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Licenciatura em Ciências Religiosas

JESUS CRISTO: HISTÓRIA E TEOLOGIA

APONTAMENTOS (6)

Sumário
5. Os mistérios da vida de Jesus Cristo
5.1. A mensagem de Jesus

A expressão «mistérios da vida de Jesus» tem uma longa tradição da


teologia cristã. Com ela quero referir os acontecimentos da vida de Jesus.
Importa, contudo, ter presente como esses diversos mistérios ou
acontecimentos da vida de Jesus fazem parte de um todo maior que é o
Mistério de Jesus, ou seja, a sua identidade profunda1. Importa, no fundo,
reconhecer que «todo o mistério de Jesus Cristo é uma unidade, da qual
fazem parte os mistérios da sua vida e morte. Os acontecimentos da vida do
Senhor recebem adequadamente o nome de “mistérios” precisamente por se
tratarem de acontecimentos em que se realiza o mistério do Reino de Deus.
O mistério único de Jesus Cristo desdobra-se na história da sua vida
humana»2, na variedade dos mistérios da sua vida.
O enfoque do nosso estudo permanece, coerentemente, o mesmo:
captar a imagem de Jesus que nos é oferecida no Novo Testamento. Partindo
pois do enunciado proposto (mensagem, gestos, morte e ressurreição)3,
procurar-se-á conduzir o nosso estudo para a questão: Que imagem de Jesus
me é dada pela sua pregação? Que imagem de Jesus me é dada pelos seus
gestos? Que imagem de Jesus é dada pelos eventos da sua morte e
ressurreição? Procura-se, em síntese, captar a cristologia verbal do Novo
Testamento: que imagem de Cristo nos é dada pela sua acção; pela narração
da sua vida?

5.1. A mensagem de Jesus


Tomemos, em primeiro lugar, a acção kerygmática de Jesus como
pórtico que nos revela a sua identidade. «É indiscutível que no centro da
mensagem de Jesus se encontra a soberania [reino] de Deus (basileía tou
Theou)»4. O anúncio de Jesus [nos Sinópticos5] concentra-se, efectivamente,

1
Cf. W. KASPER, Jesús, el Cristo, 122: «Jesus não encaixa em nenhum esquema. Para
compreende-lo não bastam categorias antigas ou modernas, nem sequer as
veterotestamentárias. Ele representa um fenómeno extremamente singular. É e continua
sendo um mistério. Ele próprio faz bem pouco para esclarecer este mistério. Não se
importa com a sua pessoa. Apenas lhe interessa uma coisa, mas esta desde logo e
totalmente: o reino vindouro de Deus no amor. O que lhe importa é Deus e os homens,
a história de Deus com os homens. Esta é a sua causa. Só perguntando por isto
podemos aproximar-nos mais do mistério da sua pessoa. A perspectiva teo-lógica é a
única justa para abordar a pessoa e a causa de Jesus».
2
F. OCÁRIZ – L. MATEO-SECO – J.A. RIESTRA, El misterio de Jesucristo, 395-396.
3
Um esquema possível, sem contudo haver aqui a pretensão de que ele seja único
(outras formas de abordar o assunto são possíveis), nem exaustivo (outras indicações
neotestamentárias acerca da vida de Jesus se poderiam valorizar).
4
J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 85.
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APONTAMENTOS (6)

sobre este tema: o Reino de Deus/Céus6. No interior tema do Reino


reconhecemos, porém, o segundo grande tópico da mensagem de Jesus:
Deus como um pai misericordioso. Neste dois eixos encontramos, pois, o
essencial do anúncio de Jesus: i. o Reino; ii. um Deus paterno e
misericordioso7. A pregação de Jesus, na sua variedade de formas e de
contextos, tende a ser um recorrente ilustrar dessas duas realidades.
Partindo dos relatos evangélicos, talvez se possam individuar três
grandes âmbitos onde Jesus surge no exercício da palavra: i. em parábolas;
ii. em diálogos (ou discussões); e iii. em ditos e ensinamentos.

i. Parábolas
A parábola é, certamente, uma das formas mais significativas da pregação
de Jesus8. Assim o refere J. Gnilka: «Jesus anunciou a soberania de Deus.
Falou dela sempre em parábolas. […] Na medida em que apresentam
aquilo que é conhecido, mesmo o quotidiano, as parábolas colocam diante
dos nossos olhos espirituais a vida das pessoas simples daquele tempo
[…]. Jesus, o contador de parábolas, sempre as encarou realmente como
palavras suas»9. Nas cerca de 46 parábolas que surgem no Novo
Testamento10, os dois grandes temas anteriormente indicados (Reino e
Deus paterno e misericordioso) são recorrentes. As suas parábolas, não
poucas vezes, são expressamente referidas como introduções ao tema do
Reino11 com o seguinte refrão: «O Reino dos Deus/Céus é semelhante
a…»12. Nelas, não poucas vezes nos surge também uma figura cujo traço
mais impressivo é a misericórdia (ex: parábola dos trabalhadores da vinha
– Mt 20, 1-16; parábola dos vinhateiros – Mc 12, 1-11; parábola dos dois
filhos – Lc 15, 11-32) ou a exaltação de gestos de misericórdia (ex:
parábola dos dois devedores - parábola do bom samaritano – Lc 10, 29-

5
No evangelho de S. João, por exemplo, só ocorrem duas referências ao tema do Reino:
Jo 3,3.5.
6
Embora, como refere W. Kasper, Jesus nunca ofereça uma clara definição de Reino (cf.
W. KASPER, Jesús, el Cristo, 123).
7
Ao contrário da literatura veterotestamentária (muito resistente em evocar YHWH como
pai), os Evangelhos referem-se a Deus como Pai 170 vezes. A sobrevivência do termo
aramaico Abba no Novo Testamento pode ser visto, à luz dos critérios de historicidade
anteriormente indicados, como um indicador da antiguidade desse modo de se referir a
Deus.
8
J. Ratzinger – Bento XVI insiste na necessidade de distinguir a parábola (de matriz
hebraica) da alegoria (de matriz grega): cf. J. RATZINGER – BENTO XVI, Jesus de Nazaré,
237-241.
9
J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 86-87.
10
Cf. BÍBLIA SAGRADA (Capuchinhos), «Índice Bíblico-Pastoral».
11
Todo o capítulo 13 do evangelho de S. Mateus é bastante claro quanto a esta
associação entre Reino e parábolas.
12
J. Gnilka admite que esta forma introdutória seja um acrescento posterior do
hagiógrafo, mas que tal facto apenas sublinha (não inventa) o tal nexo já existente entre
as parábolas de Jesus e o seu anúncio do Reino (cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 95).
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37), figura esta facilmente associável ao próprio Deus e gestos estes


facilmente associáveis ao Reino de Deus. As parábolas, no fundo, parecem
ser formas retóricas usadas por Jesus para introduzir o(s) seu(s)
auditório(s) na lógica do Reino, na lógica do Evangelho, na lógica da
misericórdia divina. O universo familiar que elas evocam (agricultura,
pastoreio, pesca, vida social e religiosa do tempo, etc.) parece estimular
seja a visão de um Deus próximo como ainda sustentar a afirmação de
que o «Reino está próximo» (ou, em alguns passos evangélicos, o «Reino
já está presente no meio de vós»).
Não sendo nosso objectivo estudar as parábolas em si, regressemos à
nossa questão: que imagem de Jesus nos dão estes relatos de parábolas?
Será, em grande medida, a imagem de um Jesus mestre. Talvez
pudéssemos decompor essa imagem em dois traços essenciais: sábio e
profeta.
Por um lado, parece emergir daqui um Jesus de tipo sapiencial. Com
efeito, o «Jesus das parábolas» é alguém profundamente conhecedor não
apenas dos ritmos da vida e da natureza, mas sobretudo da verdade de
Deus aplicada à vida concreta. Nas parábolas, Jesus parece
constantemente reler a vida à luz de Deus e orientada segundo a verdade
do ser de Deus. Esta forma de proceder aproximar-se-á, em muitos
aspectos, da tipologia do sábio de Israel13.
Por outro lado, nas parábolas Jesus assume-se como intérprete qualificado
da vontade de Deus. Podemos reconhecer aqui um Jesus de tipo profético.
Ele exibe uma autoridade (que encerra em si também uma pretensão) de
fazer exaltar em Deus traços que, embora não sendo sempre uma
novidade absoluta, tornam-se novos pela prioridade que Jesus lhes dá: a
misericórdia e a paternidade divinas. Esta sua ousadia de reinterpretar
Deus para o povo é algo que, porventura, só conhece paralelo em Moisés.
Esta sua ousadia de saber o que Deus quer e pede concretamente ao Povo
(que atitudes profundas deve o Povo adoptar) é algo que ecoa ainda o
modo de proceder dos profetas do Antigo Israel. A sua ousadia em querer
abrir a Aliança de YHWH para lá das fronteiras do judaísmo sintoniza-se
também com o grande filão da tradição profética (sobretudo, do Deutero-
Isaías)14.

13
Segundo A. Puig Jesus é um «sábio perspicaz», «um rabino judeu que tem a
delicadeza de espírito necessária para se aproximar da realidade e para se situar à
distância certa da mesma. Jesus não foge nem evita a realidade que o rodeia. As suas
palavras brotam frequentemente da observação das pessoas e das coisas, que Ele
elabora e contrasta com um discurso cheio de cor, repleto de imagens hiperbólicas, de
paradoxos e de pinceladas de humor penetrante. Não obstante, Jesus não se distancia
da realidade nem a olha de forma hipócrita, com superioridade ou arrogância. Fala não
apenas sobre as situações da vida, mas fala a partir das situações da vida» (A. PUIG,
Jesus, 334).
14
Jesus, por exemplo, ao contrário dos fariseus não fala da submissão dos estrangeiros
ao Povo da Aliança (cf. A. PUIG, Jesus, 353).
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ii. Diálogos (ou discussões)


A história de Jesus pode também ser estudada à luz dos encontros e
desencontros com os seus contemporâneos15. Talvez seja no evangelho de
S. João que encontramos a maior ocorrência deste tipo de textos e
situações e, consequentemente, onde será dada maior importância à
dinâmica dos encontros de Jesus na revelação da sua identidade16.
Podemos considerar os episódios de chamamento dos discípulos um caso
exemplar deste aspecto da anúncio de Jesus. Sustentados por relatos
veterotestamentários de tipo semelhante (relatos de vocação), nestes
episódios a palavra de Jesus é geradora de uma nova realidade – por
exemplo, «Vinde após mim; eu farei de vós pescadores de homens» (Mc
1, 17). Embora possamos admitir alguma idealização destes
acontecimentos17, existem neste tipo de textos uma série de dados que
nos permitem reconhecer-lhes consistência histórica (referências ao nomes
dos envolvidos; referência, em certos casos, aos nomes dos seus pais; os
contextos em que essas cenas ocorrem; etc.). Para uma reflexão sobre
Jesus, interessará aqui destacar como é central, neste tipo de textos, a
palavra e a iniciativa de Jesus. A pertença ao grupo de Jesus dá-se por um
acto de vontade seu18. Assim, o discipulado que se gera em torno de Jesus
tende a aproximar-se do paradigma vocacional que conhecemos no
profetismo bíblico. Importa ainda considerar este tipo de textos na lógica
do Reino atrás referida. Desde logo, este convívio com Jesus outra coisa
não é senão o Reino tornado próximo. O convite a segui-lo outra coisa não
é senão o desafio a entrar na dinâmica do Reino. Assim como nas
parábolas, a mensagem de Jesus demanda uma opção fundamental da
parte de quem o escuta. Neste caso, o «segue-me» de Jesus confronta os
seus interlocutores com a necessidade de assumirem um posição (tal
como nas parábolas surge a necessidade de assumir uma posição em favor
do Reino). Estes apontamentos verificam-se nestes relatos de vocação,
que poderemos considerar exemplos de diálogos de Jesus bem sucedidos.
Mas eles estão igualmente presentes quando os encontros com Jesus não
parecem encontrar o fim esperado. Não é claro o desfecho do sumário
deste tipo de encontros relatado em Lc 9, 57-62. Em Mc 10, 17-22 (jovem
rico), porém, emerge com força (ainda que pela negativa) como o ser

15
Uma das linhas de análise exploradas por J.P. Meier.
16
Em Jo 1, o diálogo com Natanael; em Jo 2, com Maria; em Jo 3, com Nicodemos; em
Jo 4, com a samaritana; em Jo 8, com a mulher adúltera; em Jo 9, com o cego de
nascença; etc.
17
Cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 159.
18
Ao contrário do que seria mais comum entre os mestres fariseus do tempo ou entre os
mestres gregos (em que eram os alunos quem se abeiravam dos mestres e pediam para
os acompanhar e aprender com eles). Poder-se-á admitir que Jesus tenha começado a
sua actividade pública ainda sem um grupo de discípulos formado, embora esse período
não deverá ter sido muito prolongado no tempo (Cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 160).
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discípulo de Jesus implica mergulhar seriamente naquele novo padrão de


vida que Jesus chama Reino19.
As disputas com fariseus e escribas constituem outro filão incontornável
dos diálogos de Jesus. Nestes encontramos Jesus participando em várias
polémicas do seu tempo, geralmente provocado por questões com que se
vê confrontado. Com frequência, essas polémicas dão-se em torno de
temas caros judaísmo do tempo: o preceito sabático; o respeito por vários
preceitos rituais; a eleição do que é mais importante na Torah; etc. Tome-
se, por exemplo, Lc 5, 33 – 6, 5: aí Jesus é confrontado com a questão do
jejum e com a da vivência do Sábado. Interessa aqui reter como Jesus
surge indiscutivelmente como alguém que, não apenas mostra
conhecimento das questão da Lei (próximo, portanto, de fariseus), mas
mostra também a autoridade (e a pretensão) para oferecer uma
interpretação qualificada da própria Lei. Nisto Jesus mostra uma enorme
liberdade relativamente ao status quo do seu tempo (livre até para
radicalizar certos aspectos da Lei de Moisés) e uma notável capacidade
para ser intérprete da vontade de Deus.
Nos diálogos de Jesus no quarto evangelho encontramos um outro traço
de Jesus, porventura não tão evidente nos sinópticos. As conversas de
Jesus em S. João não são conversas fáceis. Bem pelo contrário, não
poucas vezes parecem atravessadas por uma falta de sintonia entre Jesus
e os seus interlocutores. Com frequência, parece haver um desencontro
entre ambos. Tome-se, como mero exemplo, a «desconversa» entre Jesus
e a samaritana: Jesus começa por lhe pedir água; ela percebe-o e
estranha o pedido (a uma mulher; a uma samaritana); imediatamente
Jesus introduz uma descontinuidade no diálogo e fala-lhe de uma «água
viva»; a mulher ainda lhe fala da água daquele poço (faz-lhe ver que ele
nem tem com que tirar a água); Jesus fala-lhe de uma água a jorrar para
a «vida eterna» (cf. Jo 4, 1-30).
Também a partir deste «Jesus dos diálogos» parece emergir tanto um
Jesus profético (porventura também com qualquer traço de sábio). Nos
seus encontros, Jesus, não poucas vezes, parece revestido de emitir uma
palavra que tem a força da interpelação do próprio Deus; parece ver mais
que os seus interlocutores (como no encontro de Jesus com Natanael, cf.
Jo 1, 45-51); parece saber mais que os seus interlocutores (Jesus sabe
antecipadamente que a samaritana tinha «cinco maridos»). Esta
capacidade de ver para lá do que todos vêem; a capacidade de conhecer
para lá do que a todos parece disponível; sobretudo, a força da sua
palavra (capaz de transformar vidas, de transformar a realidade) tendem a

19
Talvez se pudesse estabelecer uma leitura paralela entre este episódio do jovem rico e
a parábola do homem que descobre um tesouro e vende tudo para comprar o campo
onde ele se encontra; ou do negociante de pérolas que vende tudo quanto possui para
comprar «a pérola preciosa» - duas parábolas explicitamente introduzidas com o refrão
típico de Mateus: «o Reino dos Céus é semelhante a» (cf. Mt 13, 44-46).
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revestir a pessoa de Jesus de uma certa fisionomia de tipo profético20. Não


por acaso, a sentença da samaritana di-lo expressamente: «vejo que és
profeta» (Jo 4, 19). O diálogo onde isto é mais claro é aquele ocorrido em
Cesareia de Filipe: «quem dizem os homens que Eu sou?» (Mc 8, 27-30).
Aí, de modo muito sintomático, podemos perceber como Jesus seria
percebido pelos seus contemporâneos essencialmente como um profeta
(as três respostas indicadas – João Baptista, Elias ou algum dos profetas –
não deixam qualquer margem para dúvidas do lado profético da pessoa de
Jesus).

iii. Ditos e ensinamentos


Os evangelhos oferecem-nos também vários passos em que Jesus surge a
ensinar a multidão (tanto em unidades textuais maiores, como Mt 5-7;
como em pequenos ditos, ao estilo de máximas ou provérbios, como em Lc
18, 14: «aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será
exaltado»). Talvez seja nestes textos em que surge de forma mais vincada
a imagem de Jesus como mestre.
Um sumário do ensino de Jesus é-nos apresentado, logo de início, pelo
evangelista S. Marcos: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está
próximo; arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). Mas «os
ensinamentos de Jesus encontram-se sobretudo nos textos que Lucas
elaborou no seu sermão da planície e Mateus nos oferece no seu sermão
da montranha»21. Neste quadro Jesus surge (como tantas vezes ao longo
na narração evangélica) como um intérprete qualificado da Lei, como um
mestre na Lei. Digo intérprete, porque ele mostra conhecer a «Lei e os
Profetas» e mostra capacidade de ler a para o Povo, participando assim
em muitos dos debates do seu tempo (com fariseus e suas escolas; com
saduceus; com prosélitos; etc.)22. Mas digo intérprete qualificado, porque
Jesus aqui e além parece ir além do que seria expectável a um simples
intérprete (elemento que impedirá uma total identificação de Jesus com o
grupo dos fariseus). Recordo, a este título, alguma da radicalização do
magistério de Moisés que encontramos na mensagem de Jesus (por
exemplo, na questão do divórcio; ou expresso pela fórmula «ouvistes o
que foi dito aos antigos… eu porém digo-vos», cf. Mt 5, 21.27). Recordo

20
Recorde-se que a palavra está na raiz da identidade do profeta bíblico e está no centro
da sua acção.
21
J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 194.
22
Jesus parece reconhecer validade à Lei de Moisés: «Não julgueis que vim abolir a lei
ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição», Mt 5, 17.
Noutros contextos, porém, parece apontar num sentido ligeiramente diferente: «A Lei e
os Profetas subsistiram até João; a partir de então, é anunciado o Reino de Deus, e cada
qual esforça-se entrar nele. Ora é mais facilmente que o céu e a terra passem do que
cair um só acento da Lei», Lc 16, 16-17. É de admitir que esta diferença reflicta o modo
complexo como as jovens comunidades cristãs articulavam relação entre o novo
Evangelho de Jesus e a antiga Lei de Israel (cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, 203).
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como Jesus surge também querendo devolver a vivência da Lei ao seu


espírito mais original e autêntico (por exemplo, na nítida afirmação de que
o «sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado»,
acrescentando de imediato que «o Filho do Homem até do sábado é
Senhor», Mc 2, 27-28; ou ainda na difícil relação de Jesus com a rotina do
Templo de Jerusalém, Mc 11, 15-19). Posso incluir aqui também outros
aspectos práticos em que Jesus, embora conhecendo a Lei, propõe algo
diferente (o exemplo mais óbvio talvez seja o mandamento para «amar os
inimigos», cf. Mt 5, 44). Recordo, sobretudo, a construção do próprio
sermão da montanha segundo S. Mateus: aí Jesus é apresentado como o
«Novo Moisés» (tal como a antiga Lei foi dada a Moisés na montanha,
agora a nova Lei das bem-aventuranças é revelada por Jesus também no
cimo da montanha). Será ainda possível estabelecer essa identificação
com o próprio YHWH (e não apenas com Moisés): assim como no Sinai
Deus revela a Torah, agora Jesus revela o Evangelho.
Se olhamos, por exemplo, para o tópico do ensino do Pai-nosso (no qual
temos de incluir outras indicações quanto à oração: cf. Mt 6, 5-8), aí Jesus
surgirá como um mestre de oração. Este ensino está intimamente e
explicitamente relacionado com o advento do Reino («venha o vosso
Reino») e com a «nova» imagem de Deus presente na mensagem de
Jesus.
Importa, a terminar, considerar o tema da autoridade do ensino de Jesus
(reconhecida pelos seus contemporâneos). Um dos aspectos que qualificou
o ensino de Jesus junto de quantos o escutavam foi precisamente este:
«maravilhavam-se com o seu ensinamento, pois os ensinava como quem
tem autoridade e não como os doutores da Lei» (Mc 1, 22). Podemos
perguntar-nos que significa isto de ensinar «com autoridade». É de admitir
que essa autoridade lhe adviesse não apenas de um conhecimento dos
temas em causa, mas sobretudo de uma séria sintonia entre a sua vida e a
sua mensagem (talvez a esta luz se compreenda melhor que Jesus
considera «hipócritas» alguns doutores da Lei). Uma vez mais, também o
tema da autoridade do seu ensino surge descrita tanto em chave profética
como em chave sapiencial (elementos que concordam com as indicações
anteriores acerca da imagem de Jesus que pela sua mensagem se vai
construindo). Por um lado, a forma como Jesus fala em nome de Deus
aproxima-o do perfil de profeta (mesmo quando esse ensino é recusado:
«Jesus disse-lhes: um profeta só é desprezado na sua pátria», Mc 6, 4)23.

23
Valerá a pena, contudo, indicar aqui uma diferença importante entre o ensino dos
profetas e o ensino de Jesus. Enquanto o primeiro encontra a sua autoridade no facto da
mensagem não ser sua, mas do próprio Deus (por isso, o ensino dos profetas vai
frequentemente acompanhado de indicações como «Assim fala o Senhor», «Oráculo do
Senhor», «Palavra do Senhor», etc.), o ensino de Jesus é vulgarmente feito na primeira
pessoa (Jesus usa a expressão: «eu digo-vos»; outra expressão típica é: «Em verdade,
em verdade vos digo…»). Este aspecto dará notícia de uma pretensão de Jesus que não
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Por outro, Ele é alguém que espanta pela sua sabedoria: "De onde é que
isro lhe vem e que sabedoria é esta que lhe foi dada?», Mc 6, 2. Note-se
que a própria forma do dito, da máxima aproximam o discurso de Jesus de
um certo estilo retórico dos livros sapienciais bíblicos. Também por esta
via se reconhece como o Jesus mestre resulta de uma combinação de um
Jesus profeta, de um Jesus sábio e, ao mesmo tempo, de qualquer coisa
mais que o coloca também para lá destas categorias.

Nota: estes apontamentos são forçosamente genéricos e introdutórios ao


tema. Eles não dispensam a leitura da bibliografia complementar, mas,
pelo contrário, pretendem estimular e orientar essa mesma leitura.

Alexandre Palma

encontramos entre os profetas: ao limite, de falar no lugar de Deus e já não apenas em


nome de Deus.
8

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