SARTRE
Resumo:
O presente artigo pretende analisar a importância da liberdade no âmbito da moral,
segundo Sartre. Para este filósofo, a liberdade estrutura o próprio homem, pois ele se
constrói na medida em que escolhe. Sartre confere ao ser humano toda sua
existência, afirmando que o homem é aquilo que faz de si mesmo ou aquilo que se
projeta ser. Não existindo nenhuma moral preestabelecida, o único valor moral que
deve guiá-lo em suas escolhas é a própria liberdade. Desse modo, tudo o que ele
fizer, terá que ser de forma responsável. Ele é angustia, pois a todo o momento é
condenado a escolher e responsabilizar-se por si e pela humanidade inteira. Se tiver
diante disso uma atitude de fuga, ele acaba agindo de má fé, porque recusa o seu
projeto existencial. Nestas circunstâncias, portanto, o que sobra ao homem é
escolher. Sua liberdade é o fundamento de toda a moral.
1
Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um filósofo existencialista francês do início do século XX. Sartre
também é conhecido pela autoria de diversos romances e peças teatrais, nos quais estão impressos
literalmente sua concepção de homem e mudo, bem como, sua filosofia. É adepto às filosofias de
Husserl e Heidegger.
2
Cf. Ferreira In Sartre, 1978, p. 129.
2
uma posse. Segundo esta tradição, nunca um homem encarcerado poderia ser
considerado livre, pois para sê-lo, deveria conquistá-la. Ao contrário, Sartre afirmava
que inclusive alguém em condições de trabalho ou em situação financeira
extremamente desfavorável também é livre, porque pode sempre posicionar-se frente
suas condições existenciais: consentindo ou não de sua sorte3.
Sartre não define o que é a liberdade, pois afirma que o homem é a própria
liberdade.
necessário haver situações ou determinações que fazem com que o homem escolha.
As situações não escolhem, elas fazem com que o homem venha a escolher4.
Para os existencialistas5, sobretudo Sartre, o homem não é nada mais que seu
projeto, ou seja, o homem é aquilo que se projeta ser. “O homem é antes de mais
nada um projeto que vive subjetivamente, [...] nada existe anteriormente a este
projeto; nada há no céu inteligível, e o homem será antes de mais o que tiver
projetado ser” (Sartre, 1978, p. 217). Todavia, não podemos negar que o homem
possui um dado biológico6 ou condições7 humanas, porém isso não define o homem,
mas sim o que ele faz com tudo isso. Enquanto humanos, somos conhecidos pelo
nosso agir. Dessa forma, por exemplo, um homem não nasce covarde, mas dizemos
que ele é covarde a partir de uma ação que praticou 8. Tudo o que é humano se
manifesta no agir, no fazer. “O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como
ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após
4
Cf. Sartre, 1978, p. 254-255.
5
Em sua obra intitulada “O existencialismo é um humanismo”, Sartre distingue duas espécies de
existencialistas: “(...) de um lado há os que são cristãos, e entre eles incluirei Jaspers e Gabriel Marcel,
de confissão católica; e de outro lado, os existencialistas ateus, entre os quais há que incluir
Heidegger, os existencialistas franceses e a mim próprio” (Ibid., p. 212 – 213).
6
Homem age como homem e não como um animal, por exemplo. Meu corpo faz com que aja como
um ser humano.
7
“[...] se é impossível achar em cada homem uma essência universal que seria a natureza humana,
existe contudo uma universalidade humana de condição. Não é por acaso que os pensadores de hoje
falam mais facilmente da condição do homem que da sua natureza. Por condição entendem mais ou
menos distintamente o conjunto dos limites a priori que esboçam a sua situação fundamental no
universo” (Ibid., p. 250).
8
Cf. Ibid., p. 245.
4
este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz” (Sartre, 1978,
p. 216-217).
O homem é diferente de uma pedra, por exemplo, deste Ser-em-si-mesmo,
dessa realidade opaca, bruta, inanimada que, se a partíssemos ao meio continuaremos
a ver pedras e nada além disso. Ela existe e pronto, é de fato, acabada, pronta. O Ser-
em-si-mesmo não pode ser livre. Ao contrário, a realidade humana, o Ser-para-si, é
essencialmente construção, possibilidade e projeto. Nenhum ser humano nasce
pronto, acabado. O Ser-para-si constitui sua essência a partir de sua existência
através da liberdade, da escolha.
9
Na filosofia de Sartre, a existência se confunde com o projeto.
5
portanto nada mais do que o conjunto de seus atos, nada mais do que sua vida”
(Sartre, 1978, p. 241).
Assim sendo, na filosofia de Sartre a Liberdade é algo que constitui
dinamicamente o homem, pois a partir de escolhas o ser se constrói. É no agir, na
escolha que o ser humano se revela nitidamente humano. Portanto, para o filósofo, a
liberdade não pode vir antes da escolha, mas a partir do momento em que nós
escolhemos, demonstramos que somos livres.
Para Sartre o homem não possui natureza humana, pois não existe nenhum ser
inteligível, como por exemplo, um Deus que possa conceder tal natureza. Não existe
nenhum ser necessário que explique o porquê de estarmos no mundo, ou o porquê de
nascermos nesta época e não em outra, ou porque tal ação deve ser feita assim e não
de outro modo... “Se, por um lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós
valores ou imposições que nos legitimem o comportamento” (Sartre, 1978, p. 227).
Sendo assim, o que resta ao homem é apenas a sua liberdade, a liberdade como
fundamento único e legítimo de todos os valores10. “Se a liberdade é o valor
supremo, o valioso é escolher e agir livremente” (Sanchez, 1995, p. 287).
Não existe algo preestabelecido que possa nos recomendar a agir desta ou
daquela maneira, pois exclusivamente ajo a partir de minha consciência. “Logo, não
há qualquer imperativo categórico universalmente válido e logicamente necessário,
nenhuma lei ética geral que nos indique como devemos agir ou o que fazer nesta ou
naquela situação” (Perdigão, 1995, p. 113). Não encontramos diante de nós nenhuma
normatividade a priori, leis ou preceitos divinos que digam o que devemos fazer, mas
situações que nos obrigam a escolher.
Para filosofia de Sartre, a moral cristã, bem como, as teorias éticas de alguns
filósofos carece de sentido. Para o cristianismo Deus é uma premissa necessária para
todo o nosso agir. A partir dos preceitos divinos, desta moral, traçamos nossa vida,
escolhendo por aquilo que nos orientam fazer, efetuando a distinção entre o que é
bom fazer do que é mau. Esta premissa é reguladora, fazendo-nos agir deste modo e
10
Cf. Sartre, 1978, p. 261.
6
não de outro. Em Sartre não há nenhuma moral na qual possamos basear-nos. Não há
valores morais pré-estabelecidos, a moral não é fixa, o homem deve criar e inventar,
por meio de sua liberdade, sua moral. “O homem faz-se, não está realizado logo de
início, faz-se escolhendo a sua moral, e a pressão das circunstâncias é tal que não
pode deixar de escolher” (Sartre, 1978, p. 258).
Sartre parte da afirmação de Dostoiewisky quando este diz: se Deus não
existisse, tudo seria permitido11. Sendo assim, se justifica que o homem está
abandonado no mundo, sendo que, o mesmo não tem em quem se apoiar, pois nada
ou ninguém podem mostrar a ele o melhor a fazer. Se Deus não existe12, o ser do
homem está em seu próprio fazer, pois nada o determina, ele é a própria liberdade e
está condenado a escolher, a ser livre13.
O filósofo, em seu livro “O Existencialismo é um Humanismo”, nos coloca o
exemplo de um dos seus alunos que o procurou para lhe pedir um conselho sobre se
deveria ir para a guerra ou ficar com sua mãe. O pai do rapaz sendo colaboracionista
abandonou sua esposa e seu irmão mais velho havia sido morto na ofensiva alemã de
1940. O jovem rapaz estava totalmente dividido sobre o que iria decidir. Ao mesmo
tempo em que desejava atear vingança contra àqueles que mataram seu irmão,
pensava, contudo, em ajudar a sua mãe a viver, já que esta estava sozinha. Sartre,
nesta ocasião não emitiu nenhum conselho ao jovem rapaz acerca do que este deveria
decidir. Assim ele afirma:
11
Cf. Sartre, 1978, p. 227.
12
Sartre afirma que o problema da liberdade não é se Deus existe ou não, mas o que é necessário é que
o próprio homem se reencontre em si mesmo pela ação. “O existencialismo não é de modo algum um
ateísmo no sentido de que se esforça por demonstrar que Deus não existe. Ele declara antes: ainda que
Deus existisse, em nada alteraria a questão; esse o nosso ponto de vista. Não que acreditemos que
Deus exista; pensamos antes que o problema não está aí, no da sua existência: é necessário que o
homem reencontre a si próprio e se persuada de que nada pode salva-lo de si mesmo, nem mesmo uma
prova válida da existência de Deus” (Ibid., p. 270).
13
Cf. Ibid., p. 228.
7
Com isso, Sartre queria dizer que não há uma moral que diga que o rapaz
deva ir à guerra ou ficar com sua mãe. Ele deverá escolher e ser responsável por
aquilo que decidir. O jovem, levando em conta o seu sentimento, acabou ficando com
sua mãe. Dessa forma, notamos que os valores preestabelecidos são vagos, pois no
momento em que o rapaz escolheu ficar com sua mãe, não levou em conta nenhuma
moral, mas seu sentimento com relação a ela, pois no fundo o que conta é o
sentimento. Mas, se ele sentisse que seu amor à mãe não era o bastante, então iria à
guerra vingar seu irmão14.
Diante disso, na filosofia existencialista de Sartre, encontramos um homem
que se constrói mediante as escolhas efetuadas, baseando-se não em um ser
necessário ao qual diga que a escolha que fizer é melhor do que a outra. Por isso, o
ser do homem está em suas mãos15, pois ele sendo livre, tem que fazer seu ser, sua
existência. Tem que optar por uma possibilidade, no entanto, há várias, e cada
escolha que fizermos assumimos responsabilidades, por nós e pelos demais. Sartre
nos diz: “Assim sou responsável por mim e por todos, e crio uma certa imagem do
homem por mim escolhida; escolhendo-me, escolho o homem” (Sartre, 1978, p.
220).
O homem encontra-se desamparado, abandonado, lançado ao mundo 16 e não
tem outra opção senão a de escolher, sendo responsável por tudo aquilo que faz.
Nesta situação, Sartre declara o homem como sendo “angustia”:
Nossa vida é uma constante escolha, na qual em cada escolha realizada por
nós, escolhemos quem queremos ser. Nós mesmos nos definimos. A angustia perante
14
Cf. Sartre, 1978, p. 232-233.
15
Cf. Ibid., p. 246.
16
Cf. Ibid., p. 228-229.
8
isto é de sabermos que não temos nenhum ser para recorrermos no qual possa ele nos
dizer qual é o caminho certo17, o que devo fazer, se isto é bom ou mau...
Sob esta concepção de responsabilidade está inscrito que não é que o homem
deva ser responsável, mas ele simplesmente o é. O que ele deve fazer é tomar
consciência dessa responsabilidade e de seu agir 18. Essa responsabilidade, no entanto,
não se deve ao fato de que um homem individual assuma a responsabilidade somente
por suas escolhas. Quando o indivíduo faz uma escolha, esta é a escolha do outro19.
No entanto, Sartre afirma que existem sujeitos que vivem de má fé, por
fugirem frente a angustia das próprias responsabilidades. Embora, Sartre não julgue
tais pessoas que agem assim, no nível moral, considera incoerente esta forma de agir.
Assim, afirma Sartre:
17
Cf. Perdigão, 1995, p. 113.
18
Cf. Melo, 2003, p. 72.
19
Cf. Ibid., p. 68.
20
Cf. Sartre, 1978, p. 221.
9
21
Cf. Melo, 2003, p. 35.
10
2. Referências Bibliográficas
SANCHEZ, Adolfo Vasquez. Ética. 15ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1995.