CURITIBA
2017
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
CURITIBA
2017
1. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE: ENSAIO DE UMA ÉTICA PARA A
CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA
1.1 DO AUTOR
Nascido no dia 10 de maio de 1903, Hans Jonas foi um filósofo alemão
de origem judaica, conhecido pela célebre obra abordada por este trabalho,
“Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização
tecnológica”, na qual se concentram pontos centrais de seu pensamento. Jonas
se ateve aos problemas éticos e sociais advindos da tecnologia, reformulando
o imperativo kantiano e demonstrando procedimentos para o exercício de uma
ética correspondente ao contexto global marcado pelo avanço da ciência.
Em sua vida intelectual, teve como precursor um dos principais filósofos
do século XX, Martin Heidegger, conhecido pela resistematização do
fundamento ontológico e da questão do Ser. No ano de 1921, ainda recém-
formado, frequentou as aulas de Heidegger, o qual se tornou, por um longo
período, seu referencial teórico. Assim, o desenvolvimento do trabalho de
Jonas apresenta três momentos marcantes. O primeiro deles teve, como
enfoque, a questão da gnose no cristianismo primitivo, tema de sua tese
orientada pelo teólogo alemão Rudolf Bultmann, apresentada em 1931.
Contudo, a ascensão de Hitler ao poder fez com que Jonas abandonasse a
Alemanha, dando início, em 1966, a outra fase em sua vida, através da
publicação da obra “The Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology”.
A partir disso, Jonas amplia sua reflexão para abordagens acerca da
precariedade da vida, relacionando-as com conceitos provenientes da biologia
e se distanciando dos limites impostos pela teoria do materialismo. O terceiro
momento de grande relevância para Jonas se dá com a publicação da obra na
qual teorizou novos parâmetros éticos, orientados conforme uma lógica que
considera aspectos para além da mera relação antropocêntrica, visando
ampliar a discussão e alcançar os fatores exógenos ao homem. Tal obra se
apresenta como objeto de discussão do presente trabalho, no qual serão
elencados os aspectos mais importantes ressaltados pelo autor.
1.2 DA OBRA
Publicada no ano de 1979, a obra “Princípio Responsabilidade: Ensaio
de uma ética para a civilização tecnológica” se encontra dividida em seis
capítulos. Assim, a proposta de Jonas vislumbrava a possibilidade de uma
nova ética aplicada ao pensamento e ao comportamento do ser humano, tudo
de acordo com as particularidades da época em que estivesse inserido. Nesse
sentido, Jonas diferencia a ética tradicional (legalista, utilitarista, etc.) daquela
por ele formulada, uma vez que os moldes da ética tradicional envolviam
somente a interação entre os indivíduos, sem considerar fatores externos,
transmitindo a ideia de um conceito antropocêntrico. Dessa forma, a natureza
não se caracterizava como um objeto merecedor da tutela que implicasse em
responsabilidade humana, de modo que somente se ajustava de acordo com
as mudanças impostas pelo homem. No capítulo I, Jonas identifica três
pressupostos tidos como parâmetros para a fundamentação ética, sendo eles
(i) a condição humana, a partir da qual se determina o que é bom para o
homem para, (ii) o alcance da ação humana, bem como (iii) a responsabilidade
que advém da mesma. Argumenta que, se a ética se relaciona com a ação, a
natureza modificada impõe modificação ética.
Neste sentido, o canto do coral da Antígona, de Sófocles, expressa o
seu pensamento:
1
SÓFOCLES. Antígona. Trad. J. B. Mello e Souza. Rio de Janeiro: Grupo Ediouro S.A, Editora
Tecnoprint. s/d.
isolar a figura do ser humano e consequentemente, o resultado de suas ações,
dos elementos naturais pertencentes ao ambiente que habita.
Como estrutura metodológica para a fundamentação de sua teoria, Jonas
apresenta a relação de quatro categorias específicas, consistidas em:
Heurística do medo, fim e valor, bem, dever e ser e responsabilidades paterna,
política e total. Pela heurística do medo, se entende ser um conceito que
corresponde à capacidade humana de propor soluções aos problemas
advindos da imprevisibilidade dos fatos, a fim de que se possam realizar
prognósticos sobre riscos e perigos. Tem-se que medo, para Jonas, não é
“aquele que nos aconselha a não agir, mas aquele que nos convida a agir”.
Sabendo-se que a, a partir de sua perspectiva, todas as coisas são regidas e
orientadas conforme um fim, a finalidade da produção tecnológica deve ser
elevada à discussão ética, já que o propósito da natureza consiste em
consolidar seu fim último, garantindo a manutenção e a continuidade da
existência. Concomitantemente a isto, deve ser empregada uma valoração ao
fim, uma vez que, segundo Jonas, este não existe em si mesmo. A partir disso,
o autor discorre acerca das categorias de Bem, Dever e Ser, empregando a
definição de que o bem se torna dever na medida em que se identifica vontade
na transformação do agir, pertencendo à realidade do Ser. Por essa
perspectiva, compreende-se que a ética proveniente de seu princípio de
responsabilidade está contida na exigência e no dever de se cumprir a
finalidade a qual se destina, pertencendo à construção do ser como ser, a fim
de que se preserve a continuidade da vida humana.
Atrelados a estes conceitos, estão as responsabilidades paterna, política e
total, as quais complementam a fundamentação de seu princípio, visto que
Jonas atribui funções distintas a cada esfera. A responsabilidade paterna
consiste na formação individual do ser, a partir da construção de sua identidade
histórica, assumindo, portanto, caráter subjetivo e particular. E, com conjunto
com a responsabilidade paterna, está a responsabilidade política, que se
manifesta através de uma escolha que visa ao direito de agir quanto ao
exercício da responsabilidade suprema. Por fim, a responsabilidade total se
estabelece conforme critérios históricos, a partir da qual surgem
questionamentos referentes aos fatos do passado, projeções do futuro e a
possível relação existente entre ambos.
Em última análise, é interessante notar que, em julho de 1969, dez anos
antes de Jonas publicar sua obra, os norte-americanos foram os primeiros a
realizar uma viagem espacial em direção a Lua, fato considerado como um
marco histórico para os avanços científicos. No entanto, embora o evento
representasse, nas palavras do astronauta Neil Armstrong, “um grande salto
para a humanidade”, ainda persistiam os resquícios do episódio das bombas
atômicas lançadas às cidades de Hiroshima e Nagasaki durante a II Guerra
Mundial, o que intensificou o medo do uso de armas nucleares durante a
Guerra Fria. Por este prisma, é possível entender a justificativa que levou à
revisão do conceito e da aplicação da ética por parte de Jonas, uma vez que,
exposto o cenário do período descrito, eram nítidos os desvios do
comportamento humano que sugeriam a ausência de preocupação quanto a
sua existência física e essencial.
Se pensarmos conforme a lógica de Jonas e acreditarmos na morte
essencial do ser tal como ele é, resultando dessa alegação todas as
catástrofes concernentes à interferência do homem na natureza, será fácil
visualizar o fenômeno acima descrito, uma vez que, se o indivíduo passou por
um período de esquecimento quanto à categoria do fim, é evidente que suas
ações não serão corretas e tampouco justas. Cabe, nessa ótica, uma alusão à
obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens” de Jean-Jacques Rousseau (2005, p.42), que afirma o seguinte:
“Será preciso, então, para ser digno do nome de homem, viver como
os leões e os ursos? Se acaso tenho a felicidade de encontrar um
único leitor imparcial e amigo de verdade, peço-lhe que lance um
olhar à sociedade atual, e observe quem são os que convivem como
os leões e os ursos, como os tigres e os crocodilos. Erigir-se-á em
virtude as faculdades do instinto para alimentar-se, perpetuar-se e
defender-se? (...) Não vejo nisso senão virtudes animais, pouco
conformes à dignidade do nosso ser. O corpo é exercitado, mas a
alma escrava apenas rasteja e fenece.”
2
Terminologia utilizada por Ulrich Beck.
parâmetros da globalização. É nesse ponto em que se observa um princípio de
extrema complexidade e profundidade, que trata de um conteúdo
evidentemente particular, o princípio ético. A falta de uma compreensão mais
esclarecida acerca da individualidade do ser humano é suprida através do
conceito de responsabilidade proposto por Jonas, fazendo com que se
promova a discussão acerca da ciência e do agir humano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS