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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

MESTRADO EM HISTÓRIA

JORDANIA MARIA PESSOA

ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE:


A BELLE ÉPOQUE CAXIENSE
Práticas fabris, reordenamento urbano e padrões
culturais no final do século XIX

TERESINA-PI
2007
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2

JORDANIA MARIA PESSOA

ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE:


A BELLE ÉPOQUE CAXIENSE
Práticas fabris, reordenamento urbano e padrões
culturais no final do século XIX

Dissertação apresentada, como parte dos


requisitos para obtenção do título de
Mestre em História do Brasil, ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Piauí.

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Lopes Araújo

Co-orientador: Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento

TERESINA-PI
2007
3

JORDANIA MARIA PESSOA

ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE:


A BELLE ÉPOQUE CAXIENSE
Práticas fabris, reordenamento urbano e padrões
culturais no final do século XIX

Dissertação apresentada, como parte dos


requisitos para obtenção do título de
Mestre em História do Brasil, ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Piauí.

Este exemplar corresponde à redação final da


Dissertação defendida e aprovada pela Comissão
Julgada em ____/ ____ / ____.

BANCA EXAMINADORA

Prof Dr José Luiz Lopes Araújo – UFPI


(Orientador)

Profª. Drª. Regina Helena Martins de Faria – UFMA


(Examinadora)

Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz – UFPI


(Examinadora)

TERESINA
2007
4

Princesa do Sertão

Muitas vezes pensando nos remotos


Dias ilustres desta grande terra,
Vejo passarem diante dos meus olhos,
Soberbos e mais belos do que nunca
Os heróis das batalhas mais famosas
E os peregrinos poetas que os cantam.

(Afonso de Moura Cunha)


5

A Deus, Criador e Pai.

A Jesus Cristo, meu único e verdadeiro


mestre.

Ao Santo Espírito, doce e gentil.

À minha querida mãe, Teresinha de Jesus


Mourão, que recentemente partiu para o
Paraíso. Dedico a você, mãezinha, este
trabalho. Obrigada pelo modelo de vida
que foste para mim.

A toda a minha família,

para que permaneçamos sempre unidos.


6

AGRADECIMENTOS

Ao Centro de Estudos Superiores de Caxias (CESC - UEMA), por ter me liberado


para o mestrado.

A todos os meus amigos professores do Departamento de História (CESC - UEMA),


pela compreensão e incentivos constantes.

À professora Maria do Carmo (in memorian), que me acompanhou passo a passo no


mestrado, principalmente nas idas à São Luís para a realização das pesquisas.

Aos caxienses, que contribuíram com informações e documentos imprescindíveis a


este trabalho, em especial ao prof. Neudson, Joana Batista, Joseneide, Eliane
Almeida, sr. Teodomiro, sr. Farias e o inestimável poeta Quincas Vilaneto.

Aos ludovicenses, que me acolheram e indicaram-me fontes importantíssimas para a


realização deste trabalho, em especial aos funcionários da Biblioteca Pública
Benedito Leite.

À minha amiga e pesquisadora Rosana, sem a qual este trabalho não passaria de um
sonho.

Aos amigos Francisca e Isaías, que me acolheram em sua residência em São Luís.

Ao Prof. Dr. José Luiz Lopes Araújo, meu orientador, pela paciência, ensinamentos e
cuidados para comigo.
7

Ao Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento, meu co-orientador, por todos os


conhecimentos transmitidos, sempre gentil e sorridente para comigo.

Ao Prof. Dr. Edwar Castelo Branco, pela valiosa contribuição prestada no processo
de qualificação.

À Profa. Doutoranda Elisângela (UFPI), pelas valiosas dicas, quando este trabalho
ainda era um simples projeto.

A todos os meus colegas de mestrado, pela ótima ambiência de sala de aula e pelos
maravilhosos momentos de descontração.

A todos os meus amigos e colaboradores, que possibilitaram a realização deste


sonho, meu sincero obrigado.
8

RESUMO

Trata dos discursos e práticas que constituíram Caxias como uma cidade fabril no
final do século XIX. Analisa os vários dizeres que partiram da elite caxiense e da
imprensa, através de uma elite letrada, que conectou a cidade aos símbolos
modernos, como a ferrovia, objetivando-a como progressista e civilizada. Detecta o
novo sentido de urbanidade empreendido pelo poder público, através dos códigos de
posturas, visando reordenar o espaço urbano a partir de modelos importados.
Analisa os padrões culturais que emergem na cidade no final do século XIX, que às
vezes se contrapunham, às vezes se legitimavam nas tradições arraigadas em
valores aristocráticos e escravistas. Conclui que os discursos e práticas que
conectaram a cidade aos tempos modernos, constituíram imagens e representações
mais grandiosas do que as transformações vivenciadas pelos citadinos.

PALAVRAS-CHAVE: Cidade. Modernidade. Indústrias Têxteis. Discursos.


Representações.
9

RESUMEN

Trata de los discursos y las prácticas que señalaran Caxias como uma ciudad fabril
en lo final del siglo XIX. Analiza los múltiples dichos que partiyeran de la elite
caxiense y de la prensa, por medio de uma elite letrada, que enchufou la ciudad a
los símbolos modernos, como la ferrocarril, visando a ella como progresista y
adelantada. Detecta lo nuevo sentido de urbanidad empreendiendo por el poder
publico, por medio de los códigos de posturas, visando ordenar nuovamente lo
espacio urbano desde ejemplo importados. Analiza los moldes culturales que
emergen en la ciudad en lo final de lo siglo XIX, que se a veces se contrariyean, a
veces se validan en las tradiciones fijadas en valores aristocraticos y esclavista.
Ultima que los discursos y prácticas que enchufaran la ciudad a los tiempos
modernos, señalaran imagénes y representaciones más gradiosas do que las
transformaciones vividas por las personas de la ciudad.

PALABRAS-LLAVE: Ciudad. Modernidad. Industrias Textiles. Discursos.


Representaciones.
10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1 - Ponte ligando Caxias ao distrito da Trezidela e o Porto da Cidade............. 41

Foto 2 - Industrial Caxiense: primeira indústria têxtil de Caxias................................ 49

Foto 3 - União Caxiense: segunda indústria têxtil de Caxias.................................... 52

Foto 4 - Navegação Fluvial Maranhense................................................................... 64

Foto 5 - Estações ferroviárias: Caxias a Flores; de Flores a Caxias........................ 66

Foto 6 - Igrejas de Caxias: N. S. Rosário, São Benedito e Matriz............................. 81

Foto 7 - Bairro Ponte................................................................................................. 83

Foto 8 - Roncador de Caxias..................................................................................... 88

Foto 9 - A moda d’A Revista.................................................................................... 127


11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12

1 CIDADE E BELLE ÉPOQUE: DISCURSOS, PRÁTICAS FABRIS E O


IMAGINÁRIO PROGRESSISTA............................................................................... 24

1.1 Dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória: a polifonia de um


cenário urbano........................................................................................................... 24

1.2 A euforia fabrilista e as ações modernizadoras.................................................. 38

2 CIDADE E NOVOS PADRÕES DE URBANIDADE.............................................. 68

3 OS NOVOS PADRÕES CULTURAIS E O MUNDO DO TRABALHO NA CIDADE


BELLE ÉPOQUE ..................................................................................................... 97

3.1 Mundanismo chique e elegante no universo elitista.......................................... 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 128

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 133


12

INTRODUÇÃO

Quando cheguei, pela primeira vez, para trabalhar no Centro de Estudos

Superiores de Caxias (CESC-UEMA), no ano de 1999, deparei-me com um duplo

desafio: adaptar-me a um novo ambiente de trabalho e a uma cidade desconhecida

e, de certa forma, enigmática.

Logo procurei, numa visão panorâmica, capturar um pouco da cidade e

percebi que, sozinha, não poderia conhecê-la, pois era labiríntica demais. Procurei,

então, alguns caxienses com quem já havia iniciado um processo de socialização

para que pudessem cartografar aquela cidade para mim. Falaram-me que isso só

seria possível através de uma visita aos labirintos que davam significado às suas

avenidas, ruas, becos e monumentos. Também me avisaram que, nesse passeio,

iríamos conhecer uma cidade marcada por vários tempos longínquos e gloriosos,

sangrentos e poéticos. Fiquei a indagar-me: como uma cidade do interior do

Maranhão, distante da capital São Luís mais de 450 quilômetros, cercada por morros

e por uma pomposa vegetação, poderia conter em si uma trajetória histórica à

primeira vista tão gloriosa?

E comecei a percorrer o itinerário traçado. Então, logo me deparei com

uma sensação estranha, pois parecia que eu havia penetrado num túnel do tempo

através de uma cidade que trazia em si várias outras, como tempos empilhados.

Lembrei-me das Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino1, e constatei que a configuração

de Caxias comportava concomitantemente passado e presente. Pensei: as formas

que a cidade foi adquirindo só podem ser explicadas pela própria História.

1
Cf. CALVINO, Í. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
13

Assim fui decifrando Caxias, como uma cidade em que história e memória

perpassam o cotidiano das pessoas numa relação na qual a vivência cotidiana é

permeada pelo relembrar dos grandes marcos existentes na cidade, que

contribuíram para a construção da História do Brasil. Nesse universo polifônico,

cindido entre passado e presente, visitei os espaços onde ocorreram as lutas contra

as tropas portuguesas de Fidié, no processo de adesão do Maranhão à

Independência do Brasil. Deparamo-nos com as ruínas da Revolta da Balaiada,

ocorrida no Período Regencial. Vislumbrei, nesse momento, um tempo de escravos

e senhores, conservadores e liberais e, principalmente, a constatação de que aquele

espaço foi palco de várias lutas. Visões de mundo e projetos políticos antagônicos

passaram por minha cabeça.

Visitamos as suas praças e os respectivos monumentos erigidos aos seus

filhos ilustres – Coelho Neto, Gonçalves Dias e tantos outros. Percebi que aquela

cidade respirava poesia, e entendi porque, na “Canção do Exílio”, Gonçalves Dias2

imortaliza sua terra natal:

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Em Caxias, poesia rima com poetar. Poetar a cidade, sua história e seus

feitos gloriosos. Poetar os amores possíveis e impossíveis. Enfim, a poesia como

marca profunda de várias gerações agora imortalizadas pelo manto da Academia

Caxiense de Letras.

2
DIAS, G. Poemas de Gonçalves Dias. Sel. Péricles Eugênio da Silva Ramos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p. 19.
14

Continuei a visita extasiando-me com uma arquitetura suntuosa: casarões

e templos religiosos requintados e de estilos ecléticos, numa demonstração de que a

cidade havia passado por um período de riqueza material que lhe proporcionara um

requinte estético glamouroso demais para uma simples cidade interiorana.

Visitamos várias fontes de água natural, dentre elas a popular Veneza. Lá

nos deslumbramos com as pompas da mãe natureza e com o tradicional “pirão de

parida” — uma iguaria digna de ser provada.

No final da tarde, quando parecia que já tínhamos visto tudo, o meu amigo

e guia turístico lembrou-me de que havia esquecido de mostrar o edifício da antiga

fábrica de tecidos União Caxiense, hoje transformada em centro cultural. Diante

dessa edificação parei extasiada, visto ser uma construção luxuosa, seguindo os

padrões arquitetônicos do final do século XIX. Através dela pude vislumbrar o quanto

os caxienses do final do século XIX enebriaram-se com os ventos do progresso,

sendo os pioneiros da indústria têxtil no Maranhão. Como Berman3 declarara, os

ventos do progresso são como turbilhão, e nem mesmo a interiorana Caxias

escapou das tentativas de tornar-se moderna. Visualizei o cotidiano fabril daquele

período, os operários outrora imersos no labor da agricultura e, naquele momento,

transformados em trabalhadores fabris. Pensei também na visão de mundo dos

homens que comandavam os destinos de Caxias naquele momento histórico.

Terminada essas e tantas outras visitas, não pude mais me desvencilhar

daquela cidade, que passou a me inquietar e a gerar vários questionamentos em

meu cotidiano profissional. Passei a desejá-la, tornando-a objeto de meus estudos,

das minhas pesquisas. Nesse sentido, procurei mapear e penetrar nos vários

3
BERMAN, M. Tudo que é Sólido se Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
15

discursos que tentaram construir a imagem de Caxias na sua trajetória histórica.

Neles fui percebendo uma cidade delineada por várias representações que, a partir

da segunda metade do século XVIII e ao longo de todo o século XIX, foram dando

formas a Caxias e a constituindo como a Princesa do Sertão.

Apesar de tudo, indaguei-me: como reportar-me somente ao passado de

Caxias, sabendo que a sua grande angústia no presente e de todo o Maranhão é

serem vistos como a “terra do já teve”?4. Nesse sentido, Nietzsche5 ajuda-nos a

dirimir essa questão aflitiva quando nos ensina que o olhar ao passado deve nos

impelir ao futuro e que devemos cultivar a história em função dos fins da vida.

Por isso, passei a pesquisar o passado histórico de Caxias não como uma

forma de reedição no presente – como se isso fosse um “mecanismo de defesa

histórica, justamente para evitar, prevenir o novo que assusta”6 – mas consciente de

que História, muitas vezes, é uma contra-memória, pois é a “reconstrução sempre

problemática e incompleta do que não existe mais”7. Nesse sentido, parti para as

pesquisas no sentido de “ler” uma cidade em suas reminiscências. Para isso, utilizei-

me da estratégia de um historiador-detetive, recolhendo sintomas, indícios e pistas

que, combinados ou cruzados, permitem deduções e revelam significados8.

Nessas investigações chamou-me particularmente a atenção o final do

século XIX, quando a cidade, por meio da imprensa, foi euforicamente denominada

de a “Manchester maranhense”. Escolhi trabalhar este período perquirindo, em

4
MACEDO, E. T. de. O Maranhão e suas riquezas. São Paulo: Siciliano, 2001.
5
NIETZSCHE, F. Da utilidade e desvantagem da história para a vida (1874). In: Obras Incompletas. Col. Os pensadores. São
Paulo: Nova Cultural, 2000.
6
BENJAMIN apud MATTOS, A. Memória e história em Walter Benjamin. In: O direito a memória. São Paulo: DPH, 1992, p.
151.
7
NORA, P. Entre a memória e a história: a problemática dos lugares. São Paulo: Projeto História, 1993, p. 06.
8
Cf. GINZBURG, Carlo. Raízes de um paradigma indiciário. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
16

especial, os discursos e as práticas encampados pela elite caxiense9 e defendidos

exaustivamente, através da imprensa, por uma elite letrada10; tais discursos e

práticas foram imbrincando Caxias ao fabrilismo têxtil, ressignificando todo o sentido

de urbanidade, na cidade, naquele período.

Só que estes discursos de cunho moderno estavam presos a uma teia

discursiva em que a memória histórica da cidade era revisitada. Fomos percebendo

que Caxias, ao longo da segunda metade do século XVIII, ganhara visibilidade como

grande produtora de algodão destinado à exportação, e os discursos que a

objetivaram impingiram-na o estigma da opulência. Este incremento comercial foi

proporcionado pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, fundada

pelos portugueses para explorar as potencialidades da região.

A partir da segunda metade do século XIX, a cidade – e todo o Maranhão

– passa por uma forte crise econômica na qual o seu principal produto, o algodão,

sofria grande concorrência externa, principalmente dos Estados Unidos. A cidade,

neste período, foi objetivada pelo estigma da decadência tão propalada pela

imprensa local, que exigia providência por parte do governo provincial do Maranhão,

no sentido de resgatar todo o esplendor que Caxias havia alcançado.

Assim, percebemos que para investigarmos a Caxias fabril do final do

século XIX, não podíamos perder de vista toda uma memória discursiva que a

prendia, respectivamente, à opulência e à decadência.

9
No presente trabalho, definimos como elite caxiense o grupo social formado por latifundiários e comerciantes cujo poder
aquisitivo baseava-se na posse da terra e em riquezas conquistadas através das práticas agrícolas e das relações
comerciais desenvolvidas na região.
10
Elite letrada estará designando, neste trabalho, um grupo de pessoas que, através de uma escritura erudita, imprimirá na
imprensa caxiense um conhecimento vasto e universal, que transitará por vários campos do conhecimento, transmitindo
uma visão de mundo. Durval Muniz afirma que o erudito como uma figura de sujeito do conhecimento permeará o mundo
ocidental até o final do século XIX. Cf. ALBUQUERQUE JUNIOR, D. M. De amadores a desapaixonados: eruditos e
intelectuais como distintas figuras de sujeito do conhecimento no ocidente contemporâneo. Trajetos, revista de história.
Fortaleza: UFC, 2005. p. 43-66.
17

Neste sentido, partimos para a catalogação das fontes que pudessem nos

ajudar a construir o nosso objeto de estudo. Conseguimos garimpar jornais de

época, leis e regulamentos, códigos de posturas, revistas e uma ampla produção

historiográfica maranhense sobre o período.

Encontramos uma vasta documentação nos arquivos da Biblioteca

Estadual Benedito Leite, em São Luís. Nestes arquivos, pudemos selecionar e

pesquisar uma vasta empiria, que consubstanciou o nosso objeto de estudo.

Selecionamos, em especial, quatro jornais de época: jornais Commercio de Caxias e

Gazeta Caxiense, editados na cidade de Caxias, e Publicador Maranhense e Diário

do Maranhão, editados em São Luís mas com circulação em todo o Maranhão,

publicando inclusive matérias específicas sobre as cidades interioranas, como

Caxias. Recortamos as décadas de 70, 80 e 90 do século XIX, por nos fornecerem

uma trajetória dos acontecimentos que foram constituindo uma Caxias fabril. Quanto

à razão para a escolha daqueles quatro periódicos, e não de outros, deu-se pelo fato

de que eles apresentavam maior quantidade de matérias acerca do período que

classificamos como belle époque.

Quanto à linha editorial desses jornais, percebemos que transmitiam uma

visão do Maranhão a partir do foco da elite e da estrutura de poder que a legitimava,

como comprova o fato de periódicos como o Publicador Maranhense receberem

subvenções do governo maranhense. Em relação àqueles editados em Caxias,

percebemos algumas diferenças quanto à linha editorial; o Commercio de Caxias

atendia basicamente aos interesses da elite caxiense e do poder constituído,

enquanto o Gazeta Caxiense era mais combativo, principalmente em relação aos

atos administrativos da Câmara Municipal e da Intendência. Isto demonstra as


18

disputas de poder existentes no solo caxiense, historicamente constituídas entre

liberais e conservadores. Portanto, ao analisarmos os discursos da elite letrada,

teremos por base que os seus lugares de sujeito partem dos interesses políticos

travados na cidade.

Catalogamos, também, um corpus documental abrangendo leis e

regulamentos, tanto em nível estadual como municipal. Tivemos também acesso aos

Códigos de Posturas de Caxias das décadas de 70 a 90 do século XIX. Toda esta

documentação nos forneceu a trajetória dos atos administrativos da Câmara e da

Intendência Municipal de Caxias no período pesquisado, dando-nos a visão de

cidade construída pelo poder público e, em especial, a noção de espaço urbano que

consubstanciava os atos administrativos.

Analisando o material coletado, percebemos que a cidade de Caxias do

final do século XIX, além de vivenciar toda uma euforia fabrilista e um imaginário

progressista atrelado aos símbolos modernos, como a ferrovia, passou por tentativas

de reordenamento urbano através da implantação de incisivos códigos de posturas,

nem sempre fáceis de serem colocados em prática numa cidade ainda presa a

sociabilidades tipicamente rurais. O consumo que as pessoas faziam da urbe

atendia a práticas subversivas de espaço, típicas de uma cidade colonial.

Outro aspecto que nos chamou à atenção foi a mudança na visão de

trabalho praticado na cidade, que ascendia do trabalho escravo ao livre, seguindo a

esteira do fabrilismo têxtil. Também nos deparamos com uma cidade revestida por

novas sociabilidades, atreladas ao consumo de produtos chiques e elegantes,


19

seguindo padrões europeus e se harmonizando às exigências de uma elite formada

por uma rica tradição europeizada.

Para entendermos as transformações pelas quais Caxias passava,

procuramos fazer um estudo em nível de historiografia maranhense que nos

ajudasse a compreender a trajetória histórica do Maranhão, na passagem do

trabalho escravo para o livre. Obras como História do Maranhão (2001), de Mário

Meirelles; A Ideologia da Decadência (1982), de Alfredo Wagner Almeida; A

Desagregação do Sistema Escravista no Maranhão (1990), de Jalila Ribeiro; As

Origens da Indústria no Sistema Agro-Exportador Maranhense (1988), de José

Ribamar Caldeira, dentro outras, nos forneceram subsídios para a compreensão de

uma Caxias fabril que despontava no final do século XIX.

Para entendermos aquela Caxias fabril, recorremos a alguns conceitos

basilares. De Foucault tomamos de empréstimo o conceito de discurso, que se

refere “às práticas que se tornam modo de pensamento, com sua lógica, estratégia,

evidência e razão própria. Enfim, como uma reverberação de uma verdade

nascendo diante de seus próprios olhos”11. Isto nos ajudou a compreender como os

discursos proferidos pela elite caxiense instituíram uma Caxias fabril mais grandiosa

do que as próprias experiências vivenciadas pelos sujeitos históricos daquele

período.

Dele também recorremos à idéia de práticas, entendida como o que

fazem as pessoas, suas ações na vida cotidiana; as coisas só existem para uma

prática que as objetiva, que lhes dá significado.

11
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2001, p. 10.
20

Outra idéia cara a Foucault que ganha relevância no nosso trabalho é a

idéia de subjetivação. Para ele, o homem não é realidade natural, originária, nem

sempre foi a mesma coisa que é hoje; ou seja, o pensamento foucaultiano propõe o

rompimento com a idéia de homem universal, idéia segundo a qual, para além das

aparências, existiria uma essência humana que estaria presente e que seria sempre

a mesma.

Foucault acredita que o sujeito é produto, é construído nas práticas, no

fazer cotidiano. Porém, essa construção não se dá de forma passiva, pois ele, o

sujeito, participa desse processo de subjetivação, que é um processo dinâmico,

contínuo, ininterrupto. Isto nos ajudou a entender como a elite caxiense pretendeu,

no final do século XIX, através de seus discursos e práticas, subjetivar-se de uma

outra forma em uma cidade que emergia não mais atrelada às práticas agrícolas

tradicionais, mas conectada aos tempos modernos, através das indústrias têxteis.

Objetivaram, assim, uma outra cidade, onde um novo ordenamento social fazia-se

necessário através do disciplinamento do uso do espaço urbano.

Outro interlocutor que nos ajudou a clarear o nosso objeto de estudo foi

Chartier, através do conceito de representação, considerada como “instrumento de

um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente através da sua

substituição por uma imagem capaz de o reconstituir em memória e de o figurar tal

como ele é”12. Através deste conceito pudemos compreender como a constituição

histórica de Caxias foi delineada por várias representações que foram dando

contornos à sua materialidade e que subsidiaram as apreensões do “real” por parte

12
CHARTIER, R. A História Cultural Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: DIFEL, 1990, pág. 20.
21

da elite caxiense, dando suporte à nomeação eufórica de Caxias como a

Manchester Maranhense.

Outra abordagem teórica que subsidia todo este trabalho diz respeito à

temática Cidade, que vem ocupando um lugar de destaque como objeto de estudo

nos trabalhos acadêmicos, inserida nos desafios contemporâneos da chamada

História Cultural, que, segundo Lynn Hunt13, veio a dar uma nova forma de a História

trabalhar a cultura, que passou a ser pensada, acima de tudo, como um conjunto de

significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo. Nesta

perspectiva, a temática Cidade passou a ser analisada, sobretudo, como um

problema e um objeto de reflexão no qual não se estuda “apenas processos

econômicos e sociais que ocorrem na cidade, mas as representações que se

constroem na e sobre a cidade”14. Para a escrita deste trabalho, no que concerne a

este tema, foram de fundamental importância obras como Cidades Invisíveis (1990),

de Ítalo Calvino; O Que é Cidade (1995), de Raquel Rolnik; As Faces do Monstro

Urbano (1984), de Maria Stella Brescianni; O Imaginário da Cidade (2002), de

Sandra Pesavento; (Des)Encantos Modernos (1997), de Antonio Paulo Resende;

Cidade Febril (1996), de Sidney Chalhoub, dentre outras. Estas obras nos ajudaram

a compreender o fenômeno do urbanismo ou ciência urbana, que resultou num vasto

conhecimento acerca dos problemas da urbe, contribuindo para elaboração de

políticas urbanas e práticas de intervenção estatal no cotidiano citadino.

Dividi o trabalho em três capítulos, nos quais procuro mostrar a

emergência fabril no universo belle époque de Caxias no final do século XIX.

13
HUNT, L. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
14
PESAVENTO, S. J. História e História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte – MG: Autêntica, 2004, pág. 08.
22

No primeiro capítulo, abordo primeiramente o fato de que os discursos

proferidos pela elite caxiense do reerguimento da cidade em torno do fabrilismo têxtil

apoiavam-se ou tentavam suplantar toda uma memória discursiva que atrelou

Caxias primeiramente à opulência e posteriormente à decadência, entre a segunda

metade do século XVIII e o século XIX. Em seguida, analiso como a euforia fabrilista

gerou todo um imaginário progressista em Caxias, atrelado ao fetichizante mundo

dos maquinários modernos, como a ferrovia, que proporcionou a formação de várias

sociedades anônimas com o intuito de empreender ações modernizadoras no

espaço urbano, sendo que muitas delas tornaram-se realidade e outras só ficaram

no âmbito do desejo.

No segundo capítulo, analiso as tentativas de reordenamento do espaço

urbano por meio dos códigos de posturas, organizados pelo poder público através

da Câmara de Vereadores. Analiso o distanciamento entre o aparato jurídico e as

práticas de espaço vivenciadas pelos habitantes citadinos, típicas de uma cidade

colonial, onde as curvas do espaço geográfico influenciam no estilo de morar.

No terceiro capítulo, analiso o universo caxiense quanto ao mundo do

trabalho e das sociabilidades vivenciadas, principalmente pela elite, em torno de

padrões culturais marcados pelo requinte europeu. Neste capítulo, o que subsidia

toda a análise é o forte contraste social que permeia a constituição histórica da

sociedade caxiense, onde coabitam, no mesmo espaço, de um lado, pessoas cuja

sobrevivência depende ainda de práticas agrícolas tradicionais ou da venda de sua

mão-de-obra às atividades comerciais ou fabris; e de outro, uma elite herdeira das

tradições coloniais e de uma requintada educação ao estilo europeu.


23

Permeando os três capítulos, temos o embate entre a prática discursiva

da elite caxiense, que almejava edificar uma cidade fabril e moderna, com as

tradições que ainda a prendiam a um provincianismo típico de cidade colonial. Isto

consubstanciará a nossa narrativa a seguir.


24

1 CIDADE E BELLE ÉPOQUE: DISCURSOS, PRÁTICAS FABRIS E O

IMAGINÁRIO PROGRESSISTA

1.1 Dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória: a polifonia de um

cenário urbano

Decifrar uma cidade é penetrar em seus enigmas e mistérios. É desvelar

as várias camadas representativas de sua história, como tempos empilhados de uma

construção palimpséstica, cujas camadas constituíram esse espaço. Mas o desvelar

também possui os seus enigmas, pois traz em si o olhar de quem observa os

traçados e as ferramentas utilizadas.

Dessa forma, o estudo sobre uma cidade, como objeto no qual se

vasculham suas entranhas, apresenta-se articulado às várias representações e

imagens que a constituíram e que deram significado aos contornos de sua

materialidade, pois “uma cidade, antes de aparecer na realidade, existe como

representação simbólica”1. Isto nos reporta à percepção de que uma cidade é

constituída de várias imagens e de que “não se deve confundir uma cidade com os

discursos que a descrevem”2, pois eles trazem, antes de tudo, a constituição de uma

imagem idealizada que se reflete em vários sentidos, nos quais os traços da

diferença são peculiares e que, ao invés de preencher uma só cidade, constroem as

bordas de várias cidades particulares.3

É na tessitura de um mosaico específico, constitutivo da cidade de

Caxias, que enveredamos, particularmente nos discursos e práticas que se

1
PESAVENTO, S. J. O Imaginário da Cidade: visões literárias do urbano. Porto Alegre: EDUFRGS, 2002, p. 262.
2
CALVINO, I. Op. cit.,1990, p. 59.
3
Id. ibid., p. 34.
25

associaram ao fabrilismo têxtil no final do século XIX, aspecto este que contribuiu

para uma ressignificação do sentido de urbanidade nesta cidade, naquele período

histórico. Neste sentido, questionaremos como esses discursos , encampados pela

elite caxiense e defendidos exaustivamente por uma elite letrada, através da

imprensa local, contribuíram para a subjetivação de um “novo” caxiense, como

também objetivam uma “nova” Caxias, nomeada euforicamente de a “Manchester

Maranhense”4.

Partindo dessas premissas, constatamos, inicialmente, que as imagens

transmitidas através destes discursos representavam a confluência de um espaço

urbano entre um presente que acena com novas possibilidades e uma memória

discursiva que precisava ser suplantada ou até mesmo esquecida.

Caxias procura ressuscitar das próprias cinzas. Não há muito ainda,


embora nas recordações do passado, cismava distraída, semelhante
ao indivíduo de espírito fraco, que vendo fugir-lhe uma opulência que
não soube conservar, vesga ao peso da adversidade, e não tenta
reagir contra os embaraços, criados talvez pela própria
imprevidência.
[...]

As torrentes de ouro que do sertão desta e de outras províncias


vinham, estagnaram-se em suas arcas, estavam extintas.
As ricas comarcas de Carolina, Boa Vista e outras [...] preferiram
mandar seus produtos ao grande mercado de Belém.
Por outro lado, Parnaíba, Teresina e Amarante constituíam barreira
insuportável, vedando todo o comércio com o Piauí.
[...]
Viu-se perdida.
Pensou então que só podia salvar-se tornando-se industrial, e, para
começar, resolve fundar uma fábrica de tecidos5.

Nas representações contidas neste discurso, temos as múltiplas

objetivações que foram dando forma a Caxias. Nelas, a cidade apresenta-se em

múltiplas temporalidades que respectivamente partiam de uma memória discursiva

4
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 09 set. 1893, p. 01.
5
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 01 jan. 1888, p. 01-02.
26

na qual Caxias havia vivido momentos de opulência e de grande destaque na região,

atingindo a posição de grande “Empório do Sertão”. Em seguida, presentifica um

estado de letargia marcado pela estagnação econômica, em que suas relações

comerciais haviam perdido espaço para outras regiões do Maranhão e para a vizinha

província do Piauí. E por último apresenta uma possibilidade de futuro no qual a

salvação para o reerguimento da cidade seria tornar-se industrial.

Essas falas nos impelem a questionar: como essas objetivações acerca

de Caxias foram sendo construídas a ponto de se projetarem em outros sentidos, em

um momento histórico em que os sujeitos buscavam novas possibilidades de se

subjetivarem?

Foucault6 aponta-nos que devemos enxergar no enunciado discursivo

uma articulação dialética entre singularidade e repetição, em que “de um lado, ele é

um gesto; de outro, liga-se a uma memória, tem uma materialidade; é único mas

está aberto à repetição e se liga ao passado e ao futuro”.

Em Caxias, os discursos acerca da “opulência” reportam-se ao período

em que a cidade constituía o Arraial das Aldeias Altas e onde as práticas agrícolas,

desenvolvidas por seus habitantes, notadamente o algodão, ganhava dinamismo e

visibilidade através da criação e atuação da Companhia de Comércio do Grão-Pará

e Maranhão, fundada em 1775, pelo Marquês de Pombal. Para Viveiros7, a

Companhia de Comércio transformou a penúria em que vivia o Maranhão em fartura,

a pobreza em riqueza8. Deve-lhe o Maranhão o surto de progresso que desfrutou

nos últimos quarenta anos do Período Colonial. Nas representações construídas

6
GREGOLIN, M. do R. Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso – diálogos e duelos. São Carlos – SP: Claraluz, 2004, p.
88.
7
Nessa fala de Viveiros, é importante destacar que a construção discursiva por ele elaborada é recorrente na produção
historiográfica maranhense, conhecida como Idade de Ouro ou período de grande prosperidade da história maranhense,
referindo-se à temporalidade compreendida entre a criação da Companhia de Comércio e o término do século XVIII. Cf.
VIVEIROS, J. de. História do Comércio do Maranhão (1612 – 1895). Vol. 02. São Luís: Associação Comercial do Maranhão,
1992.
8
As exportações algodoeiras do Maranhão cresceram de 551 arrobas em 1760 para 4.055 em 1771, graças ao incremento da
Companhia de Comércio. Cf. PAXECO, F. Geografia do Maranhão. São Luís – MA: Tipografia Teixeira, 1922, p. 34.
27

acerca do Maranhão da segunda metade do século XVIII, Caxias é objetivada como

o grande empório do sertão. Historiadores do período ou viajantes que por ela

passaram não resistiram aos encantos de retratá-la. Nesse sentido, podemos

destacar a descrição de Ribeiro9 que, em 1815, entrevira a importância de Caxias ao

afirmar que:

É a vila de Caxias uma continuada feira, onde distantes os povos dos


sertões confinantes trazem à venda os seus efeitos, que constam de
algodões, solas, couros de veado e cabra, tabacos de fumo, gados,
escravaturas da Bahia, cavalarias e tropas de machos, a que chamam
burradas, levando em troco toda a qualidade de gêneros da Europa.

Assim, Caxias, embora localizada nos sertões maranhenses, passava a ocupar

uma posição de destaque na estrutura econômica e social da província, somente

inferior à capital São Luís. Os naturalistas Spix e Martius10, que percorreram o Brasil

de Sul a Norte, penetraram em Caxias em 1819 e assim a descreveram:

Caxias (vila desde 1812), anteriormente Arraial das Aldeias Altas, é uma
das mais florescentes vilas do interior do Brasil. Monta 30.000 o número
de habitantes do seu termo. Deve a sua prosperidade à cultura do
algodão, explorada desde uns vinte anos, com afinco, em seu interior, e
fomentada em toda a Província pela Companhia de Comércio do Grão-
Pará e Maranhão, assim como a atividade comercial de seus habitantes,
entre os quais se encontram muitos europeus.

Caxias, nesse cenário constituído entre a segunda metade do século XVIII

e o início do século XIX, é significada pelo estereótipo da opulência agrícola e de um

comércio que se dinamiza cada vez mais, gerando novos olhares sobre a região e,

mormente, a perspectiva de novos lucros que poderia gerar, através de suas

potencialidades, para a corte portuguesa. Nessa perspectiva, a região inseria-se no

sistema colonial na condição de exportadora de algodão “e, através de Portugal,

9
Apud ALMEIDA, A. W. B. de. A Ideologia da Decadência. São Luís: FIPES,1982, p. 41.
10
Apud COUTINHO, M. Caxias das Aldeias Altas. 2 ed. Caxias: Prefeitura de Caxias, 2005, p. 60
28

começa a fazer parte do concerto do mundo, a afinar-se com ele”11. Sua economia,

como a de toda a província do Maranhão, passou a ser dependente das

circunstâncias e intempéries internacionais, geradora de fluxos e refluxos comerciais

não controláveis internamente.

Essa posição de destaque que Caxias passava a ter como o segundo

maior centro comercial do Maranhão gerava visibilidade e, até mesmo, desconforto e

constante preocupação por parte dos vizinhos e parceiros comerciais, como o Piauí.

Assim, ao longo do século XIX, foram notórias as reclamações e articulações dos

governantes e comerciantes piauienses que pretendiam conquistar um acesso direto

a outras praças comerciais sem depender do comércio do Maranhão, “que

praticamente monopolizava os fornecimentos ao Estado e cujo porto dava acesso

aos outros Estados e países”12.

Essa preocupação faz-se sentir até mesmo nas considerações levantadas

ao situar melhor a sede do governo piauiense num local mais estratégico e mais

próximo aos portos de maior comércio. Um de seus governadores, o Conselheiro

Saraiva, expressou, em 1851, em um relatório à Assembléia Provincial do Piauí, as

razões que o levaram a escolher a Vila Nova do Poti, atual Teresina, para ser a sede

do governo: “[...] é ela bem situada e a mais salubre que é possível [...]; fica na

posição de tirar a Caxias todo o seu comércio com o Piauí, conseguindo-se, assim, a

maior vantagem da mudança [...]”13.

Neste cenário, a emergente Caxias já apresentava uma estruturação que

a assemelha a uma típica cidade colonial, já possuindo:

[...] casas arruadas dentro do arraial, em torno dele, por seu


arrabalde, até o número de 300, maiores e menores, habitadas de
moradores, a maior parte deles de luzido trato, em que já reina o

11
CORREIA, M. da G. G. Nos Fios da Trama. Niterói -RJ : Universidade Federal Fluminense,1998, p. 08.
12
QUEIROZ, T. Os Literatos e a República. Teresina - PI: UFPI; João Pessoa – PB: UFPB, 1998, p. 22.
13
CHAVES, M. Obra Completa. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998, p. 25, grifo nosso.
29

luxo, ambição e emulação no tratamento e asseio nas suas pessoas.


O clima é saudável, com águas e abundância de víveres para a sua
subsistência e conservação da vida, continuando sempre a
edificação com grande fervor e aumento [...].14

Nesses enunciados, temos a descrição de uma ambiência em que as

sociabilidades tornam-se dinâmicas e motivadoras de hábitos requintados em pleno

sertão maranhense, propiciados, principalmente, pelos bons resultados da produção

algodoeira de exportação, sustentada pelo trabalho escravo. Essa fala também

visualiza o entendimento de que a emergência do espaço Caxias e da sua

progressiva constituição como cidade não se dá de maneira planejada, mas como

fruto do cruzamento das práticas com as representações que a instituíram como

uma realidade15. Em Caxias, ruas e traçados vão emergindo a partir da

domesticação da natureza pelas práticas sociais, e não pela ação de um poder

ordenador do espaço enquanto ação planejada.

Nesse sentido, Holanda16 faz-nos pensar no tipo de cidade que os

portugueses fundaram na América e adverte-nos que “não é um produto mental, não

chega a contradizer o quadro da natureza e sua silhueta se entrelaça na linha da

paisagem”.

Nessa teia de relações, a constituição do espaço urbano de Caxias dá-se

numa simbiose de complementaridade entre ambiência urbana e rural, em que “a

cidade se alimenta daquilo que o campo a seu redor produz”17. E passa, com o seu

desenvolvimento, a oferecer serviços e autoridade política “àqueles que comandam

a exploração rural, associados por vínculos de necessidades mútuas de lucro e

14
A citação é fruto de vasta documentação compilada por Gonçalves Dias nos arquivos europeus no século XIX, tratando-se
de uma extraordinária descrição do Arraial das Aldeias Altas no século XVIII. Cf. COUTINHO, Op. cit., 2005, p. 31.
15
Cf. CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990.
16
HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 110.
17
WILLIANS, R. O Campo e a Cidade na História e na Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 75.
30

poder”18. Em Caxias, senhores, terras e comércio formavam uma cadeia que

subsidiava e dava sustentação às relações políticas e de poder.

Elevada à categoria de cidade pela lei provincial de 5 de julho de 1836,

Caxias, que já era considerada o grande empório do sertão, passava a ter o status

de segunda cidade mais importante do Maranhão. Marques19, numa escrita bem

patrícia, prefere substituir essa classificação por uma descrição marcada pelos

atributos que a cidade oferecia, pois afirma:

Depois da capital, se não nos fascina o amor da terra natal, sem


dúvida ocupa o primeiro lugar esta importante cidade, onde se pode
viver cercado de todas as comodidades, porque aí existem casas de
todo o gênero de negócio, vários estabelecimentos de diversos
ramos de artes e ofícios, é a residência de alguns médicos e
cirurgiões, tem três boticas, aulas públicas e particulares para
instrução da mocidade de ambos os sexos, um pequeno teatro e até
duas bandas de músicas marciais particulares, habilmente dirigidas.

Nessa perspectiva, Caxias, para os padrões de uma cidade interiorana,

oferecia uma multiplicidade de atrativos que a personificavam e a caracterizavam

como um grande centro produtor que refletia a “imagem de um ímã, que tudo atrai,

reúne e concentra”20. Assim, a marca da opulência constituía o ingrediente principal

das imagens e representações que a constituíram, marcando uma memória

discursiva daqueles que a retrataram entre o século XVIII e a primeira metade do

século XIX.

Mas os discursos que emergiram a partir da segunda metade do século

XIX, objetivaram uma “outra” Caxias, marcada por dizeres impregnados de imagens

sombrias e de cunho decadente. Isto ocorreu principalmente após a Revolta da

18
Id., ibid., p 75
19
MARQUES, C. A. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Cia Editora Fon-Fon e Seleta,
1970, p. 187
20
ROLNIK, R. O Que é Cidade. São Paulo: Brasiliense: 1995, p. 08.
31

Balaiada. Para Marques21, a “Revolução do Balaio” foi um movimento de “sectários”,

“bárbaros” e “facínoras” que “não podiam deixar de lançar suas vistas perigosas

sobre esta cidade, já pela sua posição central e já pelas suas riquezas e munições”

e por ser então Caxias “a cidade do crime, o refúgio dos facinorosos, o domínio dos

pequenos bachás e estando acostumada a ver assassinatos todos os dias”.

Nessas imagens refletidas pelo discurso de Marques, podemos perceber

o quanto as lutas sociais na cidade de Caxias, naquele período, desvelaram as

várias facetas de uma estrutura socioeconômica excludente em que o restrito acesso

à terra e às condições de vida digna geraram um grande contingente de

pauperizados, onde a opressão cotidiana podia funcionar como “matéria-prima que

potencialmente alimenta as reivindicações populares”22.

É importante evidenciar que, no Maranhão desse período, o controle dos

movimentos sociais que abrangessem principalmente índios, negros aquilombados e

os despossuídos da fortuna era de extrema urgência, pois tanto a elite latifundiária

quanto os administradores provinciais viam nesses movimentos um estímulo à

“ociosidade”, pois “desviavam de suas atividades produtivas amplos contingentes de

mão-de-obra [...]”23.

Entretanto, devemos salientar que. nesse contexto das construções

discursivas sobre a decadência, os dizeres relativos à cidade de Caxias apresentam

ângulos multiformes. Primeiramente, temos a construção de imagens sombrias que

se arrastaram por longos anos. Isso é o que nos transmite um cronista do jornal

Commercio de Caxias24:

21
MARQUES, C. A. Id., ibid.
22
KOWARICK, L. São Paulo Passado e Presente: as lutas sociais e a cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 46.
23
ALMEIDA, A. W. B. de. Op. Cit., 1982, p. 76.
24
Jornal Commercio de Caxias, 1891, p. 01, grifo nosso.
32

Rapidamente a rainha dos sertões empobreceu e quase sucumbiu


ao peso das lutas que foi obrigada a sustentar heroicamente. [...]
Então, tinha se passado o tempo da opulência e as lágrimas e os
gemidos apenas eram sinais de vida na sociedade caxiense.
[...] Todo o Maranhão ressentiu-se da terrível calamidade de uma
guerra civil, sem princípios nem fins, sem direção, sem alma; e a
florescente Caxias ficou ferida de morte, desanimou
aterradoramente, deixou-se entorpecer, cônscia da gravidade de seu
mal, enfraquecida pela terrível hemorragia que sofrera. Não havia
indústria; o comércio morreu, a lavoura prostrava-se moribunda e a
sociedade caxiense lutava pela vida por instinto de conservação,
sem esperança.

Como membro partícipe da elite letrada caxiense, o lugar de sujeito do

cronista dá-nos uma dimensão da relação entre o seu discurso e as representações

que o delineiam25. Tons fortes e sombrios passam a representar um espaço que se

“deteriorava” como um organismo vivo em estado doentio, ou seja, uma cidade que

perdera “seu significado de opulência e poder”.26

Já para Coutinho27, Caxias, após a Balaiada, enfrentou inúmeras

dificuldades, mas se reergueu, voltando a ser o grande celeiro do Maranhão. Em um

discurso que se diferencia do anteriormente analisado, assim se expressa sobre o

período:

Enfim, cessada a borrasca, renascida das cinzas, tal qual nova


Fênix, Caxias refloria suas messes e seus homens voltaram a lavrar
a terra e a tanger seus rebanhos.
[...] Novas gerações, novas esperanças incorporavam-se aos
remanescentes da Balaiada e urgia fazer nascer dos escombros a
plenitude de uma cidade que se orgulhara, há mais de um século, de
ser o celeiro do Maranhão.

Nas representações ora confrontadas, podemos evidenciar que as

construções narrativas acerca da história de Caxias oferecem-nos representações

do “real”, que ora se coadunam, ora se destoam da materialidade de um espaço

25
Cf. CHARTIER, R. Op. cit. 1990, p. 17.
26
ROLNIK, R. Op. Cit., 1995, p. 21.
27
COUTINHO, M. Op. Cit., 2005, p. 219.
33

que, na sua constituição enquanto cidade, conviveu entre a visibilidade que

conquistou e as dificuldades que teve de enfrentar.

Contudo, as representações alusivas a uma Caxias decadente não se

restringem somente ao período pós-Balaiada. Ela irá apresentar-se de uma maneira

ainda mais contundente e constante nos anos 70 do século XIX, onde as imagens

transmitidas apresentam tons sombrios. Nos noticiosos caxienses do período, como

também nos jornais provinciais, eram freqüentes matérias que apresentavam Caxias

como um “corpo doente” que precisava ser tratado diante da sua importância e das

tradições que representava, pois assim sucumbia “uma localidade ainda a pouco

(sic), tão florescente, quando bastaria um sopro para elevá-la”28. Caxias encontrava-

se “prostrada pela fatalidade, pela incúria, pelo curso dos acontecimentos

desencadeados, sem o apoio eficaz do governo [...]”29.

Essas representações lamuriantes eram reflexo das dificuldades pelas quais

passava o comércio e a lavoura caxienses, decorrentes do declínio da produção

agro-exportadora30. Nelas, as imagens da decadência eram contrastadas por um

discurso que se reportava a um passado glorioso, no qual a cidade de Caxias

representava o grande celeiro do Maranhão, reforçando, assim, o “poder dos

emblemas, que uma vez vistos não podem ser esquecidos ou confundidos”31. Isto

era necessário para reforçar a idéia de que Caxias se encontrava abandonada pelo

governo provincial e que o mesmo, através de algumas ações governamentais,

deveria socorrê-la, pois não era justo que o outrora grande “empório do sertão” fosse

abandonado a um destino de decadência.

28
Jornal Diário do Maranhão, 08 abr.,1875, p. 02.
29
Id., ibid.
30
A produção algodoeira maranhense sofria uma forte concorrência norte-americana, que mantinha uma posição privilegiada
no mercado internacional, só sendo afetada temporariamente pela guerra civil americana (1861-65). Cf. ALMEIDA, A. W. B.
de. Op. cit,1982, p. 139.
31
CALVINO, I. Op. cit., 1990, p. 26.
34

Na imprensa da época, eram comuns matérias que pressionavam o governo

provincial e que também apontavam as possíveis medidas salvacionistas:

Que meios empregam as nações civilizadas para transformar os


seus desertos em cidades ruidosas? — Na facilidade e rapidez de
suas comunicações, na colonização, no progresso da agricultura, no
desenvolvimento do comércio, no aperfeiçoamento das artes; no
incentivo à indústria, e sobretudo na administração inteligente, firme,
judiciosa e moralista [...]32.

Nesse discurso havia a percepção de que o processo civilizatório33

caxiense deveria imbricar-se a novos padrões de exploração de suas

potencialidades, pois as “suas riquezas dormem ignoradas no seio fecundo da

terra”34. Observa-se, no entanto, que para isso deveriam romper com as tradições

ligadas a uma agricultura rudimentar e essencialmente dependente do trabalho

escravo, pois já não podiam ignorar o fato de que muitos senhores estavam

vendendo seus melhores escravos para o Centro-Sul do Brasil, a fim de pagar

dívidas. Era urgente resolver a questão da mão-de-obra. Para isso, afirmavam que

as terras estavam “privadas dos braços que as roteavam, estando em completo

pousio ou entregues à pequena lavoura do povo indolente [...]” 35.

Nesse sentido, causava incômodo à elite letrada o que denominavam de

“ociosidade”, assim como a pouca produtividade dos pequenos produtores; para

combater isto, exigiam uma posição austera do governo no sentido de aproveitar

“tantos braços robustos, que por ali andam ociosos” e que “o povo se chama livre e

interpreta a liberdade como o direito de nada fazer”, enquanto “os cofres públicos se

esgotam” 36.

32
Jornal Publicador Maranhense, 27 fev., 1871, p. 02.
33
Para Elias, o processo civilizador constitui uma mudança na condução e sentimentos humanos rumo a uma direção muito
específica. Cf. ELIAS, N. O Processo Civilizador: formação do Estado e Civilização. vol. 02, Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1993, p. 193.
34
Jornal Publicador Maranhense. Id., ibid.
35
Jornal Diário do Maranhão, 14 fev.,1876, p. 02.
36
Jornal Diário do Maranhão ,id., ibid.
35

Havia a percepção de que novas tradições deveriam ser inventadas, mas

que não necessariamente precisassem romper com as velhas tradições

aristocráticas. Nessa ótica, os novos padrões a se constituírem utilizariam “a história

como legitimadora das ações e como cimento da coesão grupal”37.

Importante também era a visão de que a cidade merecia cuidados como

um todo, devido à posição que conquistou ao longo dos anos. Nesse sentido, a

listagem de melhoramentos urgentes encaminhada à assembléia provincial, em

1875, retrata esta visão:

Luz para todos;


A limpeza da estrada que conduz à feira da Vargem Grande;
Conserto da cadeia pública, que está em misérrimo estado;
A via férrea para Teresina;
A navegação a vapor do Alto-Itapecuru de Caxias para cima;
A abertura da estrada para a Barra do Corda;
Uma ponte sobre o rio Itapecuru, para completo desta estrada;
O calçamento das nossas ruas38.

Nas reivindicações citadas, estava expressa uma visão de cidade que

precisava ser cuidada em seus aspectos interno e externo, abrangendo noções de

estética, higiene, como também da circulação de pessoas e mercadorias. Estava

implícito também que, para a cidade adentrar em um novo período, eram

necessárias novas soluções, como a construção de uma via férrea ligando Caxias a

Teresina, capital do Piauí. “A estrada de ferro prenderia de modo permanente e

estável, dois rios navegáveis – Parnaíba e Itapecuru – duas cidades importantes –

Teresina e Caxias, e duas províncias que podem e devem florescer – Maranhão e

Piauí”39. A idéia de estar em dia com o progresso emergia com grande força nos

37
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 21.
38
Jornal Diário do Maranhão, 14 mai., 1875, p. 01.
39
Jornal Publicador Maranhense, 27 fev.,1871, p. 02.
36

discursos da época como um elemento considerável ao processo civilizatório, tão

urgente e necessário ao renascimento da cidade.

As constantes queixas para com o governo provincial diante do

“abandono” e “isolamento” pelo qual passava a cidade eram respaldadas pelo fato

de que a cidade havia crescido bastante nas últimas décadas, com uma população

estimada, entre livres e escravos, em torno de 24.302 habitantes40. Era inadmissível,

por conseguinte, que Caxias, a segunda maior cidade do Maranhão, fosse ignorada,

vivendo até mesmo às escuras, pois a iluminação das suas ruas, há mais de quinze

anos reivindicada, não passava do estágio das promessas tão propaladas pelas

autoridades provinciais41. Neste aspecto, reclamavam que todas as verbas

destinadas à iluminação da cidade “tiveram aplicações diversas, para satisfazer a

certas patotas inconfessáveis, das muitas que surgem na capital”42.

Também o descaso para com a manutenção dos prédios públicos era

motivo de queixas constantes, como a cadeia pública, que se encontrava em estágio

deplorável e o quartel militar que, edificado sobre o Morro do Alecrim, em 1840,

carecia de manutenção43. Também outras edificações, nas quais funcionavam a

Câmara Municipal e o Júri, o Curral e o Mercado Público, já não atendiam às

necessidades da cidade. Isso para não citar a tão reivindicada ponte que ligaria a

parte central da cidade ao distrito da Trezidela, facilitando, assim, o acesso de

pessoas e mercadorias à região portuária do rio Itapecuru. Afirmavam,

enfaticamente, que a cidade precisava de tudo isso, pois ia de “mal a pior” e, se

“algum vento de felicidade não soprar-nos, adeus, Caxias! [...]”44.

40
Cf. CALDEIRA, J. de R. C. As Origens da Indústria no Sistema Agro-exportador Maranhense – 1875 a 1895. São Paulo: USP
– Departamento de Sociologia,1988, p. 73.
41
Cf. Jornal Diário do Maranhão, 14 mai., 1875, p. 01.
42
Jornal Diário do Maranhão , id., ibid.
43
Cf. MARQUES, C. A. Op. cit., 1970, p. 189.
44
Jornal Diário do Maranhão, id., ibid.
37

O quadro estrutural agravava-se ainda mais pelo fato de que o declínio

comercial afetava diretamente as minguadas receitas da Câmara Municipal, que

diminuíram de 6:022$000 réis no ano financeiro de 1876-1877 para 5:733$000 entre

1877-1878. Tais recursos deveriam suprir às necessidades do município,

abrangendo desde o custeio com funcionários, manutenção dos prédios públicos,

limpeza e salubridade das ruas e praças públicas, ajuda a indigentes e outros45. Os

subsídios provinciais que diretamente beneficiavam Caxias diziam respeito à

instrução pública de primeiras letras, navegação fluvial pelo rio Itapecuru e a

iluminação pública efetivada a partir de 1878 com 40 combustores a querosene, que

“mesmo colocados a grande distância já traziam luz a uma terra tão esquecida dos

poderes públicos46.

Recorrente também era o fato de que os discursos veiculados em uma

imprensa engajada em denunciar e defender a causa caxiense, tinham seus

enunciados imbricados à idéia de que a letargia por que passava a cidade só seria

rompida com novas práticas que trouxessem o progresso àquela região, pois este

era “semelhante às águas salgadas, que mais aumentam a sede de quem as bebe

[...]”47. Estes discursos deram sentido à formação de outros dizeres, que

possibilitaram novas subjetivações do “ser” caxiense. Isto é o que denota as

construções discursivas que “colaram” Caxias à imagem de uma cidade industrial,

principalmente a partir dos anos 80 do século XIX, com a implantação de indústrias

têxteis em seu solo. É sobre tais construções discursivas que nos debruçamos a

seguir.

45
Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1876. São Luís: Typ. do País, 1876.
46
Jornal Diário do Maranhão, 13 ago., 1878, p. 02.
47
Idem, 24 abr., 1875, p. 01.
38

1.2 A euforia fabrilista e as ações modernizadoras

Os tempos que correm exigem, do brasileiro em geral, e dos


maranhenses em particular, a concentração de todas as forças ativas
da inteligência em assuntos práticos.
Estamos na época dos trabalhos positivos, lançando com
providência louvável os alicerces que devem servir ao edifício que
esta província há de necessariamente levantar a sua futura
grandeza.

O fragmento de texto acima transcrito48 foi produzido na década de 70 do

século XIX pelo maranhense Francisco Dias Carneiro, advogado, poeta, latifundiário,

representante da Província do Maranhão na antiga câmara dos deputados do

Império, que adotara Caxias como sua cidade. Nessa fala, estão implícitas as

sensibilidades de um período e de uma geração que se conscientizava da urgente

necessidade de “levantar-se contra aquela cega potência dos fatos, contra a tirania

do efetivo”49.

Era necessário romper com o estado de letargia que o exaurido trabalho

escravo havia decantado ao Maranhão. Este outrora fora o alicerce de um período

de opulência, mas que agora conseguia arregimentar tanto o coro dos favoráveis e

arraigados na tradição como o coro dos destoantes, que viam na escravidão “o fulcro

de onde emanavam todos os males vivenciados pela província”50. Para os indivíduos

desse período, já se tornava patente que o Maranhão, dentro da ótica do “drama do

progresso”, oscilava entre duas posições, isto é, “uma resistência passiva em termos

de suas antigas tradições” ou a “compreensão e manipulação do progresso por eles

mesmos”51.

48
CARNEIRO apud JACOBINA, A. P. Dias Carneiro: o Conservador. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p. 71.
49
NIETZSCHE, F. Op. cit., 2000, p. 285.
50
ABRANCHES apud ALMEIDA, A. W. B. de. Op. cit., 1982, p. 183.
51
HOBSBAWM, E. A Era do Capital: 1848 – 1875.Rio de Janeiro: Paz e Terra,1988, p. 24.
39

Esse discurso também retrata o ambiente intelectual que grassava no

Brasil nos anos 70 do século XIX, onde as idéias circulantes lastreavam seus

argumentos em doutrinas típicas do materialismo científico tão em voga na Europa e

difundidos no Brasil a partir dos grandes centros, como o Rio de Janeiro. Sevcenko52

afirma que

os intelectuais brasileiros voltaram-se para o fluxo cultural europeu


como a verdadeira, única e definitiva tábua de salvação, capaz de
selar de uma vez a sorte de um passado obscuro e vazio de
possibilidades, e de abrir um mundo novo, liberal, democrático,
progressista, abundante e de perspectivas ilimitadas, com ele se
prometia.

Nos discursos da geração modernista de 1870 havia uma veemente

condenação da sociedade fossilizada na tradição, típica do Período Imperial, e uma

pregação acirrada das grandes reformas necessárias a um Brasil moderno:

Abolição, República e Democracia.

No Maranhão, apesar de predominar o conservadorismo político, já se

fazia há muito tempo presente a “propaganda da cultura racional”, gerada de

debates tanto no meio intelectual como governamental, E que discorriam desde

novos métodos de plantio como que expunha o “Manual do Plantador de Algodão”

do americano Turner, até a formação de um movimento favorável à criação de uma

fábrica de tecidos no Maranhão, ocorrido em 187353.

Dias Carneiro, um egresso estudante de Direito da Escola do Recife, em

uma reflexão sobre os desafios do seu tempo, afirmara que a vivência social daquele

momento concentrava-se “na elaboração difícil de uma reforma nos princípios, nos

52
SEVCENKO, N. Literatura como Missão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 96-97.
53
CALDEIRA, J. de R. C. Op. cit., 1988, p. 62.
40

meios e no fim do trabalho”54. Esta visão explica a necessidade de o Maranhão, em

especial Caxias, romper com o desmedido gosto pelo processo fundado em

alicerces econômicos e culturais tradicionais que sustentaram com vigor a riqueza

construída pelo labor dos antepassados, mas que, naquele momento, eram

suscetíveis de mudanças radicais. Para a geração que Dias Carneiro representava

empreender estas “reformas” era uma missão nobre “e, qual um apostolado das

grandes reformas, ele daria tudo de si”55

É nesta ambiência de idéias reformistas que os debates afloram e a

constituição de fábricas de fiação e tecidos emerge como uma das possíveis

alternativas de solução para a forte crise financeira pelo qual passava o Maranhão.

Estas fábricas também teriam um nobre papel de “abrir à classe proletária as portas

do trabalho e de uma educação nova [...]”56

Essas sensibilidades embasaram os discursos que se constituíram em

Caxias nos “sombrios” anos 70, como também foram o fermento das práticas fabris

que resultavam na montagem de indústrias têxteis na cidade a partir dos anos 80 do

século XIX, pois, para setores da elite letrada caxiense, era notório os exemplos que

vinham da América do Norte, através da Guerra de Secessão, que acabava de expor

o problema da substituição do trabalho escravo pelo livre.

Por conseguinte, é nesse universo de inebriantes novos tempos que em

Caxias se dará a formação de várias empresas, cujo capital será subscrito através

das sociedades anônimas57. Isto primeiramente se dará através da montagem da

Companhia “Prosperidade Caxiense”, tendo à frente do empreendimento o

54
CARNEIRO apud JACOBINA, A. P. Op. cit.,1938, p. 81.
55
CARNEIRO apud JACOBINA, A. P., idem, ibid.
56
CORREIA, M. da G. G. Op. cit.,1998, p. 131-132.
57
A autorização legal para a formação de sociedades anônimas foi uma das medidas liberais ocorridas no final do Império
brasileiro. Cf. CARVALHO, J. M. de. Os Bestializados. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 43.
41

intelectual e agricultor Dias Carneiro, cujo objetivo inicial seria a construção de uma

ponte ligando a cidade à Vila da Trezidela, situada à margem esquerda do rio

Itapecuru, fronteira ao Porto Grande da cidade de Caxias, cuja travessia era feita,

até aquele momento, por meio de balsas e canoas, sistemas por demais

atrasados58.

Foto 1: Ponte ligando Caxias ao distrito da Trezidela e Porto da Cidade. Fonte: Gaudêncio Cunha.

A ponte possuía as dimensões de 200 metros de comprimento por 4 de

largura, construída em aroeira, um vegetal existente na região e propício a uma boa

durabilidade. A construção desse empreendimento e a respectiva exploração pela

Companhia Prosperidade Caxiense foram celebradas através de um contrato com a

Província do Maranhão, em 23 de outubro de 188059. Desta feita, Caxias inaugurava

um novo tempo em que as iniciativas passariam a ser comemoradas com grande

entusiasmo por seus ilustres habitantes e divulgadas euforicamente pela imprensa:

Em Caxias preparam-se festejos para a inauguração em 7 de


setembro próximo, da ponte que se está construindo sobre o rio
Itapecuru e que deve ligar aquela cidade ao 3º distrito.
Entre outras coisas projeta-se um baile em casa do Sr. Coronel
Segisnando Aurélio de Moura.
— Ah! nós lá!60

58
JACOBINA, A. P. Op. cit.,1938, p. 86.
59
Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1884. São Luís: Typ. do País, 1884.
60
Jornal Pacotilha. São Luís – MA, 28 ago., 1884, p. 03.
42

Esta iniciativa transformou a visão de espaço urbano em Caxias,

passando a ser não visto somente em sua dimensão física, mas como um “cenário

múltiplo da cidade que toma conta dos seus habitantes na construção do seu

cotidiano, na sua necessidade de (re) inventar práticas”61. Essa nova mentalidade

prosseguirá revestindo os discursos e as iniciativas que fomentaram a idéia de uma

Caxias fabril. Neste sentido, um cronista da imprensa local assim se manifestou:

Depois de muitos anos de trabalho ingrato e material de sermos


fornecedores desta matéria-prima [o algodão], para as manufaturas
da Europa, despertamos finalmente ao estímulo de prepará-lo para o
nosso consumo sem intervenção de um grau superior de
conhecimento industrial, para que temos indubitável capacidade
[...]”62

Esta fala representa a percepção de novos tempos baseados em uma

eufórica possibilidade de desenvolvimento material revestido de um imaginário

progressista que embaçava a visão dos sujeitos históricos daquele período, que não

atentavam para as possíveis dificuldades que poderiam advir da falta de experiência

no manuseio de equipamentos têxteis e de uma mão-de-obra local enraizada em

práticas agrícolas e escravistas. A visão de sujeitos desejantes era o fermento de

novas práticas que se vislumbrava no universo caxiense, onde o capital acumulado

através de uma produção agrícola, principalmente algodoeira, outrora utilizado na

compra de escravos e alicerçado no fornecimento de matérias-primas para os

grandes centros europeus, agora seria redirecionado a novos empreendimentos que

imbricariam a cidade ao fabrilismo têxtil. Os cronistas falam muito mais das

propostas sobre como deveriam ser os “novos” comportamentos atrelados às

práticas fabris do que das práticas reais vivenciadas no cotidiano. Seus lugares de

61
REZENDE, A. P. (Des) Encantos Modernos. Recife: FUNDARPE, 1997, p. 14.
62
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 10 ago., 1889, p. 01.
43

sujeito “falam de possibilidades que nascem do desejo de mudança, de recriar o

social, de interferir no fazer cotidiano”63.

Em Caixas, a década de 80 do século XIX será considerada como um

período de ressurgimento da cidade. Nesses anos, ocorrerá a montagem de fábricas

têxteis, assim como o trabalho escravo perderá importância no contexto

socioeconômico. Mas essa nova vivência citadina contradiz a escrita de muitos

historiadores maranhenses, que apresentam esse período como de aceleração do

processo de decadência da província. Meireles64 assim descreve o cenário sombrio

pelo qual passava o Maranhão:

[...] Foram-se por terra, praticamente, e de um golpe, todas as


nossas lavouras de algodão, arroz e cana-de-açúcar; com elas
nossas indústrias açucareiras e nosso comércio exportador, tudo
levado no arrastão do impacto da libertação em massa do
trabalhador servil [...]. Então, o pouco que se pôde salvar do
desastre, vendendo-se as propriedades agrícolas por 10 por cento
de seu valor, foi aplicado na loucura industrial, que se apoderou de
nossos homens de negócio, na ânsia de se agarrarem à primeira
tábua de salvação que se lhes apresentar.

Nessa perspectiva de análise histórica, a instalação de indústrias têxteis

no Maranhão, na passagem do século XIX para o século XX, é vista como uma

“loucura” ou “miragem” industrial. Para essa perspectiva, os homens de negócio

daquela época, na ânsia de salvar suas finanças, haviam penetrado no mundo do

ilusório e perdido a noção de que toda a riqueza que o Maranhão havia conquistado,

em um passado recente, estava atrelada à agricultura. Nesse caso, Caxias, o

“grande empório do sertão”, imersa no sombrio cenário maranhense, “enquistou-se

em seu progresso”65.

63
SEVCENKO, N. Op. cit., 2003, p. 93.
64
MEIRELES, M. M. História do Maranhão. São Paulo: Sciliano, 2001, p. 307-308, grifo nosso.
65
MEIRELES, M. M. Op. cit., 2001, p. 305.
44

Todavia, a montagem da trama historiográfica nem sempre se articula

com as práticas dos sujeitos sociais que vivenciaram um determinado período, nem

tampouco com os significados que os mesmos dão às novas sociabilidades que se

evidenciam66. Caxias é um desses espaços que contradiz uma escrita quase

hegemônica sobre o Maranhão daquele período. Pois, enquanto para historiadores

como Meireles, a implantação de indústrias têxteis, naquele período, representou

uma loucura ou miragem industrial, para os caxienses foi a redenção e o advento de

novos tempos.

“Caxias: A Manchester Maranhense”. Foi dessa forma que um articulista

do jornal Commercio de Caxias nomeou o momento histórico que aquela cidade

estava vivenciando no final do século XIX. No discurso ufanista desse articulista,

Caxias reflorescia. Não como outrora, embasada em estruturas econômicas

tradicionais, mas, assim como a Manchester inglesa, nos novos ventos do

progresso.

Essa analogia desperta um renascer da cena urbana e a percepção de

que, ao penetrarmos nas significações de um determinado período histórico

marcado pelo ineditismo, enveredamos pelos labirintos das dificuldades de

nomeação que o momento suscitou aos sujeitos sociais nele envolvidos67.

Nesse novo cenário, os jornais caxienses do final do século XIX estavam

impregnados das novas sensibilidades pelas quais passava a cidade com o advento

do maquinário industrial. Neles, os novos tempos sepultariam os detritos

remanescentes da decadência. Um articulista assim descreveu o momento

vivenciado:

66
Cf. CERTEAU, M. A economia escriturística. In: A Invenção do Cotidiano. Petrópolis - RJ: Vozes, 1994.
67
Cf. BRESCIANNI, M. S. História e Historiografia das Cidades: um percurso. In: FREITAS, M. C. de. (org.) Historiografia
Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 1988, p. 237.
45

Há cerca de quinze anos, há bem pouco tempo, portanto, quando se


falava da velha cidade de Caxias, todo mundo se condoía do seu
estado e ninguém havia que não lhe descortinasse um futuro, mas
um futuro negro e cheio de nuvens densas e assustadoras.
[...] A paralisação, a inércia, a miséria lhe esterilizavam o cérebro de
poeta, o braço vigoroso de bravo.
[...] Quem lhe podia augurar uma restauração ao progresso —
palavra que já lhe era sem significado? [...].
A ampulheta dos tempos marcou uma nova era.
Caxias despertava de sua pesada modorra, para nunca mais dormir.
O sono dissipou-se [...].
Foi Dias Carneiro o raio intenso do sol do progresso que infundiu ali
a vida industrial, o principal elemento do progresso material, que
vertiginosamente se tem implantado em tão fecundo solo.68

Caxias, assim como o Brasil, estava sendo arrastada pela onda

modernizadora que tomara conta mormente das grandes cidades do mundo, com o

avanço do capitalismo. Percebe-se que a constatação de se estar vivenciando um

novo tempo, baseado no reino do progresso e da civilidade, encanta a todos, desde

a esplendorosa Paris e Londres, o Rio de Janeiro, a emergente São Paulo e — por

que não?! — a interiorana Caxias, extasiada pelo maquinário industrial. Enfim, como

afirma Bauman69, a modernidade é extremamente ambivalente, pois ao mesmo

tempo em que procura instituir uma ordem, proporciona a emergência do acaso e da

contingência.

Nesse afã de progresso, o mundo “belle époque”70 penetrara no universo

caxiense com a implantação das indústrias têxteis. Esse advento gerava a

constatação de que Caxias havia rompido com um passado socioeconômico

decadente e de que havia penetrado no mundo do progresso e da civilidade.

Numa análise referente ao simbolismo que este universo mental

proporcionava, Weber afirma que, no início do Século XX, tornou-se moda chamar

68
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 15 ago., 1891, p. 03.
69
BAUMAN, Z. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 09-10.
70
Para Daou, a “bela época” é expressão da euforia e do triunfo da sociedade burguesa no momento em que se notabilizaram
as conquistas materiais e tecnológicas, ampliaram-se as redes de comercialização e foram incorporadas à dinâmica da
economia internacional vastas áreas do globo antes isoladas. Cf. DAOU, A. M. A Belle Époque Amazônica. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000, p. 07.
46

os anos precedentes de Belle Époque; uma nomeação que girava em torno de um

olhar retrospectivo, principalmente após a primeira grande guerra. Entretanto, afirma

que “as décadas de 1880 e 1890 testemunharam novidades de importância

fundamental para o futuro: novos modos de aquecimento, iluminação e transporte;

melhor acesso à água e ao lazer, ao exercício, à informação e aos lugares distantes.

[...] tudo conquistas do fim de século” 71.

Nessa época novidadeira, a França constitui-se o modelo de

modernidade, encantando e influenciando a todos com seus modos e moda; e

destarte, o Brasil foi um desses ambientes que transplantaram o “modelo francês”72

numa versão de belle époque tropical, onde as cidades constituíram-se um locus

privilegiado de experimentos modernizantes. Cidades como o Rio de Janeiro, capital

cultural e centro das decisões políticas do Brasil, na passagem do século XIX para o

século XX, passaram por grandes transformações em seu espaço urbano

identificados à vivência parisiense e a consagração do progresso como o objetivo

coletivo fundamental.

Entretanto, Weber73 lembra-nos que o desfrutar desse “novo” estilo de

vida não foi acessível a todos, pois “a maioria dos que contemplaram essas

maravilhas ou liam a seu respeito não desfrutava seu uso, ou só veio a fazê-lo bem

mais tarde”. Mas isto é o que constituiu o turbilhão da modernidade que, ao não se

materializar como um período histórico em realidades sociais tidas como atrasadas,

gerou, indubitavelmente, sujeitos desejantes. Neste sentido, Berman lembra-nos que

71
WEBER, E. França Fin-de-Siècle. São Paulo: Companhia das Letras: 1988, p. 10 – 13.
72
O “modelo francês” de modernidade sempre esteve presente no Brasil ao longo do século XIX até as vésperas da 2ª Guerra
Mundial. Cf. RIBEIRO, L. Q. Transferências, Empréstimos e Traduções na Formação do Urbanismo no Brasil. In: RIBEIRO,
L. Q. ; PECHMAN, R. (orgs.). Cidade, Povo e Nação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
73
WEBER, E. Op. cit.,1988, p.13.
47

o processo de modernização nestes espaços sociais assumiu um caráter fantástico,

nutrindo-se “não da realidade social, mas de fantasias, miragens e sonhos”74.

Na eufórica Caxias “progressista” desse período, as construções

imagéticas exacerbavam uma cidade pioneira, que ultrapassava até mesmo a capital

da Província, São Luís:

Caxias apesar de pobre, de pequena e de lutar somente com suas


próprias e minguadas forças, estava sempre na vanguarda do
progresso da província, e, sempre independente nas suas
resoluções e tenaz nos desejos [...]. Foi ela que primeiro montou
uma fábrica de fiação e tecidos, que tomou já dianteira na criação de
sociedades agrícolas e industriais, e será ela, finalmente, o ponto de
partida da primeira estrada de ferro que tem de possuir esta
província75.

O reflorescimento de Caxias gera imagens coloridas e “nos discursos dos

sujeitos históricos a idéia de modernidade é marcante, estando a mesma associada

à capacidade crescente do homem de emancipar-se do obscurantismo, do

preconceito e de construir o reino da liberdade”76. Contudo, observamos que a

implantação de indústrias têxteis em Caxias insere-se em um contexto mais amplo

observado por Caldeira77:

Nos últimos decênios do século XIX, o parque fabril brasileiro


cresceu com razoável diversificação dos ramos de suas indústrias,
como até então não ocorrera em toda a sua história anterior.
Contudo aquele crescimento se verifica de modo a não reduzir a
importância da agro-exportação. [...] Resultara sobretudo da iniciativa
de fazendeiros e comerciantes importadores-exportadores [...] e
constituíra processo de implantação de fábricas importadas,
utilizadoras de tecnologias relativamente simples e em sua maioria
destinadas a transformar matérias-primas nacionais .

74
BERMAN, M. Op. cit.,1986, p. 224.
75
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 29 jun., 1891, p. 01.
76
REZENDE, A. P. Op. cit., 1997, p. 18.
77
CALDEIRA, J. de R. C. Op. cit., 1988, p. 01-03.
48

Este argumento de Caldeira explica a constatação de que o século XIX

representou um período no qual o mundo tornou-se capitalista e uma minoria

significativa de países desenvolvidos transformaram-se em economias industriais,

centralizadas pelo poder europeu e norte-americano, com o mundo a seus pés. Isto

é o que Hobsbawn78 classifica como o “drama do progresso”, devido ao qual as

posições de comando tornavam-se visíveis e países como o Brasil, na hierarquia do

progresso, ocupavam uma posição secundária.

Em Caxias, no ano de 1883 se dá a formação de uma sociedade

anônima79 que dará sustentáculo jurídico à primeira indústria têxtil da cidade, que se

denominará Companhia Industrial Caxiense. Para a montagem desta fábrica, foi

incorporado inicialmente um capital de 111 contos de réis oriundos de recursos

particulares pertencentes a fazendeiros e comerciantes de Caxias, pois a capital da

província, São Luís, não se dispôs a participar do empreendimento. Este aspecto foi

relatado pelos cronistas da época de modo que a ênfase noticiada foi a do desdém

recebido pelas autoridades da capital.

Destacavam que a cidade:

Achou-se pobre e estremeceu-se assustada vendo seus habitantes


emigrar em grande número para outras províncias. [...] sentiu por
tanto que sem outra indústria além da mirrada agricultura que
possuía, nada mais devia esperar do comércio. [...] Pensou então
que só poderia salvar-se tornando-se industrial, e, para começar
resolveu fundar uma fábrica de tecidos. [...]
A capital da província quando soube disto sorriu e piscou um olho
(sic).
Caxias, porém, fingiu que não soube da pilhéria e foi andando para
diante com toda a gravidade de um pensador.
Remexeu nas suas arcas vazias onde encontrou ainda algumas
migalhas. Reuniu-os e fez encomenda para os Estados Unidos das
máquinas e aparelhos necessários ao fim que tinha em vista.

78
Cf. HOBSBAWM, E. Op. cit.,1988.
79
A Companhia Industrial Caxiense foi fundada em 1º de agosto de 1883 e era composta, em sua diretoria, pelos caxienses
Francisco Dias Carneiro, Segisnando Aurélio de Moura, Antônio Bernardo Pinto Sobrinho, todos estes fazendeiros; José
Ferreira Guimarães, Manoel das Chagas Pedreira de Brito, Custódio Alves dos Santos, estes, por sua vez, comerciantes. Cf.
CALDEIRA, J. de R. C. Op. cit., 1988, p. 74.
49

A capital quando viu passar a encomenda, encolheu os ombros


(sic)80.

Durante o período de 1884 a 1886, a fábrica foi sendo estruturada com

muitas dificuldades, devido ao pouco capital subscrito. Decorrente disso, a diretoria

tomou algumas providências, como, por exemplo, em vez da compra de um terreno

para a construção da fábrica, preferiram o aluguel de uma área de propriedade da

Igreja Católica, situado a 5 km de distância da cidade; decidiram também não

produzir, nos primeiros anos de atividade, tecidos riscados, mas somente

domésticos, que prescindiam de tintura; realizaram ainda o envio do engenheiro

Mapes Júnior, ainda em 1884, à Inglaterra e Estados Unidos para tomar

conhecimento do maquinário dos dois países, cuja preferência recaiu sobre a firma

norte-americana Herbet Brothers & Company, de Nova Iorque81.

Num aprendizado permeado por dificuldades, a fábrica iniciou seu

funcionamento com 50 teares, 1.500 fusos e uma mão-de-obra composta de 68

operários, selecionados e treinados em Caxias pelo mestre William Card82.

Foto 2: Industrial Caxiense (primeira indústria têxtil de Caxias). Fonte: Gaudêncio Cunha.

80
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 1º jan. 1888, p. 01-02.
81
CALDEIRA, J. de R. C. Op. cit., 1988, p. 79.
82
Id., Ibid., p. 81.
50

Nos dizeres que saudavam a inauguração oficial da fábrica na passagem

de 1887 a 1888, a tônica dos discursos refugiou-se em torno do enaltecimento da

iniciativa particular que colocava Caxias na dianteira do progresso e na não

dependência dos chamados “homens do governo”, que tutelavam os

empreendimentos ao comando do governo provincial. Neste sentido, assim se

expressaram:

As festas industriais são acontecimentos tão importantes para a vida


laboriosa do povo, que sejam quais forem as condições em que elas
se realizem, não deixam de produzir efeitos benéficos. [...]
A festa de inauguração da Industrial Caxiense deixou uma impressão
viva de uma cidade, de que já se tem falando e escrito, mas que
certamente tem passado despercebida, sem deixar um juízo
definitivo. A audácia da iniciativa particular que levantou no centro da
Província uma empresa nova e desconhecida a nosso regime
industrial [...]
Iniciativa particular e organização do trabalho livre – eis as duas
máximas questões da atualidade, o nó de que depende nossa
estabilidade social83.

Decorrente desta nova mentalidade, o fim de século em Caxias foi

circundado de inúmeras iniciativas empreendedoras. Foram criadas mais três

fábricas de tecidos, uma Companhia Industrial Agrícola e uma de bondes, uma

Companhia para Navegação do Alto Itapecuru, a Usina Agrícola Caxiense,

companhia para exploração de linha telegráfica e de telefone, e uma Companhia das

Águas84. A cidade conectava-se aos tempos modernos através de um processo de

modernização que alterava significativamente a visão de espaço urbano85 em

Caxias. Contudo, atentando-se para o que afirma Queiroz86, o processo de

transformação por que passou o universo da pequena cidade, entre o final do século

XIX e início do século XX, não foi dramático como o das grandes cidades do Brasil e

83
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 14 jan. 1888, p. 01.
84
Cf. Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 09 set., 1893, p. 01.
85
O espaço urbano refere-se a um conjunto fragmentado e articulado da cidade onde podemos perceber os diferentes reflexos
e codicionantes sociais. Cf. CORRÊA, R. L. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1999.
86
Cf. QUEIROZ, T. Op. cit., Teresina:1998.
51

do mundo, especialmente em seus aspectos quantitativos, pois Caxias ainda

possuía feições de uma cidade colonial, contando com uma média de “746 casas

cobertas de telha e grande número de palha nos seus arredores, bem como 41 ruas,

12 becos e 8 largos, não incluindo o 3º distrito (Trezidela), com suas 3 ruas e 1

largo”87.

Todavia, a realidade de caxias não era muito diferente da de outras

cidades do Nordeste, como é o exemplo de Teresina, que, apesar de ter sido

construída com a finalidade de ser a capital da Província do Piauí, ainda era:

ralamente habitada, as ruas estreitas, a sujeira e a presença de


animais eram comuns; a maioria da população ocupava construções
“acanhadas” e “miseráveis”. As residências nobres e os prédios
oficiais, opulentos e sólidos, davam dimensão do contraste com as
casas dos moradores88.

Outro exemplo clássico era o de São Luís, capital do Maranhão, onde

ainda não existia nenhum planejamento efetivo em relação à


utilização do espaço urbano. Os grupos dominantes ocupavam a
área central da cidade, que não por acaso era a mesma desde o
período de fundação de São Luís pelos franceses, ou seja, o espaço
correspondente à área da igreja do Desterro, os trechos da Avenida
Pedro II e praça Benedito Leite, prosseguindo em direção à atual
Rua Grande até o inicio da Avenida Presidente Vargas. Essa era a
região mais valorizada em São Luís no início do século XX, tanto
para a habitação, quanto para o comércio.89

Contudo, estes aspectos não coibiram as pretensões modernizadoras da

elite política e intelectual destas cidades, naquele período. Nascimento90 afirma que

o discurso de modernização marcou o cotidiano citadino, construído em torno da

87
Documentação do Estado do Maranhão. In: Jornal O Estado do Maranhão. São Luís – MA, 1896, p. 113 – 120.
88
NASCIMENTO, F. A. do. A Cidade sob o Fogo: modernização e violência policial em Teresina (1937 – 1945). Teresina:
Fundação Monsenhor Chaves, 2002, p. 120.
89
BARROS, V. Imagens do Moderno em São Luís. São Luís – MA:[s.n.], 2001, p. 29 – 30.
90
NASCIMENTO, F. A. Op. cit., 2002, p. 122.
52

idéia de progresso. A paisagem de Caxias modificara-se com uma arquitetura

suntuosa, principalmente retratada pela segunda fábrica de tecidos, a União

Caxiense.

Foto 3: União Caxiense (Segunda indústria têxtil de Caxias). Fonte: Gaudêncio Cunha.

Este vasto edifício mede 52 metros de frente, 68 do lado direito e 40


do lado esquerdo, contando neste recinto espaço folgado para todas
as máquinas que devem mover e alimentar 240 teares.
Está colocado na grande avenida que parte da barra do Ponte para a
cidade, com lugar alto, arejado, bastante enxuto, reunindo todas as
condições de salubridade. Tem pela frente o mesmo riacho e pelo
fundo o rio Itapecuru, apresentando uma fachada elegante que
satisfaz o gosto das edificações modernas.
O edifício é construído de tijolos, apoiado sobre colunas e
travejamento de ferro, com toda segurança contra fogo, para não
destruir a qual, fizemos os dois salões do sobrado e o terraço que
termina à frente em abóbadas de tijolos entre tês de ferro, ladrilhado
de mosaico português91 . 92

Na imprensa da época, as crônicas retratavam em minúcias os aspectos

característicos dos novos tempos, como também retratavam a visibilidade que a

cidade estava obtendo em outras regiões. Neste sentido, reproduziam artigos

veiculados na imprensa do Pará, no jornais de Teresina, capital do Piauí, e com

91
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 25 fev., 1893, p. 01.
53

grande entusiasmo notas jornalísticas que circularam na capital da República, o Rio

de Janeiro:

“Caxias na ponta....”, diz a machete do Jornal do Comércio da Capital da

República.

O Jornal do Comércio do Rio, nas várias (sic) refere ter visto um


telegrama dando noticia da inauguração da Companhia das Águas
de Caxias, neste Estado, e a propósito enumera os melhoramentos
realizados na dita cidade por meio de associações em que se acham
empenhados cerca de Rs 2:500:000$000 ali subscritos93.

Os dizeres acerca da cidade delineiam a percepção de que se está

vivenciando uma “nova era”, prenhe de um potencial transformador, ainda não

totalmente visível, mas bastante fecundo e promissor94.

As ações modernizadoras, capitaneadas através das sociedades

anônimas, são percebidas também por meio de petições encaminhadas à

intendência municipal, como as de 04/04/1891, requerendo a prestação dos seguinte

serviços:

- Do Dr. Alarico Alves, propondo-se por si ou por uma empresa que


organizar, a construir um edifício para mercado público desta cidade,
na rua Paysandu, orçado em 37:948,750, mediante 40 anos de gozo
exclusivo [ ... ]
- Do Tenente-Coronel José Castelo Branco da Cruz e Dr. Christino
Cruz, pedindo o gozo exclusivo por 60 anos para si ou para qualquer
empresa que forneça água canalizada do riacho Ponte para esta
cidade [ ... ]
- De Frank Ezell, propondo-se por si ou por uma companhia, fazer a
iluminação pública desta cidade por meio de eletricidade [ ... ]95

93
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 15 jul., 1893, p. 01.
94
Cf. BRESCIANNI, M. S. Metropólis: as faces do monstro urbano (as cidades no século XIX). In: Revista Brasileira de História.
São Paulo, Vol. 05, nº 8/9, set. 1984, p. 36.
95
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 04 abr., 1891, p. 02.
54

Muitas destas petições se materializam, concretizando sonhos e anseios de

dias melhores; outras ficaram somente no âmbito do desejo. Neste sentido, o tão

sonhado mercado público seria um desses melhoramentos que engrandeceria a

cidade, pois o existente não atendia às condições mínimas e dignas de Caxias. Em

1894, em relatório da Intendência à câmara municipal prestando contas da verba de

4:000$000 réis destinado à reforma do mercado, o Intendente objeta que foram

consultadas pessoas competentes e que estas foram de opinião contrária às

adaptações do mercado velho por necessitar de “melhoramentos radicais”. Diante

disso resolveu a Intendência,

Não iniciar obras que poderiam ser de pura perda, e levar o fato ao
conhecimento dos vereadores, a fim de deliberardes se será mais
conveniente e útil empreender a construção de um novo edifício
apropriado ao fim a que se destina, embora seja para isso necessário
contrair um empréstimo 96.

Nesta prestação de contas, a Intendência cita a necessidade de construção

de um novo mercado, mas não presta conta do destino da verba orçamentária para

reforma do mercado velho. Esta postura contribuía para acirrar as disputas políticas

e, principalmente, os debates por meio da imprensa.

Neste âmbito, a iluminação pública era o tema predileto de críticas à

atuação de fiscalização da Intendência municipal:

O sr. Intendente municipal não liga nenhuma importância ao péssimo


serviço da iluminação pública que temos; mas nem por isso
deixaremos de bradar e bradar sempre enquanto as cláusulas do
contrato não forem fielmente cumpridas. Pois então é assim que se
deixa levar o dinheiro dos cofres municipais, arrancados do povo
numa época em que a vida cada vez mais encarece?97

96
Relatório da Intendência Municipal de Caxias. In: Jornal Gazeta Caxiense. Caxias – MA, 20 fev., 1894, p. 02 – 03.
97
Jornal Pacotilha. São Luís – MA, 26 jun., 1896, p. 02.
55

O cronista tem a sua fala respaldada na verba de 4:000$000 réis destinada

ao serviço de iluminação pública. E prosegue a sua fala em tom de ameaça à

Intendência: “Vamos mandar verificar ao certo, já que o sr. Intendente com isso não

se importa, qual o número dos combustores que atualmente não funcionam, que nos

parece não ser mais de dois terços dos 135 do contrato, e brevemente o faremos

conhecido dos nossos leitores”98.

A imprensa apresenta-se como um espaço de denúncia, pois Caxias que

sonhava com a iluminação elétrica, estava a mercê de um tradicional sistema de

iluminação a lampião; e mais grave ainda: de um sistema falho devido as relações

pouco esclarecedoras entre o poder público e a iniciativa privada, exploradora da

concessão.

O descaso da Intendência para com a iluminação pública tornou-se motivo

de chacota e de inspiração para composições anônimas sobre o assunto:

Devido as trevas da noite,


anda a gente aos trambulhões,
por ter o nosso Intendente
suprimido os lampiões

[ ... ]

Atravessa o pobre povo


a quadra mais infeliz,
de dia passa com fome,
de noite quebra o nariz99.

Outro empreendimento que gerou expectativas, mas que ao final do

século XIX não passava de um sonho, foi a linha de bonde que ligaria a cidade,

através do riacho Ponte, à zona industrial da têxtil manufatora caxiense. Em 1896, a

98
Id., ibid.
99
Jornal Cidade de Caxias. Caxia – MA, 14 jan., 1899, p. 02 – 03.
56

Companhia Prosperidade Caxiense, idealizadora do projeto, em relatório da diretoria

aos seus associados, pronunciava-se sobre o assunto:

– Linha Ferro Carris

Por maior que seja a nossa boa vontade no sentido de levarmos a


efeito este melhoramento, tão reclamado pela população, e
especialmente pelos industriais empregados nas fábricas
estabelecidas nas proximidades do riacho Ponte, ainda continuamos
privados dele pela permanência das causas apontadas nas nossas
exposições anteriores100.

Neste período, as sociedades anônimas caxienses, em especial as

indústrias têxteis, já enfrentavam intempéries decorrentes das oscilações do câmbio

brasileiro, gerando um descompasso entre os lucros obtidos e as dívidas contraídas,

principalmente em moeda estrangeira. Sobre este assunto Carvalho101 afirma que

“em 1892 já era necessário o dobro de mil réis para comprar uma libra esterlina; em

1897, o triplo. Por cima, o governo aumentou os impostos de importação e passou a

cobrá-los em ouro [ ... ]”. Tudo decorrente da política do Encilhamento.

Mas Caxias não ficou somente na espera dos “melhoramentos

desejantes”. O seu solo viu despontar também empreendimentos que se

materializaram. Desta feita, a cidade que já contava há muitos anos com um sistema

de correio, que só perdia em movimentação para a capital São Luís, passou a partir

dos anos 80 a contar com uma estação telegráfica. Em fevereiro de 1884, o jornal

Pacotilha noticiava que já havia sido concluída a estrada da linha telegráfica com

650 postes de ferro, ligando Caxias a Teresina102. Em 1894, é sancionado o projeto

de lei que estendia a linha telegráfica pelo interior maranhense103. Neste mesmo

100
Relatório da Diretoria da Companhia Prosperidade Caxiense. In: Jornal Gazeta Caxiense. Caxias – MA, 11 fev., 1896, p. 02.
101
Cf. CARVALHO, J. M. de. Op. cit., 1987, p. 20.
102
Jornal Pacotilha. São Luís – MA, 27 fev., 1884, p. 03.
103
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 08 dez., 1894, p. 01.
57

ano, o encarregado da estação telegráfica anuncia a população caxiense a franca

expansão de telegramas comerciais por códigos104.

Esta ação modernizadora envolta em um contexto empreendedor,

alimentava ainda mais o “imaginário progressista” dos setores privilegiados de

Caxias, gerando uma crescente vontade de atualização em vista das crescentes

novidades tecnológicas que o período oferecia. Mas este ato de atualização e de

provar novas maquinarias nem sempre era recebido com o mesmo entusiasmo que

magnetizava alguns e que impulsionava os empreendedores. Isto era percebido nos

discursos veiculados na imprensa que conclamavam os caxienses a prestigiarem a

empresa que trouxera o telefone para a cidade no ano de 1892, no sentido de

aquisição de linhas telefônicas.

São decorridos quase dois anos, depois desse acontecimento


importante, que bem tem mostrado sua utilidade indiscutível, e hoje
que Caxias é visitada pelo “fonógrafo”, irmão do “telefone” para
mostrar mais uma maravilha da eletricidade, confrange-nos o
coração termos sabido que a empresa telefônica foi obrigada a
suspender o serviço desta cidade ao povoado do Ponte por falta
absoluta de serviço e prejuízos; e o que mais é só contar com o
pequeno número de 7 assinaturas, apesar do baratíssimo preço da
mensalidade e módica do assentamento105.

O cronista tem a sua fala permeada pelo embevecimento das maravilhas

tecnológicas e, ao mesmo tempo, pela tristeza decorrente da pouca receptividade a

este melhoramento tão importante para a cidade, como era o telefone. Para

persuadir os consumidores, procura amenizar as dificuldades de funcionamento do

serviço telefônico, afirmando que se “algumas vezes as comunicações da cidade

para uma das fábricas do povoado ‘Ponte’, distante três quilômetros, teve

104
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias – MA, 25 mai., 1894, p. 02.
105
Jornal Comércio de Caxias. Caxias - MA. 10 fev. 1894, p. 03.
58

interrupções; isso é devido a tal distância e a maldade dos vadios que

constantemente danificam a linha [...]”106.

Reclama também do poder público que teve a possibilidade de adquirir

“aparelhos por menos de 25% que os particulares [...]”, porém “nem um só aparelho

existia colocado para o serviço público”107.

Para o cronista, a percepção de que Caxias deveria receber de braços

abertos este empreendimento era maior do que a realidade circunscrita a uma

cidade que sobrevivia basicamente das riquezas que circulavam na região; e de uma

população alijada, em quase sua totalidade, da possibilidade de desfrutar das

maravilhas tecnológicas. Na sinfonia do progresso, o sonho de consumo do cronista

ultrapassava as fronteiras de uma urbe pequena, interiorana e historicamente

constituída por um tecido social endemicamente desigual.

Outra iniciativa que logrou êxito foi a de dotar Caxias de um sistema de

água encanada. Tendo à frente do empreendimento os caxienses Tenente-Coronel

José Castelo Branco da Cruz, Dr. Cristino Cruz, Manoel Bayma do Lago e Frederico

José Viana, foi instalada, a 24 de maio de 1891, a Companhia das Águas de Caxias

com capital inicial subscrito em 80.000,000 réis108.

Após a instalação da Companhia, foi contratado o engenheiro Edmundo

Compton, que realizou estudos sobre os mananciais de Caxias, escolhendo para

fornecimento inicial de água o manancial de nome “Chico Coelho”, um dos afluentes

do riacho Ponte. Encomendou também junto a companhias inglesas toda a

tubulação necessária ao serviço, que chegou em Caxias em fins de 1891. Foi

construído também um reservatório atrás da Igreja de Nossa Senhora dos

Remédios, com capacidade para 226 mil litros de água. Os trabalhos de canalização

106
Id., ibid.
107
Id., ibid.
108
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 08 set. 1893, p. 02.
59

e construção do reservatório consumiram 12 meses e tiveram como encarregado

chefe o Sr. William R. Cox109.

O início do fornecimento de água foi comemorado com grande euforia

pela imprensa:

Começou a funcionar ontem [15/06/1893] a primeira torneira pública


desta companhia em casa do Sr. Domingos Rabelo Guimarães, ao
largo dos Remédios
O primeiro indivíduo que comprou água foi Anacleto Pinto. [...].
Já se acham servidas de água as seguintes casas; Rua Conselheiro
Sinval – número de casa já publicado, 14110.

A preocupação do cronista em citar o nome dos cidadãos caxienses que

primeiro desfrutaram dessa nova ambiência social, traz-nos as sensibilidades de

uma época onde os caxienses adentravam em um novo processo civilizatório.

Percorrendo uma trajetória de trabalhos intensivos para que a cidade possuísse um

sistema de fornecimento de água abrangente, Caxias, em fins de junho de 1894, já

contava com água canalizada em 308 casas, inclusive com 42 torneiras destinadas a

venda de água ao público, distribuídas por toda a cidade111.

Este melhoramento, como os demais, trazia a marca do

empreendedorismo da iniciativa privada caxiense, aliada a projetos desenvolvidos

por mão-de-obra especializada e importada, em especial da Europa e dos Estados

Unidos, agregadas à aquisição de equipamentos comprados no exterior; restando ao

cidadão comum da cidade a prática do trabalho braçal necessário à plena efetivação

do empreendimento.

Mas estas iniciativas também eram alicerçadas pelas relações entre

esfera privada e pública, principalmente no tocante à isenção de impostos. Na

109
Balanço da Companhia das Águas. In: Jornal Gazeta Caxiense. Caxias – MA. 27 jul. 1894, nº 146. p. 02-03
110
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 16 jun. 1893, p. 02.
111
Balanço da Companhia das Águas. In: Jornal Gazeta Caxiense. Caxias – MA. 27 jul. 1894, p. 02-03.
60

sessão ordinária da Câmara Municipal de 1º de maio de 1894, presidida pelo

vereador Colaço Veras, temos a votação de várias petições que beneficiam

companhias ou pessoas físicas.

Nesta sessão, a câmara resolve aprovar:

Petição da Companhia Prosperidade Caxiense pedindo redução do


imposto em que foi lançada no orçamento de 1894 e para o futuro
[...]. Outra do Dr. Francisco Dias Carneiro e outros, requerendo o
aforamento perpétuo das terras em que está fundado o
estabelecimento de lavoura Usina Agrícola Caxiense,
compreendendo três quilômetros pelo rio acima a contar da barra do
riacho Ponte [...].
Outra da Companhia das Águas desta cidade, requerendo a
desapropriação do riacho Ponte desde suas nascentes até o lugar
Maria do Rosário, bem como de todos os seus afluentes no 3º distrito
deste município112.

Nestas petições, aprovadas pela Câmara, percebemos os privilégios

concedidos à iniciativa privada caxiense e a incongruência entre os mesmos e os

discursos proferidos pela elite letrada que geralmente se pautava em queixas da não

participação do poder público nas iniciativas modernizadoras, que estariam sendo

empreendidas principalmente pela esfera privada. Os resultados da sessão da

Câmara de maio de 1894 contradiz esta fala e, principalmente, revoga atos

anteriores da própria Câmara que há um ano havia ensejado um debate sobre um

assunto que preocupava aquela Casa e a sociedade como um todo: a necessidade

de preservação dos mananciais. Isto foi discutido na sessão de 14/09/1893, quando

a câmara deliberava sobre a convocação das “diretorias das companhias

organizadas nesta cidade para ouvi-las sobre as providências a tomar, relativamente

à conservação dos mananciais do riacho do Ponte, cujas águas estão sensivelmente

diminuídas”113.

112
Atos Oficiais da Câmara de Caxias. In: Jornal Gazeta Caxiense. Caxias – MA. 22 jun. 1894, p. 02.
113
Jornal Comércio de Caxias. Caxias – MA. 16 set. 1893, p. 01
61

A postura dos vereadores, entregando aos cuidados da Companhia das

Águas os mananciais da cidade, revela as relações fundadas em privilégios entre as

esferas pública e privada. Denotam também que as práticas discursivas da elite em

torno do estigma do “abandono” escondem as estratégias de demarcação de um

espaço de poder conquistado, também, através das lutas de representação.

Chartier114 afirma que estas lutas têm tanta importância quanto as lutas econômicas,

pois trazem compreensão dos “mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta

impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu

domínio”.

Mas o empreendimento mais almejado pelas eufóricas vozes do

progresso caxiense foi sem dúvida a construção de uma estrada de ferro ligando

Caxias a São José das Cajazeiras, na divisa com o Piauí. Neste propósito, há várias

décadas que a propaganda da importância do empreendimento se fazia presente

através da imprensa, por meio de eloqüentes artigos sobre o assunto.

Compreendendo fazendeiros, comerciantes e autoridades municipais, havia também

articulações políticas que pressionavam o governo maranhense à construção dessa

vultosa obra que tanto dignificaria o grande “Empório do Sertão”. Estes afirmavam

que a nova via de comunicação traria enormes vantagens ao Piauí e ao Maranhão,

em especial a Caxias e Teresina. Vislumbravam uma dinamização no comércio do

alto sertão pela facilidade de transporte que esta via oferecia na economia de tempo

e dinheiro, pelo barateamento de preços tanto no transporte de pessoas, como de

mercadorias. Enfim, por onde passasse o “carro do progresso”, isto é, a ferrovia, os

lugares agraciados por esta dádiva subiriam de importância115.

114
CHARTIER, R. Op. cit., 1990. p. 17.
115
Jornal Comércio de Caxias. Caxias – MA. 29 Jun. 1889, p. 01.
62

Nos discursos, a ferrovia consolidava a redenção definitiva de Caxias,

coroando uma cidade que ganhara visibilidade às custas de muito trabalho. Foi

partindo deste pressuposto que os ilustres caxienses se prepararam, com grande

pompa, para a inauguração dos trabalhos de construção da via férrea pela

Companhia de Melhoramentos do Maranhão, no ano de 1891. A imprensa noticiou

com detalhes tamanho acontecimento, desde a chegada ao solo caxiense do

superintendente da Companhia, Dr. Fabio Hostilio de Moraes Rego e do Dr. Álvaro

Ribeiro de Almeida Luz, chefe da comissão de engenheiros:

Efetivamente, no dia 21, às nove e meia da noite, ao avistar a


comissão o vapor, soltou aos ares grande quantidade de foguetes,
que foi correspondido por não menor porção, partida de bordo.
Embarcada a comissão e feitos os cumprimentos do estilo, o relator
dela, capitão Marques, pronunciou uma locução saudando ao digno
superintendente e à comissão de engenheiros, em nome de Caxias,
sendo correspondido pelo superintendente. Queriam todos saber, por
uma plausível curiosidade se a estrada seria uma realidade, quando
começava, de onde principiava [...]116.

A narrativa do cronista prossegue esmiuçando as emoções que o

momento suscitava e a eloqüente festividade preparada:

Quanto prazer! Quanta alegria!


A rampa, vistosamente preparada, estava apinhada de gente de
todas as classes.
No ponto de desembargue achava-se postada uma excelente banda
de música que tocava, a pequenos intervalos, as mais lindas peças
do seu vasto e rico repertório.
Desembarcados o Dr. Fábio e Dr. Luz e os seus dignos
companheiros, acompanharam-nos a banda de música, e o povo, até
as casas que lhes estavam destinadas passando por largos e ruas
embandeiradas e enfeitadas a capricho [...]
Às 5 horas da madrugada do dia 23, no histórico morro do Alecrim, a
tiros de peça e girândolas de foguetes tocou a banda de música uma
alvorada onde se ouviram diferentes e lindas peças, compostas
expressamente pelo maestro Cariman, para comemorar o dia 23 de
junho nesta cidade.

116
Jornal Comércio de Caxias. Caxias – MA. 28 jun. 1891, p. 01.
63

Às 9 horas da manhã, reunidos o superintendente, a comissão de


engenheiros e o povo em massa, no Porto do Bispo, teve lugar a
inauguração dos trabalhos da primeira via férrea deste Estado.
O Dr. Fábio Rego, em nome do Dr. Aarão Reis, Presidente da
Companhia Geral de Melhoramento do Maranhão, ofereceu à
Intendência Municipal um martelo de prata, com que deveria ser
batida a primeira estaca que marcava o ponto de partida da estrada a
inaugurar-se117.

Na fala do cronista, temos as representações de um momento carregado

de múltiplos significados, em que Caxias unia um passado de lutas pela causa do

progresso a um presente onde se iniciava a materialização de um sonho chamado

via férrea, almejado há décadas; enfim, um futuro que se apresentava promissor,

fomentando ainda mais o imaginário progressista da elite caxiense. Assim, a cidade

acordara no dia 23 de junho de 1891 envolta em uma eufórica alegria, onde

foguetes, músicas e bandeiras seriam a expressão de um êxtase coletivo.

Há também na fala do cronista a percepção de que o momento

congregava a todos, sem distinção de classe social; como se os ventos do progresso

homogeneizasse a todos e os cobrisse com suas benesses, indistintamente. O clima

de excitação trazia uma sensação de igualdade, ainda que no dia seguinte tudo

voltasse a sua normalidade. Enfim, o dia 23 entraria para a historia e de “hora em

hora um tiro de peça e imensidade de foguetes anunciavam a íntima e sincera

satisfação de que achava possuída a velha princesa do sertão”118.Também o vizinho

Estado do Piauí fez-se presente através do capitão Leôncio Machado, representante

do jornal Democrata.

Portanto, a exacerbada comemoração deste dia trazia a marca

emblemática de que os eufóricos caxienses haviam adentrado definitivamente em

117
Id., ibid.
118
Id., ibid.
64

um novo tempo, cujo ritmo se acelerava mais e mais e onde o tempo presente era

vivido a partir de um futuro imediato. Para os sujeitos deste período, o advento da

ferrovia engrandeceria mais ainda a nova paisagem da cidade, já emoldurada pelas

fábricas têxteis e por um devir fremente de possibilidades. Desta feita, os símbolos

modernos geravam um entusiasmo cego e acrítico119 aos habitantes de uma cidade

que já se representava maior do que a sua própria existência.

Esse momento apoteótico ficaria impresso na memória dos habitantes de

Caxias, alimentando a virtualidade de novas práticas ainda mais promissoras, como

uma futura extensão da via férrea ligando Caxias a São Luís; e outra rede ferroviária

que conectaria os caxienses a São Miguel do Araguaia, em Goiás.120

Toda esta percepção de um futuro promissor e “realizável”, na visão da

eufórica elite caxiense, sepultaria toda uma herança cultural de dependência dos

caxienses a uma rede de comunicação quase que exclusivamente dependente do

rio Itapecuru, que já se apresentava com um leito menor e inavegável em muitos

trechos.

Foto 4: Navegação fluvial maranhense. Fonte: Revista do Norte.

119
Marshall Berman afirma que a modernidade ou é vista com um entusiasmo cego e acrítico ou é condenada
segundo uma atitude de distanciamento e indiferença neo-olímpica. Cf. BERMAN, M. Op. cit.,1986, p. 24.
120
A via férrea a São Miguel do Araguaia resultou para os caxienses em um dos “melhoramentos desejantes”; já a estrada de
ferro para São Luís começou a se materializar por volta de 1906, quando o Senado Federal autorizou uma abertura de
crédito, atendendo a uma proposta da bancada maranhense. In: Diário Oficial do Maranhão, São Luís – MA, 02 jan., 1906,
p. 01.
65

Neste sentido, o respeitável engenheiro maranhense Palmério

Cantanhede iria pronunciar-se contra as vozes da tradição, que ainda alimentavam

esperanças em torno da navegabilidade do rio Itapecuru; e empunharia a bandeira

do progresso, atrelada à via férrea:

Só a absoluta falta de conhecimento das condições de


navegabilidade deste rio [o Itapecuru], poderia originar a sua inclusão
num sistema de transportes, subordinando toda uma rede de
estradas férreas – sistema transportivo por excelência – a um rio que
não permite barcos superiores a 0,80 de calado e 30 de
comprimento. Mas não são estes os únicos defeitos dessa
navegação, que só tem servido, até hoje, de estorvo ao
desenvolvimento do estado, obstando a construção de caminhos de
ferro que venham unir os sertões ubérrimos, as matas seculares e os
vastos campos de criar ao porto de São Luis, por onde se realiza
todo o comércio do Maranhão, parte do piauiense e do goiano.121

Desta feita, Caxias era embebida por novas práticas e desejos que

subjetivavam um novo “ser caxiense”, sedimentado em uma cidade que se

apresentava como um “vórtice de potencialidades revolucionárias ainda em latência

[...], mas já indicativas do mais ousado experimento social que jamais houve”.122

Sevcenko afirma que essa invasão do imaginário social pelas novas tecnologias

adquirem “um papel central nessa experiência de reordenamento dos quadros e

repertórios culturais herdados, composta sob a presença dominante da máquina no

cenário da cidade tentacular”123.

E será envolta em um rico imaginário social que a imprensa dará

destaque, entre os anos de 1891 e 1895, a todas as ações que compreendiam a

construção da via férrea ligando Caxias ao Piauí, desde os trabalhos de

121
PAXECO, F. Geografia do Maranhão. São Luís: Tipogravura Teixeira, 1922, p. 35.
122
SEVCENKO, 1992. p. 18
123
Id., ibid.
66

terraplanagem, colocação de trilhos, construções de pontes, contratação de pessoal

e desembarque de equipamentos vindos da Inglaterra.

No afã de noticiar todos os acontecimentos ligados à construção da via

férrea, a imprensa só estranhará a frieza com que foi realizada a inauguração da

estrada, em julho de 1895, pelas autoridades constituídas. Neste sentido relatam

que:

Foi ontem iniciado [09/julho/1895] o tráfego da estrada de ferro desta


cidade a Vila de Flores, fronteira à capital do vizinho Estado, indo na
primeira viagem grande número de passageiros e vultosa carga.
A inauguração da estrada de ferro era um fato ansiosamente
esperado pelo público. Entretanto realizou-se friamente, sem festejos
de natureza alguma, o que é muito para estranhar, se não para
lamentar, atento para a importância do objeto.
Poucos acontecimentos justificariam festejos solenes como a
conclusão da estrada de ferro, melhoramento que por assim dizer
constituía uma das maiores aspirações dos dois centros populosos
que por ele se acham ligados.124

Foto 5: Estações ferroviárias – Caxias a Flores; Flores a Caxias. Fonte: Gaudêncio Cunha.

A ferrovia exacerbava as expectativas de consolidação de uma cidade

verdadeiramente merecedora do título de a “Manchester Maranhense”. Neste

sentido, a construção da cidade-ideal, identificada aos símbolos da modernidade,

124
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias – MA. 10 jul. 1895, p. 02. A vila de Flores era a antiga São José das Cajazeiras, na divisa
com o Piauí. Atualmente é a cidade de Timon.
67

era o referencial dos discursos de uma elite letrada que traduzia uma visão de

cidade moderna, organizada e, principalmente, civilizada. Muito diferente da “real”

materialidade de Caxias, que sobrevivia com dificuldades e ainda apresentava uma

estruturação típica de cidades interioranas, com necessidade de ordenamento

urbano e, principalmente, de um espaço mais higienizado, assuntos a serem

abordados no próximo capítulo.

Enfim, os discursos da elite transmitiam a compreensão de que uma

cidade comporta, em sua essência, uma série de outras cidades e que os discursos

que a representam nem sempre condizem com a sua existência, mas, muitas vezes,

expressam um desejo, nem sempre realizável, de um vir a ser.


2 CIDADE E NOVOS PADRÕES DE URBANIDADE

CACHIAS1

Quanto és bela, ó Cachias! — no desenho


Entre montanhas, derramada em vale
De flores perenes
És qual tênue vapor que a brisa espalha
No frescor da manhã meiga soprando
À flor do manso lago
Tu és a flor que despontaste livre
Por entre os troncos de robustos cedros,
Forte — em gleba inculta;
És qual gazela, que o deserto educa,
No ardor da sesta debruçada exangue
À margem da corrente.
[...]
Gonçalves Dias2

No poema do caxiense Gonçalves Dias, vemos as representações de

uma cidade cuja cartografia foi construída entre a simbiose de uma paisagem

robusta, recortada por montanhas, derramada em vale; e a prática de sujeitos

históricos, desbravadores e constituidores de um espaço chamado Caxias. Este

entrelaçamento redundou na emergência de uma cidade tipicamente colonial, onde

as marcas da tradição foram recortando um lugar saturado de significados3.

Nesta cartografia, o poeta presenciara o emergir de um espaço como uma

“flor que desponta livre”, não obstante estar imerso em uma “gleba inculta”. No

entanto, a breve vivência do poeta, ceifado com pouco mais de 40 anos, não

permitiu que o mesmo presenciasse o florescimento de uma “outra” Caxias – fabril,

eufórica e conectada aos símbolos modernos – no final do século XIX.

1
No século XIX, é comum encontrarmos na escrita de poemas ou de documentação oficial Caxias sendo grafada
com ch. Portanto, uma grafia comum na linguagem da época.
2
Gonçalves Dias é um dos filhos ilustres de Caxias. Viveu entre 1823 e 1864. Poeta, foi representante singular da 1ª geração
do Romantismo brasileiro, conhecida como Nacionalista ou Indianista.
3
BRESCIANNI, M. S. História e historiografia das cidades: um percurso. In: FREITAS, M. C. de (org.). Op. cit., 1998, p. 237.
69

Conectando-se o tempo do poeta e o final do século, temos uma cidade

inserida em múltiplas temporalidades abrangendo, simultaneamente, o “velho e o

novo”4; a tradição e o êxtase dos tempos modernos. E é através deste fio condutor

que nos questionamos: como as práticas discursivas engendradas através da

imprensa e dos Códigos de Posturas procuraram instituir a chamada cidade-

conceito5, em Caxias, na passagem do século XIX para o século XX? Como

ocorreram os embates entre este “novo” modelo de cidade e o viver cotidiano dos

citadinos? Como a cidade era consumida6 por seus habitantes e como estes

incorporaram ou dificultaram as novas normas do bem viver?

Chalhoub7 lembra-nos que no Brasil, precisamente no decorrer da

segunda metade do século XIX, foi implantada uma “ideologia da ‘administração

competente’ e da gestão ‘técnica’ da coisa pública que permitiu aos governantes

ocultar ou ao menos dissimular desde então, o sentido classista de suas decisões

políticas”. Nos debates nacionais deste período, tornou-se evidente que as

construções populares, como os cortiços, e as epidemias como a febre amarela e a

varíola, “eram assuntos indissociáveis para personagens eminentes do tempo de

D.Pedro II”8.

Estes dizeres embasavam-se na consolidação da medicina social, cujo

discurso produziu “o fato de o pobre passar a ser considerado um medo político-

sanitário, transformando-se em uma força política entre 1830 e 1860 por sua

participação nas agitações sociais” 9.

4
O par antigo/moderno está ligado à história do Ocidente. Antigo pode ser substituído por tradicional e moderno por recente ou
novo. Cf. LE GOFF, J. História e Memória. Campinas – SP: UNICAMP, 1996, p. 167.
5
A cidade-conceito funciona comum um lugar de transformações e de apropriações, objeto de intervenções. Ela
é, ao mesmo tempo, a maquinaria e o herói da modernidade. Cf. CERTEAU, Michel de. Op. cit., 2002, p. 174.
6
Para Certeau, enquanto o uso é racionalista e expansionista, o consumo é totalmente diverso, caracterizado
por astúcias, sendo, portanto, subversivo. Cf. CERTEAU, M. Op. cit., idem, p. 94.
7
CHALHOUB, S. Op. cit., 1996, p.08.
8
Id., ibid.
9
MELO FILHO, A. Teresina: a condição da saúde pública na Primeira República (1889 – 1930). Dissertação de
Mestrado. Recife : UFPE, 2000, p. 26
70

Melo Filho10 afirma que, ao finalizar o Estado Imperial no Brasil e ao

iniciar a República, persistia a conceitualização de higiene médica baseada na

intervenção do meio ambiente, que nascera com a medicina social urbana.

Estava a higiene pública ainda em seu estágio evolutivo,


restringindo-se quase exclusivamente a trabalhos de salubridade
geral, de acordo com a norma genérica de considerar as doenças
transmissíveis e epidêmicas como originárias de condições
particulares de ambiência, ou seja, do ar, da água e do solo. É assim
que vamos avultar, neste período, as obras de engenharia, capitação
de água, drenagem, canalização, dessecamentos, construções de
cais, aterro e desmonte de morros – de par com preceitos de higiene
visando ao meio ambiente, cuidados de asseios de ruas, temores de
miasmas e exalações, medo de maus cheiros, preocupações com as
fermentações11.

Nesta fala, percebemos que o discurso higienista ainda não se reportava

à transmissibilidade das doenças por meio de contágio humano, mas com um viés

interpretativo que vinculava a transmissão epidêmica às condições ambientais,

gerando um medo urbano pelas doenças.

Vinculada a esta perspectiva, os pobres moradores do espaço urbano

passaram a ser tidos como “classes perigosas”12, por oferecem o perigo de contágio.

Também resultante dessa ótica, há a percepção, oriunda no seio das elites, de que

devido à urbanização as doenças não diferenciavam pobres nem ricos, forçando os

setores privilegiados a tomar providências em relação aos pobres como defesa

própria13.

A percepção de que as cidades precisavam de um cuidado especial gerou

as condições básicas para constituição de novos saberes, defendidos por médicos,

engenheiros sanitários, intelectuais e governantes, que buscavam soluções para o

10
Id., Ibid., p. 33.
11
FONTENELLE apud MELO FILHO, A. Op. cit., 2000, p. 33.
12
Cf. CHALHOUB, S. Op. cit., 1996, p.29.
13
FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro : Graal, 2002.
71

enfrentamento de uma problemática que não poderia ser mais ignorada: a saúde

pública.

Mas o Estado Imperial não oferecia um aparelhamento de saúde pública

que atendesse a todas as unidades provinciais, atendendo precariamente até

mesmo a capital, através da fiscalização das obras de saneamento pela “comissão

de engenheiros”, e o policiamento médico pela “inspeção de saúde dos portos”14.

Isto deixava os governos regionais e, principalmente, as municipalidades entregues

a um combate precário às epidemias e à gestão de saúde pública.

No Maranhão, havia uma preocupação com a prevenção de doenças

endêmicas ou epidêmicas, como a bexiga, que era controlada por vacinação. Para

isto, eram obrigados todos os chefes de famílias a “mandar seus filhos ou escravos

para se vacinarem quando fossem para isso avisados pelo agente da repartição ou

pelos juízes de paz do distrito da cidade [...]15. Caxias era uma das cidades

maranhenses que possuíam uma equipe de vacinadores. Contudo, não era

suficiente para uma localidade que reclamava por maior número de ruas calçadas e

que só passou a ter água encanada, em reduzido número de residências, no final do

século XIX.

Eram constantes os surtos epidêmicos noticiados pela imprensa, que

abalavam não só a cidade, mas toda a província do Maranhão.

Continua a varíola a fazer vítimas na capital, donde se vai irradiando


para outros pontos da província. Segundo comunicações recebidas,
manifestou-se esta horrível epidemia nas comarcas de Caxias,
Alcântara e São Bento.
Não deixem de prestar socorros aos indigentes delas acometidos,
pondo à disposição das respectivas câmaras municipais as quantias

14
MELO FILHO, A. Op. cit., 2000, p. 33.
15
Maranhão. Edital à Câmara Municipal, referente às posturas aprovadas pelo Conselho Geral da Província. São Luís – MA:
Typ. da Temperança, 1848, p. 14.
72

precisas, e mandando organizar pelo Dr. Inspetor da saúde pública


as ambulâncias pedidas pelas municipalidades [...]16.

Em Caxias, neste mesmo período, os jornais noticiavam que morriam “por

dia 3, 4 e 5 pessoas”, chegando algumas famílias a serem “aniquiladas

inteiramente”17. Reclamavam que a peste apresentava-se de maneira avassaladora,

não tendo a Câmara Municipal mais recursos disponíveis, havendo, portanto, a

necessidade de ajuda pecuniária por parte do governo provincial:

Rogamos ao Exmo. Sr presidente da província que tomando na


devida consideração as desgraças da nossa infeliz população, envie
à câmara municipal, por via da coletoria, a quantia que lembramos
[quinhentos mil réis], para salvar-se muitos daqueles desgraçados
que a peste vai devorando18.

Os discursos refletem o pânico que afligia a elite caxiense, por perceber

que a ação devastadora que a varíola produzia nos membros menos afortunados da

sociedade poderia atingir a todos. Melo Filho19 afirma que essas endemias geraram

na elite brasileira uma “consciência da interdependência social” e um senso aos

tratos de responsabilidade em busca de melhorias “da situação daqueles que

estavam em estado de privação de saúde, atenuando a ameaça sobre os ricos”.

Por conseguinte, há um alargamento da visão urbanística no Brasil e no

arcabouço de prerrogativas inerentes à necessidade de planejamento urbano e a

construção da cidade-conceito. Bresciani20 esclarece que:

O urbanismo nasce no interior de uma intenção racionalizadora da


materialidade da cidade e se impõe como domínio de saber que
possibilita articular a potencialidade de crescimento imprevisível
(todos seus conflitos incluídos) com o horizonte finito da cidade.

16
Jornal Publicador Maranhense. São Luís – MA, 28 fev., 1875, p. 01.
17
Jornal Diário do Maranhão. São Luís - MA, 21 ago., 1875, p.02
18
Id., ibid.
19
MELO FILHO, A. Op. cit., 2000, p. 38.
20
BRESCIANNI, M. S. (org.) Imagens da Cidade: século XIX e XX. São Paulo: Marco Zero, 1996, p. 46.
73

Contudo, essa visão urbanística inicialmente irá materializar-se na feitura

de aparatos jurídicos que terão como objetivo legitimar as ações governamentais.

Neste intuito, os Códigos de Posturas serão um dos instrumentos normativos de

convivência desse devir citadino, no qual as novas sociabilidades primariam por

padrões requintados de higiene, beleza e estética. Nestas legislações estava

implícita a imposição de regras disciplinadoras do convívio social, que combatiam a

“desordem” e institucionalizavam práticas até então executadas de forma aleatória.

Estes códigos caracterizavam-se como instrumentos adestradores que, mediante a

aplicabilidade de penas pecuniárias, tinham como objetivo levar os munícipes a

adquirirem costumes e hábitos civilizados.

Em Caxias, as Posturas apresentadas pela Câmara Municipal já nos anos

70 do século XIX, demonstram uma preocupação higiênica, principalmente no

tocante à circulação de animais pelas ruas.

O artigo 1º da Lei n.° 1121 de 1876 estabelece que:

as pessoas que na cidade de Caxias e povoações de seu município


tiverem gado cavalar, vacum, muar, suíno ou lanígero, não poderão
deixá-lo solto sem pastor. Aos contraventores será imposta a multa
de cinco mil réis das duas primeiras espécies, e mil réis por cada um
das demais [...]21.

Esta Postura confrontava-se com hábitos tradicionais dos citadinos e com

a materialidade de um espaço marcado por padrões de uma cidade tipicamente

colonial, onde os rastros da tradição envolviam as práticas consolidadas. O embate

travado pelo poder local sobre estes resquícios é reforçado pela Postura de 1878,

que em seu artigo 1º estabelece uma “multa de 5$000 réis ou o dobro na

reincidência dos condutores de carroças que as levarem em desfilada pelas ruas da

21
Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1876. São Luís -MA: Typ. do País, 1876.
74

cidade”22. Isto denota que a elite governamental caxiense impingia um padrão de

“civilidade” aos citadinos não condizentes com uma cidade que oferecia muito pouco

aos seus moradores, pois a maioria das suas ruas não dispunha de calçamento, ou

mesmo se constituíam em simples becos ou vielas. Portanto, impunham uma forma

autoritária de governar e hábitos estranhos à maioria dos munícipes.

Já os noticiosos alardeavam, com grande alegria, “melhoramentos” que

trouxessem um ar de civilidade à cidade:

Graças ao empenho e boa administração do empreiteiro, acha-se


finalmente concluído o calçamento da rua do Porto Grande, que
oferece com semelhante melhoramento trânsito fácil, cômodo e sem
os riscos a que todos nós expúnhamos, quando dantes passamos
por ela23.

Estes dizeres civilizatórios congregavam-se com uma fina tradição

aristocrática da elite caxiense, formada em boas faculdades do Brasil e até mesmo

do exterior; e acostumada a cultivar os finos hábitos importados da Europa24.

Já nos “eufóricos” anos 80, o corpus jurídico de convivência citadina

torna-se mais abrangente, legislando sobre os mais diversos assuntos. Um dos

destaques é dado aos cuidados higiênicos para com os produtos alimentícios

consumidos pela população, em especial o consumo de carne. Desta forma

expressava-se o Código de Posturas de 1886:

Art.1°: Os talhos de carne verde existentes em diversas ruas e


praças da cidade passam a ser estabelecidos nos compartimentos
do edifício municipal conhecido por Feira Grande, no largo da matriz
do 1º distrito. [...]
Art. 5º: Fica proibido o estabelecimento de talhos de carne verde em
outra qualquer parte da cidade. Aos contraventores multa de trinta
mil réis e o duplo nas reincidências25.
22
Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1876. São Luís -MA: Typ. do País, 1878.
23
Jornal Publicador Maranhense. São Luís – MA, 09 ago., 1877, p. 02.
24
Os hábitos praticados pela elite caxiense serão tratados no Capítulo III.
25
Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1886. São Luís -MA: Typ. do País, 1886.
75

Para que esta Postura fosse aplicada, a Câmara comprometia-se em

mandar “preparar os referidos compartimentos com os cômodos, utensílios e

segurança necessários a tais estabelecimentos em ordem a se conservarem sempre

arejados”26. Mas o poder público só não explicava o fato de que o edifício da Feira

Grande já não atendia às necessidades municipais; no Jornal do Comércio de junho

de 1888, foi lançado um informe de subscrição de ações para a formação de uma

sociedade anônima para a construção de um novo mercado público.

Acham-se em diversas casas comerciais desta cidade, e nesta


tipografia, lista para quem quiser subscrever para a projetada
sociedade anônima que pretende edificar em lugar apropriado, um
mercado público desta praça. [...]
Sendo incalculáveis as vantagens que de tal estabelecimento podem
sobrevir aos habitantes desta cidade é de esperar que mereça o
acolhimento de todos, mais este melhoramento que se pretende
realizar entre nós [...]27.

A partir deste discurso, podemos inferir que as práticas que irrompem no

cenário caxiense daquele período projetam mais um devir citadino embebido em

sonhos e desejos do que em possibilidades concretas de uma materialidade

marcada por dificuldades. Neste sentido, o desejo é a engrenagem que contribui

para que os mecanismos girem, construindo o plano que o torna possível28.

Também as Posturas de 1886 procuram trazer novos ares de urbanidade

e de convivência, disciplinando o transporte de água na cidade, o cuidado com os

passeios públicos, como também limitando as liberdades individuais em vista do

respeito à ordem:

Art. 8º. Aos condutores de cargas d’água é proibido montarem na


anca dos animais carregados, pela má direção que por essa causa é
dada aos ditos animais. Aos contraventores multa de dois mil réis [...]

26
Id., ibid.
27
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, 16 jun., 1888, p. 03.
28
VEYNE, P. Como se Escreve a História. Brasília: EDUNB, 1982, p. 260.
76

e se o condutor for escravo, será o seu senhor o responsável pelo


pagamento da multa.
Art.9º. É proibido andar a cavalo pelos passeios ou calçadas das
casas. Aos contraventores multa de dois mil réis ou vinte e quatro
horas de prisão. [...]
Art.11. São também proibidos na cidade e seus arrabaldes as rezas
por defuntos em voz alta. Aos contraventores multa de cinco mil réis
ou três dias de prisão [...]29.

Nessas Posturas, vemos uma tentativa de aniquilamento de práticas tidas

como “incivilizadas”, portanto não apropriadas a um bom convívio social; e a

invenção de novas possibilidades pautadas na “boa educação” e no respeito à

coletividade. Para isto, o aparato jurídico centraliza o seu foco no enquadramento de

certas categorias sociais, como o homem pobre e o escravo, no “novo” cenário

urbano. Estas categorias constituem-se figuras privilegiadas das diversas estratégias

disciplinares de ordenamento e salubridade do ambiente social.

Nesta perspectiva, Chalhoub30 adverte que as diversas tentativas de

intervenção higienista nas políticas públicas do Brasil pareciam “obedecer ao mal

confessado objetivo de tornar o ambiente urbano salubre para um determinado setor

da população”. Em Caxias, podemos perceber que uma restrita elite política

submetia a regras e regulamentos uma população “indócil” aos novos tempos de

civilidade, nos quais as práticas espaciais deveriam acompanhar a eufórica febre

fabrilista que se desencadeava na cidade.

Mas as Posturas de pretensões disciplinadoras e os discursos de

enquadramento aos habitantes citadinos “incivilizados”, não foram um privilégio

somente da elite caxiense. Na vizinha cidade de Teresina, um redator de jornal

explicava que:

29
Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1886. São Luís -MA: Typ. do País, 1886.
30
CHALHOUB, S. Op. cit., 1996, p.09.
77

As proposições higienizadoras das posturas municipais não são


obedecidas – criam-se porcos nas ruas e quintais; o serviço de
condução do lixo não funciona; alugam-se quartos sem fundos; os
depósitos de couros estão no perímetro urbano; não há melhoria no
abastecimento d’água, enfim, as medidas existem para não serem
cumpridas31.

Em relação a Teresina, Queiroz32 afirma que ao desconforto do cronista,

causado pelo não cumprimento das Posturas municipais, acrescentava-se o mal

estar causado pelo espetáculo da pobreza, porquanto o mesmo estava voltado

particularmente para o “grand monde”.

Já em Fortaleza, capital da província do Ceará, na segunda metade do

século XIX, as Posturas desvelavam a vigência de um saber que vigiava a cidade e

o povo em seus mínimos detalhes. Ponte33 afirma que:

Elas intentavam uma fiscalização pormenorizada de ruas, casas,


edificações, produtos, gêneros alimentícios, oficinas etc. chegavam
ao detalhe de proibir a tintura de doces e massas com óxidos [...],
obrigavam a limpeza do riacho que corria nos quintais dos moradores
da rua do mercado, limpeza da frente das casas e exigiam que
matérias fecais domésticas fossem guardadas em vasilhas fechadas
e estacionadas em lugares a serem previamente designados, a partir
das 9 horas.

Enfim, a concepção de cidade-conceito ganha notoriedade no Brasil

através de discursos de pretensões higienizadoras e do disciplinamento do espaço

urbano; as ações do poder público direcionavam-se sobremaneira ao homem

ordinário34, ou seja, àquele que subverte a ordem com seus comportamentos

transgressores e, acima de tudo “incivilizados”, segundo os conceitos da elite

brasileira do século XIX, para quem a civilização era a Europa e, em especial, a

31
QUEIROZ, T. Op. cit.,, 1998, p. 30.
32
Id., ibid.
33
PONTE, S. R. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social (1860 – 1930). Fortaleza: Fundação Demócrito
Rocha / Multigraf Editora Ltda, 1993, p. 81.
34
Para Certeau, o homem ordinário é aquele que inventa e reinventa seus códigos, suas táticas, suas práticas, cf.: CERTEAU,
M. Op. cit., 2002, p. 162-217.
78

França e a Inglaterra, com seus exemplos a seguir. Tais indivíduos queriam por fim

ao Brasil antigo, marcado, dentre outras coisas, pela insalubridade e a ineficiência

colonial da cidade velha, que era o símbolo de uma cultura que a elite europeizada

queria esquecer35.

Em relação às Posturas de Caxias, outro aspecto a destacar é que elas, a

cada nova publicação, traziam sempre novos ordenamentos sociais. É isto que

vemos com as Posturas de 1889, que já traziam preocupações ambientais,

principalmente no tocante à preservação do rio Itapecuru. Neste aspecto, o artigo 2º

assim definia: “é expressamente proibido o corte de madeira nas margens do rio

Itapecuru e dos riachos, lagos e brejos e quaisquer outras vertentes, existentes no

município”36.

Esta Postura expressa a necessidade de preservação das margens do rio

Itapecuru e das fontes de água existentes no município, pois as crescentes

dificuldades de navegabilidade pelo rio era um dos temas que mais preocupavam os

caxienses, principalmente nos períodos de estiagens. Contudo, na continuação do

mesmo artigo havia uma exceção à proibição de desmatamento, em que se afirmava

que não se enquadrava na disposição acima as “derribadas que os lavradores

fizeram em brejos existentes em terras de sua propriedade e exigidas pelas

necessidades da lavoura”37.

Este aspecto tinha como objetivo preservar o direito de propriedade e,

acima de tudo, eximia o poder público de um confronto com a aristocracia agrária,

que era o sustentáculo do poder político local. Desvelava, também, os métodos

tradicionais de plantio através da derrubada de árvores e das queimadas.

35
Cf. NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
36
Coleção das Leis Províncias do Maranhão – 1887 / 1889. MA: Typ do país, 1889
37
Id., ibid.
79

Entretanto, a continuação da prática desses métodos rudimentares já era

motivo de críticas por parte daqueles que penetraram na cultura moderna, ao estilo

europeu. Estes afirmavam que

aqui pelos nossos sertões a destruição das matas tem sido em tão
grande progressão para a plantação de algodão que já não há mais
mata virgem e nem caatinga alta em parte alguma [...]
É preciso que nossos agricultores se convençam de seu erro, e
acabem com este péssimo e prejudicial método de lavoura.
Convém que se acostumem a introduzir os melhoramentos da cultura
européia, e de certo, com o favor do arado e de outros instrumentos
rústicos, a agricultura ganhará muito mais [...]38.

Estes dizeres do cronista estavam totalmente descontextualizados das

tradições agrícolas desenvolvidas nos arredores da cidade. Denota mais um olhar

voltado para a Europa e para um universo de progresso acelerado do que para as

possibilidades reais de inovações tecnológicas que contribuíssem para novas

práticas agrícolas na região. Aliás, o repertório de notícias publicadas acerca da

Europa nos noticiosos de Caxias e de toda a província do Maranhão era vastíssimo

e contribuía, sem dúvida, para a formação de hábitos e desejos desenraizados do

contexto social em que estavam inseridos.

Com o advento da República – marcada pela reformulação da antiga

Câmara dos Vereadores com a criação das Intendências, que davam certa

autonomia de ação às cidades – Caxias, através do poder constituído, irá elaborar o

seu mais amplo Código de Posturas, reforçando, assim, uma visão tecnocrática e

autoritária da gestão pública na esfera urbana.

O novo código, publicado em 1893, regulava em pormenores as várias

atividades referentes ao cotidiano no município: das infrações e das penas, do

38
Jornal Comércio de Caxias. Caxias - MA. 16 jan. 1886, p. 01.
80

patrimônio municipal, das ruas e praças, das construções e reconstruções, do asseio

das ruas e das praças; dos distritos e das estradas municipais, da higiene e saúde

pública, da alimentação pública, dos mercados públicos, dos pesos e medidas, da

força municipal, da instrução pública, da biblioteca municipal, do recenseamento e

estatística, das exposições industriais e agrícolas, da criação de gado, da caça e da

pesca, da mendicidade, prostituição e vadiagem.39

Neste novo código não há dúvida de que grande parte das medidas eram

bem-intencionadas e buscavam beneficiar a população em termos de maior conforto

e maior higiene. Mas muitas delas eram inteiramente irrealistas para a época, como,

por exemplo: a exigência de pintura das paredes das casas que dessem para a rua

de dois em dois anos; a necessidade da planta do edifício ao requerer a licença de

construção de imóvel; o replantio de árvores próximas aos mananciais e a proibição

veemente do corte de árvores nas proximidades das nascentes ou riachos. A maioria

das medidas não passavam de civilidades das aparências, pois nem o poder público

dispunha de uma dotação orçamentária para cumprir com as suas funções,

principalmente no tocante à fiscalização, nem a maioria dos grupos sociais

dispunham de condições financeiras ou mesmo conscientização suficiente para

adotar as novas medidas. Assim, o novo código constituía uma iniciativa da elite a

fim de tornar a cidade aprazível ao seu usufruto, impondo aos demais a sua visão de

civilidade. Neste sentido, o código trazia, em seu primeiro capítulo, a advertência de

que “toda ação ou omissão voluntária, contrária às disposições das Posturas

municipais constitui infração com multa que não excederá a quantia de 50.000 réis,

além da reparação do dano causado”40.

39
Código de Posturas do Município de Caxias de 1893 In: Jornal Comércio de Caxias. Caxias - MA, 30 dez. 1893, p. 01-04.
40
Código de Posturas do Município de Caxias de 1893. In: Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA: 30 dez. 1893. p. 01
81

Percebe-se que a Postura impositiva respalda-se na preocupação de

dissipar o anacronismo da velha estrutura urbana em relação aos novos tempos

vivenciados pela elite. Assim, no capítulo III, em seu artigo 13º, o código afirmava

que a câmara mandaria confeccionar a planta da cidade, compreendendo todo o

perímetro urbano, observando como regras o formato retilíneo das ruas com

edificações já consolidadas, sendo que, na parte não edificada, o terreno seria

dividido em quadrados de 300 metros de lado, onde as ruas se cortariam em

ângulos retos. Determinava, também, que no final de cada quadrado seria

construída uma praça com 200 metros de lado, ajardinada ou arborizada.

Esta Postura disciplinava as futuras construções como também as já

existentes, impondo um padrão retilíneo, principalmente no centro da cidade,

propiciando ares de modernidade em uma urbe enraizada em padrões coloniais.

Foto 6: Igreja do Rosário, São Benedito e Matriz. Fonte: Gaudêncio Cunha.

A parte central da cidade já dispunha de construções de casarões e

igrejas com um padrão arquitetônico mais elaborado, financiados pela riqueza

acumulada pela aristocracia agrária graças à exploração escravista. O

disciplinamento que o novo código trazia distinguia socialmente ainda mais os

caxienses, pois normatizava que as futuras edificações só seriam autorizadas


82

mediante a apresentação da planta do edifício. Neste novo padrão, os despossuídos

da fortuna seriam empurrados para as regiões periféricas da cidade.

A noção de planejamento urbano que o Código de Posturas de 1893

trazia reforçava, assim, a visão de vivência citadina marcada pelo bom gosto e pelo

requinte que a elite possuía. Isto era explicitado pelo capítulo IV ,em seu artigo 30º,

que proibia a construção de casas tapadas ou cobertas de palha no perímetro

urbano, concedendo isenção de impostos por um ano a quem construísse casas de

alvenaria de pedra ou tijolo41. Tais medidas de disciplinarização do espaço urbano

objetivavam o reajustamento social das camadas populares, tão em voga no Brasil

republicano e racional daquele período.

Mas em uma cidade como Caixas, de contrastes sociais e ainda

possuindo becos e largos, onde a maioria da população ainda residia em casas de

palha, esta Postura era irrealizável e até mesmo utópica para o período. Contudo,

representava um desejo dos administradores de extirpar do centro da cidade as

residências de palha, que contrastavam com o luxo e o requinte arquitetônico das

moradias elitizadas.

Neste sentido, em matéria publicada pelo jornal Gazeta Caxiense de

1893, o cronista pede providências ao Intendente Libânio Lobo sobre o que está

acontecendo no “florescente arrabalde Ponte”, onde o desrespeito à simetria reina

no tocante à construção de habitação. Complementa afirmando que:

há uma planta levantada por um engenheiro que pode,


perfeitamente, guiar a quem quiser construir suas casas, mas não é
ela respeitada, pelo que as ruas que se estão formando agora são as
mais tortuosas possível, dando àquele bairro um aspecto antipático e
até tornando-o anti-higiênico [...]

41
Artigos 30º e 26º do Código de Posturas de Caxias de 1893.
83

Não é coisa lá tão difícil pôr em execução leis municipais impedindo


que as casas sejam construídas fora do alinhamento em perfeito
desacordo com a planta do lugar42.

Foto 7: Bairro Ponte. Fonte: Gaudêncio Cunha.

O exemplo que vinha do bairro Ponte só demonstrava as relações entre o

ser que habita e o “morar” em Caxias naquele período, onde as condições

econômicas da maioria da população só propiciavam a construção de casas de taipa

ou madeira e cobertas de palha. Ter residências construídas de alvenaria e coberta

de telha era um luxo acessível a poucos. O não alinhamento das ruas, somado à

rusticidade das residências, só demonstravam um estilo pautado em tradições

coloniais nas quais as pessoas, livremente ou de acordo com suas posses,

constituíam um estilo próprio de morar. Lemos43 afirma que, no período colonial e na

época do Império, a legislação voltada ao controle das edificações urbanas jamais

teve a intenção de intervir nas condições de planejamento das residências, onde

cada um morava como quisesse ou pudesse.

42
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 09 maio, 1893, p. 02.
43
LEMOS, C. A. C. A República Ensina a Morar (Melhor). São Paulo: Editora Hucitec, 1999.
84

Quanto à higiene da cidade, o código, em seu capítulo V, afirma que “as

ruas e praças serão mantidas em perfeito estado de conservação e asseio devendo

o serviço ser realizado por arrematação ou administração pública44”. Proíbe também

que se lance nas ruas e praças águas, lixo ou qualquer coisa que prejudique o

asseio das mesmas sob pena de multa de 5:000 réis. Para este serviço, a câmara

disponibilizava a cada ano certa quantia no orçamento municipal que não atendia às

necessidades da cidade; podemos citar como exemplo os minguados 80$000 réis

disponibilizados no orçamento de 1888. Ressalte-se ainda que, nos anos seguintes,

houve insignificante acréscimo neste numerário45.

Aliás, as reclamações de acúmulo de lixo nas ruas faziam parte

cotidianamente das crônicas de jornal:

É uma vergonha para uma cidade como Caxias ver as suas ruas
transformadas em outros tantos monturos. As autoridades ou
empregados municipais a quem compete fazer manter o asseio das
ruas e praças, nenhuma importância ligam a esse dever. Lugares há
como em parte das ruas das Oliveiras e dos Arcos, beco das
Guabirabas e outros muitos em que os montes de lixo, se não
impedem o trânsito, tornam-no pelo menos muito incômodo. Mas
chamar a atenção do Intendente para estas coisas é pregar no
deserto46.

Destaque-se que no quesito de críticas à atuação do poder público a linha

editorial do jornal Gazeta Caxiense não economizava tinta nem adjetivos contra a

inoperância da Intendência Municipal. Isto demonstra que a imprensa era uma

extensão das lutas políticas, historicamente enraizadas, entre conservadores e

liberais no solo caxiense. Demonstra também um militante perfil sócio-político

embasado num ideal de civilidade e de rompimento com um passado de ignorância

e de obscurantismo.

44
Artigo 37 do Código de Postura de Caxias de 1893.
45
Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889
46
Jornal. Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 21 nov. 1893, p. 03.
85

Outro aspecto motivador de reclamações constantes dizia respeito à

qualidade da carne bovina comercializada na cidade, pois, segundo as Posturas em

seu capítulo VIII, os animais destinados ao consumo público só poderiam ser abatido

em lugares destinados pela Intendência Municipal. Afirmava também que os talhos

em que a mesma fosse exposta à venda deveriam ser limpos e arejados e que seria

expressamente proibido a venda de quaisquer gênero de alimentos apodrecidos ou

deteriorados47. Esta era uma normatização extremamente necessária e de utilidade

pública, pois em termos de alimento de origem animal o boi ocupava o primeiro lugar

em consumo na cidade. No entanto, a norma só funcionava no papel, sendo

cotidianamente desrespeitada. Neste sentido, um cronista extremamente indignado

com o assunto assim se expressou:

É verdadeiramente inqualificável o abuso com que procedem alguns


marchantes desta cidade, expondo ao consumo público a carne de
rezes que devia ser lançada ao rio, se houvesse entre nós o mais
medíocre interesse pela saúde e vida dos caxienses.
Segundo nos informam pessoas fidedignas, o Sr. Rosendo Curvina
fez abater anteontem à tarde dois bois impossíveis (sic); e apesar
disto foi a carne vendida ontem por bom preço à população incauta.
Um deles estava cheio de grandes bicheiras cobertas de asquerosos
vermes. Outro apresentava em todo o corpo tumores monstruosos,
que deveriam conter enorme quantidade de pus48.

Este discurso revela o quanto a normatização estabelecida pelo Código de

Postura estava longe da prática social. Aponta também o fato de que a Intendência

Municipal não tinha quase nenhum controle sobre a qualidade da carne

comercializada na cidade, pois a mesma geralmente provinha de abatedouros

clandestinos, portanto de qualidade duvidosa. Isto contrariava o fato de que a cidade

já dispunha de um matadouro público.

47
Código de Postura de Caxias de 1893, arts. 89º, 92º.
48
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 12 mai. 1893, p. 02/03.
86

Este problema, aliás, já se arrastava há décadas, chegando ao ponto de

gerar situações cômicas, como a que o Intendente ordenou ao médico municipal, Dr

Álvaro de Moura, que assistisse, todos os dias, à matança de bois. Como o mesmo

não compareceu regularmente às suas novas funções, foi exonerado do cargo49.

Havia também denúncias de irregularidade na pesagem da carne:

Parece não haver fiscal nesta cidade, para fiscalizar os açougues.


Por vezes tenho comprado carne verde e achado a porção de carne
pouca para o número de pesos que compro. Tomo o trabalho de
pesar de novo e deparo com a falta nunca menos de 150 gramas em
cada quilo50.

Esta prática feria o artigo 109 do Código de Posturas, o qual afirmava que

“todos os pesos e medidas deverão ser aferidos pelos padrões da Câmara Municipal

e construídos de substância em que possa ser gravado o algarismo indicativo da

unidade do peso”51. Postura totalmente desrespeitada pelos açougueiros, que,

apesar da prática de hábitos irregulares, ainda conseguiram uma redução de

imposto sobre a cabeça de gado abatido para o consumo de 3$500 para 3$000

réis52, uma benesse da Câmara Municipal aos açougueiros e marchantes que não

correspondia aos serviços prestados à comunidade e, principalmente, ao preço da

carne que havia sido elevado a $500 réis53. Quanto a isto, um cronista do jornal

Gazeta Caxiense lembrava à distinta Câmara que concedeu a redução de impostos

que os marchantes ainda não haviam reduzido o preço da carne, como fora

combinado54. Nesta reclamação, observa-se que o poder público regulava as

relações na esfera privada, mas não as fiscalizava. Observa-se , também, o lugar de

49
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 05 set. 1893, p. 01.
50
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 27 abr. 1894, p. 01.
51
Código de Posturas de Caxias de 1893, p. 03
52
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 16 mar. 1894, p. 02.
53
Id., ibid.
54
Id., ibid.
87

sujeito do cronista, que se utiliza das dificuldades cotidianas como suporte para o

acirramento das disputas políticas e para o desvelamento das posturas

administrativas na cidade.

As Posturas também inovaram normatizando setores como o do espaço

privado, através da temática higiene e saúde pública, contida no capítulo VII. Neste

capítulo, o Código se reportava à obrigatoriedade de asseio dos prédios particulares,

quintais e terrenos; à construção de latrinas, fechadas e impermeáveis, toleradas

enquanto não houvesse na cidade um sistema regular de esgotos; à proibição de

lavagem de roupa em todas as fontes e riachos que servem ao abastecimento de

água à cidade, exceto no riacho Ponte, no lugar denominado de Roncador.

Mais uma vez, a câmara reforçava o que já havia colocado em Posturas

de anos anteriores, ou seja, ordenamentos sociais de caráter higienizador do espaço

urbano, bem como de cunho ambientalista. A novidade era que agora adentrava na

ambiência de intimidade das pessoas, ou seja, em seus lares. Quanto ao reforço

normativo de caráter ambiental, era meramente teórico, como já vimos

anteriormente, pois as preocupações com o meio ambiente não passavam de

retórica, apesar de Caxias ter uma fartura de mananciais e belezas naturais que não

poderiam ser desprezados e merecerem cuidados quanto ao uso coletivo.

Ambientes como o Roncador, entre outros mananciais, já sofriam com o

desmatamento e o acúmulo de lixo em suas proximidades, queixas estas já há muito

tempo denunciadas pela imprensa.


88

Foto 8: Roncador de caxias. Fonte: Revista do Norte.

Mas o aspecto mais inovador do capítulo VII dizia respeito à construção

de cemitérios na cidade de Caxias. Normatizava que os cemitérios não podiam ser

construídos próximo às fontes de uso público, nem em pontos da cidade que

trouxessem prejuízo à saúde pública. Teriam os mesmos de ser arborizadas,

mantidos com asseio e decência, e cercado de muro ou grade55.

Quanto aos sepultamentos, passariam a ser proibidos fora do perímetro

dos cemitérios, sendo a condução de cadáveres pelas ruas da cidade permitida

apenas encerrados em caixões. Observava ainda que, quando a causa da morte

fosse decorrente de moléstias epidêmicas ou contagiosas, seria proibida a

exposição do cadáver em quartos forrados de tecidos, ou sobre peças assim

revestidos, devendo os caixões serem hermeticamente fechados56.

Esta Postura caxiense reflete a mentalidade recorrente no Brasil do

século XIX, onde o saneamento do meio urbano ocorreria através de medidas

profiláticas nas ruas, atmosfera e água, principalmente no combate aos miasmas.

Esta mentalidade foi o substrato das primeiras intervenções médico-urbanas nas

55
Código de Posturas de Caxias de 1893, p. 02
56
Id., ibid.
89

cidades brasileiras e, segundo Ponte57, só se constituiu em saber sócio-urbano “a

partir da análise que passam a proceder sobre a vida urbana, e por intermédio de

seus recorrentes discursos e práticas relacionadas à saúde pública da cidade”.

Afirma também que,

tais imposições de normas e regras, a serem adotadas sob pena de


multa também delineiam a construção de um novo tipo de poder,
aquele que, preocupado com a produção de vida, intervém em tudo o
que enxerga como ameaçador à saúde das coletividades urbanas58.

Em Caxias era de 50:000 réis a multa para quem realizasse sepultamento

fora dos cemitérios e de 10:000 réis para quem conduzisse cadáveres fora de

caixões59. Esta Postura normativa e punitiva tinha claras pretensões de romper com

as tradições de sepultamentos que eram realizados em igrejas ou muito próximos às

residências dos parentes do morto. Neste caso, o que contava era a condição

financeira do morto, constituindo-se privilégio da elite descansar eternamente nas

belas igrejas caxiense.

Quanto aos sepultamentos próximos às residências, a imprensa

encampou um forte movimento de denúncia dos mesmos, como podemos observar

nos dizeres abaixo:

Já por mais de uma vez temos reclamado contra o enterramento de


cadáveres em frente ao morro de S. Antônio, no Ponte, por ser o
local impróprio para cemitério, por estar muito perto do riacho e de
casas já edificadas e que continuam e edificar-se por ali 60.

No discurso do cronista, há toda uma percepção anti-higiênica do ato de

sepultamento próximo às residências e, principalmente, das fontes de água que

57
PONTE, S. R. Op. cit., 1993, p. 78 – 79.
58
Id., ibid., p. 81.
59
Código de Posturas de Caxias de 1893. Artigos 78 e 79.
60
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 21 ago. 1894, p. 02.
90

suprem toda a comunidade. Estas e outras denúncias noticiadas encerram-se com

uma convocatória às autoridades constituídas para que tomem providências quando

ao problema e, especialmente, que interfiram na escolha de locais apropriados para

o estabelecimento de novos cemitérios.

A imprensa também dá vivas às iniciativas particulares que, sensibilizadas

com a problemática, empreendem ações que deveriam ser realizadas pelo Poder

Público:

Na tarde do dia 21 do corrente mês [out./1894], perante crescido


número de fiéis em quantidade superior a duas mil pessoas, teve
lugar a bênção solene do cemitério da Trezidela pelo infatigável
missionário Frei Mansueto.
Tanto esta obra, como a de outro cemitério que esse inexcedível (sic)
apóstolo da religião do crucificado fez nos subúrbios desta cidade, e
de cujo acabamento e sagração temos notícia em outra edição desta
folha [...]61.

Nesta iniciativa do Frei Mansueto, vemos o pouco empenho do poder

público caxiense em retirar as Posturas do âmbito da “letra”, com a conseqüente

materialização das mesmas através de políticas públicas respaldadas por dotação

orçamentária. As Posturas não passavam de boas intenções e de evasivos

discursos. Refletiam mais as idéias importadas de contextos modernos e civilizados,

distantes da real conjuntura de Caxias. Outrossim, como a elite caxiense almejou

melhoramentos que ficaram somente no âmbito do desejo, também elaborou

legislações irrealizáveis porque utópicas. Contudo, Caxias, através de uma

legislação progressista, antecipava-se à popularização dos cemitérios fora do

perímetro das cidades. Neste sentido, Foucault62 explicita que:

61
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 23 out. 1894, p. 02.
62
FOUCAULT, Michel. Espaços – outros: Utopias e Heterotopias. In: Outra. Revista de Criação. Londrina, nº. 1, julho, 1984, p.
17.
91

É só a partir do século XX que o cemitério passa a se localizar no


limite exterior das cidades. Paralelamente à individualização da
morte e à apropriação burguesa do cemitério, nasce uma obsessão
em considerar a morte como “doença”. São os mortos, passa-se a
supor, que trazem as doenças aos vivos, e à presença e a
proximidade dos mortos bem ao lado das casas, da Igreja, quase no
meio da rua, é essa proximidade que propaga a morte.

Mas a nova mentalidade de concepção dos cemitérios não foi absorvida

por todos os caxienses como uma prática que fluía espontaneamente. Em muitas

manchetes de jornais, percebemos que há uma relutância por parte de muitos

moradores em aceitar os novos cemitérios que estão sendo edificados, chegando-se

mesmo à concretização de atos de vandalismo, como a de “de um bárbaro que quis

derrubar as paredes do cemitério da Trezidela”. Comentando este episódio, um

articulista de jornal escandalizava-se por “tal fato ter se dado em terra de gente

católica e civilizada [...]”63.

Neste episódio específico do cemitério da Trezidela, o praticante de tal ato

foi adjetivado pela imprensa como um ser de “espírito diabólico”64. No entanto, como

explicita o mesmo cronista, é necessário que se faça uma distinção entre tal homem,

“bárbaro” e “diabólico”, e os nobres caxienses, de refinados hábitos civilizados.

Este episódio, na visão do cronista, era um assunto de polícia, e neste

sentido elogiava-se a atuação do delegado Marcionilio, que “procedeu a corpo de

delito nas paredes danificados do cemitério”65. O bizarro episódio foi equiparado a

um homicídio, sendo que o delito não fora praticado contra uma simples pessoa,

mas contra valores sagrados a uma elite refinada.

O incidente norteou até mesmo o sermão da missa do Frei Mansueto, que

condenou tamanho ato de brutalidade, mas, ao mesmo tempo, “aconselhava os fiéis

63
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 26 out. 1894, p. 02.
64
Id., ibid.
65
Id., ibid.
92

a não guardarem ódio, nem exercessem vingança contra o autor de tamanho

atentado, mas que o denunciassem às autoridades competentes”66. Como vemos,

as novas sensibilidades não encantaram a todos, mas funcionaram como

motricidade de práticas de espaço transgressoras e subversivas, típicas do homem

ordinário. Assim sendo, o novo código social implantado em Caxias e impulsionado

por uma visão de Cidade-Conceito apresentava-se disforme da praticidade da

cidade consumo, desvelando que o “novo” é, muitas vezes, forjado por lutas

demarcadoras de poder.

Esta pretensão de imposição de um novo código social também se

apresentava no capítulo XVII das Posturas, que se reportavam à mendicidade,

prostituição, vadiagem e casas de jogos. Neste capítulo, quanto à mendicidade, no

art. 152 era mencionado que:

Enquanto não se estabelecerem asilos apropriados será tolerado aos


sábados a mendicidade aos cegos, tolhidos e aleijados, que forem
incapazes de trabalho e não tiverem meios de subsistência;
conquanto que andem munidos de licença do Intendente, pela qual
nada pagarão; e que não formem grupos de mais de três e nem
exponham à vista chagas ou outras enfermidades que causem
asco67.

Segundo a norma, pedir esmolas agora só era permitido aos sábados e

com autorização do Intendente, pois quem assim não procedesse estaria sujeito à

multa de 2:000 réis. Esta Postura era de um elitismo ferrenho, principalmente se

considerarmos as dificuldades de sobrevivência dos despossuídos da fortuna em

Caxias, não esquecendo as condições climáticas da região, que se alternava entre

bons invernos e secas catastróficas. Todas as vezes que o fenômeno da seca

apresentava-se em Caxias, como em todo o Nordeste, a cidade recebia um grande

66
Id., ibid.
67
Código de Posturas de Caxias de 1893, p. 04.
93

contingente de imigrantes, principalmente piauienses e cearenses. Isto é o que

percebemos na notícia abaixo:

Começam a afluir para esta cidade famílias de emigrantes


cearenses, que vêm fugindo da seca que aparece naquela Província.
Em princípio desta semana entrou uma caravana numerosa, que
esteve aboletada por algum tempo debaixo de árvores, retirando-se
depois para o 3º distrito. Constava de homens, mulheres e muitas
crianças, tangendo diversos animais que conduziam carga de malas.
Além desses, consta-nos que tem entrado outros grupos de
retirantes68.

Notícias como esta eram comuns em períodos de dificuldades,

acompanhadas sempre de apelos às autoridades municipais e estaduais para que

socorressem os retirantes. Para esse mister, a câmara disponibilizava em seu

orçamento uma certa quantia, que girava em torno de 400$000 réis69, para compra

de medicamentos, alimentos e sepultamento de pobres. Mas esta verba era sempre

insuficiente, principalmente nos momentos de calamidades. E é para suprir esta

deficiência que, no ano de 1894, a Intendência Municipal de Caxias propõe à

Câmara o aumento da verba para o montante de 700:000 réis; ressalvando,

contudo, que a dotação orçamentária necessitava de uma regulamentação, pois

“grande número de indivíduos, pelo fato de serem simplesmente pobres, julgam-se

no direito de receberem este auxílio que é destinado aos indigentes”70.

Nesta ressalva da Intendência, vemos o quanto a elite política caxiense

tinha dificuldades de gerenciar a sua própria política clientelista, mediadora das

relações entre público e privado no município. Para coibir os excessos é que o novo

Código punia com uma multa de 2:000 réis quem simulasse enfermidades ou

armassem situações com pretensões de compaixão pública71.

68
Jornal Commercio de Caxias. Caxias – MA, p. 03.
69
Coleção das Leis Provinciais do Maranhão de 1887 – 1889. São Luís – MA: Typ do país, 1889.
70
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 20 fev. 1894, p. 02-03.
71
Código de Posturas de Caxias de 1893. Art. 153.
94

Quanto ao quesito prostituição, o Código de 1893, em seus artigos 154 e

155, afirmava que era proibido o estabelecimento e a manutenção de prostíbulos

onde habitem três ou mais mulheres para exercerem a prostituição. A prostituta que

ofendesse o pudor público ou provocasse os transeuntes com palavras ou gestos

obscenos sofreria uma multa de 5:000 réis.

Esta Postura fazia parte de um rol de normatizações moralizantes que

abrangiam também as proibições de jogos de azar e a obrigatoriedade do uso de

logradouros públicos, por parte dos citadinos, com moderação e gestos educados.

Estas normas tinham como preceitos valores morais arraigados nas tradições

aristocráticas e cristãs constituídas historicamente no seio social de Caxias. Na

defesa destes preceitos, a elite letrada pronunciava-se constantemente na imprensa,

requisitando o poder público, e em especial à polícia, que investigasse atos de

baderna e de atentado ao pudor. Neste aspecto, um cronista denunciava que as

famílias já não podiam se servirem dos banheiros à margem do rio, “porque homens

que se tem em conta de bem educados, vão espioná-las, não guardando decoro que

deviam merecer-lhes”72.

A imprensa denunciava não só os atentados ao pudor praticados às

margens do rio Itapecuru mas também em outros lugares de lazer social, disponíveis

na cidade; denunciava ainda as pequenas reuniões festivas transcorridas nos finais

de semana e em altas horas da madrugada, que reuniam, principalmente, os

habitantes não afortunados da estrutura social caxiense. Isto é o que podemos

perceber na denúncia abaixo:

Há no largo os três corações, anexa à casa do respeitável cidadão


Dr. Salustiano Rego, uma casa em ruínas onde quase sempre,
desde sábado ao meio dia e às vezes desde sexta-feira, se formam

72
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 05 set. 1891, p. 01.
95

uns celebérrimos (sic) bailes intitulados bailes de pataca, em que os


concorrentes menos dançam do que se ocupam em beber e gritar,
em altas vozes, nos nomes mais indecentes, e imorais e mais
injuriosos que é possível imaginar-se ao recato e pudor das famílias.
E como este divertimento, menos próprio de uma cidade que se jacta
de civilizada, se prolonga, por durante toda a noite, os moradores
não podem dormir tal é o batuque acompanhado de vozeria que
fazem os comparsas da pataca73.

O cronista encerra sua fala pedindo ao Intendente enérgicas providências,

à altura de uma “cidade que se jacta de civilizada”74. Neste discurso, há nítidas

pretensões de domesticação do “corpo” e dos “gestos” dos moradores de Caxias.

Neste sentido, Sevcenko aponta que “a politização do dia-a-dia transformou o corpo

do morador da cidade e a sua forma de percepção do mundo exterior, de modo que

os indivíduos passaram a ser colonizados em seus gestos, sentimentos e na própria

maneira de apreender a realidade”75.

Neste percurso enveredado pelas Posturas promulgadas em Caxias no

final do século XIX, pudemos mapear uma cidade onde o Poder Público

implementava ações de racionalização do espaço urbano, iniciando, assim, um

processo de regeneração da urbe pela condenação dos hábitos e costumes, ligados

à sociedade tradicional, que pudessem macular a nova construção imagética de uma

cidade imbricada ao progresso e à civilidade. Este processo, como vimos, foi

constituído por uma gestão autoritária, defendida por uma elite esclarecida e

europeizada.

Este percurso aponta-nos, assim, as fissuras do tecido social caxiense,

marcado por fortes desníveis constituídos historicamente, tendo como base

tradições aristocráticas e escravistas que irão gerar o embate entre o “velho” e o

73
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 01 abr. 1893, p. 01.
74
Id., ibid.
75
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 14.
96

“novo”, no que diz respeito às sociabilidades que emergirão no universo caxiense no

final do século XIX. É este aspecto que veremos a seguir, através do que

denominamos de “novo” mundo do trabalho e do universo de requinte, no seio

elitista da Caxias “belle époque”.


3 OS NOVOS PADRÕES CULTURAIS E O MUNDO DO TRABALHO NA

CIDADE BELLE ÉPOQUE

Para compreendermos o universo sócio-cultural caxiense do final do

século XIX – quanto ao mundo trabalhista que ascendia da escravidão ao trabalho

livre; e dos hábitos de consumo e de lazer, finos e requintados, que diferenciavam a

elite caxiense dos demais habitantes citadinos – não podemos deixar de atentar

para o fato de que, apesar da época ser novidadeira e de euforia progressista, as

relações sociais ainda tinham como suporte as tradições aristocráticas que

subjetivaram a elite caxiense. E para entendermos esta presentificação da tradição

no fim de século caxiense, não podemos deixar de levar em consideração as

práticas de espaço que foram constituindo Caxias e sua tessitura social.

Neste aspecto, lembramos que, inicialmente, Caxias foi um agregado de

aldeias formadas por índios Timbiras e Gamelas que, perseguidos pelos

portugueses na ânsia de reduzi-los à condição de escravos, acolhiam-se às

montanhas e florestas. Estes deslocamentos ocorreram com intensidade a partir do

século XVII, quando os portugueses penetraram no interior da Província do

Maranhão, combatendo as tribos gentílicas, que foram se recolhendo à margem

direita do rio Itapecuru, fundando várias aldeias1.

No começo do século XVIII, os portugueses ocupam as aldeias

abandonadas e fincam o seu poderio, “dando à nova povoação o nome de Aldeias

Altas, [...] em contraposição às primeiras já estabelecidas no Baixo Itapecuru”2.

Nesse processo de constituição do espaço caxiense, a historiografia

maranhense destaca a importância da atuação dos sertanistas, que desbravaram a

1
Cf. MARQUES, Op. cit., 1970, p. 185. COUTINHO, Op. cit., 2005, p. 23-26.
2
DOCUMENTAÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO. Jornal O Estado do Maranhão. São Luís - MA, 1896. p. 113-120.
98

região Norte da colônia portuguesa, como também dos jesuítas, através da

catequese para os gentílicos e da iniciação educacional na região. Para Coutinho3, o

aspecto a destacar em relação a Caxias é que a sua fundação não pode ser

restringida a um período limitado, mas é norteada pelos deslocamentos e

aglomerados de

lavradores e criadores da região, [que] veio a se transformar, a partir


dos 30 primeiros anos do século XVIII, no arraial que foi o núcleo da
atual Caxias, até porque a região se prestava largamente ao cultivo
de arroz, milho, feijão e, principalmente, algodão, assim como a
pastagem era farta e boa para a criação de gado.

Esses dizeres nos proporcionam o entendimento de que não podemos

buscar a emergência de um espaço através de uma origem ou de mitos fundadores,

mas que a sua visibilidade dá-se a partir das práticas que o objetivam. Portanto, é

nas relações estabelecidas, principalmente em torno da agricultura e do comércio,

que se dá a constituição de Caxias.

Com a criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão

pelos portugueses, em 1755, a região ganha uma visibilidade ainda maior como

grande produtora de algodão, como também tem um incremento populacional com a

inserção da etnia negra na condição de escrava.

É partindo deste percurso que podemos entender a constituição da

estrutura social de Caxias na simbiose das relações entre índios, negros,

sertanistas, proprietários rurais, autoridades eclesiásticas e poderio português. Uma

estruturação heterogênea e desigual, onde a posse das riquezas provenientes da

atividade agrícola é que irá definir a posição de cada indivíduo na tessitura social.

Desta feita, é neste contexto que a elite maranhense, e notadamente a

caxiense, surgida com a expansão das exportações agrícolas e afortunada graças à

3
COUTINHO, Op. cit., 2005, p. 24-25.
99

exploração escravista, notabilizar-se-á pela “elegância de seus modos e sua

educação esmerada”, desejosos de imitar os costumes europeus, “cujo gosto foi

ministrado por inúmeras casas comerciais francesas e inglesas existentes na

Província” e pelos “jovens [que] foram quase todos mandados a bons colégios da

França e Inglaterra”4.

Assim, nasce o poderio aristocrático no Maranhão do século XVIII, com

um surto de enriquecimento rápido e uma elite deslumbrada com a própria situação

e com o encantador mundo europeu. Macedo5 afirma que esta elite, além de mandar

os filhos para estudar nos melhores colégios da Europa, não se embaraça “com os

gastos para um bom estágio em cada ano e um justo gozo da cultura e dos prazeres

próprios às grandes capitais como Paris, Londres, Lisboa ou Roma”.

Será neste contexto que emergirá uma cidade chamada Caxias:

latifundiária, escravocrata e profundamente desigual. Nesta cidade escravocrata,

que perdurará até o final do século XIX, mais precisamente até 1888, “os limites e

fronteiras entre os grupos são claros e rigidamente definidos”6, numa convivência

expressa por relações de dominação e com uma definição dos lugares que cada

grupo deveria ocupar na hierarquia do espaço social.

Mas, na segunda metade do século XIX, os alicerces de uma cidade

escravocrata começam a se deteriorar. Contingências externas, como a proibição do

tráfico negreiro em 1850 e o declínio das exportações de algodão, devido à forte

concorrência dos Estados Unidos, irão contribuir para a diminuição do fluxo de

riquezas e de mão-de-obra circulantes em Caxias. Neste aspecto, os discursos

veiculados na imprensa através da elite letrada são agonizantes:

4
D’ORBIGNY apud BARROS, Op. cit., 2001. p. 23.
5
MACEDO, E. T. Op. cit., 2001. p. 69.
6
ROLNIK, R. São Paulo, início da industrialização: o espaço e a política. In: KOWARICK, Lúcio (org.) Op. cit., 1994. p. 96.
100

Todos os ramos da indústria esmorecem e tendem ao amortecimento


completo, faltos de seiva.
A desconfiança matou o crédito e os capitais refluíram para os
grandes centros, deixando exausta a circulação indispensável e
vivificante por todo o corpo social. [...]
Atraídos pela esperança de salvar-se com a venda dos escravos (sic)
desfalcam seus meios de indústria e adiantam sua morte, como um
homem devorado pela fome que em vez de trabalhar e tirar de seu
suor o pão da subsistência, começasse a devorar sua própria carne
como o alimento mais e mais! [...]
Uma nova espécie de proletários forma-se com a venda dos
escravos e é composta daqueles que há pouco tempo possuíam
bens e escravos, e agora privados deles, não têm meios nem aptidão
para o trabalho, conservando para maior vexame a idéia da posição
primitiva, que não podem mais sustentar.7

O cronista revela, através de sua fala, a forte crise por que passava

Caxias com a diminuição do capital circulante. Vê toda a atividade comercial da

região fugir ao fluxo das circunstâncias. Isto teve como conseqüência direta o

desfalque dos plantéis de escravos, com a venda dos mesmos para a região Centro-

Sul. Neste sentido, Ribeiro8 afirma que a população de escravos no Maranhão

diminuiu sensivelmente de 73.245, em 1874, para pouco menos de 33.446, em

1887.

Na fala do cronista, também percebemos a preocupação com os destinos

de uma elite “sem aptidão para o trabalho” e tendo que conservar “para maior

vexame a idéia da posição primitiva”9. Para a elite caxiense daquele período, a

grande batalha seria pela manutenção da posição social arraigada em uma fina

tradição aristocrática, sob a qual “a vida econômica girava em torno de poucas

famílias que monopolizavam a terra e os escravos”,10 e que a prática do trabalho,

principalmente braçal, era visto de forma pejorativa, pois até então o chamado

mundo do trabalho era coisa de escravo.

7
Jornal Diário do Maranhão. São Luis - MA. 9 mai. 1876, p. 01.
8
RIBEIRO, J. A. J. A desagregação do sistema escravista no Maranhão: 1850. São Luis: SIOGE, 1990, p. 63-64.
9
Jornal Diário do Maranhão. São Luis - MA. 9 mai. 1876, p. 01.
10
GOMES, J. T. P. Formação Econômica do Maranhão: uma proposta de desenvolvimento. São Luis: FIPES, 1981, p. 15.
101

Por conseguinte, os dizeres que permeavam os discursos da elite

caxiense giravam em torno das reformas, principalmente no mundo do trabalho, que

os desafios daquele período os colocavam11.

Mas, enquanto as reformas não se materializavam, a elite caxiense

vibrava todas as vezes que a cidade recebia contingentes de imigrantes, na maioria

das vezes fugidos da seca em suas localidades de origem. Foi assim que o

articulista de jornal recebeu, com grande euforia, os cearenses que adentravam em

Caxias em 1877:

Deus os traga. Hoje que a população escrava com quem era


alimentada a agricultura, que se vai aniquilando e desaparecendo,
está sendo vendida e levada quase em massa para o sul do Império;
a vinda e o estabelecimento de homens ativos, diligentes e
industriosos, como são os cearenses, aumentando a produção e
multiplicando as operações comerciais, trará, sem dúvida para a
província, acréscimo de rendas, prosperidade e bem estar.12

Na visão do articulista, os cearenses contribuiriam para a construção de

uma nova cena urbana, delineando assim a percepção de que a cidade passava por

um processo de redefinição dos “lugares”13, em um momento de transição do

trabalho escravo para o livre. Contudo, isto não representava necessariamente a

ruptura de Caxias enquanto espaço hierarquizado, tanto na dimensão social quanto

na geográfica, pois estes trabalhadores iriam ocupar-se no labor das terras e do

comércio pertencentes à elite caxiense, e habitar a periferia da cidade.

Esta nova percepção da cena urbana contribuiu para que em Caxias

ocorressem episódios que, há anos, seriam inconcebíveis em uma cidade

escravocrata:

11
Cf. o primeiro capítulo.
12
Jornal Diário do Maranhão. São Luis - MA. 9 ago. 1877, p. 02.
13
Cf. ROLNIK, Op. cit., 1994, p. 96.
102

Realizou-se no dia 28 [jul/1877] a audiência especial do juiz de


órfãos, o Dr. Cândido Vieira Chaves, na qual este juiz declarou
libertos pelo fundo de emancipação destinado para este município a
24 escravos, seguindo-se a essa declaração nominal a entrega dos
respectivos títulos aos libertados, por intermédio de seus senhores.
Foi uma verdadeira festa da liberdade.
A casa da Câmara Municipal, primorosamente decorada, estava
repleta de gente de todas as classes e hierarquias.14

As dificuldades pelas quais a cidade passava antecipava o desfecho

abolicionista ocorrido no Brasil na década seguinte. Mas este episódio também

desvela a recorrência dos latifundiários ao fundo de emancipação criada no Império,

numa atitude de preservação, nem que fossem a valores mais baixos, de seus

patrimônios.

Contudo, a seqüência da matéria traz uma frase que destoava das

tradições políticas do Maranhão; afirmava-se que aquele faustoso dia representava

um belo consórcio entre “a independência política da Província e a independência

15
civil” . Neste sentido, a linguagem utilizada pelo cronista não correspondia aos

fatos, pois era incoerente se falar em independência política e civil, num país

dominado por um regime monárquico e sustentado pelo trabalho escravo. As

palavras utilizadas pelo cronista partem mais de uma euforia momentânea do que da

significação que as mesmas representavam.

Mas os discursos acerca da escravidão no Maranhão já eram

pronunciados em tons suavizados desde os anos 50 e 60, uma vez que políticos e

fazendeiros já discorriam, através da imprensa, sobre uma “campanha no sentido de

suavizar o tratamento dado aos cativos”16, pois o Maranhão sem o tráfico negreiro

14
Jornal Publicador Maranhense. São Luis - MA. 9 ago. 1877, p. 02.
15
Id., ibid.
16
RIBEIRO. Op. cit., 1990, p. 96.
103

chegava ao uma situação dificílima. A defesa deste argumento partia da noção de

que:

O escravo extenuado de fadiga e vigília não pode prestar a devida


atenção ao trabalho, nem fazê-lo com gosto e dedicação – é uma
máquina cujas molas se vão desgastando todos os dias e que em
breve se deteriora e arruína. Antigamente era fácil substituir uma
máquina desta por outra, e a cobiça nada tinha que ver com a
humanidade; mas hoje o próprio interesse aconselha que se poupe
as forças e a existência do escravo17.

Nesse entendimento, era necessário que se visse o escravo sob uma nova

ótica, pois prolongaria a sua vida útil e, conseqüentemente, traria maior lucratividade

à classe senhorial. Mas Ribeiro18 afirma que esta proposta jamais se tornara

realidade, pois os “maus senhores, apegados aos métodos tradicionais de

embrutecimento do trabalho”, continuavam a prevalecer no Maranhão.

O que se constata em relação ao Maranhão, e em especial a Caxias, é

que a problemática da substituição do trabalho escravo pelo livre já se vislumbrava

como um acontecer irrevogável. E será esta visão que permeará a constituição de

fábricas têxteis no solo caxiense a partir dos anos 80 do século XIX, quando, por

exemplo, a diretoria da primeira têxtil, Industrial Caxiense, comprometia-se a

contratar somente trabalhadores livres para a linha de produção fabril. Afirmavam

que Caxias, além de ser “o primeiro lugar da Província a levar a efeito um

estabelecimento industrial de tão grande alcance, também é o lugar em que o

trabalho livre tem a sua mais solene consagração”19.

Neste aspecto, a nova problemática que se colocava à elite caxiense era o

da constituição do trabalhador livre, isto é, fazê-lo existir fisicamente e notadamente

17
Apud RIBEIRO, J. A. J. Op. cit. 1990, p. 95.
18
Id., ibid.
19
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 14 jan. 1988, p. 03.
104

nos aspectos de qualificação e de disciplina fabril. Para realização destes objetivos,

a diretoria da primeira têxtil contratou inicialmente um mestre especialista em linha

de produção fabril para o treinamento de funcionários20. Também fazia parte dos

estatutos da fábrica a construção de residências para operários mediante razoável

aluguel nas imediações da fábrica, casas estas que inicialmente se destinaram à

mão-de-obra especializada e importada. Para este objetivo, o estatuto da fábrica

alocava recursos em um fundo de seguro e reserva que nos anos 90 já compreendia

o numerário de 25:894$668 réis21. Também o estatuto previa que a fábrica deveria

proporcionar “a seus operários e pessoas de suas famílias a instrução primária,

mantendo para isso uma escola em edifício próprio” 22.

Estas medidas tinham como objetivos o ajustamento da nova classe

trabalhadora ao massacrante ritmo das máquinas, como também o de ter o controle

dos mesmos quanto à assiduidade ao trabalho, já que a fábrica traria,

progressivamente, os trabalhadores para habitarem em suas redondezas.

Esta visão de disciplinamento fabril era extremamente necessária na ótica

elitista, principalmente porque parte da mão-de-obra utilizada pela indústria têxtil era

de mulheres e crianças, que representavam um percentual significativo se

comparado ao contingente masculino. Isto é o que podemos constatar no quadro de

funcionários que dispunha a Industrial Caxiense no início de 1888; dos 96 operários,

28 eram homens, 12 meninos, 44 mulheres e 10 meninas23. Os discursos que

justificavam esta escolha apelavam para a emotividade:

Todos os aparelhos e maquinismos que possui a fábrica são


americanos e o expectador ao contemplar os movimentos rápidos e

20
Cf. Capítulo I deste trabalho.
21
Jornal Cidade de Caxias. Caxias - MA. 25 fev. 1899, p. 04.
22
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 05 ago. 1893, p. 02.
23
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 01 jan. 1888, p. 01.
105

desencontrados de todos esses transmissores e operadores, guiados


pelas mãos delicadas de mulheres e crianças, sente-se tão cheio de
admiração, comoção e alegria, que sem querer solta um bravo
entusiasmo em honra da grande nação que tem por emblema o
pavilhão estrelado24.

Nestes dizeres, a elite atrela ao fabrilismo a missão educadora quanto à

oportunidade que dava às crianças de trabalho, impedindo-as de se perderem no

universo do ócio. Também são generosas quanto às mulheres que, até aquele

momento, não eram reconhecidas no mundo do trabalho.

Mas a materialidade de uma nova prática não se constitui na mesma

velocidade que a euforia fabrilista empreendida pela elite caxiense. Na imprensa da

época, eram comuns matérias que condenavam a indisciplina dos trabalhadores

que, muitas vezes, faltavam ao trabalho para cuidar de suas roças. Na visão da elite,

era inconcebível esta prática, principalmente o fato de que esta nova categoria não

entendesse o importante momento que a cidade vivia e também o aspecto de que o

trabalho fabril traria novas perspectivas de instrução “às camadas mais

desfavorecidas da fortuna” e de “prepará-las para as grandes coisas”25, ou seja, para

a vivência civilizada.

Correia26 afirma que este entusiasmo fabrilista revestido de devaneios

partia do pressuposto de que as fábricas haveriam de proporcionar

seguros meios de vida no trabalho honesto a senhoras e órfãos de


famílias pobres. Teriam, pois, a nobre função social de proteger dos
riscos de perdição aquelas que não haviam sido bafejadas pela sorte
de terem nascido ricas, ou seja, aquelas que cumpriam o seu destino
de mulher juntamente com a fatalidade da pobreza. [...] As fábricas
substituiriam pais e maridos, na sua condição de provedores
materiais e protetores morais desses seres percebidos por
parâmetros da idealidade.

24
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 28 jan 1888, p. 02-03 .
25
Jornal Commercio de Caxias. Caxias-MA. 01 jan. 1888, p. 01.
26
CORREIA, R. L. Op. cit., 1998, p.145.
106

Contudo, esta concepção não superava a tradicional visão acerca do

trabalho dos homens e das mulheres, preservando-se a idéia de que o salário das

mesmas seriam um “suplemento dos ganhos de outros membros da família”27.

Persistia, assim, a condição de subordinação feminina ao universo masculino.

Mas todos estes discursos enalteciam os novos hábitos e a necessidade

de construção de uma prática contínua do trabalho na perspectiva capitalista,

lançando mão da utopia do mundo das máquinas e das chaminés. Neste sentido,

Rolnik28 adverte que este poder fabril tem como princípio a domesticação dos

“corpos e mentes das camadas populares, imprimindo no tecido social da cidade a

segmentação e hierarquia decorrente de um projeto de ordem e disciplina que o

capitalismo, recém-instaurado, necessita para se expandir”.

Dentro desse quadro, a imprensa constituiu-se um espaço fértil de

propagação do ideário progressista em torno do fabrilismo, no qual se percebe,

através de suas matérias, um viés de disciplinamento das mentes dos caxienses em

torno desse novo ideal. Isto é o que percebemos no poema abaixo, direcionado aos

trabalhadores caxienses, em especial aos da fábrica de tecidos:

Hino ao Trabalho.

O trabalho é sublime, é fecundo!


Sobre os cumes estéreis da serra,
D’onde fogem os produtos da terra
D’onde foge o bulício do mundo

Entre a orquestra da serra e do malho


Ele eleva cidades gloriosas,
Planta vilas, aldeias formosas!
É sublime e fecundo o trabalho!

Ontem o mato, deserto, era espesso


E a terra era inculta e árida:

27
SCOTT, J. A mulher trabalhadora. In: FRAISSE, Geneviève e PERROT, Michelle (org.). História das Mulheres no Ocidente.
Vol. 04. Porto: Afrontamento, 1991, p. 458.
28
ROLNIK, R. Op. cit, 1994. p. 51.
107

Nem o sopro somente de vida,


Era tudo sem nome, sem preço!

Entre a orquestra da serra e do malho


Hoje fábricas mil se levantam
E, com hinos alegres, decantam
O sublime e fecundo trabalho

O trabalho da força, da vida.


O trabalho nos liga ao bom Deus
Ele é belo presente dos céus.
Vacilar não devemos. À lida!

[...]

Ricardo de Berredo29, autor do poema, viaja nas asas do progresso

através da simbologia do trabalho, como se fosse um flâneur30 que, na sua trajetória,

revestisse “vales estéreis em cidades gloriosas”, onde antes havia um “deserto

espesso e a terra era inculta”, hoje “fábricas mil se levantam”. Os versos refletem um

imaginário caxiense, construído pela elite, em que a cidade heroicamente venceu a

decadência penetrando no reino do progresso e na visão alegórica da “Manchester

Maranhense”.

O poeta também convoca todos ao trabalho com alegria, pois ele dá vida e

nos liga ao bom Deus, sendo um belo presente dos céus. Assim sendo,

menosprezá-lo seria um insulto ao criador e uma grande ingratidão para com as

bênçãos que Ele nos agracia. É notável nestes últimos versos que, apesar do poeta

flanar nas asas do progresso, através do trabalho, o seu desfecho apelativo reveste-

se das mais sublimes tradições religiosas.

Mas a disciplina operária também é forjada pela punição aos operários

faltosos. Assim é que, em 1893, a diretoria da Industrial Caxiense resolve “proibir a

29
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 01 jan. 1888. p. 01-02.
30
O que distingue o flâneur para Baudeleire é que o desejo de ver festeja o seu triunfo. Assim, ele pode concentrar-se na
observação ou estagnar-se na estupefação. In: BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo.
Obras escolhidas. vol. 03. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 69.
108

entrada dos operários depois de um segundo apito da máquina a vapor, assim como

a entrega de teares na mesma quinzena às tecelãs que por qualquer motivo tenham

faltado ao serviço”31. As fábricas aumentavam assim o rigor nas exigências de

disciplina fabril para com os operários. Contudo, isto não representava

necessariamente em mudança de postura, principalmente porque as condições de

vida da classe trabalhadora era das mais difíceis.

Estas difíceis condições eram retratadas pelo jornal O Operário, que,

apesar de ser editado em São Luís, dirigia-se à toda classe operária maranhense.

Suas matérias eram muita das vezes constituídas de denúncias. Alertavam para o

péssimo hábito que as fábricas maranhense haviam desenvolvido de obrigar o

operário a trabalhar em média dez horas por dia32. Diziam, também, que o tempo de

vida curta e saúde debilitada que afligia o operariado era decorrente das péssimas

condições de alimentação e de moradia33.

Como se vê, os discursos que a elite proferia de que os trabalhadores

teriam dias melhores através do trabalho fabril, como também que morariam mais

condignamente através das residências operárias, não passava de evasivos

devaneios que não correspondiam às práticas de gerenciamento das têxteis

maranhense.

Em Caxias, nos relatórios das fábricas aos seus acionistas, quase sempre

era citado o atraso de operários ao trabalho e a pouca habilidade dos mesmos. No

relatório de1893, a fábrica União Caxiense vangloriava-se dos últimos resultados em

que distribuíam dividendos de 5.400 réis aos seus acionistas por ação integralizada

31
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 29 set. 1893. p. 03.
32
Jornal O Operário. São Luís - MA. 04 dez. 1892. p. 01.
33
Id., ibid.
109

e de 1.500 por ação não integralizada, resultado este superior aos das outras

fábricas maranhenses e da Fiação de Tecidos do Piauí34. O resultado havia sido

alcançado apesar de todas as dificuldades, principalmente com os operários.

Para resolver esta problemática, a elite letrada chegou a cogitar a idéia de

que só a imigração de operários estrangeiros poderia proporcionar um aprendizado

sistemático aos operários caxienses. Louvavam o trabalho desenvolvido no Sul da

República, onde, via de regra,

os operários das fábricas de tecidos são europeus ou filhos de


europeus, educados no trabalho e para o trabalho, habituados a
considerar o tempo e os braços como o seu único capital e,
alimentando além disso a ambição de adquirir um certo bem estar
onde é raro ver uma máquina parada, por falta de quem a dirija.35

Isto contrastava com as práticas dos operários caxienses que,

“preocupam-se mais com os meios de não perder uma festa, do que com os de

ajuntar os recursos para comprar uma casinha ou reunir algumas dezenas de mil

réis para os dias das enfermidades” 36.

Mais uma vez a elite letrada apresentava como referencial a Europa, sem

atentar para o fato de que tantos os operários do Sul da República, como os do

velho continente, sofriam de exploração no trabalho e de espoliação urbana.

Em relação ao salário dos operários, as indústrias têxteis do Maranhão

estipularam dois tipos: o por tempo de serviço e o por peça produzida, sendo ambos

efetuados quinzenalmente. Melo37 afirma que o tipo de salário que chamava mais a

34
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 07 out. 1893, p. 01.
35
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 19 fev. 1895, p. 01.
36
Id., ibid.
37
MELO, M. C. P. de. O bater dos panos: um estudo das relações de trabalho na indústria têxtil do maranhão (1940-1960). São
Luis: SIOGE, 1990. p. 66.
110

atenção dos operários era o por peças, pois “despertava no trabalhador atração em

prolongar a jornada de trabalho a fim de aumentar o seu salário”. Era também a

forma predileta de pagamento de salário dos dirigentes das fábricas, pois contribuía

para uma permanência maior do trabalhador na linha de produção e de uma

produtividade mais considerável. Esta prática contribuía para extenuantes jornadas

de trabalho em que o trabalhador iludia-se com os rendimentos que auferia.

Para esclarecer a categoria sobre esta situação é que o jornal O Operário

constantemente conclamava a todos para se unirem e lutarem por condições de vida

mais dignas38. Só que estes dizeres não alcançavam nem mobilizavam a todos,

principalmente os operários da interiorana Caxias.

Percebe-se que faltava à classe trabalhadora uma maior mobilização no

sentido de organizar-se para reivindicar seus direitos. Este aspecto não era distintivo

da classe trabalhadora maranhense, mas se repetia em todo o Brasil. Observa-se

que o estilo de relações de trabalho era baseado no autoritarismo e na não

regulamentação do trabalho fabril. As tradições escravistas ainda permeavam a

visão de trabalho no Brasil daquele período.

Mas o novo trabalhador que a elite caxiense precisava moldar aos seus

novos interesses não se restringia somente ao âmbito das indústrias têxteis; dizia

respeito a todas as relações de trabalho praticadas na cidade, principalmente no

âmbito doméstico, onde a abolição da escravidão extinguiu os tão úteis serviçais,

incumbidos de realizar os afazeres domésticos.

Para preencher esta lacuna, a Câmara Municipal de Caxias, no ano 1889,

organizou Posturas que se propunham, especificamente, regulamentar as relações

38
Jornal O Operário. São Luís - MA. 23 jul. 1893, p. 01.
111

de trabalho no âmbito privado. Nestas Posturas definia-se os papéis do criado e do

patrão. Em seu artigo 1º definia que criado era

toda pessoa de um e outro sexo, que tiver ou tomar mediante salário,


a ocupação de moço de hotel, casa de pasto, hospedaria, de
cozinheira ou copeiro, hortelão ou de ama de leite, ama seca, lacaio
e, em geral, de qualquer serviço doméstico39.

Já o patrão seria aquele que contratasse um criado por tempo

determinado ou indeterminado, mediante pagamento de salário40.

Todo criado deveria possuir uma caderneta de registro com inscrição nos

livros da delegacia de polícia destinados a este ramo de serviço, sendo proibida a

contratação de criados sem caderneta registrada41. No ato de admissão do criado, o

contrato deveria constar na caderneta e, por ocasião da saída, o motivo da

demissão. Os contratos poderiam ser feitos por tempo determinado ou

indeterminado.

Percebe-se que toda simbologia que permeia estas Posturas estão

baseadas no trabalho livre. No entanto, as mesmas regulamentavam velhas funções,

como a de cozinheira e ama de leite. A elite preocupava-se, desta forma, em manter

velhos hábitos que distinguia o seu status social, só que agora normatizados e

envoltos na roupagem do trabalho livre. Amarrava também as relações de trabalho

ao afirmar que o criado que abandonasse suas funções deveria, dentro do prazo de

três dias, apresentar-se à polícia com sua caderneta42. O criado que ajustasse seus

serviços por tempo indeterminado, ao se retirar, deveria comunicar seu patrão com

39
Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
40
Id., ibid.
41
Artigos 2º, 3º e 4º. Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
42
Artigo 6º. Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
112

antecedência de quinze dias. E os serviços contratados por tempo determinado só

poderiam ser abandonados por justa causa. As Posturas compreendiam como justa

causa:

1º: doença que sensivelmente o impossibilite ao serviço; 2º: falta de


pagamento do seu salário na época convencionada; 3º: maus tratos
do seu patrão ou de pessoas de sua família, reconhecidos pela
autoridade; 4º: exigência de prestação de serviços que estejam no
contrato ou de prestação de outros contrários à lei e bons costumes,
igualmente reconhecidos pela autoridade43.

Mais uma vez, a câmara legislava posturas revestidas com ares de

modernidade, em que persistia as mesmas dificuldades de legislações anteriores, ou

seja, o fato de a câmara não contar com um aparato fiscalizador que respaldasse a

praticidade da lei. Em relação à Postura citada, a Câmara colocava o poder

fiscalizador quase que exclusivamente nas mãos do delegado; e a grande questão

que se colocava era se o mesmo teria autonomia de averiguar possíveis queixas

deflagradas por criados contra seus patrões, considerando-se que o cargo de

delegado no município atendia a conveniências políticas, portanto, a interesses da

elite caxiense. Por trás do verniz de uma lei moderna, o que se percebe é que o

criado, através da caderneta, continuava preso; não mais ao seu senhor, mas a seu

patrão. Mudavam-se as nomenclaturas, mas não as práticas. Neste sentido, o criado

não era uma subjetivação totalmente distanciada da figura do escravo, mas um

“novo” trabalhador envolto em estruturas de arcaicos privilégios elitistas.

Também o patrão teria um rol de justas causas para demitir o criado:

1º: doença do criado de que prive de prestar os serviços para que


fora ajustado; 2º: embriaguez; 3º: recusa ou imperícia para o serviço
ajustado; 4º: negligência ou desmazelo no serviço depois de
advertido pelo patrão; 5º: saída da casa sem ordem e licença do
patrão; 6º: injúrias, calúnias ou qualquer outra ofensa criminosa feita

43
Artigo 9º. Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
113

ao patrão ou pessoa de sua família; 7º: a prática de atos contrários à


lei, à moral e bons costumes; 8º: infidelidade; 9º: excitar o criado à
discórdia na família44.

Como vemos, havia motivos de demissão por justa causa objetivos e

também subjetivos. Nas causas objetivas, o criado estava preso a uma prestação de

serviço exemplar, não tendo hora para iniciar suas atividades nem tampouco para

concluí-las. Nas causas subjetivas, estava preso à visão de moralidade da época,

tendo que ser polido em seus gestos e fala. Neste mesmo artigo, havia um inciso

que afirmava que criada solteira que apresente “sintomas de gravidez poderá ser

igualmente despedida, independente de aviso prévio ou da terminação do

contrato”45. O inciso não possibilitava nenhum direito de defesa nem averiguação

quanto à paternidade da criança. A criada grávida passa a ser um estorvo à elite

caxiense, tanto no que diz respeito às relações de trabalho, quanto ao bom zelo da

moralidade familiar.

Quanto à pessoa que exercesse ocupação de ama de leite, além de

cumprir com o que diz respeito aos criados de modo geral, deveria comparecer à

polícia a fim de ser examinada por um médico, que deveria colocar na caderneta as

suas condições de saúde. Era vedado à ama de leite amamentar mais de uma

criança, podendo ser demitida por justa causa se fosse detectado vícios na mesma

que prejudicasse a criança, ou por falta de leite ou decomposição do mesmo46.

Neste quesito, percebe-se que as senhoras da elite continuavam sem querer

amamentar os seus próprios filhos, preferindo resguardar uma tradição tipicamente

escravocrata. Neste sentido, passou a ser comum aparecerem anúncios na

imprensa requisitando os serviços de ama de leite, como que se segue: “Manoel de

44
Artigo 10º. Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
45
Id., ibid.
46
Artigos 11º, 13º e 15º. Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ do País, 1889.
114

Pinho e Castro precisa de uma ama de leite, sem filho e em boas condições de

saúde. Paga-se bem”47.

A Postura também regulamentava o serviço prestado por menores,

afirmando que “os contratos para serviços de menores só poderão ser efetuados

com os pais ou tutores que ficarão responsáveis pelo cumprimento do contrato e fiel

execução desta postura”48. Assim como a elite via como uma benesse a aceitação

de menores no trabalho das fábricas, também era motivo de orgulho a aceitação do

trabalho doméstico realizado por menores, pois era uma forma, nesta visão, de

contribuir para a educação dessas crianças não afortunadas pelo destino,

constituindo-se, assim, uma sublime missão da elite caxiense.

As Posturas também traziam artigos em que a caridade e a moral religiosa

eram o parâmetro. No artigo 17, inciso 3, apontava-se como dever do patrão o

cuidado para com o criado acometido por moléstia passageira sem perda do seu

salário. Contudo, se “a moléstia prolongar-se por mais de oito dias ou for grave, de

caráter contagiosa fará recolhê-lo a algum hospital ou lazareto, caso não tenha ele

asilo próprio para ser tratado”49.

Neste inciso, apesar de ser revestido por uma moral religiosa, há toda uma

preocupação em isolar o criado acometido de doença contagiosa, resguardando o

lar do patrão de contágios endêmicos, como também de possíveis pendências

judiciais. Era necessário que as normas não deixassem brechas que pudessem ferir

os interesses da elite caxiense.

47
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 05 ago. 1893, p. 04.
48
Artigo 20º. Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
49
Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
115

Quanto ao aspecto da folga do trabalhador, a única brecha que a lei

normatizava era da obrigatoriedade do patrão de dispensar o seu criado para

“assistir aos ofícios divinos nos domingos e dias santos”50. Desta feita, as

celebrações religiosas funcionavam como um refrigério ao fatigável serviço

doméstico.

A preocupação da elite caxiense em normatizar, através do poder público,

o trabalho doméstico ocorria como uma exigência dos novos tempos, em que a

mística do trabalho livre iria subsidiar todas as práticas trabalhistas desenvolvidas no

solo caxiense a partir daquele período. Estas normas partiam também de uma

preocupação da elite de preservar toda uma tradição de comodidade no seio

familiar, onde afazeres braçais distinguiam as posições sociais. Enfim, o instinto de

preservação norteava as práticas da elite caxiense que, enebriada com os novos

tempos do progresso, não queria perder todo um repertório de costumes enraizados

em uma tradição europeizada. Manter-se fina e elegante era um substrato do status

que a mesma alcançara há várias gerações.

3.1 Mundanismo chique e elegante no universo elitista

O mesmo universo mental que permeou a montagem de indústrias têxteis

em Caxias no final do século XIX, subsidiou a prática de hábitos de lazer e de

consumo, finos e requintados, no mesmo período. Falar da Europa, e em especial da

Inglaterra e da França, era comum nas rodas sociais caxienses, como também nas

notícias veiculadas pela imprensa.

50
Artigo 17º, inciso 4º. Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís: Typ. do País, 1889.
116

Caxias, assim como todo Maranhão, possuía uma tradição cultural muito

próxima do universo europeu, não obstante a longa distância geográfica. Desde a

segunda metade do século XVIII que os navios a vapor traziam notícias e produtos

do velho mundo. Também havia uma tradição educacional muito forte entre os

maranhenses e a Europa, pois, até a primeira metade do século XIX, os filhos da

elite maranhense eram enviados quase que na sua totalidade para cursarem o nível

superior naquele continente. As faculdades brasileiras só foram visualizadas na

segunda metade do mesmo século, quando, por exemplo, Francisco Dias Carneiro

cursou direito na faculdade do Recife. Ter um filho doutor em medicina ou advocacia

era um desejo que a elite maranhense não media esforços em alcançar.

Enfim, não era novidade no universo caxiense fim de século o

extasiamento com a Europa, nem era privilégio de uma cidade interiorana. Isto fazia

parte de um universo mental que envolvia toda a elite brasileira, a quem os ingleses

magnetizavam com seus maquinários modernos e os franceses com seus artigos de

luxo e valores filosóficos e comportamentais, que “davam o tom de elegância e

civilidade às novas sociedades urbanas desejosas de alinhamento com os padrões

de modernidade51.”

Needell52 explica que o fetiche mercadológico causado na elite brasileira,

e notadamente carioca, pelas manufaturas de luxo da Europa não era decorrente de

uma aspiração de ascensão social, mas de identificação cultural. Viver ao estilo de

um aristocrata europeu era o que revestia o imaginário da elite brasileira.

Em Caxias, o desejo de expressar a posição social e o requinte que a

envolvia era manifesto nos mais diversos eventos sociais, desde solenidade cívicas,

51
PONTE, S. R. Op. cit.,1993. p. 145.
52
NEEDELL, J. D. Belle Époque Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 193.
117

inaugurações, festas religiosas, exibições teatrais e saraus. Enfim, em toda

oportunidade de apresentação pública a elite caxiense exibia-se a seus pares e se

distinguia daqueles alijados dos prazeres da fortuna.

Um dos espaços de sociabilidades mais concorridos em Caxias dizia

respeito às festividades religiosas. Tendo uma história marcada pela forte presença

do catolicismo, a cidade possuía um calendário devocional que compreendia quase

todos os meses do ano. Comemoravam as festividades de São José, mês mariano,

São Benedito, Santo Antônio, festejado no bairro Ponte; Sagrado Coração de Maria,

Nossa Senhora dos Remédios, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora

Conceição, Nossa Senhora de Nazareth, festejada no bairro Trezidela; Semana

Santa e Natal.

Nesses eventos ocorriam novenários, missas e, principalmente, as

quermesses, onde os leilões eram bastantes concorridos:

Com o esplendor do costume, efetuou-se a 15 do corrente a festa de


São Benedito, na respectiva matriz; e não obstante o imenso pó que
inundava o largo da igreja foi enorme a concorrência do povo.
As jóias recebidas foram com tanta profusão que o leilão delas
começado na véspera, só foi concluído na noite de 16, depois de
uma ladainha cantada a grande instrumental e anunciada com
antecedência, produzindo 614:300 réis, resultado este lisonjeiro, para
o que muito concorreu a comissão e o ativo procurador da
irmandade, que não pouparam esforços para bem desempenhar o
cargo que acertadamente lhes foi confiado [...]53

A imprensa sempre divulgava estes momentos de profunda religiosidade e

enfatizava que estes representavam oportunidades das pessoas de desprenderem

“seus espíritos das ilusões mundanas” 54. Nestas festas também havia a presença de

53
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 22 ago. 1891, p. 01.
54
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 17 ago. 1894, p. 02.
118

bandas de música, como a do Sr. Cariman, Sr. Bernardo, A Banda do Ponte. As

igrejas ficavam lotadas com seus arredores pomposamente decorados e com muitos

devotos pagando suas promessas e concorrendo com esmolas e donativos. Mas

também eram momentos em que as pessoas exibiam seus vestuários e distinguiam-

se socialmente.

A imprensa detalhava estes momentos como o que citaremos a respeito

das festividades do glorioso Santo Antônio:

Tudo ali trescalava poesia!


A música, as luzes, o gargantear de mil vozes argentinas formavam
um conjunto de tríplice expressão, por meio do qual a alma parecia
misteriosamente segredar com a divindade.
Aquele aluvião de corpos, esbeltos, atraentes, buscando em balde
fugir às duras prisões da mais frágil e deslumbrante toillete, de fino
tecido, ia e vinha em constante boliçar de fugitiva ondina55.

O universo mental transmitido pelos dizeres do cronista transitam entre o

sagrado e profano, entre o momento de misterioso encontro com o sobrenatural

onde as pessoas se desprendem de seus pecados, sacralizando corpos e mentes;

como também de confraternização social onde a ambiência da igreja, por mais

místico que esteja, não dissipa os contrastes nem esconde a posição de cada um no

contexto social. Aliás, a igreja também constitui-se um espaço de segregação, pois

aloja em seu domínios os restos mortais dos mais nobres cidadãos caxienses, não

se constituindo, neste caso, como simples cemitério, mas como um canal que leva

os afortunados à presença divina. A igreja também dá suporte religioso às várias

irmandades constituídas na cidade, como, por exemplo, a de Nossa Senhora do

Rosário, Nossa Senhora da Conceição, São Benedito e Sagrado Coração de Jesus.

Como associação de caráter religioso, as irmandades atraem significativamente os

55
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 17 ago. 1894, p. 02.
119

caxienses, que assim se sentem participantes do projeto salvífico, direcionado pela

igreja aos caxienses.

Fazem parte também do universo cultural caxiense as associações de

caráter social, como a Sociedade Protetora dos Artistas56, fundada na década de 70,

com o objetivo de agregar e proteger os artistas da cidade em caso de indigência ou

moléstia, como também de ajudá-los na inserção no mercado de trabalho,

contribuindo no aperfeiçoamento intelectual e moral57. Podiam fazer parte desta

associação homens livres, de bons costumes e que exercessem profissão honesta,

sendo que os associados contribuíam para um fundo de reserva com participação

individual de 50$000 réis58.

A formação de associações de caráter social no final de século caxiense

foi muito fecunda, tendo os mais diversos objetivos como, por exemplo, a

constituição de espaços de lazer como Pastores Club59, a continuação das obras do

teatro Phenix,60 já não condizente com os anseios caxienses, a Sociedade

Beneficente de Artistas e Mecânicos Caxienses,61 inserida no contexto fabril da

cidade, o Club Dramático e Recreativo, destinado à montagem e exibição de

espetáculos teatrais62.

A Associação Dramática e Recreativa passou a oferecer, com uma certa

freqüência, entretenimento aos caxienses, exibindo peças teatrais dos mais variados

estilos, como, por exemplo, as comédias Os Primos, O Recomendado de Lisboa, O

Judas em Sábado de Aleluia e o drama Os Filhos do Trabalho, apresentados em

56
Lembramos que a palavra artista naquele período dizia respeito a toda atividade laboriosa exercida pelas pessoas.
57
Estatutos da Sociedade Protetora dos Artistas Caxienses. In: Jornal Publicador Maranhense. São Luís - MA. 23 jan. 1877. p.
01.
58
Artigo 4º. Estatutos da Sociedade Protetora dos Artistas Caxienses. In: Jornal Publicador Maranhense. São Luis-MA. 23 jan.
1877. p. 01.
59
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 08 ago. 1891, p. 01.
60
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 19 set. 1891, p. 01.
61
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 23 mar. 1894, p. 02.
62
Id., ibid.
120

189463. No final do mesmo ano, já se ensaiavam novos espetáculos, como as

comédias: Posso Falar à Senhora Queiroz?, Os Irmão das Almas, Um Tolo Como

Há Muitos e O Amigo Banana64.

A cidade também recebia atrações artísticas de fora, como o espetáculo

apresentado pelos artistas nacionais Anastácio Borges e José Magno, que se

apresentaram em Caxias em janeiro de 189465. Em Março de 1895, apresentaram-

se os artistas Câmara Madureira e Maria Adélia com as comédias: A Ordem É

Ressonar e Amo e Criado.66 Sempre que estas apresentações chegavam à cidade,

a imprensa festejava-os por trazerem diversão.

Outro aspecto que merece comentário diz respeito a possíveis atos de

incivilidade praticado por indivíduos da platéia durante os espetáculos. Foi o que

ocorreu nas apresentações de 1894, quando foi noticiado que, durante os

espetáculos, certas pessoas apresentaram costumes “só admissíveis em circos, com

fortes pancadas nos bancos, vozerias que não deixam ouvir os atores e ditos

picantes que provocam intervenção da polícia67.”

O cronista não cita nomes, mas condena veementemente tais atos que

devem ser abolidos, “por serem impróprios da civilização da nossa sociedade68.”

Nesta visão, o teatro deveria ser entendido, principalmente pelos incultos, como um

veículo transmissor da civilidade e modernidade daqueles tempos, cujos conteúdos

culturais deveriam ser incorporados. Neste sentido, Queiroz69 explica que o teatro,

no século XIX, está “marcado pela representação de dramas e comédias e por

espetáculos em torno do maravilhoso e do fantástico.”

63
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 20 mar. 1894, p. 02.
64
Id., ibid.
65
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 13 jan. 1894. p. 01.
66
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 30 mar. 1895. p. 02.
67
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 13 jan. 1894. p. 01.
68
Id., ibid.
69
QUEIROZ, T. Op. cit., 1998, p. 37.
121

Tudo o que representasse hábitos modernos e civilizados extasiava a

imprensa caxiense. Isto foi demonstrado por um cronista do jornal Gazeta Caxiense ,

ao apreciar um fonógrafo de propriedade do Sr. Manoel Pereira dos Santos, que o

exibia aos caxienses mediante remuneração. O cronista afirmava que, apesar de o

aparelho ainda não reproduzir sons de qualidade, deve ser apreciado pelos

caxienses70. O fetiche pelos maquinários modernos exerciam uma certa embriaguez

na imprensa caxiense, que sempre conclamava a todos a participarem desse êxtase.

Outro universo de sociabilidades bastante apreciado pela elite caxiense

era o baile, promovido em clubes ou em ambientes particulares. Para a realização

deste eventos, a elite contratava pessoas especializadas em decoração e em uma

fina culinária. Nos anos 90, o hotel Café Pic-Nic, de propriedade do Sr. Antônio

Lopes e o mais moderno da cidade, era o mais requisitado para a organização de

eventos desta natureza, como podemos perceber na citação abaixo:

Esplêndido! Imensamente esplêndido o baile à fantasia promovido


pelo Lopes do Pic-Nic no dia 04 do corrente (sic), no palacete do
coronel Negreiros.
À noite, o palacete decorado com primor tinha as salas inundadas de
luz, e completamente repletas de convivas, entre os quais
cavalheiros e donzelas, que trajando à fantasia, dava mais realce ao
encanto daquela festa deliciosa, fazendo em tudo lembrar os
misteriosos palácios das fadas tão bem descritos pela fantástica
pena do autor das mil e uma noites.
Nós, expectadores, pela primeira vez de tal função, ficamos
enlevados sem sabermos o que mais admirar, se a beleza ou as
toilets das gentes deidades que ali se achavam71.

As descrições jornalísticas acerca destes eventos eram minuciosas.

Descreviam a decoração ambiente, a elegância e a fineza dos convidados, as

danças executadas, o requinte da culinária oferecida pelo anfitrião e, por fim, de

70
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 13 fev. 1894. p. 02.
71
Id., ibid.
122

modo especial, a postura e o toalete das mulheres. Neste aspecto, em um baile

realizado na residência do Tenente-Coronel José Castelo Branco da Cruz, o cronista

do jornal Gazeta Caxiense, na descrição que faz do evento, observa a falta de

algumas senhoras da sociedade caxiense e faz comentário que beiram a jocosidade:

O belo sexo, que já nos ia fugindo do bico da pena e que nos


perdoará a falta, apresentou-se trajando a “la mode” de Paris.
Estava formoso como sempre e constantemente alegre e risonho.
O belo sexo caxiense é, como o nome indica, sempre belo.
Houve no tocante à toilets, muita lã e alguma seda.
Talvez mesmo o fato de se falar antes em seda fosse o motivo de
nos ser roubado o prazer de ver lá algumas de nossas conhecidas.
Não deixeis nunca minhas queridas e amáveis leitoras de ir a um
baile por falta de seda.
O internúncio apostólico no Rio, acaba de proibir o uso da seda em
vista da baixa do câmbio72.

O requintado padrão da sociedade caxiense estava atrelado ao

afrancesamento como uma perspectiva de vivência civilizada e de rompimento do

provincianismo da cidade73. Para isto, era necessário estar em dia com os costumes

e a moda parisiense. Benjamin74 afirma que Paris foi a capital do século XIX, ditando

modas, modelos e figurinos a serem seguidos pelo mundo ocidental, compelindo

homens e mulheres a renovarem constantemente o seu guarda-roupa. Assim o foi

na Europa, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Maranhão e na interiorana Caxias.

Este modelo referendou e distinguiu a elite caxiense, sequiosa de demonstrar a sua

superioridade social e estética.

Esta superioridade era demonstrada sempre que a elite deparava-se com

as sociabilidades praticadas pela categorias sociais mais humildes, como no

72
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 03 out. 1893, p. 02.
73
Cf. PONTE, S. R. Op. cit., 1993. p. 150.
74
BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: BENJAMIN, Walter. Grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1985.
123

carnaval, que se constituía no maior evento de encontro das diversas classes, como

também de visibilidade dos desníveis sociais existentes em Caxias.

Esta festa popular que teve lugar entre nós nos dias 12 e 14 deste
mês, correu com mais animação do que nos anos anteriores, tanto
pelo número de mascarados, como pelo gosto com que a maior parte
deles se prepararam.
Saíram dois grupos: do comércio e dos artistas.
O primeiro, acompanhado de duas bandas de músicas, continha
mais de 50 sócios, tornando-se notáveis a companhia de ursos, em
que se via 3 destes animais perfeitamente caracterizados,
acompanhados por 2 homens e 1 mulher, que faziam-nos dançar
com naturalidade [...].
O segundo, acompanhado de outra banda de música era tão
numeroso e interessante como o outro, mas por andarem dispersos
os seus sócios, não podemos diferenciá-los, se não no baile com que
concluíram a diversão na noite de 14.
Além desses grupos saiu o terceiro tocando tambor, a semelhança
dos pretos. Compunha-se apenas de quatro mascarados75.

Apesar de Caxias ser uma cidade interiorana, dividir espaço com os mais

humildes, para a elite, era uma experiência nada satisfatória. Por isso, no período de

carnaval, organizavam-se bailes em clubes ou em residências particulares. Mas a

visibilidade que as manifestações populares causavam, principalmente no período

do carnaval, eram sempre motivo de comentários na imprensa. Isto é o que

podemos perceber nos dizeres de um cronista ao comentar as manifestações nos

três dias de 1894:

O certo é que no domingo, segunda e terça-feira, os três dias únicos


comumente considerados como carnavalescos, em lugar de muita
carne tivemos alguns qui pro quos resultantes do desenfreado
brinquedo de entrudo76.

A elite concebia o entrudo como uma manifestação carnavalesca onde os

comportamentos exacerbados eram estigmatizados como sendo de baderna,

75
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 18 fev. 1893, p. 01.
76
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 09 fev. 1894, p. 03.
124

inconcebíveis até mesmo em tempos de carnaval, muito diferente da moderação

gestual exibida pelos blocos por ela organizados. A crônica prossegue relatando o

episódio e destacando que dos “mascarados que percorreram as ruas da cidade [...]

poucos conseguiram prender a curiosidade pública”77. Completa afirmando que,

quanto ao carnaval daquele ano, o que ficaria registrado seria os magníficos “bailes

carnavalescos do domingo e terça-feira em casa do Tenente-Coronel César

Negreiros”78. O cronista, para desconstruir a memória negativa que o carnaval

daquele ano deixaria, em razão do “brinquedo do entrudo”, realça o esplendor dos

bailes organizados pela elite.

As sociabilidades desse período também foram marcadas pela música

clássica, desenvolvida pelas damas caxienses ao piano. Estes encontros, que

aconteciam no reservado ambiente familiar, recebiam o nome francês de soirée:

Raríssimas vezes tenho assistido a um concerto musical como


realizado sábado passado, dia 8, em casa do sr. José Antônio Lopes
Pastor, que convidou a seleta sociedade caxiense para assisti-lo.
Foi uma festa esplêndida e deslumbrante. [...]
A noite estava magnífica, às 8:30h pouco mais ou menos, quando os
salões e salas regorgitavam de famílias da escolhida sociedade
caxiense deu-se começo ao concerto.
As exmas. sras. D. Henriqueta e Estephania Pastor, delicadas e
inteligentes pianistas, sobrinhas do promotor do concerto, ocuparam
o piano e executaram com perícia admirável a grande música de G.
Verdi intitulada Geovanna D’Arco – sendo aplaudidas com grandes
salvas de palmas79.

Percebe-se, nestes eventos, as novas sociabilidades que emergem

associadas ao refinamento cultural e a emblemas de classes cultas. Queiroz80 afirma

que

a música, no conjunto das novas explicações sobre o mundo, era


vista como fator de civilidade, como sinal de humanidade, como
reforçadora dos sentimentos mais nobres de altruísmo social. Neste

77
Id., ibid.
78
Id., ibid.
79
Jornal Commercio de Caxias. Caxias-MA. 15 ago. 1891. p. 01.
80
QUEIROZ, T. Op. cit., 1998, p. 51-52.
125

sentido, estava diretamente relacionada às novas sociabilidades


impostas pela ordem do progresso e da civilidade.

Mas estas sociabilidades que traziam o universo parisiense para o espaço

privado de poucos privilegiados caxienses, contrastavam totalmente com as

sociabilidades populares que pouco espaço ocupavam nas matérias jornalísticas. E

quando isto acontecia quase sempre eram tratadas de forma pejorativa, pois a

vivência do caxiense comum e despossuído da fortuna continuava atrelada às

práticas agrícolas tradicionais ou à condição de mão-de-obra barata na indústria,

diferentemente do universo mental e de sociabilidades que envolvia uma elite

abastada e consumidora de finos produtos importados.

Neste aspecto, as páginas dos jornais estavam impregnadas de anúncios

não só referentes a vestuário, mas a um conjunto variado de produtos como

alimentos, bebidas, anúncios de profissionais na área de cabeleireiro, costureiro, de

perfumes manipulados, etc. Enfim, produtos finos que atendiam ao requinte dos

mais abastados e despertavam a atenção por virem do chamado “mundo elegante”.

Estes produtos eram muitas vezes importados de países da Europa e dos Estados

Unidos e chegavam à cidade através dos vapores que navegam pelo rio Itapecuru.

A demanda por novos produtos passa a ser um fator diferenciador no seio

social. E é na imprensa, através de seus anúncios propagandísticos, que ecoam os

hábitos de consumo da elite, onde palavras como requinte e luxo, constantemente

empregadas, exacerbam os novos padrões, como mostra um anúncio da época.

Um fato que traz hoje preocupada a atenção do público caxiense e,


especialmente do belo sexo, é o grande chique e esplêndido
sortimento de fazendas de luxo, que chegou pelo último vapor para
creditada casa de Frederico José Viana! [...]
126

Em brins, casimiras e outras fazendas de merecimento, próprias para


roupa de homem, também não admite competidor.
Ali vende-se fazendas para toilette, chiques e elegantes.81

As casas comerciais, através dos anúncios, procuravam chamar à atenção

do público listando os sortimentos finos à venda, como também enfatizando a origem

dos mesmos. Dirigiam-se principalmente ao universo feminino, adjetivado de belo

sexo, através do fetiche mercadológico que estes sortimentos proporcionavam por

estarem em consonância com o que havia de mais moderno:

Anfrízio Leandro Lobo, recentemente chegado das capitais do


Maranhão e Pará, tem seu estabelecimento comercial um variado
sortimento de tecidos abertos, de todos os gostos; fulares de seda,
última moda; lindos chapéus para passeio, o que há de mais chique;
leques finíssimos, enfeites de todos os gostos e feitios, tanto de seda
como de algodão; perfumaria, completa escolha dos mais
acreditados e afamados produtores; fazendas em geral, molhados e
ferragens, infinita e inumerável misselanea do que há de melhor e
mais moderno no grand monde82.

O imaginário da cidade passa a ser recoberto pelos novos desejos

atrelados ao consumo capitalista ou impregnados pela vontade de consumir, tão

fetichizado pelos meios de comunicação. Com efeito, a publicidade foi muito

importante para a criação da necessidade de consumo de novidades, incluindo bens

de caráter supérfluo.

Circulava também na cidade publicações especializadas em moda, como

a revista Elegante, editada em São Luís. Nesta revista, a França era o destaque e

Paris era classificada como o centro luminoso do progresso83. Tinha como objetivo

colocar os distintos clientes da Alfaiataria Teixeira, tanto da capital como do interior,

em perfeita consonância com o que havia de mais moderno na moda européia.

81
Jornal Commercio de Caxias. Caxias - MA. 10 out. 1891, p. 04.
82
Jornal Gazeta Caxiense. Caxias - MA. 12 mai. 1893, p. 02-03.
83
Revista Elegante. São Luís - MA. 30 set., nº. 07.1892.
127

Recorria a crônicas, como também a versos, para transmitir aos seus leitores toda a

simbologia que envolvia a moda:

Triolet

Estamos num céu aberto,


Amamos firmes a moda.
Já Paris temos bem perto.
Estamos num céu aberto!
Do mundo na grande roda,
Vê-se o gosto em trilho certo.
Estamos num céu aberto,
Amamos firmes a moda84.

Os versos expressam a importância que a França possuía na constituição

dos padrões culturais elitistas da época, principalmente no tocante à moda,

envolvendo tanto o universo masculino quanto o feminino; pois o apresentar-se

socialmente de maneira elegante era um requisito indispensável e demarcador do

status social.

Foto 9: A moda d’A Revista. Fonte: Revista do Norte.

Tanto a revista Elegante como outras publicações transmitem todo um

imaginário no qual Paris estava logo ali, bem ao alcance. O “centro luminoso do

progresso” irradiava o bom gosto através da moda; cabia aos maranhenses

84
Revista Elegante. São Luís - MA. 11 jul. nº. 04,1892.
128

participar da “grande roda”. Neste sentido, quem não se conectasse estaria abrindo

mão da possibilidade de ser feliz.

Triolet

Larga o terno meu Luiz,


Que esta velho, arruinado,
Tu assim não és feliz.
Larga o terno meu Luiz,
Teu corpinho bem formado
Com tal coisa já não diz.
Larga o terno meu Luiz85.

A revista vende a idéia de que a felicidade estava atrelada a um padrão

estético, onde obedecer a moda era “um princípio legítimo, natural e

reconhecidamente necessário [...], que nasceu do instinto valoroso e salutar da

imitação [...], que constitui um seguro elemento de moralidade e de progresso” 86.

Este era o universo mental que norteava os padrões culturais da elite

maranhense. Caxias, postada à sombra da nomeação histórica de Princesa do

Sertão, e naquele momento euforicamente rotulada de a Manchester Maranhense,

não poderia deixar de comungar e de desfrutar do requintado mundo novo, num

período em que o universo belle époque predominava no seio elitista brasileiro.

85
Id., ibid.
86
Revista Elegante. São Luis - MA. 31 jan. 1893. nº. 11.
129

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nossa pesquisa reuniu um grande volume de artigos de jornais, leis,

regulamentos e códigos de posturas que nos ajudaram a compreender como,

através dos discursos e práticas da elite caxiense, foi sendo forjada uma cidade

fabril e conectada aos símbolos modernos. Constatamos que o tipo de experiência

moderna vivenciada pelos caxienses, no final do século XIX, não pode ser

significada como um período histórico, mas como uma condição histórica, isto é, o

aparecimento de novos padrões e valores com os quais os caxienses se articularam

a uma estética, a uma economia, a uma política. Isto decorre da percepção de que

as representações simbólicas construídas acerca da cidade, principalmente por meio

da imprensa, foram mais fortes e contundentes do que as transformações materiais

operacionalizadas no seio citadino.

A Caxias fabril e moderna foi mais visível através dos sonhos e da euforia

da elite do que das próprias ações de caráter modernizador que a cidade vivenciou.

Fábricas têxteis existiram em Caxias e, diga-se de passagem, foram quatro. Só que

isto se deu dentro do contexto histórico do Brasil daquele período, isto é, com

maquinário importado, principalmente da Inglaterra e dos Estados Unidos, com uma

tecnologia já obsoleta para os padrões de desenvolvimento capitalista vivenciados

pelos países mais avançados.

Isto resultou em inúmeras dificuldades percorridas pelo fabrilismo têxtil

caxiense. A primeira grande dificuldade foi em relação ao transporte do maquinário

dos Estados Unidos e da Europa para a cidade; em seguida, houve dificuldade em

contratar mão-de-obra especializada e importada para a montagem dos


130

equipamentos e treinamento de operários; por último, a mão-de-obra existente na

cidade estava acostumada à prática do plantio e ao trabalho no comércio;

conseqüentemente, as diretorias fabris tiveram de trabalhar no sentido de formar

uma mão-de-obra direcionada à linha de produção têxtil. Isto demandou tempo;

muitas vezes o maquinário ficava ocioso devido à falta de operários que, não

obstante o trabalho na indústria, continuavam plantando seus roçados para

complementar a renda familiar, já que os salários pagos pelas fábricas eram baixos.

Também as têxteis caxienses, como as de todo o Brasil, enfrentaram as dificuldades

de oscilação do câmbio. O faturamento, na maioria das vezes, não dava para cobrir

as despesas, principalmente com empréstimos contraídos em moeda estrangeira.

Mas este elenco de dificuldades não foi empecilho à elite caxiense, que ao longo de

todo final do século XIX empreendeu projetos modernizadores, através da

constituição de sociedades anônimas, que erigiram todo um imaginário progressista

para a cidade.

Água encanada, telefone, telégrafo, ferrovia foram alguns dos

empreendimentos que se materializaram, trazendo uma significação muito forte para

a elite, reforçando os discursos proferidos em torno do reerguimento da cidade,

atrelada aos símbolos modernos. Mas estes empreendimentos não eram acessíveis

a todos os caxienses, como foi o caso do telefone e da água encanada, que

constituíram novas sociabilidades restritas a um seleto público. Isto só tornava mais

visível as diferenças sociais existentes em Caxias. Uma cidade historicamente

constituída em torno do restrito acesso à terra e à circulação de riquezas nas mãos

de poucas pessoas.

Constatamos que falar de modernidade e do que estava acontecendo na

Europa não constituía para a elite em um discurso vazio de significado e de


131

imagens. Era, na verdade, fruto de uma vivência articulada às leituras sobre a

Europa, aos passeios turísticos ao velho continente, como também através de fatos

narrados por seus filhos, quando estes retornavam dos estudos naquele continente.

Isto explica o fato de que detectamos, ao longo da análise da documentação,

dizeres elitizados procurando desconstruir o provicianismo caxiense, tornando-a

maior do que sua própria materialidade. A imprensa foi o palco destes discursos

proferidos com o intuito de desconstruir práticas e hábitos classificados como

incivilizados ou enaltecer posturas que davam ares de civilidade à cidade. Palavras

como modernidade, progresso, civilidade eram ferramentas indispensáveis ao métier

do jornalista caxiense no fim de século. Uma linguagem a serviço dos novos tempos,

como também produtoras de um novo estilo de subjetivação do ser caxiense.

Esta tentativa de esfacelamento do provincianismo da cidade foi

detectado, principalmente, através da implantação dos Códigos de Posturas que

vislumbravam a cidade mais no seu devir do que nas práticas vivenciadas

cotidianamente. Percebemos que eram aparatos tecnocráticos e autoritários

baseados em modelos importados e numa visão saneadora do espaço urbano.

Coibir a desordem, os hábitos incivilizados, o não respeito à moral e aos bons

costumes eram os pilares destas legislações. Só que também percebemos que

havia um enorme fosso entre as pretensões destes códigos e as práticas cotidianas

dos munícipes. Andar a cavalo pelas ruas, carregar água em lombo de animais, criar

porcos em perímetro urbano, vender carne bovina de qualidade duvidosa, isto eram

práticas comuns ao cotidiano caxiense. Portanto, bem distantes das pretensões

ordenadoras existentes nos códigos. Percebemos que a cidade-conceito não cabia

nas dimensões culturais de uma Caxias ainda provinciana e imersa em tradições

coloniais.
132

Mais isto não se constituiu em barreira ao euforismo detectado na cidade

nem tampouco à prática de sociabilidades permeadas pelo requinte e luxo europeus

no seio elitista. Percebemos que o fato de a Europa está longe geograficamente não

era empecilho à elite de postar-se com nobreza, consumindo produtos similares ao

da aristocracia européia. Vestir-se elegantemente, estar sempre na moda, apreciar

musica clássica, reunir-se em eventos sofisticados e glamourosos eram práticas

corriqueiras, não só no fim de século, mas já há décadas consolidadas.

Por fim, gostaríamos de salientar que, embora os caxienses do final do

século XIX tenham vivenciado um pequeno sopro de modernidade, numa versão de

“belle époque” tropical, os seus sonhos, projetos e desejos foram grandiosos na

visão da elite caxiense. Isto só denota o quanto a modernidade é ambivalente e

contingente, pois possibilita a emergência do acaso, desconstruindo uma ordem que

os tempos modernos nunca vivenciaram.


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Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís - MA: Typ. do
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Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1876. São Luís -MA:
Typ. do País, 1876.

Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1876. São Luís -MA:
Typ. do País, 1878.

Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1886. São Luís -MA:
Typ. do País, 1886.

Coleção das Leis e Regulamentos Provinciais do Maranhão de 1886. São Luís -MA:
Typ. do País, 1886.

Coleção das Leis Províncias do Maranhão – 1887 / 1889. São Luís - MA: Typ. do
País, 1889.

Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís - MA: Typ. do
País, 1889.

Coleção das Leis Provinciais do Maranhão – 1887-1889. São Luís - MA: Typ. do
País, 1889.

Diário Oficial do Maranhão. São Luís – MA, 02 jan. 1906, p. 01.

Documentação do Estado do Maranhão. Jornal O Estado do Maranhão. São Luis,


1896. p. 113-120.

Edital à Câmara Municipal, referente às posturas aprovadas pelo Conselho Geral da


Província. São Luís – MA: Tip. da Temperança, 1848, p. 14.
143

Estatutos da Sociedade Protetora dos Artistas Caxienses. In: Jornal Publicador


Maranhense. São Luís - MA. 23 jan. 1877. p. 01.

Relatório da Intendência Municipal de Caxias. In: Jornal Gazeta Caxiense. Caxias –


MA, 20 fev., 1894, p. 02 – 03.

Relatório da Diretoria da Companhia Prosperidade Caxiense. In: Jornal Gazeta


Caxiense. Caxias – MA, 11 fev., 1896, p. 02.
144

P475e Pessoa, Maria Jordania

Entre a tradição e a modernidade: A belle époque


caxiense: Práticas fabris, reordenamento urbano e padrões
culturais no final do século XIX.—Teresina, 2007.
142 f.: il

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade


Federal do Piauí, 2007.

1. Caxias (MA) – História. 2. Cidade – Indústrias Têxteis


(século XIX). 3. Padrões Culturais – Caxias (MA). I. Título

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