APONTAMENTOS (6)
Sumário
5. Os mistérios da vida de Jesus Cristo
5.1. A mensagem de Jesus
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Cf. W. KASPER, Jesús, el Cristo, 122: «Jesus não encaixa em nenhum esquema. Para
compreende-lo não bastam categorias antigas ou modernas, nem sequer as
veterotestamentárias. Ele representa um fenómeno extremamente singular. É e continua
sendo um mistério. Ele próprio faz bem pouco para esclarecer este mistério. Não se
importa com a sua pessoa. Apenas lhe interessa uma coisa, mas esta desde logo e
totalmente: o reino vindouro de Deus no amor. O que lhe importa é Deus e os homens,
a história de Deus com os homens. Esta é a sua causa. Só perguntando por isto
podemos aproximar-nos mais do mistério da sua pessoa. A perspectiva teo-lógica é a
única justa para abordar a pessoa e a causa de Jesus».
2
F. OCÁRIZ – L. MATEO-SECO – J.A. RIESTRA, El misterio de Jesucristo, 395-396.
3
Um esquema possível, sem contudo haver aqui a pretensão de que ele seja único
(outras formas de abordar o assunto são possíveis), nem exaustivo (outras indicações
neotestamentárias acerca da vida de Jesus se poderiam valorizar).
4
J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 85.
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i. Parábolas
A parábola é, certamente, uma das formas mais significativas da pregação
de Jesus8. Assim o refere J. Gnilka: «Jesus anunciou a soberania de Deus.
Falou dela sempre em parábolas. […] Na medida em que apresentam
aquilo que é conhecido, mesmo o quotidiano, as parábolas colocam diante
dos nossos olhos espirituais a vida das pessoas simples daquele tempo
[…]. Jesus, o contador de parábolas, sempre as encarou realmente como
palavras suas»9. Nas cerca de 46 parábolas que surgem no Novo
Testamento10, os dois grandes temas anteriormente indicados (Reino e
Deus paterno e misericordioso) são recorrentes. As suas parábolas, não
poucas vezes, são expressamente referidas como introduções ao tema do
Reino11 com o seguinte refrão: «O Reino dos Deus/Céus é semelhante
a…»12. Nelas, não poucas vezes nos surge também uma figura cujo traço
mais impressivo é a misericórdia (ex: parábola dos trabalhadores da vinha
– Mt 20, 1-16; parábola dos vinhateiros – Mc 12, 1-11; parábola dos dois
filhos – Lc 15, 11-32) ou a exaltação de gestos de misericórdia (ex:
parábola dos dois devedores - parábola do bom samaritano – Lc 10, 29-
5
No evangelho de S. João, por exemplo, só ocorrem duas referências ao tema do Reino:
Jo 3,3.5.
6
Embora, como refere W. Kasper, Jesus nunca ofereça uma clara definição de Reino (cf.
W. KASPER, Jesús, el Cristo, 123).
7
Ao contrário da literatura veterotestamentária (muito resistente em evocar YHWH como
pai), os Evangelhos referem-se a Deus como Pai 170 vezes. A sobrevivência do termo
aramaico Abba no Novo Testamento pode ser visto, à luz dos critérios de historicidade
anteriormente indicados, como um indicador da antiguidade desse modo de se referir a
Deus.
8
J. Ratzinger – Bento XVI insiste na necessidade de distinguir a parábola (de matriz
hebraica) da alegoria (de matriz grega): cf. J. RATZINGER – BENTO XVI, Jesus de Nazaré,
237-241.
9
J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 86-87.
10
Cf. BÍBLIA SAGRADA (Capuchinhos), «Índice Bíblico-Pastoral».
11
Todo o capítulo 13 do evangelho de S. Mateus é bastante claro quanto a esta
associação entre Reino e parábolas.
12
J. Gnilka admite que esta forma introdutória seja um acrescento posterior do
hagiógrafo, mas que tal facto apenas sublinha (não inventa) o tal nexo já existente entre
as parábolas de Jesus e o seu anúncio do Reino (cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 95).
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Segundo A. Puig Jesus é um «sábio perspicaz», «um rabino judeu que tem a
delicadeza de espírito necessária para se aproximar da realidade e para se situar à
distância certa da mesma. Jesus não foge nem evita a realidade que o rodeia. As suas
palavras brotam frequentemente da observação das pessoas e das coisas, que Ele
elabora e contrasta com um discurso cheio de cor, repleto de imagens hiperbólicas, de
paradoxos e de pinceladas de humor penetrante. Não obstante, Jesus não se distancia
da realidade nem a olha de forma hipócrita, com superioridade ou arrogância. Fala não
apenas sobre as situações da vida, mas fala a partir das situações da vida» (A. PUIG,
Jesus, 334).
14
Jesus, por exemplo, ao contrário dos fariseus não fala da submissão dos estrangeiros
ao Povo da Aliança (cf. A. PUIG, Jesus, 353).
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Uma das linhas de análise exploradas por J.P. Meier.
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Em Jo 1, o diálogo com Natanael; em Jo 2, com Maria; em Jo 3, com Nicodemos; em
Jo 4, com a samaritana; em Jo 8, com a mulher adúltera; em Jo 9, com o cego de
nascença; etc.
17
Cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 159.
18
Ao contrário do que seria mais comum entre os mestres fariseus do tempo ou entre os
mestres gregos (em que eram os alunos quem se abeiravam dos mestres e pediam para
os acompanhar e aprender com eles). Poder-se-á admitir que Jesus tenha começado a
sua actividade pública ainda sem um grupo de discípulos formado, embora esse período
não deverá ter sido muito prolongado no tempo (Cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 160).
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Talvez se pudesse estabelecer uma leitura paralela entre este episódio do jovem rico e
a parábola do homem que descobre um tesouro e vende tudo para comprar o campo
onde ele se encontra; ou do negociante de pérolas que vende tudo quanto possui para
comprar «a pérola preciosa» - duas parábolas explicitamente introduzidas com o refrão
típico de Mateus: «o Reino dos Céus é semelhante a» (cf. Mt 13, 44-46).
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Recorde-se que a palavra está na raiz da identidade do profeta bíblico e está no centro
da sua acção.
21
J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 194.
22
Jesus parece reconhecer validade à Lei de Moisés: «Não julgueis que vim abolir a lei
ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição», Mt 5, 17.
Noutros contextos, porém, parece apontar num sentido ligeiramente diferente: «A Lei e
os Profetas subsistiram até João; a partir de então, é anunciado o Reino de Deus, e cada
qual esforça-se entrar nele. Ora é mais facilmente que o céu e a terra passem do que
cair um só acento da Lei», Lc 16, 16-17. É de admitir que esta diferença reflicta o modo
complexo como as jovens comunidades cristãs articulavam relação entre o novo
Evangelho de Jesus e a antiga Lei de Israel (cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 203).
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Valerá a pena, contudo, indicar aqui uma diferença importante entre o ensino dos
profetas e o ensino de Jesus. Enquanto o primeiro encontra a sua autoridade no facto da
mensagem não ser sua, mas do próprio Deus (por isso, o ensino dos profetas vai
frequentemente acompanhado de indicações como «Assim fala o Senhor», «Oráculo do
Senhor», «Palavra do Senhor», etc.), o ensino de Jesus é vulgarmente feito na primeira
pessoa (Jesus usa a expressão: «eu digo-vos»; outra expressão típica é: «Em verdade,
em verdade vos digo…»). Este aspecto dará notícia de uma pretensão de Jesus que não
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Por outro, Ele é alguém que espanta pela sua sabedoria: "De onde é que
isro lhe vem e que sabedoria é esta que lhe foi dada?», Mc 6, 2. Note-se
que a própria forma do dito, da máxima aproximam o discurso de Jesus de
um certo estilo retórico dos livros sapienciais bíblicos. Também por esta
via se reconhece como o Jesus mestre resulta de uma combinação de um
Jesus profeta, de um Jesus sábio e, ao mesmo tempo, de qualquer coisa
mais que o coloca também para lá destas categorias.
Alexandre Palma