação do artista implicava, como se constatou, a formação do indivíduo e a auto-


educação do artista. A formação do indivíduo desenrola-se na primeira idade, organizando-se
a sua unidade individual, moral e física, em função do equilíbrio da maturidade —
"normalidade" — singular. A auto-educação inicia-se na segunda idade, procurando a
personalidade do indivíduo. Almada sublinha a natural divisão subsequente das idades, pois
"Distinguimos, por conseguinte, a formação do indivíduo antes da auto-educação do artista, e
ficamos no momento em que está iminente o aparecimento da personalidade do artista."33
Mediante esta visão do fenómeno educacional no seu duplo dimensionamento, sobressai a
primazia do indivíduo, impregnado pelo exercício personalizador, que induz ao domínio de um
paradigma educacional focado no eu do indivíduo, projectado na circunstancialidade causal da
Arte. Almada teve aliás consciência do facto, ao reconhecer que a arte era individualista.
Posição que muito abertamente assumiu e confirmou: "E é assim mesmo que eu também o
entendo: uma disciplina integramente individual que pode, quando muito, servir para outros
também"34, mas sem que seja esse objectivo constitutivo ou direccionalmente constritor.
Justifica-se ainda esta posição na medida em que a Arte é "um dos vértices capitais na vida
colectiva e na individual."35

31"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.107


32Não se tratando de um estudo cuja focagem esteja directamente relacionada a este assunto, não pode
deixar de desenvolver-se algumas considerações que permitem uma melhor compreensão da definição
assumida em Almada Negreiros, quanto à natureza, âmbito, características, finalidade, objectivos... da
educação. Cf. Adalberto Dias de Carvalho, A Educação como projecto antropológico, designadamente,
p.184 e ss.
33"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, pp.108-109
34Idem, ibidem, pp.108-109
35"O Cinema é uma coisa e o Teatro é outra", Textos de Intervenção, p.124
As linhas orientadoras acerca da situação dirigem-se para uma estética de cariz
individualizador, mas não subjectivista, pois não exclui a força constitutiva da Arte como
disciplina, — termo que emprega Almada — que serve os "outros", portanto promotora da
intersubjectividade e no domínio do social. A construção da individualidade do artista tem de
ser individual-pessoal, donde a Arte como formadora ser, obviamente, individual, para a
colectividade, como produto, como finalidade e como função substantiva. A Arte age sobre o
indivíduo como responsável; o artista cria a obra, age directamente pois, quer o
conhecimento, quer a execução da Arte, não admitem intermediários; cabe "inventar cada
qual a sua."36

Voltar-se para si mesmo, implica no artista, a possibilidade de se relacionar com os outros,


ideia aliás subjacente à identificação do paradigma antropológico quanto à filosofia da
educação proposta por Almada. A Arte é considerada "universalmente de todos os artistas",
logo "é o meio mais sério de pôr os homens a comunicar uns com os outros." 37 Donde se
poder concluir que o paradigma predominante na sua perspectivação quanto à educação a
implementar — pela via do eu —, ser sobretudo um paradigma estético, de radicação
antropológica e ética, pois "o artista acima da estética dirige-se a todos e da maneira mais
geral.(...) Tem o direito de ser compreendido."38

36"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, pp.108-109


37Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da
Revista Cidade Nova, p.10
38Idem, ibidem, p.10

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