Os subescolarizados
Publicado originalmente em CarosAmigos, junho/2014
A situação paulista
Vamos ver com algum detalhe a situação do financiamento educacional no estado
de São Paulo. Como nos demais estados, a educação pública é financiada por
recursos federais, estaduais e municipais (cada uma dessas fontes deve obedecer a
regras constitucionais: um mínimo das arrecadações de impostos de 18% no caso da
União e 25% dos estados e municípios destinados à educação, sendo que a
constituição estadual paulista exige um mínimo de 30% dos impostos estaduais
[3]). Além dessas fontes, há recursos adicionais do salário-educação.
Vejamos quanto poderiam ser esses valores no estado de São Paulo. Os recursos
provenientes da União, repassados a suas instituições educacionais no estado [4],
correspondem a pouco mais de 0,1% do PIB estadual, que foi da ordem de 1,6
trilhão de reais em 2013. Os investimentos do próprio governo estadual
correspondem, segundo dados orçamentários publicados, a 2,0% do mesmo PIB
(perto de 30 bilhões em 2013). Os investimentos municipais podem ser estimados
considerando as arrecadações de impostos (tanto as próprias como os repasses
federal e estadual), sobre as quais devem incidir os 25% destinados à educação, ou
examinando os balanços publicados pelos municípios. Ambos os procedimento
indicam que os investimentos feitos pela totalidade dos municípios correspondem a
1,3% do PIB estadual. A esses recursos baseados na arrecadação de impostos,
devemos adicionar os recursos do salário-educação, correspondentes a 0,2% do PIB
paulista.
A soma desses valores resulta em 3,6% do PIB estadual (cerca de 55 bilhões de
reais a valores de 2013). Essa seria a quantidade de recursos disponíveis para a
educação se a lei fosse cumprida em sua integralidade e se todos os recursos
fossem, de fato, destinados à educação. Entretanto, nenhuma dessas coisas
acontece, pois muitos municípios desrespeitam as exigências legais de aplicação do
mínimo constitucional e há uma série de despesas feitas por órgãos educacionais
que não se destinam à educação pública [5]. Mas mesmo os 3,6% do PIB seriam
insuficientes: se tivéssemos um bom sistema educacional, precisaríamos o dobro
desse valor apenas para mantê-lo; como não temos, precisaríamos triplicá-lo para
que, um dia, o tenhamos.
Conclusão
Um dos graves problemas educacionais no Brasil, ao lado da questão qualitativa,
é a evasão escolar, que no estado de São Paulo alcança cerca de 5% das crianças
antes do final do ensino fundamental. Ao final do ensino médio, a exclusão já terá
atingido 30% das pessoas. Entretanto, se a exclusão escolar for enfrentada, os
investimentos por aluno e por ano cairiam ainda mais! Triste armadilha de um país
e um estado atrasados: nosso sistema educacional é obrigado a manter um maldito
equilíbrio entre a exclusão e a qualidade, já muito sofrível, com que acolhe os não
excluídos.
Ninguém pode ter dúvidas de qual será o futuro brasileiro e paulista se
mantivermos a atual situação: uma população subescolarizada, despreparada para
o já hoje sofisticado mundo do trabalho e grande parte dela sem os recursos
mínimos necessários para o pleno exercício dos direitos e responsabilidades da
cidadania. Em resumo, estamos, hoje, construindo nosso subdesenvolvimento
futuro.
Sob o aspecto financeiro e econômico, não é difícil reverter a atual situação. E
com mais e melhor educação todos ganhariam: as crianças e os jovens
permaneceriam mais tempo nas escolas, estas os acolheriam de forma mais
adequada e atraente, mais tempo e esforço seriam dedicados às atividades
educacionais e culturais, acabaríamos com a exclusão escolar e o país formaria mais
profissionais para produzir os bens e oferecer os serviços de que necessita. Além
disso, um melhor sistema educacional poderia ser um importante instrumento para
enfrentar outros graves problemas nacionais, como, por exemplo, a concentração
de renda [6].
Para que aquela reversão seja possível, é necessário derrubar a barreira
construída pelas elites do país e do estado, tão bem defendidas por meio de seus
instrumentos de poder. Conseguiremos isso, certamente, mas não sem muita luta.