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Informe Agropecuário
Uma publicação da EPAMIG
v.30 n.248 jan./fev. 2009
Belo Horizonte-MG

Sumário

Editorial .......................................................................................................................... 3

Entrevista . ...................................................................................................................... 4

Evolução do mercado de cachaça nos anos 2000


Francisco Lopes Cançado Júnior, Bolivar Morroni de Paiva e Maria Letícia Líbero Estanislau..... 7

Apresentação A luta da cachaça de alambique para se consolidar como fonte de riqueza


em Minas Gerais
A cachaça de Minas, a legítima cachaça de
alambique, integra a cultura mineira e o desen- Sebastião Gonçalves de Oliveira, Marco Antônio Magalhães e Patrick Christian Bergerat . .... 14
volvimento do Estado há mais de 300 anos. Mas,
somente a partir de janeiro de 2007, seu processo Variedades de cana-de-açúcar para a produção de cachaça de alambique
de produção foi declarado patrimônio cultural do
Estado, pela Lei no 16.688. Geraldo Antônio Resende Macedo, Luis Cláudio Inácio da Silveira, Luiz Antônio de Bastos
A cachaça de Minas começou a ganhar cor- Andrade, Édio Luiz da Costa, Sebastião Gonçalves de Oliveira e Uilson Fernando Matter . ..... 20
po como agronegócio a partir da criação da As-
sociação Mineira dos Produtores de Cachaça de
Qualidade (Ampaq) e do Programa Mineiro de Produção de cachaça de alambique utilizando linhagens selecionadas de
Incentivo à Produção de Aguardentes (Pró-Ca- Saccharomyces cerevisiae
chaça). Atualmente o setor conta com segmentos Fátima de Cássia Oliveira Gomes, Fernanda Badotti, Pollyana Alves Borges da Silva, Cássia
diferenciados, empresários experientes que estão
investindo na padronização do processo e na qua- Roberta Arantes Campos, Antônio Claret Sales, Rosane Freitas Schwan e Carlos Augusto Rosa . . 25
lidade do produto pela certificação.
A caminhada, rumo à consolidação da cachaça Fatores que influenciam no processo de envelhecimento da cachaça
de alambique como atividade econômica de ex-
pressão, tem sido e ainda será árdua, pois há mui- Silvia Maria Borim Côdo Dias .................................................................................................... 32
tos obstáculos a ser superados, como tributação,
informalidade, tecnologia própria, padrão de qua- Potencial da madeira de agregar valor à cachaça de alambique
lidade e a diferenciação oficial entre a cachaça de
alambique e a caninha ou cachaça industrial. Lourival Marin Mendes, Fábio Akira Mori e Paulo Fernando Trugilho ................................... 41
O setor conta com o apoio da sociedade or-
ganizada para superar todas essas dificuldades.
Utilização de madeiras nativas no envelhecimento da cachaça de alambique
Na esfera política, há sensibilidade dos poderes
legislativo e executivo para solucionar os obstá- Silvia Maria Borim Côdo Dias, Amazile Biagioni R. A. Maia e David Lee Nelson .................... 49
culos políticos. Na esfera institucional, conta com
o apoio de instituições de pesquisa, de assistência
Alguns aspectos toxicológicos da cachaça
técnica, das micro e pequenas empresas, das Fede-
rações da Agricultura e da Indústria e da Organiza- Helmuth G. L. Siebald, Marcus H. Canuto e José Bento Borba da Silva ................................. 55
ção das Cooperativas do Estado de Minas Gerais.
Na esfera privada, conta com espaço para divulga-
Diferenciação físico-química de cachaça produzida em alambiques de cobre, processo
ção, marketing e relacionamento comercial.
Esta edição do Informe Agropecuário traz in- artesanal, e colunas de aço inox, processo industrial
formações atualizadas da pesquisa e mostra o es- Helmuth G. L. Siebald, Rodinei Augusti e Patterson P. de Souza . .......................................... 60
forço desenvolvido no Estado para tornar a cacha-
ça de alambique o agronegócio em Minas Gerais.

Sebastião Gonçalves de Oliveira


ISSN 0100-3364

Informe Agropecuário Belo Horizonte v.30 n.248 p. 1-64 jan./fev. 2009

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© 1977 EPAMIG Informe Agropecuário é uma publicação da
ISSN 0100-3364 Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
INPI: 006505007 EPAMIG

CONSELHO DE DIFUSÃO DE TECNOLOGIA E PUBLICAÇÕES É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem
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Maria Lélia Rodriguez Simão
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Os artigos assinados por pesquisadores não pertencentes ao quadro
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Mairon Martins Mesquita
Vânia Lacerda Os nomes comerciais apresentados nesta revista são citados apenas
para conveniência do leitor, não havendo preferências, por parte da
COMITÊ EDITORIAL DA REVISTA INFORME AGROPECUÁRIO
EPAMIG, por este ou aquele produto comercial. A citação de termos
Mairon Martins Mesquita técnicos seguiu a nomenclatura proposta pelos autores de cada artigo.
Departamento de Transferência e Difusão de Tecnologia

Vânia Lacerda O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data de
Divisão de Publicações
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Maria Lélia Rodriguez Simão
Departamento de Pesquisa
Assinatura anual: 6 exemplares
Antônio Álvaro Corsetti Purcino
Embrapa Aquisição de exemplares
Trazilbo José de Paula Júnior Departamento de Negócios Tecnológicos
Editor-técnico Divisão de Produção e Comercialização
Av. José Cândido da Silveira, 1.647 - Cidade Nova
PRODUÇÃO CEP 31170-000 Belo Horizonte - MG
DEPARTAMENTO DE TRANSFERÊNCIA E DIFUSÃO DE Telefax: (31) 3489-5002
TECNOLOGIA E-mail: publicacao@epamig.br - Site: www.epamig.br
DIVISÃO DE PUBLICAÇÕES CNPJ (MF) 17.138.140/0001-23 - Insc. Est.: 062.150146.0047

EDITOR-EXECUTIVO
Vânia Lacerda
Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - . - Belo
COORDENAÇÃO TÉCNICA Horizonte: EPAMIG, 1977 - .
Sebastião Gonçalves de Oliveira v.: il.
REVISÃO LINGÜÍSTICA E GRÁFICA
Marlene A. Ribeiro Gomide e Rosely A. R. Battista Pereira Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatísti-
ca. - v.1, n.1 - (abr.1975).
Normalização ISSN 0100-3364
Fátima Rocha Gomes e Maria Lúcia de Melo Silveira
PRODUÇÃO E ARTE
1. Agropecuária - Periódico. 2. Agropecuária - Aspecto
Econômico. I. EPAMIG.
Diagramação/formatação: Maria Alice Vieira, Erasmo dos Reis
Pereira, Cláudio Diniz Alves (estagiário), Fabriciano Chaves
CDD 630.5
Amaral e Letícia Martinez
Capa: Letícia Martinez
Impressão:
O Informe Agropecuário é indexado na
AGROBASE, CAB INTERNATIONAL e AGRIS
IMPRENSA OFICIAL
MINAS GERAIS

Governo do Estado de Minas Gerais


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Décio Corrêa Secretaria de Estado de Agricultura,
Av. José Cândido da Silveira, 1.647 - Cidade Nova Pecuária e Abastecimento
CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG Sistema Estadual de Pesquisa Agropecuária
Telefone: (31) 3489-5088
EPAMIG, UFLA, UFMG, UFV
deciocorrea@epamig.br

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Governo do Estado de Minas Gerais
Aécio Neves
Governador
Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Qualidade é o diferencial
Gilman Viana Rodrigues
Secretário

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais


da cachaça de Minas
Conselho de Administração
Gilman Viana Rodrigues
Baldonedo Arthur Napoleão
Sandra Gesteira Coelho
Elifas Nunes de Alcântara
O agronegócio da cachaça é responsável pela produção de
Silvio Crestana Vicente José Gamarano
Adauto Ferreira Barcelos Joanito Campos Júnior 1,35 bilhão de litros/ano, gerando um faturamento de mais de R$600
Osmar Aleixo Rodrigues Filho Helton Mattana Saturnino
Décio Bruxel milhões, e emprega diretamente 400 mil pessoas e, indiretamente,
Conselho Fiscal 2 milhões. Cerca de 30 mil produtores em todo o País participam
Evandro de Oliveira Neiva Evandro de Oliveira Neiva
Márcia Dias da Cruz Márcia Dias da Cruz dessa produção, sendo mais de 90% de micro e pequenos empresá-
Celso Costa Moreira Celso Costa Moreira

Presidência
rios. Estima-se que a produção formal (cachaça industrial) atinja 800
Baldonedo Arthur Napoleão
milhões de litros/ano e a informal (cachaça artesanal) 550 milhões de
Diretoria de Operações Técnicas
Enilson Abrahão litros/ano.
Diretoria de Administração e Finanças
Luiz Carlos Gomes Guerra O estado de Minas Gerais é considerado o polo da produção de
Gabinete da Presidência
Jairo Pereira da Silva Júnior cachaça artesanal e de alta qualidade do País. O Estado possui cerca
Assessoria de Comunicação de 8.500 produtores artesanais, com uma produção de cachaça que
Roseney Maria de Oliveira
Assessoria de Desenvolvimento Organizacional alcança 200 milhões de litros/ano, movimenta R$1,5 bilhão só com
Thaissa Goulart Bhering Viana
Assessoria de Informática o mercado interno, gerando cerca de 240 mil empregos. Desse total
Renato Damasceno Netto
produzido, apenas 0,3% é exportado. As regiões Norte, Jequitinhonha
Assessoria Jurídica
Nuno Miguel Branco de Sá Viana Rebelo e Rio Doce detêm cerca de 63% da produção mineira. A região Me-
Assessoria de Planejamento e Coordenação
Bethânia Elisa Amaral Rocha tropolitana de Belo Horizonte fica com a fatia de 14% e a Central é
Assessoria de Relações Institucionais
Júlia Salles Tavares Mendes considerada a menor produtora, com participação de 1,5%.
Assessoria de Unidades do Interior
Álvaro Sevarolli Capute
Todavia, a cachaça de alambique, em Minas Gerais, não tem
Auditoria Interna obtido o retorno econômico na dimensão esperada pelos empresários.
Carlos Roberto Ditadi
Departamento de Transferência e Difusão de Tecnologia Uma maior organização dos produtores e a utilização de tecnologias
Mairon Martins Mesquita
Departamento de Pesquisa específicas para a cachaça de alambique podem melhorar esta situa-
Maria Lélia Rodriguez Simão
ção. Vale destacar a importância da estratégia adotada pelo governo
Departamento de Negócios Tecnológicos
José Roberto Enoque de Minas, por meio da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abasteci-
Departamento de Estudos Econômicos e Prospecção
Juliana Carvalho Simões mento, em valorizar a tradição mineira na produção da cachaça arte-
Departamento de Recursos Humanos
Flávio Luiz Magela Peixoto sanal, adotando um conjunto de princípios de gestão voltados para a
Departamento de Patrimônio e Administração Geral
Mary Aparecida Dias garantia da qualidade do produto.
Departamento de Engenharia
Luiz Fernando Drummond Alves Nesta edição do Informe Agropecuário são mostradas as tec-
Departamento de Transportes
José Antônio de Oliveira
nologias disponíveis e a evolução do mercado, onde se verifica que
Departamento de Contabilidade e Finanças a cachaça de Minas, embora em pequena escala, alcançou mais do
Celina Maria dos Santos
Instituto de Laticínios Cândido Tostes dobro do preço no mercado externo. Além disso, traz o resultado da
Gérson Occhi e Nelson Luiz Tenchini de Macedo
Instituto Técnico de Agropecuária e Cooperativismo pesquisa mais esperado pelo setor que é a diferenciação físico-química
Luci Maria Lopes Lobato e Francisco Olavo Coutinho da Costa
U.R. EPAMIG Sul de Minas entre as cachaças de alambique e industrial.
Gladyston Rodrigues Carvalho e Rodrigo Fráguas de Carvalho
U.R. EPAMIG Norte de Minas
Polyanna Mara de Oliveira e Luciana Pereira Junqueira Simão Baldonedo Arthur Napoleão
U.R. EPAMIG Zona da Mata
Trazilbo José de Paula Júnior Presidente da EPAMIG
U.R. EPAMIG Centro-Oeste
Édio Luiz da Costa e Marcílio Valadares
U.R. EPAMIG Triângulo e Alto Paranaíba
Marcelo Abreu Lanza

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Capacitação é prioridade para o
Agronegócio da Cachaça
O secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
de Minas Gerais, Gilman Viana Rodrigues é produtor rural, criador
e selecionador de gado Tabapuã, na região do Vale do Mucuri, MG.
Graduado em Engenharia Civil, manteve sempre forte ligação com as
questões do campo e de sua população.
Entre os principais cargos ocupados destacam-se a Presidência da
Comissão Nacional de Comércio Exterior da Confederação da Agricultura
e Pecuária do Brasil (CNA) e da Coordenação do Fórum Nacional de
Negociações Agrícolas Internacionais (CNA/OCB/Abag). Foi presidente
da Câmara Temática de Negociações Agrícolas Internacionais do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), do workshop
de Agricultura do VI Fórum Empresarial das Américas (Alca), realizado em
Buenos Aires (Argentina), do Conselho Deliberativo do Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-MG) e da Sociedade
Mineira da Agricultura (SMA). Dedicado às questões da agropecuária
mineira, foi presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado
de Minas Gerais (Faemg) e do Conselho Administrativo do Serviço Nacional
de Aprendizagem Rural (Senar Minas), por mais de uma década.
Assumiu, em 2007, a presidência do Conselho Nacional dos Secretários
de Estado de Agricultura (Conseagri).

IA - Qual a situação do agronegócio da IA - A produção de cachaça é uma tra- IA - Quais seriam os principais entra-
cachaça em Minas Gerais? Como dição mineira. Qual a importância ves ao maior desenvolvimento do
está dividida a cadeia produtiva? social e econômica deste produto agronegócio cachaça em Minas
para o Estado? Gerais?
Gilman Viana Rodrigues - A ca-
Gilman Viana Rodrigues - Além Gilman Viana Rodrigues - O agro-
deia produtiva da cachaça tem dois
desses, a cachaça tem ainda o com- negócio cachaça não é diferente dos
compartimentos históricos. Um, é o
ponente cultural. A cachaça faz parte outros agronegócios. Toda atividade
da cachaça industrial, que é produzida da história folclórica de Minas e, processadora é exigente em capaci-
em larga escala e não tem um sabor portanto, é parte da história cultural.
tação, adequação de processos, hi-
competitivo como o da cachaça artesa- Todo evento de congraçamento, happy
gienização da produção e isso é uma
nal. O outro, é o da cachaça artesanal, hour, etc., tem sempre a caipirinha ou
demanda constante. Essa demanda de
que é feita por pequenos produtores, a cachaça pura, não como produto de
segunda categoria, mas como produto capacitação é contínua e legítima. A
de maneira tradicional, com o corte da questão é que o setor de produção de
de elite. Isto traz para o Estado um
cana sem queima e também variando cachaça, não só em Minas, mas em
valor histórico enorme e que, à medida
de sabor, conforme seu fabricante, que cresce, passa a ter uma represen- qualquer parte, é disseminado, não é
precisando sempre de assessoria para tação econômica significativa, preser- concentrado. A dificuldade em capa-
manutenção e conquista do padrão de vando sempre um componente social citar as pessoas reside nisso, depende
qualidade. muito rico para Minas Gerais. também da capacidade de aglutinar.
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IA - Que ações a Secretaria de Agri- que o da indústria, que pode contratar proposta o incentivo aos pequenos
cultura vem implementando em equipes especializadas para controlar produtores para organização em
apoio aos produtores de cachaça e a qualidade. A tributação é desigual associações e cooperativas. Como
fortalecimento deste mercado? e injusta com a artesanal. Quando isto vem sendo realizado?
o produto artesanal tem valor na
Gilman Viana Rodrigues - A Secre- história de um Estado, como já men- Gilman Viana Rodrigues - Eu diria
taria de Agricultura tem uma parceria cionei por sua importância cultural e que com uma velocidade abaixo da
com o Serviço Nacional de Aprendiza- turística não deve ser onerado. Essa desejada, porque a cultura associati-
gem Rural (Senar Minas), com apoio diferenciação tributária vai corrigir vista sofre resistências na cultura do
da Federação da Agricultura e Pecuária uma incongruência. Essa proposta é indivíduo. O associativismo requer
do Estado de Minas Gerais (Faemg), um pedido de justiça. Acredito que desprendimento, requer um convívio
para administrar treinamento às pes- mesmo com alguma demora, essa entre desiguais para formar posições
soas. Tem o Programa de Certificação proposta será aprovada, pois não iguais. Isto é um trabalho incrível,
da Cachaça e há um acompanhamen- prejudica ninguém, nem mesmo o sociológico, junto às comunidades.
to dessa qualidade de auditoria do produto industrial, apenas faz justiça
Mas esta dificuldade é natural, não
Instituto Mineiro de Agropecuária ao produto mineiro.
traz desestímulo, traz desafios. As
(IMA), que visa certificar os produtos
de qualidade e, obviamente, estimu- pessoas são naturalmente diferentes
IA - Quais são as diretrizes para a pes-
lar que todos os produtos tenham o e não tiveram o exercício do aprendi-
quisa com vistas ao fortalecimento
mesmo nível. É muito interessante zado do convívio, pois sempre foram
dessa cadeia produtiva?
alguém decidir ser melhor e por seu competidores e, por isso, há muita in-
esforço conquistar esse posto. O IMA, Gilman Viana Rodrigues - Sem dú- tolerância em fazer concessões. O ca-
além de fazer isso, viabiliza também o vida, a pesquisa caminha para a inves- minho para solução dessa dificuldade
aprendizado. Resta agora resolvermos tigação de espécies mais produtivas, e o caminho da perspectiva de formar
um problema de espaço tributário do mais adequadas a determinados solos. massa para mercado não podem ser
produto no mercado. Um produto que Há, inclusive, uma demanda muito le- outro, têm que ser o da cooperativa
tem essa qualidade é estimulado a gítima de espécies diferentes para solos ou da associação.
crescer em quantidade sua produção,
diferentes. Não se pode universalizar o
mas precisa ter espaço no mercado IA - Quais os principais resultados
contato da planta com o solo, nem se
com rentabilidade. obtidos com o Pró-Cachaça?
pode generalizar que todas serão iguais
em qualquer tipo de solo. Essa gama de Gilman Viana Rodrigues - O Pró-
IA - Quais os resultados esperados
com a isonomia tributária entre a pesquisa, a EPAMIG tem trabalhado Cachaça é um projeto estruturante
cachaça artesanal de alambique significativamente nos procedimen- da Secretaria de Agricultura e tem
e o produto industrializado reivin- tos. O problema da fermentação é inclusive uma Câmara Temática,
dicada pelos produtores e enca- outra questão para a pesquisa. Há uma constituindo um desaguadouro das
minhada pela Câmara Técnica à discussão semântica sobre colocar ou demandas do setor. Este projeto tende
Bancada Mineira da Câmara dos não terceiros produtos para fermentar, a descobrir, mobilizar e também repas-
para formar o mosto. Isto é muito dis- sar conhecimentos para os envolvidos.
Deputados?
cutido, pois há muito valor na cachaça No Pró-Cachaça, há um apêndice mui-
Gilman Viana Rodrigues - Esta que é trabalhada com fermento só de to interessante que é o movimento da
é uma questão de justiça. É incrível cana, embora a outra cachaça, que Expocachaça. Trata-se de um evento
vivermos numa economia onde o tenha sido fermentada com produtos de marketing fantástico que ocorre
produto que tem mais facilidade de ser adicionados, não seja inferior. O fato anualmente dentro da Superagro. É
fabricado, como é o industrial, tem um é que existe uma certa vaidade por uma vitrine de qualidade, de um estilo
tratamento tributário mais confortável histórico impressionante, a arte que
parte daqueles que não adicionam
do que o outro que exige muito mais se aplica na dotação dos estandes e
produtos.
gestão individual, dedicação e cuida- nas embalagens das cachaças é algo
do. Deve-se considerar que o processo IA - O Plano Setorial da Cachaça de incomparável. Eu acredito que pode-
de controle de qualidade na cachaça Alambique, proposto pela Câmara ríamos concorrer até com as vitrines
de champanhe da França.
artesanal é muito mais exigente do Técnica da Cachaça, tem como
Por Vânia Lacerda
IInnffoorrmmee AAggrrooppeeccuuáárriioo,, BBeelloo HHoorriizzoonnttee,, vv..2390,, nn..224458,, jjualn. /. a/ fgeov. 2 0 0 89

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Agronegócio da cachaça 

Evolução do mercado de cachaça nos anos 2000


Francisco Lopes Cançado Júnior 1
Bolivar Morroni de Paiva 2
Maria Letícia Líbero Estanislau 3

Resumo - A cachaça é uma bebida tipicamente brasileira, e tem levado o País ao


crescimento das exportações e à conquista de novos mercados. É produto essencial
para que Minas Gerais sustente o crescimento das exportações verificado nas últi-
mas décadas. Mudanças no ambiente institucional, pela situação atual do governo,
e nas organizações, pelo papel das cooperativas, são fundamentais para garantir
que as potencialidades destacadas em relação ao mercado da cachaça possam ser
efetivamente aproveitadas e expandidas. Portanto, cabe destacar que é imprescin-
dível ter um cenário econômico favorável, marcado pelo crescimento da demanda
e pela valorização do produto, mas é essencial que sejam criadas formas de orga-
nização e sustentação da atividade, para que a cachaça corresponda aos interesses
do comércio globalizado.

Palavras-chave: Aguardente de cana. Minas Gerais. Pró-Cachaça. Exportação.

INTRODUÇÃO No segmento industrial, o processo no mercado informal, portanto, exclu-


produtivo é realizado em grandes e mo- ída dos mercados competitivos.
A popular aguardente de cana, larga-
dernas empresas, ou seja, indústrias, onde Entre as bebidas destiladas, a cachaça
mente consumida no Brasil, conhecida
se utilizam colunas de destilação contínua é uma das mais consumidas no Brasil,
por cachaça, trata-se na realidade de um
(equipamento usado na produção de álco- ocupando lugar de destaque no ranking
termo genérico utilizado para denominar
ol). No segmento artesanal, as cachaças mundial entre as destiladas. É um produto
os destilados brasileiros obtidos da cana-
de-açúcar. são processadas em alambique de cobre, com perspectivas de crescimento para
Antes de tecer alguns comentários por empresas tipicamente familiares, e em atender às demandas de exportação, que
sobre o promissor mercado da cachaça baixa escala de produção. De acordo com encontram-se em ritmo de expansão.
brasileira e, especialmente a mineira, é Coutinho (2003): O Programa Brasileiro de Desenvolvi-
importante determinar a diferença entre a as cachaças artesanais e industriais con- mento da Cachaça (PBDAC) foi criado com
caninha industrial e a cachaça de alambi- correm entre si em condições bastante o objetivo de tornar a bebida conhecida em
que. A caninha industrial é o destilado al- desiguais: a cachaça industrial domina todo o mercado internacional, competindo
coólico simples, adicionado de açúcares e, o mercado com produtos padroni- com outros destilados. A cachaça tem sido
também, hidratado para chegar à graduação zados e de preços reduzidos, utiliza apontada pelas pesquisas como a bebida
alcoólica estabelecida em lei. A cachaça os grandes veículos de comunicação desta década. Portanto, os produtores de
de alambique é obtida pela destilação para divulgação de suas marcas e tem cachaça têm procurado, cada vez mais,
do mosto fermentado da cana-de-açúcar. articulação com o mercado externo; melhorar a sua qualidade, para aumentar
Deve-se ressaltar que legalmente não há contrariamente, a maioria das cachaças seu mercado internacional.
uma diferenciação entre os dois tipos de artesanais é processada em empresas No intuito de organizar e resgatar o
cachaça (SEBRAE-MG, 2001). não legalizadas, sendo comercializada valor histórico e cultural da cachaça, a

1
Economista, M.Sc., Prof. Assist. PUC-Minas, CEP 30535-901 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: franciscolopes@pucminas.br
2
Adm. Empresas, M.Sc., Pesq. EPAMIG-DPEP, CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: bolívar@epamig.br
3
Economista, D.Sc., Prof a Adj. PUC-Minas, CEP 30535-901 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: mleticia@pucminas.br

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 Agronegócio da cachaça

Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) especificamente de cachaça artesanal, é a bilhão só com o mercado interno, gerando
criou, em 1997, o PBDAC. Com isso, a exportação, praticada para agregar valor ao cerca de 240 mil empregos. Desse total
entidade concentra esforços para criar produto e gerar divisas para o País. produzido, apenas 0,3% é exportado. Apro-
condições de inserir a cachaça no mercado Para Verdi (2006), a produção de cacha- ximadamente 95% dos alambiques em todo
internacional e disputar o seu espaço ça industrial tem-se mantido estável desde o Estado são informais, ou seja, somente
com destilados tradicionais, consagrados 1995, enquanto a cachaça de alambique 500 possuem registro no Ministério da
mundialmente pelos consumidores mais apresenta um crescimento de 5% ao ano. Agricultura, Pecuária e Abastecimento
exigentes. Entretanto, o volume de cachaça artesanal (MAPA). As regiões Norte, Jequitinhonha
O agronegócio brasileiro tem grande ainda é muito pequeno (menos de 2%) em e Rio Doce detêm cerca de 63% da produ-
importância na geração da riqueza brasilei- comparação ao industrial, mascarando ção mineira. A Região Metropolitana de
ra e de divisas para o País. O agronegócio as estatísticas do segmento. Destaca-se Belo Horizonte fica com a fatia de 14% e
da cachaça, segundo dados do PBDAC, é a participação do estado de São Paulo na a Central é considerada a menor produtora,
responsável pela produção de 1,35 bilhão produção nacional de cachaça, posicionan- com participação de 1,5%.
de litros/ano, gerando um faturamento de do-se como líder no ranking no processo Em Minas Gerais, já era esboçado,
mais de R$600 milhões, e emprega direta- industrial, enquanto no artesanal, ocupa o desde os anos 80, uma concreta preocupa-
mente 400 mil pessoas e, indiretamente, 2 segundo lugar, sendo superado apenas por ção com o segmento da cachaça artesanal,
milhões, com uma arrecadação de aproxi- Minas Gerais. consolidada por meio do Diagnóstico Seto-
madamente R$76,5 mil em imposto a cada O Estado líder na produção é São rial elaborado pelo Instituto de Desenvol-
ano (ABRABE, 2008). Paulo, respondendo por 44% anualmente. vimento Industrial de Minas Gerais, atual
Destacam-se também Pernambuco e Ceará Instituto de Desenvolvimento Integrado
PRODUÇÃO BRASILEIRA DE com 12% cada e Minas Gerais, Goiás e Rio de Minas Gerais (Indi). Este relatório
CACHAÇA de Janeiro com 8%. Bahia, Paraná, Rio destacou o papel da atividade perante a
Grande do Sul e Paraíba dividem o restante economia agrícola do Estado, além de
Segundo Tavares e Manolescu (2004),
da produção nacional (Gráfico 1). Porém, conduzir a criação, no ano de 1989, da
cerca de 30 mil produtores em todo o País
quando se fala em cachaça artesanal, o es- Associação Mineira dos Produtores de
produzem por volta de 1,35 bilhão de li-
tado de Minas Gerais lidera a produção. Cachaça de Qualidade (Ampaq) e, em
tros anuais, sendo mais de 90% de micro
O estado de Minas Gerais é considera- 1992, do Programa Mineiro de Incentivo
e pequenos empresários. Estima-se que a
do o polo da produção de cachaça artesa- à Produção de Aguardentes (Pró-Cachaça),
produção formal (cachaça industrial) atinja nal e de alta qualidade do País. Segundo cujo objetivo estava centrado em valorizar
800 milhões de litros/ano e a informal (ca- Costenaro e Abatti (2008), o Estado possui o produto, preservando o seu caráter tradi-
chaça artesanal) 550 milhões de litros/ano, cerca de 8.500 produtores artesanais, com cional e estimulando a produção, a comer-
conforme demonstrado no Quadro 1. uma produção de cachaça que alcança 200 cialização e a exportação (ESTANISLAU
Como pode ser observado no Quadro 1, milhões de litros/ano, movimenta R$1,5 et al., 2002).
a produção encontra-se estável há muitos
anos e, como é muito grande, dificilmente
QUADRO 1 - Produção de cachaça no Brasil, no período 1994-2003
crescerá acima disso em níveis significati-
vos, pelo menos no médio prazo. Produção
Ano
(milhões de litros)
Em face desta situação, atualmente os
1994 1.035
produtores estão procurando agregar valor
ao produto. Historicamente a atividade 1995 1.080
caracteriza-se como bastante pulverizada 1996 1.147
e com um elevado índice de informalida- 1997 1.201
de. Assim, o PBDAC, que, além de reunir
1998 1.350
cerca de 75% da produção nacional, de-
senvolve esforços para conscientizar pro- 1999 1.350
dutores quanto à importância de uma ação 2000 1.350
conjunta que valorize o produto e amplie 2001 1.350
os mercados interno e externo. Tais ações
2002 1.350
visam tornar a atividade mais eficiente e
articulada, uma vez que um dos segmentos 2003 1.350
de mercado utilizados pelos produtores, FONTE: Abrabe (apud TAVARES; MANOLESCU, 2004).

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Agronegócio da cachaça 

dades encontradas, está conquistando cada


Outros
8%
vez mais espaço no mercado de bebidas
destiladas. Está em terceiro lugar na hierar-
MG
8% quia mundial de destilados, atrás da vodca
e do soju coreano. Sua exportação era feita
com rotulagem de rum, principalmente por
GO exigência de países como os Estados Uni-
8%
SP dos (TAVARES; MANOLESCU, 2004).
44% A partir dos Decretos n o 2.314, de
4/9/1997, no 4.062 de 21/12/2001 e no 4.851
RJ de 2/10/2003, assinados pelos respectivos
8%
presidentes Fernando Henrique Cardoso
e Luiz Inácio Lula da Silva, que deram à
cachaça a exclusividade de produto brasi-
PE leiro, a cachaça brasileira ganhou status
12% próprio e já é consumida em 70 países, com
CE destaque para Paraguai, Alemanha, Ingla-
12% terra, Estados Unidos, Holanda, Bélgica e
Japão (BRASIL, 1997, 2001, 2003).
Gráfico 1 - Produção de cachaça por Estado
Os dados disponíveis no Ministério do
FONTE: Abrabe (apud TAVARES; MANOLESCU, 2004).
Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (MDIC), acerca das exportações
Cabe destacar, nesse sentido, que o pa- ele está relacionado o fato de que o acesso de cachaça no Brasil, apontam para uma
pel do Estado foi fundamental na definição ao mercado internacional está atrelado ao queda das vendas para o exterior. Compa-
da estratégia por qualidade. Nos anos 90, atendimento da exigência dos importado- rando-se a quantidade exportada em 2007
res, quanto às certificações de origem e de com a do ano 2000, verifica-se uma queda
Minas Gerais, por meio da Secretaria de
qualidade. Nesse contexto, então, é que de aproximadamente 33% (Quadro 2).
Estado de Agricultura, Pecuária e Abas-
Em relação aos dados do Quadro 1
tecimento de Minas Gerais (Seapa-MG), o Estado assumiu um importante papel,
merece destaque a significativa participa-
tinha como principal objetivo valorizar a como instituição capaz de transformar
ção do estado de São Paulo, que é seguido
marca “Minas”, por meio da adoção de um barreiras não-tarifárias em um fator de
pelos estados de Pernambuco, Paraná, Rio
conjunto de princípios de gestão, voltados competitividade para o produto.
de Janeiro e Rio Grande do Sul. Minas
para garantir a qualidade na agricultura. Gerais e Goiás aparecem numa posição
EXPORTAÇÃO DE CACHAÇA
Um dos princípios consistiu exata- praticamente insignificante em termos do
mente na segmentação de mercados e a A cachaça brasileira, apesar das dificul- volume exportado nos anos analisados,

Quadro 2 - Quantidade de cachaça e caninha exportada, por Estado da Federação, no período 2000-2008, em litros
Estado 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
(1)

São Paulo 7.083.779 3.236.587 5.760.228 3.698.374 3.130.490 4.547.691 4.632.801 4.448.347 3.740.060
Paraná 2.456.239 1.999.097 1.536.822 1.086.939 1.574.445 1.167.674 1.252.420 985.523 708.587
Pernambuco 1.881.092 2.517.998 4.833.309 1.610.905 1.738.166 2.004.809 2.665.781 884.060 1.915.194
Rio de Janeiro 609.108 904.081 831.105 697.016 586.085 827.694 784.528 847.228 693.245
Rio Grande do Sul 1.034.980 1.081.736 955.561 1.208.478 1.053.912 1.080.114 1.126.922 816.050 767.826
Minas Gerais 73.809 34.658 262.847 77.649 112.308 202.891 238.981 332.074 102.021
Goiás 111 2.280 0 2.520 11.707 2.246 65.202 111.500 49.661
Demais Estados 290.166 373.875 355.174 278.671 400.035 508.023 553.928 625.665 489.556
Brasil 13.429.284 10.150.312 14.535.046 8.660.552 8.607.148 10.343.146 11.322.568 9.052.453 8.466.150
FONTE: Brasil (2008).
(1) Dados até setembro de 2008.

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10 Agronegócio da cachaça

mas deve-se considerar que as suas parti- mostra que houve no período de 2000 O Quadro 4 discrimina os principais
cipações têm sido crescentes. a 2007 um crescimento de 70% nas ex- mercados importadores da cachaça mi-
Conforme mostra o Quadro 2, os sete portações. Apenas os estados do Paraná neira, evidenciando a grande participação
Estados maiores exportadores de cachaça e e Pernambuco apresentaram queda nas dos Estados Unidos e da França, que
caninha no Brasil responderam por 93% do receitas provenientes das exportações de importaram em 2007 quase 90% do total
total exportado em 2007. Somente o estado cachaça e caninha. O Paraná sofreu uma exportado, cabendo os 10% restantes à
de São Paulo exportou, em 2007, quase a queda de 47% e Pernambuco de 20%, no Inglaterra, África do Sul, Alemanha, Chile,
metade da cachaça brasileira. período de 2000 a 2007. Itália, Portugal e Austrália.
De acordo com Estanislau et al. (2002), Observando o Quadro 3, verifica-se Quando se analisa valores, verifica-se
os dados oficiais disponíveis das exporta- que o estado de São de Paulo obteve um que a participação dos Estados Unidos
ções brasileiras referem-se aos produtos crescimento no valor das exportações de foi de 55% do total exportado, e a França
cachaça e caninha, que são industrializa- 102,7% e o Rio Grande do Sul de 22,7%, participou com 30% em 2007.
dos. É, portanto, na comercialização desse no período de 2000 a 2007, contrastando Também são apresentados, no Quadro
tipo de bebida que o estado de São Paulo se 4, os preços médios referentes aos volumes
com o volume exportado que caiu 37,2%
destaca, diferencialmente da especialidade
e 21,1%, respectivamente. Minas Gerais transacionados de 2006 a 2008, que con-
mineira, que é o produto artesanal, para o
apresentou, no período, um crescimento firmam a grande valorização do produto
qual se defende o rótulo de cachaça. Essa
de 566% no valor das exportações contra no período, que obteve um aumento de
observação faz-se necessária para praticar
um crescimento de 350% no volume ex- 37%.
uma diferenciação entre as participações
portado. Esses números demonstram que No Quadro 5 está discriminada a
dos Estados. Ou seja, embora as estatísti-
o produto brasileiro obteve grande valori- quantidade exportada de cachaça pelo es-
cas indiquem participações destacadas de
zação no comércio internacional. tado de Minas Gerais no período de 2005
outras regiões brasileiras, elas certamente
Segundo Verdi (2006) um dos fatores a 2008. Houve um crescimento de 64%
não ocupam o mesmo espaço que se pre-
tende abrir para o produto mineiro. Nesse que podem explicar esse comportamento entre os anos de 2005 e 2007. Em 2008,
sentido é que os movimentos desencade- nos preços da cachaça exportada pelo os dados referem-se aos meses de janeiro a
ados em Minas Gerais na década de 90 País é a estratégia adotada pelo governo setembro. De janeiro a setembro de 2008,
foram voltados para defender a questão da brasileiro, notadamente do PBDAC e da comparado a igual período do ano anterior,
qualidade, como o diferencial capaz de ga- Câmara Setorial, quanto à indicação de as exportações recuaram em 55%.
rantir mercados e valorizar a marca, como procedência como bebida típica do Brasil Os valores das exportações de cachaça
garantia do reconhecimento e fidelidade no e regulamentação da qualidade do produto, e caninha podem ser vistos no Quadro 6.
mercado internacional. além da intenção em dificultar a exportação Verifica-se que houve um crescimento de
Os dados referentes ao valor das expor- a granel. Ressalte-se que o Brasil disputa 70% entre os anos de 2005 e 2007 e uma
tações dos principais Estados brasileiros pela exclusividade de utilização do termo queda de 35%, quando comparado o ano
indicam outra leitura quando comparada “cachaça” para o destilado de cana produ- de 2008 em relação aos meses de janeiro
com a quantidade exportada. O Quadro 3 zido no País desde 2001. a setembro de 2007.

QUADRO 3 - Valor das exportações de cachaça e caninha, por Estado da Federação, no período 2000-2008, em US$ FOB
Estado 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 (1)
2008

São Paulo 3.680.604 3.880.266 3.394.900 5.129.879 6.832.463 7.047.397 7.460.654 7.461.471 6.414.557
Paraná 1.500.824 972.826 611.985 498.566 745.328 734.480 908.395 796.264 640.174

Pernambuco 993.192 1.366.871 2.505.523 670.209 948.104 1.249.496 1.682.998 797.586 1.513.463

Rio de Janeiro 649.746 1.057.338 958.002 873.320 754.290 1.211.389 1.049.683 1.437.289 1.546.602

Rio Grande do Sul 537.486 502.548 433.439 967.156 589.981 731.046 1.148.160 659.527 683.112

Minas Gerais 160.060 83.305 314.266 320.251 398.144 625.288 860.289 1.065.897 504.138

Goiás 79 1.334 0 7.517 24.268 6.664 140.320 241.005 99.319

Demais Estados 624.533 588.147 515.696 533.222 794.109 922.398 1.164.534 1.379.237 1.205.067
Brasil 8.146.524 8.452.635 8.733.811 9.000.120 11.086.687 12.528.158 14.415.033 13.838.276 12.606.432
FONTE: Brasil (2008).
(1)Dados até setembro de 2008.

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Agronegócio da cachaça 11

QUADRO 4 - Principais países importadores de cachaça e caninha do estado de Minas Gerais, no período 2006-2008
2006 2007 2008
País Quantidade Valor Preço médio Quantidade Valor Preço médio Quantidade Valor Preço médio
(litro) (US$) (US$/litro) (litros) (US$) (US$/litro) (litro) (US$) (US$/litro)
Estados Unidos 168.218 675.046 4,01 148.418 581.708 3,92 65.880 374.803 5,69
França 50.660 113.367 2,24 148.200 315.747 2,13 26.464 61.940 2,34
Inglaterra 1.512 2.953 1,95 10.262 60.433 5,89 7.619 58.298 7,65
África do Sul 7.920 33.581 4,24 9.240 55.625 6,02 - - -
Índia - - - 5.088 30.618 6,02 - - -
Alemanha 1.680 7.135 4,25 7.008 10.030 1,43 - - -
Chile 101 461 4,56 1.730 3.708 2,14 - - -
Itália 2.800 9.440 3,37 1.108 5.041 4,55 - - -
Portugal 4.116 9.774 2,37 720 2.507 3,48 - - -
Austrália - - - 300 480 1,60 - - -
Japão 1.206 6.840 5,67 - - - - - -
Espanha 764 1.662 2,18 - - - - - -
Angola 4 30 7,50 - - - - - -
Suíça - - - - - - 2.058 9.097 4,42
Total 238.981 860.289 3,60 332.074 1.065.897 3,21 102.021 504.138 4,94
FONTE: Brasil (2008).
(1) Dados até setembro de 2008.

QUADRO 5 - Quantidade de cachaça e caninha exportada pelo QUADRO 6 - Valor das exportações de cachaça e caninha exportada
estado de Minas Gerais, no período 2005-2008, em pelo estado de Minas Gerais, no período 2005-2008,
litros em US$ FOB

Mês 2005 2006 2007 (1)


2008 Mês 2005 2006 2007 2008
(1)

Janeiro 9.583 29.006 8.233 5.438 Janeiro 42.550 65.603 47.294 43.806
Fevereiro 19.623 7.763 11.992 10.132 Fevereiro 77.435 35.548 50.123 77.729
Março 8.461 11.883 28.817 11.074 Março 36.975 42.979 87.175 48.451
Abril 8.742 11.496 12.902 9.690 Abril 13.290 53.260 60.137 53.357
Maio 4.758 25.026 7.862 6.711 Maio 18.898 95.616 27.655 47.462
Junho 3.721 19.452 31.699 26.122 Junho 16.869 98.416 131.242 129.048
Julho 29.568 27.744 36.109 3.959 Julho 71.785 70.614 164.468 18.937
Agosto 12.222 2.448 49.400 1.627 Agosto 39.447 22.643 94.735 10.714
Setembro 9.024 20.809 41.773 27.268 Setembro 29.808 60.805 117.538 74.634
Outubro 44.567 36.351 58.940 - Outubro 110.880 124.662 156.881 -
Novembro 23.274 22.883 29.352 - Novembro 83.895 63.342 84.819 -
Dezembro 29.348 24.120 14.995 - Dezembro 83.456 126.801 43.830 -
Total 202.891 238.981 332.074 102.021 Total 625.288 860.289 1.065.897 504.138
FONTE: Brasil (2008). FONTE: Brasil (2008).
(1) Dados até setembro de 2008. (1) Dados até setembro de 2008.

O Quadro 7 apresenta os preços mé- médios do produto exportado por São Os preços médios recebidos em Minas
dios, em US$, do litro de cachaça expor- Paulo, por exemplo, foram de US$ 1,61, Gerais por litro do produto exportado
tada por Minas Gerais. Pode-se verificar US$ 1,68 e US$ 1,71, para os anos de 2006, foram superiores aos preços dos seis
que o preço do produto mineiro, dado sua 2007 e 2008, respectivamente. maiores exportadores do Brasil, indican-
qualidade, é mais valorizado que os preços No esboço do Gráfico 2 fica eviden- do, assim, um produto mais valorizado
observados em outros Estados. Os preços ciada a diferenciação do produto mineiro. pela qualidade.
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12 Agronegócio da cachaça

QUADRO 7 - Valor médio do litro da cachaça e caninha exportada pelo estado de Minas Pernambuco e Ceará com 12% cada, Minas
Gerais, no período 2005-2008, em US$ FOB Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e outros com
Mês 2005 2006 2007 (1)
2008 8% cada.
Janeiro 4,44 2,26 5,74 8,06 A cachaça brasileira, apesar das difi-
Fevereiro 3,95 4,58 4,18 7,67 culdades encontradas, está conquistando
Março 4,37 3,62 3,03 4,38 cada vez mais espaço no mercado de be-
Abril 1,52 4,63 4,66 5,51 bidas destiladas. Está em terceiro lugar na
Maio 3,97 3,82 3,52 7,07 hierarquia mundial de destilados, atrás da
Junho 4,53 5,06 4,14 4,94 vodca e do soju coreano.
Julho 2,43 2,55 4,55 4,78
Por outro lado, os dados disponíveis no
MDIC, acerca das exportações de cachaça
Agosto 3,23 9,25 1,92 6,59
no Brasil, apontam para uma queda das
Setembro 3,30 2,92 2,81 2,74
vendas para o exterior. Comparando-se a
Outubro 2,49 3,43 2,66 -
quantidade exportada em 2007 com a do
Novembro 3,60 2,77 2,89 -
ano 2000, verifica-se uma queda de apro-
Dezembro 2,84 5,26 2,92 -
ximadamente 33%.
Preço Médio 3,08 3,60 3,21 4,94
Em Minas Gerais, o governo do Estado
FONTE: Brasil (2008).
criou condições, através do Decreto no
(1) Dados até setembro de 2008.
42.644, de 5/6/2002, que regulamenta o
padrão e a característica da cachaça arte-
sanal de Minas (Minas Gerais, 2002)
6 e recentemente, da Instrução Normativa no
56, de 30/10/2002, alterada pela Instrução
5 Normativa no 20, de 25/10/2005 do MAPA
(Brasil, 2002, 2005), que permite aos
4
produtores de cachaça, com características
3 artesanais e produção caseira, se organiza-
rem em cooperativas, ficando dispensados
2 de registro de firma comercial, o que abre
um novo cenário para o setor em Minas
1 Gerais.

0
2006 2007 2008 REFERÊNCIAS
ABRABE. A cachaça. São Paulo, [2008].
São Paulo Paraná Pernambuco
Disponível em: <http://www.abrabe.org.br/
Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Minas Gerais
cachaca.php>. Acesso em: 29 out. 2008.
Goiás
BRASIL. Decreto no 2.314, de 4 de setembro
Gráfico 2 - Valor do preço médio exportado do litro de cachaça e de caninha, por Estado de 1997. Regulamenta a Lei no 8.918, de 14
da Federação, no período 2006-2007, em US$ FOB de julho de 1994, que dispõe sobre a padro-
FONTE: Brasil (2008). nização, a classificação, o registro, a inspe-
NOTA: Dados até setembro de 2008. ção, a produção e a fiscalização de bebidas.
Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, 5 set. 1997. Disponível
CONCLUSÃO Quanto a isso, destaca-se que são rele- em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
vantes as ações de iniciativa oficial como o decreto/D2314.htm>. Acesso em: 30 out.
Foram incluídos pelo governo federal 2008.
setores com maior potencial de exportação reconhecimento pelo poder público federal
de que a cachaça de alambique, que tem a ______. Decreto no 4.062, de 21 de dezembro
do País. O setor produtor de cachaça par-
de 2001. Define as expressões “cachaça”,
ticipa atualmente de todas as ações desen- cana-de-açúcar como matéria-prima, é uma
“Brasil” e “cachaça do Brasil” como indica-
volvidas junto aos países considerados de bebida genuinamente brasileira. ções geográficas e dá outras providências.
interesse comercial prioritário, definidos O estado de São Paulo é o líder na pro- Diário Oficial [da] República Federativa
pelo MDIC, em parceria com o PBDAC. dução com 44%, seguido pelos estados de do Brasil, Brasília, 26 dez. 2001. Disponível

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 0 , n . 2 4 8 , p . 7 - 1 3 , j a n . / f e v. 2 0 0 9

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Agronegócio da cachaça 13

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Relativas aos Requisitos e Procedimentos ESTANISLAU, M.L.L.; CANÇADO JÚNIOR,
decreto/2001/D4062.htm>. Acesso em: 30 para Registro de Estabelecimento Produto- F.L.; PAIVA, B. M. de. Mercado atual e po-
out. 2008. res de Aguardente de cana e de cachaça, tencial da cachaça. Informe Agropecuário.
organizados em Sociedade Cooperativa e Cachaça artesanal de Minas, Belo Horizon-
______. Decreto no 4.851, de 2 de outubro de
os Respectivos Produtos Elaborados. Diário te, v.23, n.217, p.19-24, 2002.
2003. Altera dispositivos do Regulamento
aprovado pelo Decreto no 2.314, de setem- Oficial [da] República Federativa do MINAS GERAIS. Decreto no 42.644, de 5
bro de 1997, que dispõe sobre a padroniza- Brasil, Brasília, 26 out. 2005. Seção 1, p.1. de junho de 2002. Regulamenta a Lei no
ção, a classificação, o registro, a inspeção, Disponível em: <http://www.agricultura. 13.949, de 11 de julho de 2001, que estabe-
gov.br>. Acesso em: 29 out. 2008. lece o padrão de identidade e as caracterís-
a produção e a fiscalização de bebidas.
ticas do processo de elaboração da cachaça
Diário Oficial [da] República Federativa ______. Ministério do Desenvolvimento,
artesanal de Minas e dá outras providên-
do Brasil, Brasília, 3 out. 2003. Disponível Indústria e Comércio Exterior. Exportação
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constituídas. Diário Oficial [da] República ção, 4., 2004, São José dos Campos. Anais...
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Janeiro: ABEPRO, 2003. Disponível em: VERDI, A.R. Dinâmicas e perspectivas do
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à presente Instrução Normativa, as Normas em: 30 out. 2008. n.2, p.93-98. fev. 2006.

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14 Agronegócio da cachaça

A luta da cachaça de alambique para se consolidar como


fonte de riqueza em Minas Gerais
Sebastião Gonçalves de Oliveira 1
Marco Antônio Magalhães 2
Patrick Christian Bergerat 3

Resumo - A elevação do status da cachaça como bebida destilada do Brasil teve iní-
cio em 1982, com o despertar dos produtores para o potencial econômico e social da
cachaça de alambique, revelado pelo Diagnóstico do Indi. Isso motivou a criação
da Ampaq, que se empenhou na divulgação e valorização da cachaça de Minas. O
Pró-Cachaça, reivindicação dos produtores, elaborou e implementou o Plano Es-
tratégico Setorial com participação do Sebrae-MG, Faemg e Ocemg. A organização
de cooperativas e associações motivou a criação do Sistema Ampaq. Ocorreram
campanhas publicitárias e feiras, surgiram dispositivos legais como as Instruções
Normativas 56, 20 e 13, leis e decretos. O Sebrae-MG e o Sebrae Nacional realiza-
ram o Diagnóstico da Cachaça de Minas Gerais e o Plano de Reestruturação da
Cadeia da Cachaça de Alambique. Dos 8.466 produtores do Estado, atualmente,
618 têm seus estabelecimentos registrados com 1.516 marcas. O agronegócio da ca-
chaça em Minas é representado pelas cachaças de coluna de aço inox, artesanal de
alambique de cobre e da produzida pelos produtores legalizados. A cachaça, nos
seus 300 anos de existência, é parte integrante da cultura de Minas e acompanha
sua história e seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Aguardente de cana. Pró-Cachaça. Cachaça industrial. Reestrutu-


ração. Legislação. Agronegócio.

INTRODUÇÃO dos produtores dificultam a organização e granel, disseminada no Estado, é preferida


o desenvolvimento do setor, permitindo pelos comerciantes pela grande margem
O agronegócio da cachaça de alambi-
que a cachaça de coluna de aço inox, pro- de lucro que porporcina na revenda, é
que de Minas está em todo o Estado, na
duto de qualidade inferior, baixo custo, e outro forte concorrente da cachaça de
cultura dos mineiros e reconhecido em pelo status que a cachaça de Minas deu alambique produzida por produtores que
todo o País, podendo se transformar num ao produto cachaça, tome conta da maior têm seus estabelecimentos e marcas re-
fator de desenvolvimento do meio rural fatia do mercado. A cachaça de coluna está gistradas. Enquanto a cachaça de coluna
mineiro e no fortalecimento da economia, presente nos pontos de venda em todo o de aço inox, com menos de dez grandes
gerando renda, tributos e emprego. Entre- território mineiro, tendo como suporte forte marcas, tem o domínio do mercado, a ca-
tanto, o desacordo entre as lideranças do a estrutura de marketing e de distribuição. chaça de alambique legalizada tem 1.516
setor, a falta de tecnologia específica para Além disso, a cachaça de alambique pro- marcas disputando entre si o que sobra do
a cachaça de alambique e a individualidade duzida e comercializada informalmente a mercado. A solução está na padronização

1
Eng o Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG-DPPE, CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: cbastiao@epamig.br
2
Economista, Consultor AMPAQ, Rua Coromandel, 13, sala 203 - Bairro da Graça, CEP 31140-100 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
ampaq@ampaq.com.br
3
Demografia Histórica, Consultor, Rua Hematita, 171 - Caiçara, CEP 30770-110 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: bergerat@terra.com.br

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Agronegócio da cachaça 15

e melhoria da qualidade do produto, na cal para produtores de aguardente mento das Economias Rurais e Desenvol-
legalização dos produtores informais por organizados em associações ou vimento Territorial (Grupo FERT)4, uma
meio do cooperativismo e associativismo, cooperativas; missão de estudos técnicos para membros
na redução do número de marcas dos esta- b) elaborar propostas de legislação em do Pró-Cachaça, envolvidos no processo
belecimentos registrados e no investimento benefício da produção artesanal de de valorização da cachaça, visitou a França
em marketing e distribuição. aguardente; para conhecer o sistema de certificação de
origem e qualidade do Instituto Nacional
c) reivindicar aos órgãos públicos
CACHAÇA DE ALAMBIQUE da Origem e da Qualidade (Inao) para
a adoção de ações articuladas de
vinhos, destilados e produtos alimentares,
A luta empreendida em Minas Gerais controle da produção e qualidade
sistema de organização dos produtores e
para transformar a cachaça de alambique sanitária das aguardentes comercia- do agroturismo, tendo uma visão futura
numa excelente fonte de riqueza, de em- lizadas; das possibilidades de desenvolvimento do
prego, de desenvolvimento do meio rural
d) instituir linhas de financiamentos setor da cachaça mineira.
e do revigoramento das tradições mineiras,
bancários para recuperação e mo- Também, em setembro de 1997, foi
teve início em 1982, com o Diagnóstico
dernização das unidades produtoras constituída uma missão técnica composta
feito pelo Instituto de Desenvolvimento por empresários e técnicos ligados ao setor
de aguardente.
Integrado de Minas Gerais (Indi). Diagnós- que visitaram a Escócia para conhecer de
tico que veio mostrar a real possibilidade O Pró-Cachaça na responsabilidade de
perto o processo de elaboração e envelhe-
econômica e social do setor de cachaça coordenar as ações políticas para desen-
cimento do uísque.
de alambique para o Estado, despertando volvimento do setor, com a participação
A ascenção do conceito da cachaça de
nos produtores da tradicional cachaça da Ampaq, em 1994, elaborou e imple-
alambique, em Minas, estimulou a organi-
de Minas a necessidade de organizar o mentou o Plano Estratégico Setorial, com zação de cooperativas e associações, tendo
setor, e a primeira ação nesse sentido ações de curto, médio e longo prazos. Tais como resultado mais expressivo a organi-
foi a criação da Associação Mineira dos ações englobam capacitação, pesquisa, zação do Sistema Ampaq, em 2002.
Produtores de Aguardente de Qualidade caracterização da cachaça mineira, pa- Foram realizados vários eventos para
(Ampaq), em 1988. A Ampaq empenhou- drão de identidade e qualidade, criação promover a cachaça, como campanha
se na divulgação e valorização da cachaça da biblioteca e do museu da cachaça, publicitária na televisão e no rádio, feiras
mineira, implantando a Coordenação de garrafa-padrão, padronização de métodos locais em vários municípios, feiras regio-
Auto-Fiscalização (CAF) e o selo Ampaq, de análise e reformulação da legislação nais, congresso e a Feira e Festival Inter-
que deu grande impulso e credibilidade à federal de bebidas, eliminando o conflito nacional da Cachaça, em Belo Horizonte,
qualidade da cachaça mineira. Em 1992, com a legislação das cooperativas, a orga- a Expocachaça, durante a Superagro, tendo
reivindicado pelos produtores organiza- nização e o treinamento dos produtores e realizado sua 11a edição.
dos, o Indi e deputados ligados ao setor a regulamentação da origem e do padrão
Legislação
criaram o Programa Mineiro de Incentivo de identidade e qualidade (CAMPELO,
à Produção de Aguardente (Pró-Cachaça), 2002). Quanto à reformulação da legislação,
por meio da Lei no 10.853, de 4/8/1992 O Pró-Cachaça e a Ampaq, na imple- a Secretaria de Estado de Agricultura,
(MINAS GERAIS, 1992), regulamentada mentação do Plano Estratégico Setorial, Pecuária e Abastecimento de Minas Ge-
pelo Decreto n o 34.645, de 14/4/1993 contaram com a participação do Serviço de rais (Seapa-MG), num esforço político,
(MINAS GERAIS, 1993). Apoio às Micro e Pequenas Empresas de conseguiu que o Ministério da Agricul-
Minas Gerais (Sebrae-MG), da Federação tura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
ESFORÇO PARA ORGANIZAR da Agricultura do Estado de Minas Gerais editasse a Instrução Normativa no 56, em
O SETOR
(Faemg) e da Organização das Cooperati- 30/10/2002 (BRASIL, 2002), atualmente
A ação inicial do Pró-Cachaça foi o vas do Estado de Minas Gerais (Ocemg), modificada pela Instrução Normativa no 20,
Primeiro Encontro Técnico, em 1993, possibilitando que a maioria das metas de 25/10/2005 (BRASIL, 2005b) permitin-
realizado em Sabará, MG, que levantou fosse atingida. do aos produtores, pessoa física, filiarem à
as seguintes necessidades: Em 1995, fruto de parceria entre o Indi, cooperativa e a entregarem seus produtos
a) criar mecanismos de incentivo fis- Ampaq e a Associação para o Fortaleci- sem nota fiscal. Entretanto, a Secretaria da

4
Organização profissional agrícola francesa de cooperação internacional para o desenvolvimento rural.

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16 Agronegócio da cachaça

Receita Federal, contrariando a Lei 5.764 beneficiar o setor, oportunidade explorada cachaça de alambique dos estabelecimen-
de 16/12/1971, a Lei do Cooperativismo por uma única marca mineira. tos legalizados.
(BRASIL, 1971), exige que os alambiques Outra importante medida do governo Além disso, a legislação tributária
tornem-se pessoa jurídica, emitindo nota federal foi o Decreto no 4.062, de 21 de federal também classifica a produção de ca-
fiscal para transportar o produto do alam- dezembro de 2001 (BRASIL, 2001), que chaça como atividade industrial e, por isso,
bique para a cooperativa. Essa exigência reconheceu a cachaça como bebida tipica- a unidade produtora tem que ser registrada
da Secretaria da Receita Federal tornou-se mente brasileira, definindo as expressões como pessoa jurídica e, nesta condição, os
um obstáculo para formação de coopera- “cachaça”, “Brasil” e “cachaça do Brasil” produtores ficam impedidos de constituí-
tiva, única forma viável de os produtores como indicações geográficas. rem cooperativas ou de se filiarem a elas,
informais legalizarem suas atividades e Na esfera privada, vários encontros anulando o benefício da Instrução Normati-
passarem a contribuir com a geração de técnicos foram realizados para discutir, va no 56, alterada pela Instrução Normativa
receita para o Estado. identificar e encontrar formas de solucionar no 20 (BRASIL, 2002, 2005b).
A publicação da Lei Estadual no 13.949, os entraves que amarram o desenvolvimen- A cadeia produtiva da Cachaça de
em 12 junho de 2001 (MINAS GERAIS, to do agronegócio da cachaça em Minas Alambique foi incluída no Programa Rede
2001), regulamentada pelo Decreto n o Gerais. Um deles foi o 1o Seminário de Estadual de C&T para Inovação Agroin-
42.644, de 5/7/2002 (MINAS GERAIS, Legislação de Cachaça de Alambique, dustrial da Secretaria de Estado de Ciência,
2002), foi o ponto alto do Plano Estratégico realizado em Ouro Preto, MG, em 9 e Tecnologia e Ensino Superior de Minas Ge-
da Cachaça. Entretanto, essa Lei deverá ser 10/12/2003, pelo Instituto Brasileiro da rais (Sectes-MG), fornecendo subsídio para
adaptada ao Decreto Federal no 4.851, de
Cachaça de Alambique (IBCA), em par- o estabelecimento da política de C&T do
21/10/2003 (BRASIL, 2003), que alterou
ceria com o Sindicato das Indústrias de Estado, bem como dando suporte técnico
o dispositivo que dispõe sobre a padroni-
Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de para a Fundação de Amparo à Pesquisa do
zação, classificação, registro, inspeção,
Minas Gerais (SindBebidas), Sebrae-MG Estado de Minas Gerais (Fapemig) lançar
produção e fiscalização das bebidas, bem
e Ampaq. Foram destacados como os dois edital induzido de pesquisa de interesse
como a Instrução Normativa n o 13 de
principais problemas do setor: a legislação do setor.
29/6/2005 do MAPA (BRASIL, 2005a).
tributária e a não-diferenciação entre a ca- Para dar apoio tecnológico ao setor de
O Sebrae-MG, com apoio do Serviço
chaça de alambique e a cachaça de coluna cachaça de alambique, foi assinado um
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
de aço inox pela legislação brasileira. Em acordo de cooperação denominado Rede
Empresas - Sebrae Nacional -, realizou,
2006, foi realizado, em Belo Horizonte, Mineira de Tecnologia da Cachaça de
em 2001, o Diagnóstico da Cachaça de
o “1o Congresso Brasileiro da Cachaça Alambique (RMTC) entre as instituições
Minas Gerais e elaborou, em 2002, o
(Conbrac)”, promovido pela Federação que desenvolvem pesquisa no estado
Plano de Reestruturação da Cadeia da
Nacional dos Produtores de Cachaça de de Minas Gerais, com interveniência da
Cachaça de Alambique de Minas Gerais
Alambique (Fenaca). Sectes-MG. A vigência do acordo RMTC
(SEBRAE-MG, 2001, 2002). Plano que, se
tivesse sido implementado naquela época, Os padrões físico-químicos estabeleci- encerrou em 2006. A grande dificuldade
teria dado, com certeza, outra e melhor dos pela Instrução Normativa no 13 (BRA- para atender seu objetivo foi a condição
dimensão ao agronegócio da cachaça de SIL, 2005a) não permitem a diferenciação virtual de funcionamento, sem suporte
alambique do Estado. entre a cachaça destilada em alambique de legal para sua estruturação formal.
No plano federal, o governo criou o cobre e a cachaça destilada em alambique O Programa de Responsabilidade
Programa Brasileiro de Desenvolvimento de coluna de aço inox, situação que privile- Social e Adequação Ambiental, lançado
da Cachaça (PBDAC), delegando a sua gia os grandes conglomerados industriais, pelo Sistema Ampaq, em convênio de co-
administração à Associação Brasileira de que lançam no mercado cachaça padroni- operação técnica com o Sistema Estadual
Bebidas (Abrabe), dotando o setor com zada, com preço muito inferior e ancorado de Meio Ambiente (Sisema), Instituto Mi-
recurso financeiro de apoio à exportação em campanha publicitária milionária. neiro de Agropecuária (IMA), Federação
pela Agência de Promoção de Exportações Com referência a tributação, o entrave das Indústrias do Estado de Minas Gerais
(Apex), e colocou a cachaça na lista dos ocorreu na esfera federal com a exclusão (Fiemg) e Empresa de Assistência Técnica
produtos com prioridades de exportações dos produtores de cachaça do Sistema In- e Extensão Rural do Estado de Minas Ge-
da Câmara de Comércio Exterior (Camex). tegrado de Pagamento de Impostos e Con- rais (Emater-MG) visa adequar as unidades
Minas, por não ter o agronegócio da cacha- tribuições das Microempresas e Empresas produtivas do setor à legislação ambiental.
ça de alambique organizado, não utilizou de Pequeno Porte (Simples), provocando Cerca de 30 empresas formalizaram com a
dessa abertura do governo federal para uma elevação da carga tributária sobre a Ampaq esta adequação.
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Agronegócio da cachaça 17

Por ser parte integrante da cultura mi- entre a cachaça de alambique e a de coluna aos consumidores, nem responsabilidade
neira, o processo de produção da cachaça de aço inox. ambiental e social. Entretanto, não se deve
de alambique foi declarado patrimônio Não bastassem os obstáculos, ainda há esquecer que historicamente a cachaça
cultural do Estado, pela Lei no 16.688 de a complexidade do próprio setor da cacha- em Minas era um produto consumido no
1/1/2007 (MINAS GERAIS, 2007). ça de alambique, que deve ser entendida mercado local, pelas difíceis condições
Recentemente, a Seapa-MG criou a para que as propostas de solução tenham de transporte e tributação, e que esses
Câmara Técnica da Cachaça de Alambique endereço certo para ser eficientes. produtores são os herdeiros dos milhares
pela Resolução no 880 de 17 de abril de O agronegócio da cachaça em Minas de antecessores que fizeram a história da
2007 (BRASIL, 2007), o Comitê Gestor e compõe de diversos segmentos, cada um cachaça em Minas Gerais.
revitalizou o Pró-Cachaça. E, por último, com sua especificidade concorrendo entre O terceiro segmento é constituído pelos
criou o Grupo de Indicação Geográfica si, uns com vantagem comparativa e produtores de cachaça de alambique, com
para os produtos do Estado, dentre eles outros sofrendo os rigores dos obstáculos característica empresarial, que investiram
a cachaça de alambique. Neste sentido, a relacionados. em tecnologia, registraram seus estabele-
indicação geográfica da cachaça da região O primeiro segmento é o da cachaça cimentos e suas marcas. É o segmento que
de Salinas está em curso, coordenada pelo de coluna de aço inox, produzida por des- representa de fato o agronegócio da cacha-
Sebrae-MG. Da mesma forma, a região tilação contínua em alambique de coluna ça de alambique de Minas, gerando tributo
de Ouro Preto também já vem articulando de aço inoxidável, em grande quantidade, para o Estado e oportunidade de trabalho
nesse sentido. com alto rendimento industrial, baixo cus- com carteira assinada. Entretanto, por
A Câmara Técnica foi instalada dia to, presente em todos os pontos de venda terem seus estabelecimentos registrados,
1/6/2007, com a finalidade de atuar como e tendo como suporte forte estrutura de sofrem os rigores da fiscalização.
unidade de estudo e de apoio ao Conselho marketing e distribuição em todo território Esse segmento é representado por
Estadual de Política Agrícola (Cepa). As mineiro. dois tipos de empresários. O primeiro é
atividades da Câmara foram desenvolvidas O segundo segmento é o da cachaça de constituído pelos produtores que têm seus
por meio de reuniões periódicas, nas quais alambique, produzida de forma artesanal estabelecimentos em processo de moder-
por destilação descontínua (batelada sim- nização da atividade com introdução de
discutiram, com profundidade, a situação
ples) em alambique de cobre, em pequena tecnologia, valorização da cachaça no
do setor. Foram elencados os principais
quantidade, de maneira informal, com conjunto da exploração agropecuária e uma
obstáculos que atualmente entravam o
baixo rendimento industrial, baixo custo, real inserção no mercado. Seus produtos
desenvolvimento do setor, dentre eles:
comercializada a granel nos comércios não são padronizados, não controlam o
a informalidade, a tributação elevada, a
local e regional e para atravessadores, a processo, são deficientes no gerenciamento
dificuldade de adequação ambiental, a
baixo preço e sem sofrer tributação, sendo, de seu negócio e não têm acesso a canais de
ausência de definição legal do processo
por isso, um negócio com bom retorno distribuição, possuem baixa rentabilidade
de produção da cachaça de alambique
financeiro. Essa maneira de produzir e de e falta de recurso financeiro para investir
para diferençá-la da cachaça de coluna de
comercializar está consolidada em anos em marketing. O resultado é a manutenção
aço inox, a falta de controle de qualidade
de experiência. Esse segmento, ao mesmo de estoques elevados, capacidade ociosa,
da cachaça de alambique, a deficiência da
tempo em que a informalidade é um obs- elevação dos custos de produção. Essa
linha de crédito, o parque industrial carente
táculo à inserção no mercado, funciona realidade enseja que muitos produtores
de normas técnicas, a multiplicidade de
como proteção à sobrevivência do negócio. legalizados passem a comercializar parte
marcas e a ausência de organismos certi-
Operando com baixo custo e na informali- da produção de maneira informal.
ficadores em Minas Gerais.
dade, o produtor artesanal tem dificuldade O segundo tipo de empresário é consti-
de incorporar tecnologia. Além disso, o tuído pelo grupo de produtores com visão
AGRONEGÓCIO CACHAÇA EM
elevado número de estabelecimentos e o mais profissional e com experiência bem-
MINAS GERAIS
grande número de pessoas envolvidas em sucedida em outros ramos de negócio e
Como pode ser visto, os obstáculos que suas implicações sociais constituem fator com visão estratégica. Têm como suporte de
impedem o desenvolvimento do agrone- de restrição à ação fiscalizadora oficial pelo sucesso o uso da tecnologia, capacidade de
gócio da cachaça de alambique são vários caráter eminentemente social que exercem gestão, esforço de marketing e exploração
e de diferentes naturezas, sendo os mais no meio rural, fixando o pequeno produtor de nichos de mercado. Atualmente estão
importantes a tributação, a concorrência no campo. Esse segmento acarreta perda buscando diferenciar seus produtos com a
desigual da cachaça de coluna de aço inox e de tributos para o Estado, concorre com certificação de conformidade do Instituto
da cachaça artesanal produzida e comercia- os estabelecimentos legalizados e não Nacional de Metrologia (Inmetro) e bus-
lizada informalmente e a não-diferenciação oferece garantias de qualidade do produto cando mais presença no mercado interno.
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18 Agronegócio da cachaça

De modo geral, com raríssima exceção, cia técnica aos produtores informais e linha 2001 (SEBRAE-MG, 2001), com apoio
os produtores empresários são os que estão de crédito para os pequenos produtores da Faemg e Ocemg nas cidades polo do
tendo sérios problemas de comercialização organizados em cooperativas. Estado.
de seus produtos pela concorrência desi- Uma das medidas é a inserção da
gual da cachaça de coluna de aço inox, CACHAÇA DE ALAMBIQUE E cachaça de alambique no Simples, para
principalmente, e da cachaça artesanal pro- CACHAÇA INDUSTRIAL aliviar a carga tributária dos produtores
duzida e comercializada informalmente. Na diferenciação entre a cachaça de empresários que têm seus estabelecimentos
Devido ao grande potencial que o mer- alambique e a cachaça industrial, é neces- e marcas registradas.
cado externo oferece, empresa de capital sário que a pesquisa estabeleça o discer- A outra medida é a alteração da Instru-
internacional, integrada com estrutura de nimento físico-químico entre esses dois ção Normativa no 504/2005 da Secretaria
distribuição mundial, está-se instalando no produtos, a fim de dar suporte científico da Receita Federal (BRASIL, 2005c), per-
Estado com padrão de produto definido, ao MAPA para estabelecer a diferenciação mitindo que os produtores não-legalizados
com interesse específico na cachaça mi- oficial, uma vez que os processos já são se associem à cooperativa para legalizar
neira. A estratégia é produzir parte de sua diferenciados. Destaca-se que a Fapemig já sua atividade, podendo comercializar a
necessidade e buscar o complemento com vem apoiando iniciativas neste sentido por cachaça em conjunto com a obtenção do
produtores que atendam sua especificação, meio de pesquisas realizadas na Universi- selo de controle de Imposto sobre Produtos
tornando seu produto mais competitivo dade Federal de Minas Gerais (UFMG). Industrializados (IPI). Dessa forma, con-
pelo maior volume e menor custo de O crescimento do conceito de cachaça tribuirão com a geração de tributos para os
é acompanhado pela individualidade dos cofres públicos.
produção.
produtores, desacordo entre as lideranças A solução desses principais obstáculos
Segundo Sebrae-MG, o número de
do setor e falta de estudo sobre o efeito da permitirá grande avanço no desenvolvi-
produtores de cachaça em Minas, em 2001,
relação solo/clima/planta na qualidade da mento do setor, independente da solução
era de 8.466 produtores (SEBRAE-MG,
cachaça de alambique. Isso se constata pelo dos demais, para que o agronegócio da
2001). Desses, atualmente, 618 têm seus
número de marcas, pelos órgãos que se cachaça de alambique de Minas possa se
estabelecimentos registrados com 1.516
apresentam como representantes do setor, estruturar com suas próprias ações.
marcas registradas, dados de 23/10/2008,
sem que nenhum deles tenha unanimidade A Seapa-MG pode ajudar politicamen-
fornecidos pela Superintendência Federal
e legitimidade política de representação e te na busca de solução para o setor, mas
de Agricultura (SFA) do MAPA, de Belo
pela falta de unidade de pesquisa do Estado necessita de propostas concretas e viáveis
Horizonte. Os demais produtores de Minas
para estudo da cachaça de alambique. Além para serem encaminhadas ao Estado e à
Gerais estão incluídos no segmento da
disso, várias instituições, públicas e priva- União, tarefa que se espera do Conselho
cachaça de alambique artesanal que produ-
das, com reais e relevantes serviços presta- Estadual de Política Agrícola, por meio da
zem e comercializam informalmente.
dos, têm atuado de forma consistente, mas Câmara Técnica e da legítima representa-
Na área comercial, não se pode con- ção política do setor.
sem um eficiente link entre si, orientado por
viver com tamanha diversidade e quanti-
uma política direcionada para organização
dade de marcas competindo entre si, num CONSIDERAÇÕES FINAIS
e desenvolvimento da cadeia produtiva do
mercado onde marcas industriais estão
agronegócio da cachaça de alambique de O agronegócio da cachaça de alam-
presentes em todos os pontos de venda do Minas Gerais.
Estado e do País. bique em Minas Gerais, diante do reco-
Na esfera federal foram criados a
A Câmara Técnica da Cachaça de nhecimento do seu produto no mercado
Fenaca, para defesa dos interesses da ca-
Alambique propôs várias alternativas, que e da mudança de status da cachaça como
chaça de alambique, e o Instituto Brasileiro
estão relatadas no Plano Setorial. Dentre as bebida destilada, pode desempenhar papel
da Cachaça (Ibrac), para defesa da cachaça
principais constam a integração dos órgãos importante na geração de renda, tributos e
em geral.
representativos da cachaça de alambique O setor de cachaça de Minas carece de empregos, com reflexos econômico e social
para que o setor tenha legitimidade na re- mais legitimidade na sua representação na economia do Estado e no desenvolvi-
presentação política, isonomia tributária, a para lutar e buscar, com força política, mento rural pela capilaridade do setor em
diferenciação entre a cachaça de alambique soluções dos principais obstáculos que todo o Estado, sobretudo, nas regiões mais
e a cachaça de coluna de aço inox, alteração foram identificados e discutidos na Câmara carentes como o Norte de Minas e os Vales
na Instrução Normativa no 504, de 3/2/2005 Técnica e consubstanciados no Plano Se- do Jequitinhonha, Mucuri e Rio Doce.
da Secretaria da Receita Federal (BRASIL, torial. Esta constatação deu-se na prática O momento é politicamente favorável,
2005c) eliminando o conflito com a Lei do das reuniões de avaliação do Diagnóstico pois o governo do Estado está empenhado
Cooperativismo (BRASIL, 1971), assistên- do setor, realizadas pelo Sebrae-MG em em fazer de Minas o melhor Estado para
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Agronegócio da cachaça 19

se viver. Falta para o setor legitimidade Diário Oficial [da] República Federativa cutivo, p.10. Disponível em: <http://www.
de representação e proposta politicamente do Brasil, Brasília, 26 out. 2005b. Seção 1, almg.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2008.
viável a ser negociada com o governo. A p.1. Disponível em: <http://www.planalto.
_______. Lei no 10.853, de 4 de agosto de 1992.
gov.br>. Acesso em: 11 nov. 2008.
cachaça de Minas, nos 300 anos de existên- Cria o Programa Mineiro de Incentivo à Pro-
cia, é parte integrante da cultura mineira, _______. Instrução Normativa, no 56, de 30 dução de Aguardentes - PRÓ-CACHAÇA, e
de outubro de 2002. Aprova normas rela- dá outras providências. Minas Gerais, Belo
acompanhando a história e o desenvolvi-
tivas aos Requisitos e Procedimentos para Horizonte, 5 de ago. de 1992. Diário do Execu-
mento do Estado.
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Cachaça; organizados em Associações ou gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2008.
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BRASIL. Decreto no 4.062, de 21 de dezem- ário Oficial [da] República Federativa do
2001. Estabelece o padrão de identidade e
bro de 2001. Define as expressões “cachaça”, Brasil, Brasília, 31 out. 2002. Seção 1, p.6.
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“Brasil” e “cachaça do Brasil” como indica- Disponível em: <http://www.agricultura.gov.
da Cachaça de Minas e dá outras providên-
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cias. Minas Gerais, Belo Horizonte, 12 jul.
Diário Oficial [da] República Federativa _______. Ministério da Fazenda. Secretaria 2001. Diário do Executivo, p.3. Disponível
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em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso no 504, de 3 de fevereiro de 2005. Dispõe so- 3 nov. 2008.
em: 11 nov. 2008. bre o registro especial a que estão sujeitos os
_______. Lei no 16.688, de 1 de janeiro de
_______. Decreto no 4.851, de 2 de outubro produtores, engarrafadores, as cooperativas
2007. Declara patrimônio cultural de Minas
de 2003. Altera dispositivos do Regulamen- de produtores, os estabelecimentos comer-
Gerais o processo tradicional de fabricação,
to aprovado pelo Decreto no 2.314, de 4 de ciais atacadistas e importadores de bebidas
em alambique, da cachaça de Minas. Mi-
setembro de 1997, que dispõe sobre a padro- alcoólicas e sobre o selo de controle a que
estão sujeitos esses produtos, e dá outras nas Gerais, Belo Horizonte, 12 jan. 2007.
nização, a classificação, o registro, a inspe-
providências. Diário Oficial [da] República Diário do Executivo, p.2. Disponível em:
ção, a produção e a fiscalização de bebidas.
Federativa do Brasil, Brasília, 9 fev. 2005c. <http://www.almg.gov.br>. Acesso em: 3
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Disponível em: <http://www.receita.fazenda. nov. 2008.
do Brasil, Brasília, 3 out. 2003. Disponível
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sociedades cooperativas, e dá outras provi- 2007. Minas Gerais, Belo Horizonte, 18 abr. em: <http://www.sebraemg.com.br/arquivos/
dências. Diário Oficial [da] República Fe- 2007. Diário do Executivo, p.6. programaseprojetos/agronegocios/Cachaca/
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Acesso em: 11 nov. 2008. econômico e social. Informe Agropecuário.
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Regulamento Técnico para Fixação dos abril de 1993. Regulamenta a Lei no 10.853, PRÉ-CACHAÇA. Belo Horizonte: SEAPA-
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rio Oficial [da] República Federativa do dentes - PRÓ-CACHAÇA, e dá outras provi- Evolução recente e perspectivas da aguar-
Brasil, Brasília, 30 jun. 2005a. Seção 1, p.3. dências. Minas Gerais, Belo Horizonte, 15 dente-de-cana em Minas Gerais - PRÓ-
Disponível em: <http://www.planalto.gov. de abril de 1993. Diário do Executivo, p.1. CACHAÇA. Belo Horizonte: SEAPA-MG,
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de outubro de 2005. Aprova na forma do _______. Decreto no 42.644, de 5 de junho de
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Anexo à presente Instrução Normativa, as 2002. Regulamenta a Lei no 13.949,de 11 de
Normas Relativas aos Requisitos e Procedi- julho de 2001, que estabelece o padrão de MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de
mentos para Registro de Estabelecimentos identidade e as características do processo Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Produtores de Aguardente de Cana e de Ca- de elaboração da cachaça artesanal de Mi- Plano Setorial: cachaça de alambique de
chaça, organizados em Sociedade Coopera- nas e dá outras providências. Minas Gerais, Minas Gerais. Belo Hoerizonte, 2007. 12p.
tiva e os Respectivos Produtos Elaborados. Belo Horizonte, 6 jun. 2002. Diário do Exe- Documento interno.

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20 Agronegócio da cachaça

Variedades de cana-de-açúcar
para a produção de cachaça de alambique
Geraldo Antônio Resende Macêdo 1
Luis Cláudio Inácio da Silveira 2
Luiz Antônio de Bastos Andrade 3
Édio Luiz da Costa 4
Sebastião Gonçalves de Oliveira 5
Uilson Fernando Matter 6

Resumo - A produção de cachaça de alambique em Minas Gerais tem importante


papel na estruturação da economia agroindustrial do Estado. O sucesso da atividade
passa por todos os elos da cadeia produtiva, com destaque para a produção de matéria-
prima de qualidade. A variedade é a tecnologia mais importante e de menor custo para
o produtor. Sua escolha deve estar voltada para aquelas que reúnem propriedades
agronômicas e industriais mais adequadas à produção da cachaça. Algumas
características são importantes e desejáveis e o balanço qualidade/defeito é que define
a indicação de uma ou mais variedades para o atendimento à produção de cachaça
de alambique de qualidade. Dentre as variedades de diferentes ciclos de maturação,
com bom potencial produtivo destacam: precoces (RB855156, RB855453, RB835486,
SP80-1842), médias (RB867515, RB855536, RB835486, SP79-1011, SP80-1816, SP80-3280,
SP81-3250), tardias (RB72454, RB867515). Além da escolha apropriada da variedade, o
manejo deverá estar voltado para atender às peculiaridades da produção de cachaça,
levando em consideração a demanda de matéria-prima com qualidade, em quantidade
e a baixo custo, durante todo o período de safra.

Palavras-chave: Saccharum spp. Aguardente de cana. Cultivar.

INTRODUÇÃO da ordem de 230 milhões de litros/safra, o produtor. Atualmente, o plantel de varie-


que representa cerca de 18% da produção dades melhoradas existente no Brasil é
A produção de cachaça de alambique
nacional de aguardentes (cachaça e cani- bastante amplo, dando ao produtor opção
em Minas Gerais tem importante papel na
nha) (SEBRAE, 2002). de escolha, garantindo maior probabilidade
estruturação da economia agroindustrial do O sucesso da atividade passa neces- de sucesso. As usinas sucroalcooleiras, na
Estado, gerando renda anual estimada de sariamente por todos os elos da cadeia busca por maior eficiência e rentabilidade,
1,5 bilhão de reais, em toda a cadeia produ- produtiva, com importante destaque para têm sido ágeis na utilização de novas varie-
tiva, e empregando direta e indiretamente a produção de matéria-prima de qualidade. dades e logo plantam aquelas recentemente
cerca de 240 mil pessoas. São 8.466 esta- Neste aspecto, a variedade é a tecnologia melhoradas. Em contraste a esse quadro,
belecimentos produtores, com produção mais importante e de menor custo para o a maioria das propriedades agrícolas em

1
Engo Agro, M.Sc., Pesq.EPAMIG-CTCO, Caixa Postal 295, CEP35701-970 Prudente de Morais-MG. Correio eletrônico: geraldomacedo@epamig.br
2
Engo Agro, Pesq.UFV, CEP36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico:luisufv@hotmail.com
3
Engo Agro, D.Sc., Prof. Tit. UFLA – Depto Agricultura, Caixa Postal 3037, CEP37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico:laba@ufla.br
4
Engo Agrícola, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTCO, Caixa Postal 295, CEP35701-970 Prudente de Morais-MG. Correio eletrônico: edio.costa@epamig.br
5
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG-DPPE, CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: cbastiao@fundecit.org.br
6
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTCO, Caixa Postal 295, CEP35701-970 Prudente de Morais-MG. Correio eletrônico: uilsonfm@hotmail.com

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Agronegócio da cachaça 21

Minas Gerais ainda cultiva variedades importantes: área cultivada com diferen- trazem prejuízos incalculáveis ao
antigas, que são menos produtivas e que tes variedades para produção de açúcar canavial, podendo dizimá-lo;
não foram beneficiadas pelos avanços das e álcool, em Minas Gerais; resultados de l) não apresente brotação tardia, o que
pesquisas mais recentes. pesquisa de competição de clones e varie- evita maturação desuniforme;
Em um documento apresentado pelo dades realizada em usinas e destilarias no m) não haja tombamento de colmo,
Sebrae (2002), contendo proposta de Plano Estado; avaliações de variedades melhora-
pois quando isto ocorre propicia
de Reestruturação da Cadeia da Cachaça de das em diferentes localidades; experiência
sua quebra e/ou enraizamento, com
Alambique de Minas Gerais, foram apre- com plantio em áreas comerciais; ciclos de
consequente redução do teor de sa-
sentadas as causas da baixa produtividade maturação diferentes que cubram todo o
carose, além de dificultar o corte;
da cana neste setor, sendo elencadas as período de safra; características agronômi-
seguintes: cas e industriais que melhor se adaptam ao n) não apresente florescimento e nem
processo de produção de cachaça. chochamento ou isoporização do
a) uso de mudas de cana de baixa qua-
colmo, pois isso propicia redução
lidade;
CARACTERÍSTICAS DESEJÁVEIS de sacarose e de peso da cana.
b) correção e/ou fertilização do solo não
EM UMA VARIEDADE Por fim, deve-se levar em conta o
realizadas ou realizadas em desacor-
do com as recomendações técnicas; Por questões probabilísticas não é pos- balanço qualidade/defeito para que a in-
c) assistência técnica agrícola local com sível reunir numa só variedade por meio de dicação de uma ou mais variedades possa
insuficiente conhecimento da cultura estudos de melhoramento genético todas atender à produção de cachaça de alambi-
e resistência do produtor em adotar as características desejáveis, em termos que de qualidade.
tecnologias mais avançadas de pro- agronômicos e tecnológicos. No entanto,
algumas características são importantes e VARIEDADES RECOMENDADAS
dução de cana-de-açúcar, inclusive
mudas oriundas de viveiros. desejáveis. A seguir, são apresentadas varieda-
É desejável que a variedade apresente: des com bom potencial produtivo e com
Visando contribuir para a reversão
a) o máximo de produtividade em características desejáveis para o forneci-
desse quadro, este artigo tem por objetivo
colmo e sacarose; mento de matéria-prima para a produção
contribuir com informações tecnológicas,
que proporcionem aos profissionais da b) boa adaptação a diferentes tipos de de cachaça.
área elementos suficientes para a escolha solos e clima, possibilitando maior
adaptabilidade aos ambientes de RB855536
de variedades de cana-de-açúcar mais ade-
quadas à situação prevalente do produtor produção; Média exigência em fertilidade do
de cachaça de alambique. c) rápido desenvolvimento inicial; solo não sendo recomendado o plantio em
d) bom fechamento das entrelinhas; solos de baixa retenção de água. Mantém
ESCOLHA DA VARIEDADE e) boa brotação de soqueira, especial- estabilidade de produção na cana-soca, alta
mente quando cortadas no meio da produção agrícola, despalha fácil, ausência
Reconhecidamente, o Brasil é destaque de florescimento e de chochamento, raro
em nível mundial quanto aos programas de safra, onde há falta de umidade no
tombamento, ausência de pelos, maturação
melhoramento da cana-de-açúcar e quanto solo;
média, alto teor de sacarose, colheita de
à obtenção de variedades melhoradas para f) colmos com diâmetro médio e uni-
junho/setembro, tolerante à ferrugem, ao
atender à produção de açúcar e de álcool. forme, o que facilita a operação de
carvão e tolerância intermediária à escal-
No entanto, isto não é feito especificamente moagem;
dadura e a broca/podridões.
para atender outras demandas como a de g) despalha espontânea ou fácil, o que fa-
alimentação animal, produção de cachaça, cilita a colheita e o processamento; RB855453
rapadura, açúcar mascavo, salvo exce- h) ausência de joçal, que facilite o corte
ções, como foi o lançamento da variedade Exigente em fertilidade do solo, ma-
manual; turação precoce, colheita de abril/julho,
IAC86-2480, para fins forrageiros, pelo
i) longo período de industrialização, o tolerante à ferrugem, ao carvão e à escal-
Instituto Agronômico de Campinas (IAC),
que proporciona maior cobertura do dadura, tolerância intermediária à estria
em 2002.
período de safra; vermelha e a broca/podridões.
A recomendação de variedades para
atender à produção de cachaça tem tomado j) teor de fibra mais baixo, o que per-
mite maior extração do caldo, quan- RB835486
como base aquelas que reúnem característi-
cas agronômicas e industriais mais adequa- do do uso de moendas simples; Média exigência em fertilidade do solo,
das à produção de açúcar e álcool. Nesse k) tolerância às principais pragas e média produção agrícola e despalha média.
aspecto, são considerados alguns pontos doenças, tendo em vista que estas Ocorre florescimento e chochamento, au-
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22 Agronegócio da cachaça

sência de pelos, maturação precoce, alto SP79-1011 demanda de matéria-prima, durante todo
teor de sacarose, longo período útil de o período de safra.
Média exigência em fertilidade do solo,
industrialização, colheita de maio/agosto, Em Minas Gerais, a safra, normalmen-
média produção agrícola, despalha natu-
tolerante à escaldadura, ao carvão e a bro- te, ocorre de maio a novembro, o que leva
ral, tombamento raro, presença de pelos,
ca/podridões, suscetível à ferrugem. a trabalhar com variedades de diferentes
ausência de chochamento e florescimento,
ciclos de maturação, visando cobrir todo
maturação média, alto teor de sacarose,
SP80-1842 o período. Dessa forma, o planejamento
colheita de junho/setembro, suscetível à
do canavial deve estar voltado para esta-
Média exigência em fertilidade do solo ferrugem, tolerância à estria vermelha e
belecer um esquema de plantio de varie-
e média produção agrícola, rápido desen- à escaldadura e tolerância intermediária a
dades de ciclos precoce, médio e tardio.
volvimento inicial, despalha fácil, ocorre broca/podridões e ao carvão.
A combinação de plantio de pelo menos
florescimento, presença de pelos caducos,
uma variedade de cada ciclo possibilitará
frequente tombamento, maturação precoce, SP81-3250
estabilidade de produção durante todo o
alto teor de sacarose, colheita de maio/
Alta exigência em fertilidade do solo, período de safra. Isto é vantajoso para a
agosto, tolerante ao carvão, tolerância
alta produção agrícola, ótima soqueira, produção de cachaça, pela oferta regular
intermediária à escaldadura e suscetível a
presença de chochamento e florescimento, de matéria-prima.
broca/podridões, e à ferrugem.
maturação média, alto teor de sacarose, Um esquema de manejo apresentado
SP80-1816 colheita de junho/agosto, tolerante à fer- por Barbosa et al. (2007) para as princi-
rugem, ao carvão, à broca e suscetível à pais variedades que têm sido utilizadas
Média exigência em fertilidade do solo, escaldadura. em Minas Gerais na produção de álcool e
alta produção agrícola, porte ereto, apta para
açúcar, também poderá ser adotado para a
corte mecanizado, despalha média, ausência RB855156
produção de cachaça (Quadro 1).
de florescimento e de tombamento, presença
Média exigência em fertilidade do Variedades de ciclo precoce são as que
de pelos, maturação média, alto teor de
solo, média produção agrícola, no plan- apresentam teor de sacarose superior a
sacarose, colheita de junho/setembro, tole-
tio pode ocorrer falha na germinação, outras variedades, no início da safra (abril
rante à ferrugem, ao carvão e à escaldadura,
bom perfilhamento, ótima brotação de e maio). Considerando somente a matura-
sensível a broca/podridões.
soqueira, ocorrem chochamento, flores- ção, normalmente possuem longo período
RB86-7515 cimento, maturação precoce, alto teor de útil de industrialização (PUI); variedades
sacarose, colheita de abril/maio, tolerante médias são as que apresentam teor de saca-
Baixa exigência em fertilidade do solo, ao carvão, à ferrugem, à escaldadura e à rose superior a outras variedades no meio
alta produção agrícola, despalha fácil, estria vermelha, tolerância intermediária da safra (junho, julho, agosto), possuindo
pouco tombamento, pode ocorrer quebra de
a broca/podridões. PUI médio; variedades tardias são as que
palmito, ausência de pelos, médio chocha-
mento e florescimento, média maturação, apresentam elevado teor de sacarose de
SP80-3280
alto teor de sacarose, colheita de julho/ou- meados para o final da safra, possuindo
tubro, tolerante ao carvão, à ferrugem e à Média à alta exigência em fertilidade PUI curto (70 a 120 dias).
escaldadura, suscetível à estria vermelha de solo, alta produção agrícola, ótimo Aliada à escolha apropriada de varieda-
em solos argilosos com boa fertilidade, perfilhamento, florescimento e chocha- des, é importante observar certas práticas
tolerante a broca/podridões. mento intensos com presença de brotações agrícolas que resultam na melhoria da
laterais. Apresenta boa despalha, bom teor produtividade. Duas épocas de plantio são
RB72454 de sacarose, colheita de junho/agosto, to- mais utilizadas em Minas Gerais: plantio
lerante ao carvão e à ferrugem, tolerância de cana de ano, que ocorre no início do
Média exigência em fertilidade do solo,
intermediária à escaldadura. Em regiões período chuvoso, em outubro/novembro e
alta produção agrícola, boa estabilidade
com presença de broca da cana-de-açúcar plantio de cana de ano e meio, em feverei-
de produção, excepcional longevidade,
deve-se ter atenção, pois esta variedade é ro/março. O plantio de cana de ano deverá
despalha difícil, raro tombamento, au-
extremamente sensível a broca/podridões. ser feito o mais cedo possível, desde que
sência de pelos, médio chochamento e
florescimento, maturação média, alto teor tenha condições mínimas de umidade no
MANEJO DAS VARIEDADES solo. Dessa forma, o canavial terá melhor
de sacarose, colheita em condições de
sequeiro de setembro/novembro, tolerante Além da escolha apropriada da varie- desenvolvimento vegetativo, pois estará
à ferrugem, tolerância intermediária ao dade, o manejo deverá estar voltado para se beneficiando das condições ideais dos
carvão, à estria vermelha, à escaldadura e atender às peculiaridades da produção meses de temperatura mais alta e de maior
a broca/podridões. de cachaça, levando em consideração a precipitação. Plantio tardio, como em
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Agronegócio da cachaça 23

QUADRO 1 - Sugestão de manejo de variedades em Minas Gerais matéria seca e de Brix sob irrigação até o
Dias de safra 5o mês de desenvolvimento da cultura em
30 45 75 75 comparação à irrigação plena (MACÊDO
Precoce 1 Precoce 2 Média Tardia et al., 2008).
RB855156 RB835486 RB867515 RB72454 A colheita da cana deve ser feita,
RB855453 SP80-1842 RB855536 RB867515 quando esta atingir a maturidade. O corte
RB855453 RB835486 manual deve ser feito rente ao solo. A
SP79-1011 prática correta do corte possibilita uma
SP80-1816
rebrota mais sadia e resistente dos rizomas,
SP80-3280
aumentando a longevidade do canavial. A
SP81-3250
FONTE: Dados básicos: Barbosa et al. (2007). colheita mecanizada tem-se tornado uma
realidade e, ao decidir pelo seu uso, devem-
se avaliar as vantagens.
dezembro, resultará no encurtamento do portantes o nitrogênio e o potássio. Quanto Por fim, é importante enfatizar que
melhor período para o desenvolvimento ao fósforo deve-se avaliar a necessidade. a produtividade e a duração do canavial
vegetativo da cana, trazendo como con- A cana deverá sempre ser mantida dependem fundamentalmente do plantio
sequência baixa produção no primeiro livre da competição de plantas daninhas, correto e do manejo adequado.
ano. O plantio de cana de ano e meio tem podendo utilizar diferentes métodos de Aliada à produtividade, está a obtenção
como vantagem melhor produtividade do controle. Pode-se utilizar controle manual, de matéria-prima de qualidade. Para isso,
1o corte. Outro aspecto importante é utilizar mecânico (cultivadores, grade), cultural devem-se adotar práticas de manejo que
mudas de qualidade, com 10 a 12 meses de (plantio de culturas nas entrelinhas da
vão além da escolha das variedades que
idade, sadias e oriundas de viveiros for- cana) ou químico (com herbicidas). Ao
apresentem características agronômicas
mados por mudas tratadas termicamente. optar por herbicidas no plantio, utilizar
mais apropriadas para produção da cacha-
A quantidade de muda também é de suma preferencialmente os recomendados em
importância, devendo-se utilizar de 15 a 18 ça. Na colheita, não praticar queima da
pré e pós-emergência inicial, na fase de es-
toneladas de colmo por hectare, de modo palhada, apesar de facilitar o corte, pois
porão da cana. O trato cultural da soqueira
que garanta colocar de 18 a 20 gemas por este é um fator prejudicial à qualidade da
também poderá ser realizado por três ope-
metro linear de sulco. Igualmente impor- cachaça, pelo fato de eliminar a microbio-
rações simultâneas denominadas tríplice
tante é fazer adubação correta de plantio operação, em que são feitas a subsolagem, ta, responsável pela fermentação natural
de acordo com análise do solo e exigência adubação e cultivo. Esta prática é benéfica do caldo, e possibilitar o aceleramento
da cultura, com atenção especial para fós- em áreas que apresentam compactação. A da deterioração da cana, ainda no campo.
foro, potássio, enxofre e correção do solo. irrigação da cana poderá ser feita, princi- Além disso, acarreta o acúmulo de cinzas
Não tem havido respostas consistentes de palmente a de “salvamento”, no plantio, nas dornas de fermentação, interferindo
nitrogênio no plantio. Mas, se necessário, quando a chuva estiver escassa e após o negativamente no processo fermentativo.
deve-se fazer adubação de cobertura com corte, para que haja maior rebrota. Resul- Quanto ao paladar da cachaça, identifica-
esse nutriente em solos arenosos com baixo tados positivos com a irrigação têm sido se com facilidade o gosto de queimado,
teor de matéria orgânica (MO) ou em solos obtidos em regiões com restrições hídri- associado ao aumento do teor de furfural
onde a cana será cultivada pela primeira cas, como no Norte de Minas. Por ser um e compostos correlatos que depreciam a
vez. A adubação orgânica é uma prática que qualidade do produto (SEBRAE, 2002).
polo importante na produção de cachaça,
poderá ser adotada tanto no plantio como
como em Salinas e Januária, informações Não deixar a cana bisar, isto é, passar de
na soqueira, acrescida de adubação mineral
dessa natureza contribuem para melhoria um ano para o outro sem corte. Quando
complementar, se necessário.
e expansão da produção da cachaça nessa não se faz o corte, com o início das chuvas
O controle de pragas de solo, princi-
região. Boa produtividade foi registrada irão ocorrer novas brotações na touceira e
palmente cupim subterrâneo, deverá ser
por trabalhos de pesquisa em Jaíba, Norte brotação das gemas dos colmos adultos,
feito sobre os toletes no sulco de plantio,
com inseticidas. Existem produtos bastante de Minas, com as variedades RB76-5418, resultando numa mesma touceira colmos
eficientes no mercado, recomendados em SP80-1842, SP80-1816 e RB85-5536 na de idade diferente, com diferentes teores
aplicação a baixas dosagens. Adubação da cana-planta (1o ano), em que a irrigação de sacarose, além de açúcares invertidos.
soqueira poderá ser feita sobre a palhada, plena proporcionou produtividade supe- Esta é uma das situações em que a cana
mas levando em consideração possíveis rior a 100 t/ha (MACÊDO et al., 2007). fica “passada”, o que é indesejável para a
perdas pelo arraste da chuva ou pela vola- Por sua vez a cana-soca, dessas mesmas obtenção de matéria-prima de qualidade
tilização, quando do uso de ureia. São im- variedades, apresentou maior acúmulo de para fabricação da cachaça de alambique.
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24 Agronegócio da cachaça

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância que o agronegócio da
cachaça de alambique em Minas Gerais
tem para com a geração de renda e emprego
e a existência de marcas consagradas junto
ao mercado consumidor exige do setor
constante modernização e aperfeiçoamento
em toda a cadeia produtiva. Sem dúvida,
um elo importante é a produção de maté-
ria-prima com qualidade e em quantidade
e a baixo custo. Isto se faz por meio do
emprego de tecnologia. Reconhecidamen-
te, o Brasil detém tecnologia neste setor,
colocando-o na vanguarda da produção
do açúcar e do álcool. O setor da cachaça
pode-se beneficiar inteiramente das tecno-
logias que estão disponíveis, necessitando
apenas de ajustes. Nesse sentido, o uso de
variedades melhoradas é um veículo para
modernizar a produção de matéria-prima,
além de ser a tecnologia mais barata.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, M. H. P.; SILVEIRA, L. C. I. da;
MACÊDO, G. A. R.; PAES, J. M. V. Variedades
melhoradas de cana-de-açúcar para Minas
Gerais. Informe Agropecuário. Cana-de-açú-
car, Belo Horizonte, v.28, n.239, p.20-24, jul./
ago. 2007.
MACEDO, G. A. R.; COSTA, E. L.; VIANA,
M. C. M.; FERREIRA, J. J.; PURCINO, H. M.
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riedades de cana soca sob irrigação plena e
com déficit no Norte de Minas de Gerais. In:
REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASI-
LEIRA DE ZOOTECNIA, 45., 2008, Lavras.
Anais... Lavras: Socidade Brasileira de Zoo-
tecnia, 2008. 1 CD-ROOM.
_______; _______; _______; _______; _______;
CARNEIRO FILHO, J. Características agro-
nômicas e bromatológicas de variedades de
cana-de-açúcar com cultivos intercalares,
sob irrigação no Norte de Minas Gerais. In:
REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASI-
LEIRA DE ZOOTECNIA, 44., 2007, Jabotica-
bal. Anais... Jaboticabal: Sociedade Brasilei-
ra de Zootecnia, 2007. 1 CD-ROOM.
SEBRAE-MG. Plano de Reestruturação da
Cadeia da Cachaça de Alambique de Minas
Gerais. Belo Horizonte, 2002. 53p. Disponível
em: <http://www.sebraemg.com.br/arquivos/
programaseprojetos/agronegocios/Cachaça/
Plano. pdf>. Acesso em: 14 out. 2008.

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Agronegócio da cachaça 25

Produção de cachaça de alambique utilizando linhagens


selecionadas de Saccharomyces cerevisiae
Fátima de Cássia Oliveira Gomes 1
Fernanda Badotti 2
Pollyana Alves Borges da Silva 3
Cássia Roberta Arantes Campos 4
Antônio Claret Sales 5
Rosane Freitas Schwan 6
Carlos Augusto Rosa 7

Resumo - A cachaça é a bebida mais tradicional produzida no Brasil, obtida da


destilação do caldo de cana fermentado. É a segunda bebida mais consumida pe-
los brasileiros. Minas Gerais vem-se destacando na produção de cachaça de alam-
bique, agregando o conceito de qualidade e permitindo aos produtores sair da eco-
nomia informal. A fermentação para produção de cachaça de alambique envolve
um complexo processo microbiano com ocorrência de diferentes espécies de leve-
duras com a predominância de Saccharomyces cerevisiae. O caldo de cana, utilizado
durante o processo fermentativo, não passa por nenhum tratamento prévio para
redução da microbiota indígena presente. Dessa forma, diferentes linhagens de S.
cerevisiae podem ser introduzidas no processo, contribuindo para diferenças na
cachaça produzida. Além disso, a contaminação bacteriana do mosto leva a perdas
econômicas significativas. A falta de controle em relação à microbiota responsável
pela fermentação é um fator que pode levar a variações no sabor da bebida. O uso
de linhagens selecionadas é uma possibilidade de tentar controlar estas variações
durante a safra e em safras diferentes.

Palavras-chave: Cachaça. Fermentação conduzida. Leveduras. Contaminação.


Qualidade.

INTRODUÇÃO mais consumida no País e a terceira mais de aço inoxidável. Existem cerca de 35 mil
A cachaça é a mais tradicional e po- consumida no mundo (FARIA et al., 2003). produtores em todas as regiões do Brasil,
pular bebida alcoólica no Brasil, sendo A cachaça é obtida pela destilação do vinho produzindo, aproximadamente, 1,3 bilhão
produzida pela destilação do caldo de cana de caldo de cana ou mosto (caldo fermen- de litros de cachaça por ano. O trabalho
fermentado. É a segunda bebida alcoólica tado) em alambiques de cobre ou colunas de difusão da cachaça vem ampliando o

1
Bióloga, Ph.D., Prof a CEFET-MG - Depto Química, CEP 30480-000 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: fatimaog@dppg.cefetmg.br
2
Farmacêutica, Doutoranda, UFMG-ICB - Depto Microbiologia, Caixa Postal 486, CEP 31270-901 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
fbadotti@yahoo.com.br
Bióloga, Mestranda, UFMG-ICB - Depto Microbiologia, Caixa Postal 486, CEP 31270-901 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
3

pollybio@yahoo.com.br
4
Bióloga, Doutoranda, UFLA - Depto Biologia, Caixa Postal 3037, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico: cassiamicro@bol.com.br
5
Engo Mecânico, Especialista, Bocaina Agroindústria e Comércio de Cachaça Ltda, CEP 37200-000 Lavras-MG
6
Enga Agr a , Ph.D., Prof a , Adj. UFLA - Depto Biologia, Caixa Postal 3037, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico: rschwan@ufla.br
Biólogo, Ph.D., Prof. Associado UFMG-ICB - Depto Microbiologia, Caixa Postal 486, CEP 31270-901 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
7

carlrosa@icb.ufmg.br

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mercado, tanto interno quanto externo. O e todo o meio a ser fermentado juntos na Os resultados obtidos em algumas
aumento do consumo e a possibilidade de dorna de fermentação. Após 24 horas, o destilarias do estado de Minas Gerais têm
exportação de cachaça de qualidade estão, mosto fermentado, contendo aproximada- mostrado que durante o ciclo fermentativo
cada vez mais, exigindo que o processo de mente 8% v/v de etanol é destilado e adi- ocorre uma sucessão de espécies de leve-
fabricação baseie-se em práticas criterio- cionado caldo de cana fresco, para iniciar duras, culminando com a predominância
samente determinadas, para a obtenção de um novo ciclo de fermentação. O fermento de S. cerevisiae (MORAIS et al., 1997;
um produto mais estável e com qualidade que permanece na dorna é geralmente PATARO et al., 1998; SCHWAN et al.,
comprovada nos aspectos químicos e mi- reutilizado nas fermentações seguintes 2001; GOMES et al., 2007). Ao longo da
crobiológicos. até o fim da safra. O principal critério safra surgem linhagens diferentes de S.
Muitos fatores podem influenciar na para avaliar o andamento da fermentação cerevisiae, com características variadas,
qualidade das bebidas alcoólicas, entretan- é o acompanhamento da queda do Brix que podem influenciar no sabor da bebida,
to as condições de fermentação são funda- (teor de açúcar) do mosto. A fermentação originando cachaças diferentes. Estas va-
mentais na determinação do sabor, uma vez ideal geralmente ocorre com o caldo numa riações encontradas no produto final estão
que a maioria dos compostos é formada concentração em torno de 14º a 16º Brix. relacionadas com as diferenças genéticas
durante a fermentação (OLIVEIRA et al., Acima de 16º Brix, é necessário diluir o entre as linhagens.
2005). Um dos aspectos característicos caldo de cana com água potável, para ga- Linhagens de S. cerevisiae podem ser
da produção da cachaça de alambique é a rantir a estabilidade do fermento ao longo diferenciadas e identificadas por meio
fermentação espontânea, conduzida pela do ciclo fermentativo. Teores de açúcares da utilização de técnicas moleculares,
ação da microbiota proveniente do próprio acima de 16º Brix podem ocasionar fer- tais como: análise do polimorfismo dos
caldo. Estes microrganismos podem estar mentações mais lentas. fragmentos de restrição (RLFP–PCR),
presentes nos equipamentos (moendas e técnica de análise do perfil de restrição
dornas) ou podem ser trazidos por insetos LEVEDURAS E FERMENTAÇÃO do DNA mitocondrial (mtDNA-RFLP) e
oriundos das áreas de produção (MORAIS eletroforese em campo pulsado (PFGE).
Durante a produção da cachaça, uma
et al., 1997). A microbiota é constituída A correta identificação e caracterização
comunidade microbiana complexa realiza
pelos microrganismos responsáveis pela das linhagens no processo de fermenta-
a fermentação do caldo de cana. A cada
fermentação alcoólica, mas pode apresen- ção é de grande importância do ponto de
adição de água e caldo de cana na dorna são
tar outros microrganismos que interferem, vista industrial. Dependendo da linhagem
introduzidas novas populações de leveduras
de maneira negativa, no processo fermenta- predominante nas dornas, em cada mo-
e bactérias. Esses microrganismos multi-
tivo. Além da fermentação espontânea, que mento da safra, a qualidade da bebida pode
plicam-se e modificam as características
é a mais difundida, os produtores também apresentar variações. A alta diversidade
do mosto e, assim, podem influenciar a
podem utilizar fermento de pão ou fermen- genética encontrada para as linhagens de
frequência de ocorrência das populações de
to desidratado para a produção de álcool S. cerevisiae isoladas de fermentações,
microrganismos durante a fermentação.
combustível, como iniciadores do processo para a produção de cachaça, deve-se às
Ao longo do processo fermentativo, as
fermentativo (ROSA et al., 2008). características do processo fermentativo
células de leveduras estão sujeitas a um
Alguns substratos são usados tradi- relacionadas a seguir:
grande número de condições adversas, sen-
cionalmente no preparo do fermento em do as mais importantes o estresse osmótico, a) os ciclos de fermentação são curtos,
Minas Gerais, como o fubá e o farelo de por causa da alta concentração de açúcar no duram 18 a 30 horas;
arroz, de acordo com receitas próprias caldo de cana; variações de temperatura; b) a temperatura ambiente pode atingir
de cada produtor. O processo inicial de e altas concentrações de etanol presentes 40oC;
produção do fermento ocorre dentro da no final da fermentação. As diferentes
c) altas concentrações de álcool no
própria dorna de fermentação e pode durar condições de estresse encontradas pelas
final do ciclo;
de 5 a 30 dias. leveduras no ambiente de fermentação
O ciclo fermentativo corresponde ao d) ciclos fermentativos diários durante
afetam a capacidade de sobrevivência
consumo total dos açúcares presentes no quatro a seis meses do ano.
dessas linhagens. Temperaturas acima de
caldo, o que pode demorar 20 a 24 horas 35oC e altas concentrações de etanol são Essas características podem agir
para ocorrer. A temperatura durante o apontadas como os fatores que mais afetam como uma forte pressão seletiva sobre as
processo de fermentação pode variar de o desempenho das leveduras. Essas condi- linhagens (Vianna et al., 2008). Guerra
25oC a 40oC. Em geral, o procedimento é ções exercem forte pressão seletiva sobre a et al. (2001) observaram a presença de
conduzido pelo sistema convencional em microbiota responsável pela fermentação diferentes linhagens de S. cerevisiae em
bateladas e consiste em colocar o inóculo (GUERRA et al., 2001). curtos intervalos de tempo durante o ciclo
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Agronegócio da cachaça 27

fermentativo de 24 horas. Esta diversidade uma alternativa na tentativa de controlar fornece informações relativas às caracte-
molecular encontrada entre as linhagens mais eficientemente o processo. rísticas individuais de cada linhagem e do
pode estar relacionada com as diferentes comportamento destas em processos indus-
condições de estresse presentes no ecos- SELEÇÃO E IDENTIFICAÇÃO triais que utilizam condições controladas
sistema de produção da cachaça. DE LINHAGENS S. CEREVISIAE (OLIVEIRA et al., 2004, 2005).
Espécies de leveduras não-Saccharomyces, UTILIZADAS COMO Parâmetros fermentativos como rendi-
INICIADORAS DO PROCESSO mento em etanol, produtividade e velocida-
apesar de serem encontradas em contagens
FERMENTATIVO
populacionais menores do que S. cerevisiae, de máxima de crescimento em célula são
também podem contribuir para a compo- O uso de linhagens selecionadas para importantes para avaliar o desempenho da
sição sensorial da cachaça. Gomes et al. a produção de cachaça apresenta diversas levedura durante o processo fermentativo
(2007) observaram que as espécies de vantagens em relação ao uso de fermen- (Oliveira et al., 2004; Silva 2007;
leveduras não-Saccharomyces são capazes tação espontânea. Podem-se mencionar Gomes et al., 2007). É importante que os
de permanecer nas dornas de fermentação início mais rápido do processo; fermen- parâmetros fermentativos sejam avaliados
durante praticamente todo o período de tação completa do caldo, em decorrência tanto em condições de laboratório como
produção da cachaça. Essas leveduras da maior tolerância das linhagens às altas em escala de destilaria, uma vez que as
apresentam contagens entre 10 3 – 10 6 concentrações de etanol, à alta pressão leveduras apresentam desempenhos dis-
unidade formadora de colônia (ufc)/mL, osmótica e às altas temperaturas presen- tintos de acordo com as condições de cada
enquanto linhagens de S. cerevisiae ocor- tes nas dornas de fermentação; produção ambiente. Quando testada em condições de
rem em contagens entre 105 – 108 ufc/mL. de baixos níveis de ácido acético; baixos laboratório, as linhagens podem apresentar
Pichia membranifaciens, Kloeckera apis, níveis de açúcares residuais; produção de excelentes resultados em relação à produ-
Candida sake, Zygosaccharomyces bailii compostos intracelulares que protegem tividade, rendimento em células e etanol.
e Debaryomyces hansenii foram as princi- as leveduras dos estresses do processo; Entretanto, em condições de destilaria,
pais espécies encontradas (GOMES et al., menores variações no sabor da bebida; estas mesmas linhagens podem permanecer
2007; MARINI et al., 2009). produção de compostos secundários de- apenas por curtos períodos no processo
Leveduras não-Saccharomyces podem, sejáveis e alta produtividade em etanol fermentativo, mostrando que não estavam
ocasionalmente, predominar durante o pro- (PATARO et al., 2002; GOMES et al., adaptadas às condições presentes na dorna
cesso fermentativo. Schizosaccharomyces 2007). Atualmente, existem linhagens de de fermentação. A simples inoculação da
pombe foi relatada como a espécie de leveduras especialmente comercializadas linhagem selecionada não é suficiente para
levedura predominante durante o perío- para a produção de cachaça. Estas linha- garantir um bom desempenho e uma me-
do de produção de cachaça em algumas gens foram selecionadas por trabalhos lhor eficiência do processo fermentativo.
destilarias de Minas Gerais (GOMES et desenvolvidos na Universidade Federal de A utilização de técnicas moleculares
al., 2002). No entanto, o papel que estas Minas Gerais (UFMG) e na Universidade tem possibilitado um melhor conhecimento
leveduras desempenham no processo Federal de Lavras (Ufla) (GOMES et al., da ecologia das leveduras envolvidas na
precisa ser melhor investigado. Em des- 2007; BERNARDI et al., 2008). fermentação da cachaça (ARAÚJO et al.,
tilarias do sul do Estado, onde leveduras A qualidade da cachaça está fortemen- 2007). Nos últimos anos, tem sido utilizada
não-Saccharomyces foram predominantes te relacionada com a ecologia dos tipos em nossos trabalhos a técnica de análise do
no processo, observou-se que a produção microbianos e suas populações durante o perfil de restrição do DNA mitocondrial
de cachaça foi 60% inferior à produção processo de fermentação, sendo estes fato- (mtDNA-RFLP), para diferenciar linha-
encontrada em outras destilarias da região. res determinantes no rendimento em etanol gens de S. cerevisiae. Esta técnica consiste
O baixo rendimento foi associado às pobres e na formação e proporções relativas dos na extração do DNA mitocondrial, seguido
condições de higiene encontradas. Além compostos secundários. Dessa maneira, a pela sua clivagem, utilizando a endonucle-
disso, a cachaça produzida apresentou escolha da linhagem iniciadora implica no ase de restrição Hinfl. A ação dessa enzima
baixa qualidade sensorial (BERNARDI conhecimento das suas características por nas sequências de DNA específicas de cada
et al., 2008). Portanto, em ecossistemas meio de testes que possibilitem a seleção linhagem gera um conjunto de fragmentos
complexos como o processo de produção de leveduras com características desejáveis específicos, que podem ser separados
de cachaça, a ocorrência de diferentes para a produção da bebida. A avaliação de por eletroforese e visualizados sob luz
espécies e linhagens de leveduras pode linhagens de leveduras utilizando parâme- ultravioleta (Fig. 1). Araújo et al. (2007)
interferir negativamente na qualidade do tros fermentativos visa, não só diferenciá- estudaram 97 linhagens de S. cerevisiae
produto final. O uso de linhagens selecio- las, mas também determinar o potencial de isoladas no início, meio e final do processo
nadas de S. cerevisiae, isoladas do próprio cada uma para ser utilizado na fermentação fermentativo em uma destilaria do estado
ecossistema da fermentação da cachaça, é da cachaça. Cada parâmetro estudado de Minas Gerais, que utiliza fermentação
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28 Agronegócio da cachaça

ção da bebida, dois merecem destaque:


um feito pela Ufla, e outro desenvolvido
pela UFMG. Desses projetos resultaram
a seleção de linhagens comerciais de S.
cerevisiae, que se encontram disponíveis
no mercado, para ser utilizadas pelos pro-
dutores de cachaça.
O projeto desenvolvido na Ufla pro-
curou, primeiro, conhecer a população
microbiana e determinar o perfil de sua
atividade durante fermentações no decorrer

Fernanda Badotti
de duas safras. Ao todo, foram identificadas
1.890 leveduras, e a espécie dominante foi
a S. cerevisiae. Os isolados dessa espécie
sobressaíram dentre as demais em relação
Figura 1 - Perfis moleculares obtidos de diferentes linhagens de Saccharomyces cerevisiae
isolados de fermentação de cachaça por meio da técnica de análise do perfil de às características fermentativas desejadas.
restrição do DNA mitocondrial (mtDNA-RFLP) com a enzima de restrição HinfI Cinco leveduras foram isoladas, multipli-
NOTA: Canaleta 1: marcador de peso molecular. As canaletas 2 a 8 mostram os perfis cadas e testadas em alambique comercial
gerados para diferentes linhagens de S. cerevisiae isoladas em uma mesma por cinco anos consecutivos. Os resultados
dorna de fermentação espontânea para a produção de cachaça de alambique. mostraram resistência à competição dessas
Observe que todos os perfis encontrados são diferentes, o que sugere uma
leveduras em relação a outros microrganis-
grande variabilidade genética entre as linhagens.
mos e aumento da produtividade do alam-
bique, que melhorou consideravelmente a
espontânea. A análise do perfil de restrição tação espontânea, foram observados vários qualidade do produto final, principalmente
do mtDNA mostrou a ocorrência de 12 perfis moleculares distintos, mostrando com relação aos teores de acidez e concen-
perfis moleculares diferentes, sendo 11 que diferentes linhagens de S. cerevisiae tração de álcoois superiores. As amostras
correspondentes às leveduras indígenas ocorrem durante o processo. Outro estudo, da cachaça produzida também foram sub-
e um à linhagem comercial de levedura realizado com 74 linhagens de S. cerevisiae metidas a uma análise de aceitação. Uma
de panificação, utilizada pelo produtor. isoladas de destilarias localizadas em seis equipe de provadores avaliou a bebida em
Somente duas linhagens que apresentaram diferentes Estados do Brasil, mostrou alto
relação a aroma, sabor e impressão global,
perfis moleculares distintos estiveram pre- polimorfismo genético entre as linhagens
obtendo resultados positivos8. A fim de
sentes em todas as dornas. A análise dos (BADOTTI, 2008). A variabilidade foi
manter o padrão de qualidade ao longo
resultados mostrou flutuações populacio- encontrada entre linhagens de uma mesma
da safra e entre safras diferentes, a equipe
nais das linhagens de S. cerevisiae durante destilaria, bem como entre as diferentes
elaborou um preparado de leveduras sele-
a safra de produção da cachaça e entre as regiões estudadas. Além disso, os perfis
cionadas. Esse tipo de produto já é usado
diferentes dornas da destilaria. mostraram-se específicos para cada região,
já que não foram encontrados perfis iguais em outras bebidas fermentadas como nas
Em trabalho realizado em uma des-
tilaria próxima a Belo Horizonte, três nas diferentes regiões estudadas. A partir produções de vinho, uísque e rum. Para a
dornas inoculadas com linhagens inicia- desse resultado, pode-se afirmar que as cachaça, no entanto, esse é o primeiro fer-
doras de S. cerevisiae diferentes foram condições climáticas e geográficas de mento iniciador selecionado disponível na
comparadas com uma dorna, utilizando cada região determinam as características forma liofilizada. A linhagem S. cerevisiae,
fermentação espontânea (GOMES et al., genéticas das linhagens. denominada UFLA-CA11, foi seleciona-
2007). Por meio da utilização da técnica da por suas características fermentativas
de análise do perfil de restrição do mtDNA LINHAGENS COMERCIAIS DE superiores. A levedura UFLA-CA11 é
foi possível comprovar que as linhagens LEVEDURAS direcionada para produção em pequena,
iniciadoras predominaram no processo Atualmente, dentre os projetos de sele- média e grande escala e não produz alde-
fermentativo por, aproximadamente, 30 ção de linhagens de S. cerevisiae, isoladas ídos na mesma quantidade que a mistura
dias. Na dorna, onde foi utilizada fermen- de fermentação de cachaça, para a produ- de leveduras encontrada no fermento selva-

8
Informação concedida por R.F. Schwan da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em 2008.

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Agronegócio da cachaça 29

gem. A UFLA-CA11 produz mais cachaça forma rápida, detectar particularidades que quando submetidas a testes de aceitação
com a mesma quantidade de cana, quando não podem ser percebidas por outros pro- (Cardello; Faria, 2000). Em nossos
comparada ao fermento caipira e outras cedimentos analíticos, e ainda, ser capaz trabalhos, não houve diferenças estatísticas
leveduras (de álcool ou de panificação) de avaliar a aceitação de produtos. significativas entre cachaças produzidas,
disponíveis no mercado, por sua grande Marini et al. (no prelo) realizaram tes- utilizando linhagens selecionadas e destila-
tolerância às altas concentrações de etanol. tes de aceitação com cachaças produzidas, das em alambiques de cobre ou em coluna
A fermentação com a CA11 propicia ain- utilizando linhagens selecionadas de S. de aço inox. As cachaças obtidas por ambos
da um sabor frutal e aroma diferenciado, cerevisiae, comparando a cachaça destila- os processos receberam notas similares
resultantes da produção de alguns álcoois da em alambique de cobre com a cachaça pelos provadores. O uso de linhagens
superiores. Recentemente, em parceria destilada em coluna de aço inoxidável. selecionadas de S. cerevisiae isoladas a
com a empresa LNF, esta levedura foi As amostras foram submetidas a testes partir de dornas de fermentação e, portanto,
liofilizada e está sendo comercializada no de aceitação em relação aos atributos de adaptadas às condições do processo, possi-
Brasil. Outra vantagem da UFLA-CA11 aroma, sabor e impressão global, utilizando velmente é o fator responsável pelas notas
está em seu alto poder de sedimentação uma escala de nove pontos que variou de obtidas nos testes sensoriais. O uso destas
que elimina a necessidade de centrífuga “desgostei muitíssimo”, referente à nota linhagens pode contribuir para melhorar as
após a fermentação. um, até “gostei muitíssimo”, referente à características sensoriais das cachaças de
Dentre as linhagens selecionadas pela nota nove. As cachaças não apresentaram alambique e de coluna.
UFMG, duas merecem destaque: a linha- diferenças estatísticas significativas em
gem UFMG-A1007 e a linhagem UFMG- relação a aroma, sabor e impressão global, MICRORGANISMOS
A1031. A linhagem UFMG-A1007 foi quando submetidas a teste de aceitação por CONTAMINANTES NA
testada em diversas destilarias de Minas um grupo de 45 provadores. As cachaças FERMENTAÇÃO DA CACHAÇA
Gerais e sempre apresentou excelente apresentaram variações em relação aos Durante a contaminação de uma fer-
rendimento em etanol e nos compostos compostos voláteis produzidos, mas estas mentação alcoólica, o número de micro-
secundários responsáveis pelo sabor da be- variações não influenciaram na aceitação organismos indesejáveis atinge níveis
bida (GOMES et al., 2007). Essa linhagem da bebida pelos provadores. Todas as que podem ser prejudiciais ao processo,
está sendo comercializada, atualmente, na cachaças receberam notas aproximadas diminuindo a eficiência da levedura do-
forma desidratada, e, aproximadamente, de cinco que correspondem ao conceito minante, por causa da ação tóxica dos
500 g da levedura são suficientes para “não gostei, nem desgostei”. No entanto, produtos metabólicos gerados no mosto.
fermentar 1 mil litros de caldo em 24 muitos produtores acreditam que a cachaça Schwan et al. (2001) estudaram a micro-
horas. A linhagem UFMG-A1031 é flo- destilada em alambique de cobre apresenta biota fermentativa em 15 destilarias do Sul
culante (sedimenta mais rapidamente no características sensoriais superiores, quan- de Minas e observaram que a contaminação
final da fermentação) e não produz H2S, do comparadas com cachaças destiladas bacteriana é um grande problema, prin-
um gás que pode estar associado a aromas em coluna de aço inoxidável. Resultados cipalmente em alambiques que utilizam
indesejáveis em diversas bebidas. Essa similares foram obtidos por Gomes et al. dornas de madeira com mais de dez anos
linhagem também foi testada em diferentes (2007), que avaliaram cachaças produzidas de uso. Esse material dificulta o processo
destilarias do Estado, produzindo cachaças por três linhagens indígenas selecionadas de limpeza, o que favorece a proliferação
bem-aceitas em testes sensoriais, quanto ao de S. cerevisiae, destiladas em alambiques de microrganismos.
sabor (SILVA, 2007). de cobre, por meio da análise de 45 prova- Altas contaminações bacterianas (aci-
dores. Em geral, os avaliadores deram as ma de 107 bactérias/mL) podem provocar
AVALIAÇÃO SENSORIAL DA notas mais baixas às amostras com valores floculação e perda do fermento, consumir a
CACHAÇA mais altos de acidez. Esses autores mos- sacarose e outros nutrientes do mosto desti-
Estudos com alimentos e bebidas, que traram que as cachaças produzidas pelas nados às leveduras, além de outros proble-
visam relacionar os componentes res- linhagens selecionadas de S. cerevisiae mas que, somados, podem levar a perdas
ponsáveis pelo sabor com qualidade, são obtiveram notas parecidas ou maiores do no rendimento alcoólico (LOPES et al.,
acompanhados por análise sensorial, que que as cachaças produzidas por fermenta- 2004). A presença dessas bactérias ocorre
é uma forma eficiente de avaliar a aceita- ção espontânea. em razão da resistência a altas temperaturas
ção desses produtos. Por meio de testes Por outro lado, cachaças produzidas e baixos valores de pH presentes no mos-
sensoriais é possível identificar a presença com leveduras comerciais de panificação to. No final do processo fermentativo, as
ou ausência de diferenças perceptíveis em ou álcool combustível obtiveram notas bactérias do ácido lático podem produzir
vários atributos, definir características entre dois e três (respectivas a “desgostei compostos secundários, principalmente
sensoriais importantes de um produto de muito” e “desgostei moderadamente”), ácidos, que vão aumentar os níveis de aci-
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30 Agronegócio da cachaça

dez da cachaça. Se a destilação é feita após em testes sensoriais. Estas linhagens têm GOMES, F.C.O. Produção de cachaça arte-
um longo período, quando os açúcares do mostrado grande potencial para ser utiliza- sanal utilizando linhagens selecionadas de
mosto tenham sido consumidos, os níveis das como iniciadoras de fermentações na Saccharomyces cerevisiae e por fermenta-
ção espontânea, com a caracterização quí-
de acidez da cachaça tendem a ser eleva- produção de cachaça em grande escala. O
mica e sensorial da bebida e das bactérias
dos. A contaminação bacteriana é uma das conhecimento das características de uma
do ácido lático associadas ao processo.
principais causas na redução da produção linha­gem permite um maior controle do 2006. 135f. Tese (Doutorado em Microbio-
de etanol durante as fermentações desen- processo, como variações na duração do logia) - Instituto de Ciências Biológicas,
volvidas por S. cerevisiae. ciclo fer­mentativo, nos níveis de acidez e Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Schwan et al. (2001) mostraram que o na quantidade de cachaça produzida, além Horizonte, 2006.
crescimento bacteriano foi praticamente de possíveis contaminações indesejáveis. A _______; PATARO, C.; GUERRA J.B.; NEVES,
suprimido durante o processo de produção melhoria da qualidade e o aumento do ren- M.J.; CORREA, S.R.; MOREIRA, E.S.A.;
de cachaça. A proporção de leveduras e dimento da cachaça obtida pela utilização ROSA, C.A. Physiological diversity and tre-
bactérias foi de 80:1 e alcançou 1052:1 de linhagens selecionadas apontam para o halose accumulation in Schizosaccharomyces
depois de 4 horas de fermentação. Esses emprego destas linhagens por grande parte pombe strains isolated from spontaneous
autores sugerem que as bactérias do ácido fermentation during the production of Bra-
dos produtores de cachaça.
zilian cachaça. Canadian Journal of Micro-
lático foram o grupo mais comum, no
biology, Otawa, v.48, p.399-406, 2002.
entanto, não se propagaram durante a REFERÊNCIAS
fermentação. _______; SILVA; C.L.C.; MARINI, M.M.;
ARAÚJO, R.A.C.; GOMES, F.C.O.; MOREIRA, OLIVEIRA, E.S.; ROSA, C.A. ����������������
Use of selected
Gomes (2006) caracterizou a comu- E.S.A.; CISALPINO, P.S.; ROSA, C.A. Moni- indigenous Saccharomyces cerevisiae strains
nidade bacteriana da fermentação de toring Saccharomyces cerevisiae popula- for the production of the traditional cachaça
cachaça por técnicas moleculares. Os tions by mtDNA restriction analysis and in Brazil. Journal of Applied Microbiology,
resultados obtidos mostraram que as other molecular typing methods during
Oxford, v.103,
�����������������������������������
n.6, p.2438-2447, Dec. 2007.
bactérias do ácido lático predominaram spontaneous fermentation for production of
the artisanal cachaça. Brazilian Journal Mi- GUERRA, J.B.; ARAÚJO, R.A.C.; PATARO,
durante todo o processo de fermentação,
crobiology, São Paulo, v.38, n.2, p.217-223, C.; FRANCO, G.R.; MOREIRA, E.S.A.; MEN-
com contagens que variaram de 104 a 109 DONÇA-HAGLER, L.C.; ROSA, C.A. Genetic
Apr./June 2007.
ufc/mL. As principais espécies encon- diversity of Saccharomyces cerevisiae strains
BADOTTI, F. Diversidade genética e re-
tradas foram Lactobacillus plantarum, L. during the 24 h fermentative cycle for pro-
sistência a extresses em linhagens de
casei, L. nagelii, L. harbinensis/L. perolens duction of the artisanal brazilian cachaça.
Saccharomyces cerevisiae isoladas de fer-
e L.buchneri. Outros estudos precisam ser mentação para a produção de cachaça em
Letter Applied Microbiology, Oxford,
��������������
v.33,
������
realizados para comprovação da atuação n.2, p.106-111, Aug. 2001.
diferentes regiões do Brasil. Belo Horizon-
dessas bactérias na fermentação de cal- te: UFMG-ICB, 2008. 149p. ������������������
Relatório parcial LOPES, M. L.; AMORIM, L. C.; GODOY, A.;
do de cana-de-açúcar, para produção de da tese para exame de qualificação. OLIVEIRA, A.J.; CHERUBIN, R.; BASSO,
cachaça. L. C. Interaction between yeast and acetic
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DOSO, P.G.; DIAS, E.S.; SCHWAN, R.S.
ethanol production: a case study. In: IN-
CONSIDERAÇÕES FINAIS Saccharomyces cerevisiae strains associ-
ated with the production of cachaça: identi- TERNATIONAL CONGRESS ON YEAST,
No processo de seleção de linhagens fication and characterization by traditional 11., 2004, Rio de Janeiro Yeast science and
para a produção de cachaça é importante and molecular methods (PCR, PFGE and biotechnology: the quest for sustainable
considerar o microambiente de cada desti- mtDNA-RFLP). World Journal Microbiolo- development. Rio
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de Janeiro: International
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leculares, aliadas à análise dos parâmetros sorial e características físico-químicas de DOSO, C.R.; ROSA, C.A. The use of selected
aguardentes comerciais brasileiras envelhe- starter Saccharomyces cerevisiae strains to
de fermentação, é determinante na seleção
cidas e sem envelhecer. Brazilian Journal produce traditional and industrial cacha-
de linhagens com boas características fer-
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Os resultados obtidos em nossos
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estudos mostram que linhagens selecio- in the 21st century. In: BRYCE, J.H.; STEW- PATARO, C.; MAIA, A.B.R.A. �������������
Characteriza-
nadas de S. cerevisiae são prevalentes ART, G.G. (Ed.). Distilled spirits: tradition- tion and succession of yeast populations
no processo fermentativo, sendo capazes and innovation. Nottingham: Nottingham associated with spontaneous fermentation
de produzir cachaças com boa aceitação University Press, 2003. p.215-221. during the production of brazilian sugar-

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Agronegócio da cachaça 31

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32 Agronegócio da cachaça

Fatores que influenciam no processo


de envelhecimento da cachaça
Silvia Maria Borim Côdo Dias 1

Resumo - O envelhecimento da cachaça em barris de madeira acarreta alterações signi-


ficativas nas características sensoriais e físico-químicas da bebida. Trata-se de uma etapa
importante na produção da cachaça e se destina ao aprimoramento da qualidade. O en-
velhecimento pode ser natural, feito em barris de madeira, ou induzido por técnicas
específicas. Essa especificidade e seu efeito é traduzido no aroma, na cor e no sabor do
produto. Fatores como a espécie e a composição química da madeira, tamanho e histórico
dos barris, condições ambientais e o tempo de estocagem interferem, significativamente,
na qualidade do processo de envelhecimento. O carvalho – Quercus sp. – é a madeira
tradicionalmente utilizada no envelhecimento de bebidas destiladas. O mecanismo de
envelhecimento em barris de madeira envolve os componentes naturais do destilado
pelas reações dos componentes da madeira com os do destilado e da decomposição de
macromoléculas da madeira e sua incorporação na bebida, proporcionando aroma e sa-
bor característicos das bebidas envelhecidas. Determinar a idade de envelhecimento de
uma bebida ainda é um processo complexo. Pode-se estimá-lo pela concentração dos
compostos fenólicos oriundos da madeira presente no destilado envelhecido: maior con-
centração de fenólicos, mais tempo de envelhecimento.

Palavras-chave: Aguardente de cana. Cachaça. Bebida destilada. Aroma. Cor. Sabor.


Composto fenólico. Barril de madeira.

INTRODUÇÃO provenientes da destilação; a extração di- destiladas em alambiques de cobre e de


reta de componentes da madeira; a decom- aço inoxidável.
O envelhecimento em barris de madeira
posição de algumas macromoléculas da Ao considerar que o envelhecimento
é uma etapa importante na produção de be-
madeira (lignina, celulose e hemicelulose); é um processo ativo, parâmetros como
bidas destiladas, influindo acentuadamente
a subsequente incorporação dos produtos a espécie da madeira, o tamanho e o
na sua composição química, no aroma, no
na bebida e as reações de compostos da pré-tratamento dos barris, as condições
sabor e na cor. Por melhor que tenha sido madeira com os componentes originais ambientais de armazenamento e o tempo
a fermentação e mais apurada a destilação, do destilado. de envelhecimento irão influenciar nas
o produto final tem sempre sabor ardente Por meio do envelhecimento, po- interações entre a bebida e a madeira.
e seco. Nunca é suave, agradável, fino e dem-se corrigir defeitos da fermentação No âmbito internacional, a madeira
“redondo”. Existem diferenças significa- e da destilação, inclusive melhorando a tradicionalmente empregada na fabrica-
tivas, em nível sensorial, entre bebidas palatabilidade de bebidas destiladas em ção de barris é o carvalho (adotado para
envelhecidas e não envelhecidas. equipamentos de aço inoxidável, nas envelhecimento do uísque, conhaque,
Inúmeras reações químicas acham-se quais estão presentes acentuados teores de vinhos, etc.). Existe farta literatura sobre
associadas ao processo de envelhecimen- mercaptanos. Após estocagem em barris o efeito das diferentes espécies de carvalho
to de bebidas destiladas, dentre elas as de madeira, praticamente não se detectam (Quercus sp.) na qualidade das bebidas
reações entre os compostos secundários diferenças significativas entre cachaças envelhecidas.

Farmacêutica/Bioquímica, M.Sc., Responsável Técnica Serviço de Inspeção de Produtos Agropecuários (SIPAG) - Superintendência Federal de Agricul-
1

tura de Minas Gerais, Av. Raja Gabaglia, 245 - Cidade Jardim, CEP 30380-090 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: silva.dias@agricultura.gov.br

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Agronegócio da cachaça 33

Entre os componentes oriundos do ponentes presentes oxidam-se e a bebida lhecimento, por causa das interações dos
envelhecimento em carvalho, os taninos se enriquece com substâncias extraídas da componentes oriundos do destilado com
e os derivados da lignina são considera- madeira. A coloração e as características as substâncias extraídas da madeira. Philp
dos os mais importantes para a evolução organolépticas se acentuam. (1989) identificou mais de 400 compostos
das características sensoriais de bebidas A bebida recém-destilada, que é trans- secundários em bebidas destiladas, muitos
destiladas. Galotaninos e elagiotaninos, parente, adquire uma tonalidade dourada, dos quais com características sensoriais.
assim como numerosos aldeídos e ácidos após algumas semanas de envelhecimento. As principais substâncias que con-
fenólicos obtidos da degradação da ligni- Quando envelhecida em barris de carvalho, tribuem para o aroma em bebidas des-
na, como vanilina, siringaldeído, conife- percebe-se o odor típico da madeira após tiladas são ésteres, lactonas, compostos
raldeído, sinapaldeído, ácido vanílico e um a dois anos. O paladar torna-se pro- carbonílicos (principalmente os alifáticos
ácido siríngico, já foram identificados em gressivamente mais adstringente por causa insaturados de cadeia longa), os sulfurados,
uísques, conhaques e vinhos envelhecidos dos taninos provenientes da madeira. Aos nitrogenados, fenóis e derivados da maté-
em barris de carvalho. três anos, o odor da bebida é usualmente ria-prima. Vários destes compostos são
No Brasil, a cachaça é o destilado mais harmonioso e arredondado. Por outro lado, considerados de importância secundária.
consumido entre as bebidas alcoólicas já não se distinguem com facilidade as Outros, em concentrações muito baixas,
nacionais. O hábito de envelhecê-la em contribuições da fermentação e da madei- atuam isoladamente ou em combinação,
barris de madeira está-se tornando uma ra, pois já existe uma associação entre os proporcionando aromas peculiares e ca-
necessidade para a obtenção de um produto componentes (MAIA, 1994).
racterísticos.
de melhor qualidade e, consequentemente, O período de envelhecimento de algu-
Com a finalidade de identificar o aroma
mais competitivo. Muitas madeiras são mas bebidas é estabelecido pela legislação
e sabor desenvolvidos em bebidas enve-
utilizadas na fabricação de barris e tonéis em alguns países. Os uísques escoceses
lhecidas, Maarse e Berg (1989) realizaram
para o envelhecimento da cachaça. Con- de malte ou de grão, assim como os ir-
testes sensoriais em misturas sintéticas de
tudo, há grande carência de informações landeses e canadenses, são envelhecidos,
fenóis, taninos, lactonas, aldeídos e ácidos
técnicas sobre o mecanismo do processo, no mínimo, por três anos. Já os Bourbon
aromáticos, em concentrações similares
o que dificulta criar critérios e normas para americanos são estocados por um ano, no
obter um produto de qualidade. às encontradas em bebidas destiladas
mínimo. No Brasil, a legislação atual exige
O objetivo deste trabalho é contribuir envelhecidas. O aroma e o sabor de al-
o mínimo de um ano para o envelhecimento
para um melhor conhecimento do processo gumas misturas apresentaram a mesma
da cachaça (BRASIL, 1995).
de envelhecimento da cachaça. característica típica de bebida envelhecida
Por outro lado, existem técnicas que
Neste sentido, partindo do pressuposto em madeira.
permitem induzir um envelhecimento mais
que a qualidade da cachaça envelhecida rápido, “forçado”, como o uso de corrente
Desenvolvimento da cor
está diretamente relacionada com as con- de ozônio, descarga elétrica, adição de
dições de envelhecimento, fatores como o determinados sais, especialmente de prata, A cor que a bebida desenvolve durante
tipo e as características físico-químicas da ou a adição de lascas de madeiras (VAL- o envelhecimento depende do tipo de ma-
madeira, o histórico do barril, as condições SECHI, 1960; LIMA, 1983; BÔSCOLO deira, da história do barril e do tempo de
de armazenamento e o tempo de envelhe- et al., 1995). estocagem. Barris novos proporcionam co-
cimento serão avaliados. loração mais intensa por um período menor
Desenvolvimento do aroma de envelhecimento do que os usados.
PROCESSO DE ENVELHECIMENTO Quando envelhecida em barril de
Muito se tem feito para entender as
O envelhecimento, que se destina ao reações e interações que envolvem a for- carvalho, a bebida destilada muda grada-
aprimoramento da qualidade sensorial, mação desejável de substâncias aromáticas tivamente, ou seja, de incolor a amarelo
é a etapa final do processo de produção em bebidas alcoólicas. Apesar de existir brilhante e profundo, depois para âmbar
de bebidas alcoólicas antes do engarrafa- numerosos estudos nesta área, um produto e, finalmente, para um amarelo-averme-
mento. A bebida nova, recém-destilada, é de qualidade e com características próprias lhado. O escurecimento progressivo está
colocada em barris e “emerge, como num ainda depende muito da habilidade do relacionado com a oxidação de fenóis,
passo de mágica, redonda e leve, após produtor, dos processos de fermentação a quinona e as interações subsequentes.
alguns anos”, como definem Nishimura e e destilação, dos cortes e das misturas O estudo do desenvolvimento da cor em
Matsuyama (1989). realizadas entre as bebidas de diferentes uísques envelhecidos em barris de carvalho
O envelhecimento natural é feito em tempos de envelhecimento. flambados mostrou que a maior mudança
barris de madeira, nos quais, em geral, São inúmeros os constituintes do aroma da cor ocorre durante os primeiros meses
ocorre perda do teor alcoólico. Os com- acumulados no final da etapa de enve- de envelhecimento.
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34 Agronegócio da cachaça

FATORES QUE INFLUENCIAM O madeira (arranjo e porcentual de células diante de agentes destruidores (fungos,
ENVELHECIMENTO e tecidos). De acordo com Santos (1987), insetos e variações climáticas). Madei-
Os fatores relevantes no processo de Lorenzi (1992) e Mendes et al. (1997), ras de densidade alta são, geralmente,
envelhecimento são a espécie da madeira a madeira, de maneira geral, pode ser mais resistentes a estes agentes, devido
e sua composição química, o tamanho e o classificada como muito pesada (0,96 a à estrutura anatômica mais fechada, em
histórico dos barris, as condições ambien- 1,4), pesada (0,76 a 0,95), moderadamente consequência de uma concentração maior
tais e o tempo de estocagem. pesada (0,55 a 0,75), leve (0,40 a 0,54) e de substâncias dentro dos espaços inter-
Segundo Archier et al. (1993), caracte- muito leve (0,13 a 0,39 g/cm3). celulares. Consequentemente, madeiras
rizar quimicamente a idade de uma bebida com baixa permeabilidade, alta densidade
Cor e alta resistência mecânica apresentam alta
ainda é uma questão complexa, já que mui-
tos fatores influenciam o envelhecimento. A cor da madeira é avaliada pela tona- durabilidade natural.
Esses autores propõem, porém, estimá-la lidade aparente do cerne, local da parede
Carvalho
por meio da evolução da concentração de celular onde diversas substâncias orgânicas
compostos fenólicos, os oriundos exclusi- (taninos, resinas, etc.) são depositadas de O carvalho - Quercus sp. - é a madeira
vamente da madeira. É necessário saber, forma mais acentuada. A alteração da cor tradicionalmente usada para o envelhe-
no entanto, como os compostos fenólicos natural da madeira, dentro de uma mesma cimento de bebidas destiladas. Original-
comportam-se em função do tempo de espécie, depende do solo e das variações mente foi escolhido para a confecção de
estocagem em diferentes tipos de bebidas climáticas que afetam a formação anatô- barris, devido à sua disponibilidade em
e como as condições de estocagem afetam mica e a composição química da madeira. várias partes do mundo, onde se produziam
a velocidade e a direção destas mudanças. Normalmente, madeiras muito escuras bebidas alcoólicas e barris, especialmente
Com o intuito de compreender as mu- apresentam maior durabilidade, pois os na Europa, além das características físicas
danças químicas que ocorrem durante o compostos químicos responsáveis pela cor benéficas da madeira (MAGA, 1996).
período de envelhecimento, assim como são tóxicos para fungos, insetos e agentes Para a obtenção de bebidas típicas, os
estabelecer índices químicos e físicos marinhos xilófagos. produtores utilizam madeiras específicas,
seguros para indicar o progresso do enve- que produzem sabor e aroma peculiares.
lhecimento durante a estocagem, muitos Permeabilidade Por exemplo, nos brandies franceses, o
estudos têm sido realizados como os de Armagnac é envelhecido em barris de
O grau de permeabilidade está dire-
Puech e Moutounet (1987), Lavergne et carvalho da região de Gascony. Já o co-
tamente relacionado com a densidade da
al. (1990) e Sarni et al. (1990). nhaque é envelhecido em barris de carva-
madeira, considerando que alta densidade
lho da região de Limousin. Para o vinho
Aspectos físicos da madeira indica quantidade menor de espaços vazios
Xerez, usa-se carvalho branco americano
para circulação de fluidos, logo a perme-
A madeira possui características físicas numa primeira etapa do envelhecimento
abilidade é menor. Baixa permeabilidade
que devem ser consideradas, quando se e carvalho espanhol numa segunda etapa.
ou impermeabilidade são características
tem por objetivo utilizá-la na fabricação Logo, barris de Xerez importados da Es-
benéficas para madeiras destinadas à con-
de barris destinados ao envelhecimento de panha podem ter uma mistura de espécies
fecção de barris ou tonéis, devido à menor
bebidas, a saber: densidade, cor, permeabi- botânicas de carvalho branco americano
possibilidade de vazamentos.
lidade, resistência mecânica e durabilidade, (principalmente Q. alba) e europeu (Q.
além da facilidade no manuseio. Resistência mecânica sessilis e Q. robur). Philp (1989), ao com-
parar uísques envelhecidos em barris de
Densidade Madeiras que apresentam resistência carvalho espanhol e americano, novos e
A densidade é uma das propriedades mecânica média a alta sofrem menos tratados, observou que ocorre uma influ-
mais importantes da madeira. Está re- deformação ou rachaduras e têm vida útil ência maior da espécie botânica no desen-
lacionada diretamente com a resistência mais longa. Esta propriedade também está volvimento da cor e nas quantidades de
mecânica, facilidade de manuseio, dura- diretamente relacionada com a densidade: taninos totais, do que a idade destes barris
bilidade natural e permeabilidade, carac- quanto maior a espessura da parede celular, e sua reutilização.
terísticas relevantes para a confecção de maior a densidade e, consequentemente, Para identificar os componentes do
barris e tonéis. maior a resistência mecânica. carvalho que conferem características
A densidade da madeira varia de 0,13 organolépticas harmoniosas às bebidas
Durabilidade natural alcoólicas envelhecidas, numerosos estu-
a 1,4 g/cm 3, sendo uma característica
peculiar a cada espécie. Esta diversidade Entende-se por durabilidade natural da dos têm sido realizados como os de Puech
depende da composição anatômica da madeira o grau de resistência da madeira (1988), Moutounet et al. (1989), Artajona
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et al. (1990), Lavergne et al. (1990) e Segur tamanho (Quadro 1) descritos a seguir: História do barril
et al. (1990).
a) barril americano: feito de carvalho Os barris utilizados para envelheci-
Os componentes incluem óleos voláteis
branco e destinado ao estoque do mento de bebidas podem ter histórias bem
e ácidos voláteis e não-voláteis, fenóis,
uísque Bourbon. Possui a menor variadas. Normalmente, são reaproveitados
açúcares, esteróides, substâncias tânicas,
capacidade em litros. Usualmente é várias vezes. Suas tábuas podem sofrer
pigmentos e compostos inorgânicos.
flambado na superfície interna antes tratamentos físicos ou químicos e, se da-
Características do barril de ser empregado para o envelhe- nificadas, são restauradas ou substituídas.
cimento. Como as leis americanas Em consequência, ocorre grande varieda-
Tamanho exigem que os barris de Bourbon se- de de barris estocados nos depósitos das
São denominados tonéis os recipientes jam usados somente uma vez, alguns destilarias.
deles são reutilizados para estocagem Considerando a variação de sua his-
com capacidade de 10 a 500 hL. Geral-
de outros tipos de uísque, como os tória, podem ocorrer diferentes níveis de
mente são utilizados para receber bebidas
escoceses, canadenses, irlandeses e extratos e variados graus de intensidade de
e executar as misturas. Têm a vantagem de
japoneses. Em muitos casos, estes aroma. A prática normal é fazer uma média
conter uma quantidade maior de bebida e
barris são desmontados nos Estados destas variáveis e produzir uma bebida
proporcionar uma fração mais homogênea
Unidos e enviados para a Escócia, envelhecida em barris de vários tipos de
ao produto. Não são recomendados para o
Japão e outros países, onde são re- madeira por períodos diferentes.
envelhecimento, pois a área de contato da
montados, substituindo-se as tábuas A história do barril também afeta a
bebida com a madeira em relação ao vo-
danificadas; produção dos componentes da bebida du-
lume total é pequena. Já os barris possuem
rante o envelhecimento. A quantidade de
capacidade menor, que varia de 100 a 550 b) barril hogshead: barril remontado de
ácidos voláteis, ésteres, taninos, cor, ácidos
L. Os de 250 L são os mais usados, devido tábuas usadas nos barris de Bourbon,
totais e furfural diminui rapidamente com
à facilidade de manuseio, preço mais aces- a área chamuscada pode ser removida
o número de vezes que o barril é utilizado.
sível e melhor área de contato da bebida antes da remontagem. Possui capaci-
Para rejuvenescer um barril, costuma-se
com a madeira. Para um mesmo volume de dade de 250 L;
queimá-lo novamente, mas os níveis de
cachaça, a concentração dos componentes c) barril butt: empregado para estoca- componentes, apesar de aumentados, não
extraídos da madeira tende a ser maior, gem de vinho Xerez espanhol. Por são iguais aos da bebida envelhecida em
quando estocado em barris menores, onde mais de 100 anos, os uísques escoce- um barril novo queimado, como se pode
a relação área de superfície por volume de ses foram envelhecidos em barris de observar no Quadro 2.
bebida é grande. Xerez usados. Recentemente, devido Inúmeras modificações químicas que
A diminuição na concentração de à escassez desses barris, muitas desti- ocorrem na superfície interna dos barris
alguns compostos durante o envelheci- larias têm começado a usar barris de afetam os efeitos de extração, interação e
mento também está relacionada com o carvalho americano que haviam sido adsorção dos componentes das madeiras.
tamanho do barril. Masuda e Nishimura utilizados para a maturação do uísque Reações como hidrólise, etanólise e piróli-
(1981) perceberam que o decréscimo de Bourbon. Sua capacidade varia de se anaeróbia podem ser aceitas, como parte
compostos, como o disulfito de dimetila, 480 a 520 L; de processos naturais de produção.
durante a maturação de uísque de malte, d) barril puncheon: possui a mesma ca- Conforme exemplificado por Philp
ocorreu mais rapidamente em barris de pacidade do butt, mas é mais baixo e (1989), a superfície interna do barril tem
250 L do que nos de 420 L. Segundo esses arredondado, enquanto o butt é longo sido deliberadamente alterada para produ-
autores, substâncias presentes no extrato e estreito. zir resultados específicos.
de carvalho contribuem para a redução de
compostos sulfurados.
QUADRO 1 - Tipo e tamanho de barris
Bebidas alcoólicas estocadas em barris
Volume médio
pequenos sofrem maior perda por evapora- Tipo
(L)
ção. Em barris de carvalho de 500 L, geral-
Americano 180
mente ocorre uma perda em torno de 2% ao
Hogshead 250
ano ou de 3% em barris de 250 a 300 L.
Mundialmente, os barris utilizados para Butt 480-520
envelhecimento são classificados em quatro Puncheon 480-520
tipos principais, com relação ao tipo e ao FONTE: Nishimura e Matsuyama (1989).

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QUADRO 2 - Parâmetros determinados em bebidas envelhecidas, durante 2 anos, em barril madeira, em variada intensidade, é tradi-
novo queimado e em requeimado cionalmente utilizada nos Estados Unidos,
Novo queimado Requeimado Espanha, França e Escócia durante ou após
Parâmetro Unidade Após dois Após dois o ajuntamento das tábuas, no decorrer da
1o Enchimento 1o Enchimento
enchimentos enchimentos
confecção dos barris. O fechamento dos
Cor kletes 98 27 42,0 31,6
barris europeus (Fig. 1) é feito sob fogo
Sólidos g/100 L 97 16 24,6 18,6 direto, sob a forma de um braseiro (parte
Ácidos fixos g/100 L 5,1 0,8 1,6 1,2 interna), sendo a parte externa umedecida.
Taninos g/100 L 32 8,0 12,6 10,3 Dependendo do tempo de exposição ao
FONTE: Reazin (1981).
fogo, a queima é classificada como ligeira
(5 a 10 min), média (10 a 15 min) e forte
Tratamento com vinho uniformemente pela bebida. Durante esse (15 a 20 min). Aquecimentos médios
período, os padrões analíticos podem-se são aplicados principalmente nos barris
O tratamento do barril com vinho
apresentar distorcidos. espanhóis (PHILP, 1989; LAVERGNE et
pode ser feito de inúmeras maneiras. Um
procedimento típico usado nas destilarias al., 1990).
Tratamento com vapor de A técnica americana utiliza vapor
escocesas consiste em colocar 500 mL de água e amônia
Paxarette, um tipo de vinho Xerez espa- d’água durante o fechamento e fogo a
nhol, num barril tipo hogshead ou 1 L de Um processo desenvolvido na Espa- gás na parte interna (Fig. 1). São deno-
Paxarette para o tipo butt e aplicar pressão nha consiste em submeter os barris a uma minadas:
a 7 psig por 10 min, proporcionando sua pressão de vapor d’água (8 psig) e amônia
a) queima ligeira, quando a madeira é
adsorção pela madeira. O tempo de contato durante 60 min. Os taninos são efetiva-
submetida a 15 s de exposição;
da bebida destilada nestes barris pode ser mente removidos da área interna do barril.
b) queima média, a 30 s;
da ordem de 6 a 9 meses. O uso desses barris para envelhecimento
origina bebidas com leve coloração, bai- c) queima forte, a 45 s.
Philp (1989), ao comparar barris
americanos com diferentes tratamentos, xo extrato, lento envelhecimento e altos A queima forte é empregada nas tábuas
encontrou teores mais altos de ácido gálico, valores de pH. destinadas aos barris que armazenam o
taninos totais e cor em uísques envelheci- uísque americano tipo Bourbon e em bar-
Degradação térmica ris de carvalho americano, novos, do tipo
dos após um intervalo de envelhecimento
de três a quatro anos e meio. Também Muitas bebidas são envelhecidas em Puncheon, confeccionados na Escócia.
observou que os açúcares e os pigmentos barris de madeira que sofreram queima Os produtos originados pela queima da
do vinho Xerez Paxarette formam uma em sua parte interna, tendo por finalidade madeira dependem da temperatura atingida
camada na parte inferior do barril, que pode retirar o aroma de cru e o sabor adstrin- e da duração do aquecimento. As quanti-
levar mais de dois anos para se dispersar gente da madeira. A degradação térmica da dades de alguns compostos derivados da

A B C
Figura 1 - Técnicas de queima das tábuas de madeira durante a confecção dos barris
NOTA: A-Fechamento dos barris: a madeira é umedecida na parte externa e queimada na parte interna; B-técnica europeia: fecha-
mento a fogo direto - tábuas de 20 mm em média queima ligeira: 5-10 min; média: 10-15 min; forte: 15-20 min; C-Técnica
americana: fechamento a vapor d’água e fogo a gás (queima ligeira: 15 seg.; média: 30 seg; forte: 45 seg).

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degradação da lignina, produzidos pela Tratamento com água sobre os outros, deitados ou em pé, em fileiras
queima das tábuas de madeira a 100, 150 separadas por tábuas de madeira, até um total
O enchimento dos barris novos com
ou 200ºC, são apresentadas no Quadro 3. de dez, dependendo do tamanho da adega. Na
água fresca para inchá-los ajuda no mo-
Percebe-se que ocorre aumento significati- construção básica dos recintos de envelheci-
mento do ajuste dos aros, pois tábuas de
vo em altas temperaturas de queima. mento, usam-se paredes de tijolos ou pedras e
madeira secas podem trincar, deformar os
De acordo com Philp (1989), os bene- telhados de alumínio ou telhas de barro.
barris e acarretar vazamentos quando utili-
Em ambientes muito secos e quentes, a
fícios da degradação térmica no desenvol- zados para o envelhecimento de bebidas.
utilização de valetas no piso, as quais propi-
vimento do aroma estariam relacionados
ciam passagem de água corrente, o hábito de
com a camada de carvão produzida, que Condições de armazenamento
molhar os barris uma ou duas vezes por dia, a
remove os elementos indesejáveis, com a Embora o barril sirva primeiramente construção de cascatas ou chuveiros, são ar-
lignina da madeira, que, sendo anaerobi- como reservatório, atua também como uma tifícios benéficos, que auxiliam no aumento
camente degradada logo abaixo da camada membrana semipermeável que permite a da umidade e, indiretamente, na diminuição
de carvão, produz componentes do aroma, passagem de álcool e vapores de água. Este da temperatura do ambiente (Fig. 2).
como a vanilina, que são liberados e subse- fenômeno é parte fundamental do processo As variações climáticas em dez loca-
quentemente extraídos para a bebida, e com de envelhecimento e sofre influência das lizações dentro dos cômodos de envelhe-
a intensificação das interações oxidativas condições ambientais. cimento foram avaliadas por Duncan e
acarretadas pelo aumento dos extratos As grandes destilarias costumam, como Philp (1966). Esses autores observaram
totais da madeira. medida de economia, colocar os barris uns que os locais perto do telhado apresentaram
temperaturas menos estáveis e mais secas;
próximo ao chão, a temperatura foi mais
QUADRO 3 - Aldeídos fenólicos detectados em extrato de madeira queimada em solução
estável e a atmosfera mais úmida.
hidroalcoólica a 60% v/v
Philp (1989), ao estudar a influência da
Componente Temperatura de queima Queima
(ºC)
temperatura e da umidade sobre o envelhe-
(mg/L) forte
cimento de uísque, concluiu que a umidade
100 150 200
afetou o volume e o teor alcoólico, tendo
Vanilina 1,1 3,8 13,5 2,8
pouco efeito sobre outros componentes
Propiovanilona 0,6 1,1 1,4 0,9
da bebida. Já a temperatura do ambiente
Siringaldeído 0,1 3,8 32,0 9,2 alterou não somente o volume e o conteúdo
Acetosiringona - 0,03 1,5 0,6 de etanol, mas também o pH, cor, sólidos,
Coniferaldeído traços 4,3 24,0 4,8 ácidos, aldeídos, fenóis, taninos e açúca-
Ácido vanílico - 1,8 6,1 1,1 res totais presentes. Resultados similares
Sinapaldeído traços 6,5 60,0 9,0 foram encontrados por Reazin (1983),
FONTE: Nishimura e Matsuyama (1989). em experimentos realizados com uísque.

Fotos: Cachaça Vale Verde - Comercial Regon Ltda.

Figura 2 - Condições ambientais

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38 Agronegócio da cachaça

Ocorreram aumentos dos componentes se- mais lentamente, exceto sob condições de Reações entre os componentes
cundários com a temperatura da ordem de alta umidade. Compostos de elevado peso da madeira e do destilado
4% por ºC, sendo o acetaldeído e os ácidos molecular, como os álcoois superiores, têm
De modo geral, os níveis de aldeídos
fixos os que mais incrementaram. seus teores aumentados em função da con-
voláteis, ésteres e ácidos totais elevam-
Em nível sensorial, bebidas envelhe- centração da bebida ao decurso do enve-
se durante o envelhecimento. Os teores
cidas a 9ºC e em ambiente com umidade lhecimento. Os poros da madeira no barril
de aldeídos e ésteres tiveram aumentos
relativa de 73% apresentaram aroma mais permitem reações de oxidação e produção lineares, enquanto os de ácidos foram
fino e agradável. Bebidas mantidas a de certos compostos que podem, muitas mais rápidos durante os primeiros anos.
temperaturas mais altas apresentaram-se vezes, afetar o equilíbrio da bebida. O aumento na concentração de aldeídos,
menos claras e mais doces. A concentração A quantidade de extrato liberada da principalmente acetaldeído, que já está
de álcool na bebida estocada influencia no madeira pela ação da mistura etanol-água presente no destilado como produto de
desenvolvimento do aroma. Para uísques, o durante o envelhecimento é variável e fermentação, é atribuído principalmente à
grau alcoólico escolhido para o envelheci- depende da concentração de álcool. Em oxidação do etanol. O extrato de carvalho
mento é em torno de 63% v/v. Teores mais infusões de lascas de carvalho em solu- é essencial para que esta oxidação ocorra,
altos diminuem a velocidade de envelheci- ções aquosas de etanol a 20, 40, 60, 80 e sendo o maior responsável pela formação
mento e desenvolvimento de aroma. 100% v/v (Quadro 4), por cinco meses, as do acetaldeído a partir do etanol.
quantidades de extratos e fenólicos totais O ácido acético é o principal compo-
MECANISMO DO atingiram um máximo na concentração de nente dentre os ácidos totais presentes em
ENVELHECIMENTO 60% de etanol. bebidas envelhecidas. Sua formação deve-
Em comparação entre os teores alco- se à oxidação do etanol via acetaldeído,
O mecanismo do envelhecimento nos
ólicos iniciais nos destilados e a quanti- mas parte é proveniente da madeira.
barris de madeira é basicamente o mesmo
dade dos componentes após quatro anos A elevação nos teores de ésteres é de-
para todas as bebidas destiladas. As altera-
de envelhecimento, foi constatado que a corrente da formação de acetato de etila,
ções que ocorrem nos componentes durante
produção de cor e a extração de açúcares, em função da alta concentração de ácido
o envelhecimento podem ser resumidas, nas
ácidos e taninos diminuíram com o au- acético.
seguintes etapas, de acordo com Nishimura
mento da concentração inicial de álcool. Alguns compostos presentes em des-
e Matsuyama (1989):
Por outro lado, a concentração de outros tilados novos podem ser alterados pelas
a) modificações envolvendo componen- componentes originados do destilado, reações químicas. Substâncias com odores
tes naturais do destilado, como perdas como ésteres e álcool fúsel, não foi afetada pungentes, como acroleína, desaparecem
por evaporação através dos poros da pela concentração inicial de álcool. com dois ou três anos de envelhecimento
madeira; A hidrólise de hemicelulose e outros ao serem transformados em 1,1,3-trie-
b) reações dos componentes da madeira polímeros é acelerada pelo aumento do con- toxipropano. Componentes sulfurados,
com os compostos secundários do teúdo de água, enquanto a solubilidade dos como dissulfeto de dimetila e trissulfeto
destilado; componentes de degradação foi maior com de dimetila, também tiveram sua concen-
c) decomposição de macromoléculas da a elevação do teor de álcool. De acordo com tração diminuída gradualmente durante o
madeira (lignina, celulose e hemicelu- Nishimura e Matsuyama (1989), o conteúdo envelhecimento. A proporção de dissulfeto
lose) e sua incorporação na bebida. de etanol ao redor de 60% é a concentração de dimetila para trisulfeto de dimetila pode
mais eficiente para que a bebida absorva ser usada para medir o tempo de envelheci-
Modificações nos componentes melhor os componentes do carvalho. mento, já que a velocidade de redução do
do destilado
Conforme descrito no item “Condições QUADRO 4 - Teores de extrato e compostos fenólicos totais detectados em misturas de eta-
de armazenamento”, durante o envelheci- nol/água com lascas de carvalho
mento, perdem-se água e etanol por difusão Conteúdo de álcool Extrato seco (1)
Fenólicos totais
através dos poros da madeira. A velocidade (% p/v) (%) (mg/L)
de perdas por difusão-evaporação depen- 20 6,31 62,5
de da temperatura, do tamanho do barril 40 7,44 74,8
(relação superfície/volume), da espessura 60 7,68 78,8
das tábuas e da umidade relativa do ar, 80 6,53 66,3
assim como do tamanho das moléculas. 100 3,70 38,5
O etanol tem peso molecular cerca de 2,5 FONTE: Nishimura e Matsuyama (1989).
vezes maior que o da água e difunde-se (1)
Expresso em ácido gálico.

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teor de trisulfeto de dimetila é menor do anos, observaram que a face interna foi cer- elevação dos teores de alguns produtos de
que a do dissulfeto de dimetila. ca de 16 vezes mais rica nestes compostos degradação da lignina, as concentrações
do que a externa. Concluíram então, que a de eugenol e furfural também aumentaram
Incorporação de derivados de fração da lignina em contato com o destila- nos extratos contendo oxigênio.
macromoléculas da madeira
do e na presença de oxigênio sofreu intensa Os ácidos derivados da lignina resultam
na bebida
oxidação, levando à formação de aldeídos da oxidação de seus aldeídos correspon-
Entre as substâncias que proporcionam aromáticos que foram solubilizados na dentes. O ácido siríngico origina-se da oxi-
aroma e sabor característicos às bebidas alco- bebida. Puech (1981) e Puech et al. (1984) dação do siringaldeído, do sinapaldeído e
ólicas envelhecidas destacam-se os compostos propuseram um modelo de degradação da pela hidrólise das ligações éster da lignina.
derivados da lignina. Vanilina, siringaldeído, lignina (Fig. 4), que evidencia a influência Geralmente, está em maior concentração
coniferaldeído e p-hidroxibenzaldeído foram do oxigênio na formação dos produtos. na bebida envelhecida, em comparação
identificados como produtos da degradação Maarse e Berg (1989), ao analisarem o com os outros ácidos existentes. Já a princi-
da lignina em conhaques, uísque de malte, efeito oxidativo na lignina, observaram que pal origem da vanilina dá-se pela oxidação
uísque Bourbon e rum. Foi, então, sugerida o aumento na concentração de oxigênio das duplas ligações do coniferaldeído
a possibilidade de distinguir diferentes
acarretou altos teores dos aldeídos vanilina, Dois mecanismos de degradação da
classes de bebidas com base na proporção
siringaldeído, sinapaldeído e coniferalde- lignina são propostos durante o processo
desses compostos.
ído e dos ácidos vanílico e siríngico. A de envelhecimento. O primeiro ocorre na
A formação de ácidos e aldeídos aro-
presença de oxigênio durante a extração madeira e o segundo, na fase hidroalco-
máticos derivados da lignina (Fig. 3) em
dos componentes da madeira não afetou a ólica (Fig. 5). No primeiro, a lignina é
bebidas envelhecidas pode-se dar pelos
concentração dos ácidos sinápico e ferúli- extraída pelo etanol formando o composto
seguintes mecanismos:
co. Segundo Palmer (1994), estes ácidos etanol-lignina, o qual é, posteriormente,
a) degradação da lignina pela flamba- possuem origens diversificadas. Além da degradado, dentro da bebida, a compostos
gem ou queima da madeira durante
a confecção dos barris;
b) extração de compostos monoméricos
presentes na madeira pela bebida;
c) pela etanólise da lignina, especial-
mente em meio ácido;
d) pela transformação de compostos
preexistentes na bebida.
Conforme mencionado no item “De-
gradação térmica”, a queima da madeira
acarreta um incremento acentuado nos teo-
res de vanilina, propiovanilona, siringalde-
ído, acetosiringona, coniferaldeído, ácido
vanílico e sinapaldeído. Puech e Visockis
(1986), ao analisarem o conteúdo desses
mesmos compostos, originários das faces
interna e externa de tábuas de madeira de Figura 4 - Conversão de alguns fenóis derivados da lignina
barris que contiveram conhaque por 20 FONTE: Puech (1981) e Puech et al. (1984).

COOH COOH CHO CHO C=CHCHO


H3CO C=CHCHO

HO
OCH3 H3CO OCH3 OCH3 H3CO OCH3 OCH3
OCH3
OH OH OH OH OH

Ácido vanílico Ácido siríngico Vanilina Siringaldeído Coniferaldeído Sinapaldeído

Figura 3 - Ácidos e aldeídos fenólicos derivados da lignina

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Agronegócio da cachaça 41

Potencial da madeira de agregar valor


à cachaça de alambique 1

Lourival Marin Mendes 2


Fábio Akira Mori 3
Paulo Fernando Trugilho 4

Resumo - Alguns aspectos referentes às propriedades da madeira e sua influência na


qualidade da aguardente durante o processo de envelhecimento são pontos relevantes
para os produtores de cachaça, assim como o potencial que ela tem de agregar valor ao
produto e dos vários outros usos possíveis na cadeia produtiva e de consumo da cachaça.
São destacadas as principais madeiras brasileiras utilizadas no processo de envelheci-
mento, bem como as características que cada uma confere ao produto final. Algumas di-
retrizes para disponibilizar novas madeiras para este fim darão condições aos produtores
de uma menor dependência da madeira do carvalho-europeu (Quercus spp.).

Palavras-chave: Aguardente de cana. Envelhecimento. Tonel. Barril. Cadeia produtiva.


Espécie vegetal. Cerrado.

INTRODUÇÃO cachaças, são exemplos clássicos em que produtiva da cachaça. Algumas diretrizes
a madeira transforma-se em tonéis ou bar- são traçadas para disponibilizar novas ma-
Muito antes de o homem aprender a tra-
ris para garantir o envelhecimento delas. deiras para este fim, o que fará com que os
balhar os metais ou descobrir os plásticos,
Em Minas Gerais, a indústria de cachaça, produtores tenham menor dependência do
já se servia da madeira para construir uma
principalmente as pequenas com produção carvalho-europeu (Quercus spp.).
série de utensílios econômicos e práticos,
alguns dos quais perduram até hoje, por artesanal, tem uma participação expressi-
va na economia do Estado. Entretanto, a ENVELHECIMENTO VERSUS
serem mais baratos, ou por possuirem
maioria dos produtores carece conhecer CURTIÇÃO
propriedades que os materiais criados não
possuem. todas as fases de produção, especialmente Segundo Sebrae (2001), para adquirir
Da árvore, representada pelas mais as referentes à madeira, que é um material boas qualidades sensoriais de aroma e
diversas espécies existentes no mundo, importante no processo, devido às carac- paladar, a cachaça deve passar por um
podem-se obter mais ou menos 40 mil terísticas que confere à cachaça durante processo de envelhecimento em tonéis
produtos por meio de vários processos de o envelhecimento. de madeira. O envelhecimento permite
industrialização. Destes, existem alguns Neste contexto, o objetivo deste tra- aprimorar as características da cachaça
que não podem ser substituídos por outros balho é disponibilizar informações aos recém-destilada, tornando-a mais fina
materiais ou por produtos sintéticos. São produtores de cachaça referentes às pro- em aroma e paladar, além de modificar a
aqueles cuja qualidade depende, em par- priedades da madeira que interferem no coloração branca para amarelada, deixan-
te, de certas características naturais que envelhecimento da bebida, com enfoque do-a mais macia, o que atenua a sensação
somente a madeira in natura proporciona. no potencial de agregar valor ao produto desidratante do álcool presente. Apesar
As bebidas destiladas, principalmente as e nos outros usos da madeira na cadeia de amplamente consumida em Minas Ge-

Artigo publicado anteriormente no Informe Agropecuário. Cachaça artesanal de Minas, v.23, n.217, p.52-58, 2002.
1

Engo Florestal, D.Sc., Prof. UFLA - Depto Ciências Florestais, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico: lourival@ufla.br
2

Engo Florestal, D.Sc., Prof. UFLA - Depto Ciências Florestais, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico: morif@ufla.br
3

Engo Florestal, D.Sc., Prof. UFLA - Depto Ciências Florestais, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico: trugilho@ufla.br
4

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42 Agronegócio da cachaça

rais, a cachaça branca, não envelhecida, várias dimensões. Silva et al. (2001) de- compostos voláteis através da madeira do
tem menor valor agregado que a cachaça monstram um procedimento prático para a barril e a formação de complexos molecu-
envelhecida. estimativa do volume de aguardentes esto- lares estáveis entre compostos secundários
Segundo a prática vigente em Minas cadas nos diversos tipos de recipientes. e água e/ou etanol.
Gerais, o período de envelhecimento va- O maior tonel do mundo, registrado Durante o envelhecimento em barril
ria entre 6 e 18 meses, contudo, quanto pelo Guinness Book, é exibido no Museu de madeira, observa-se um aumento pro-
mais longo for esse tempo, maior o valor da Cachaça, situado na cidade de Maran- gressivo no teor de extrato seco, dos quais
agregado da bebida. Entretanto, o tempo guape, distante 25 km de Fortaleza, capital os taninos e os compostos fenólicos pro-
de envelhecimento está altamente correla- do Ceará, na Região Nordeste do Brasil. O venientes da lignina chegam a representar
cionado com o volume dos barris ou tonéis. Museu está localizado na primeira unidade até 40%. Já foram identificados nume-
Quanto menor for o volume do recipiente, fabril da Ypioca Agroindustrial, e os fre- rosos aldeídos e ácidos fenólicos, como
maior será a relação madeira/cachaça, au- quentadores podem admirar o tonel de bál- a vanilina, siringaldeído, coniferaldeído
mentando assim a velocidade das reações samo de até 6 m de altura, com capacidade e sinapaldeído, em destilados alcoólicos
e, consequentemente, o envelhecimento. para 374 mil litros. O segundo maior está envelhecidos em barris de carvalho. Apa-
Deve-se, portanto, atentar ao tempo óti- na Alemanha, com capacidade para 234 rentemente a lignina sofre uma alcoólise
mo, no qual a cachaça apresenta todas as mil litros. Nesses tonéis estão armazenadas ácida à temperatura ambiente, formando
características desejáveis, sem no entanto cachaças envelhecidas por um período de a vanilina, siringaldeído, coniferaldeído e
adquirir o gosto forte da madeira. até 40 anos (TONÉIS & CIA, 2002). sinapaldeído (PIGGOTT, 1989; PUECH,
Já a curtição da cachaça acontece com 1983). O sinapaldeído converte-se em si-
a incorporação na bebida de pequenos REAÇÕES DA MADEIRA COM
ringaldeído por oxidação da dupla ligação.
fragmentos de madeira (serragem, mara- A CACHAÇA
O coniferaldeído converte-se em vanilina
valhas etc.), de frutos, sementes, cascas Como qualquer bebida destilada, a ca- por oxidação da dupla ligação ou ácido
etc., fazendo uma extração de compostos chaça nova é transparente, adquirindo uma ferúlico, por oxidação do aldeído. Outros
que mudam a cor e conferem algum gos- tonalidade vanilada após o envelhecimento ácidos fenólicos identificados são o gálico,
to característico, conforme a substância por algumas semanas em barril de madeira. potocatéquico, p-hicroxibenzóico, p-cumá-
adicionada. O Quadro 1 mostra algumas Após um a dois anos, já se percebe o odor rico, cinâmico, siríngico e vanílico.
partes das plantas que são adicionadas à típico da madeira e a tonalidade mais acen-
cachaça e as propriedades que podem ser tuada. No paladar, mostra-se ainda mais MADEIRAS UTILIZADAS NO
conferidas à bebida. adstringente, em decorrência dos taninos ENVELHECIMENTO
Ressalta-se que durante o envelheci- provenientes da madeira. Aos três anos,
mento acontece uma oxigenação através As principais madeiras de origem nati-
o odor da cachaça torna-se harmonioso,
dos poros da madeira, permitindo as va brasileira (Quadro 2) que são utilizadas
arredondado; por outro lado já não se dis-
reações entre os componentes do próprio para confecção de barris e tonéis com fins
tinguem com facilidade as contribuições da
destilado dentro dos tonéis. A extração de envelhecimento e armazenamento de
fermentação ou da madeira, pois é notada
de compostos secundários da madeira e, uma certa associação entre os componentes cachaça, encontradas na literatura são as
ao longo do tempo, a transformação dos deles (MAIA et al., 1994; PIGGOTT, 1989; seguintes:
componentes químicos da parede celular PUECH, 1983; WAINWRIGHT, 1971). Segundo Lorenzi (1992), têm-se: amen-
da madeira em outros compostos conferem Segundo Piggott (1989), inúmeras transfor- doim, bálsamo, carne-de-vaca (Pterogyne
o sabor característico da bebida. mações químicas acham-se associadas ao nitens); freijó (Cordia goeldiana); freijó,
Dentro deste contexto, é de suma im- processo de maturação e envelhecimento louro-pardo (Cordia trichotoma); marme-
portância não confundir envelhecimento da cachaça, destacando-se as reações entre leira-do-mato (Machaerium stipitatum); pe-
com curtição. os componentes secundários provenientes reira-folha-de-bolo (Platycyamus regnellii);
da destilação; a extração direta dos com- vinhático-amarelo (Plathymenia foliolosa);
Dimensões dos recipientes cerejeira, amburana (Amburana cearensis);
ponentes da madeira; a decomposição de
Para o processo de envelhecimento, macromoléculas da madeira (lignina, celu- garapa, jataí-garapa (Apuleia leiocarpa);
normalmente, utilizam-se recipientes nas lose e hemiceluloses) e sua incorporação ipê-roxo (Tabebuia avellanedae); bacuri
formas elíptica, cônica e cilíndrica. Os à bebida; as transformações dos materiais (Platonia insignis); ipê-amarelo, ipê-tabaco
mais utilizados são os tonéis de carvalho- extraídos da madeira; as reações dos com- (Tabebuia vellosoi); mutamba, araticum-
europeu de capacidade de 200 litros, que ponentes da madeira com componentes bravo (Guazuma ulmifolia); ipê-da-serra,
podem ser encontrados no mercado com originais do destilado; a evaporação de ipê-amarelo-da-serra (Tabebuia alba).
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Agronegócio da cachaça 43

QUADRO 1 - Espécies vegetais do Cerrado utilizadas para curtir aguardente


Tempo de Propriedades conferidas
Espécie Tipo de vegetal Segmento utilizado curtição à cachaça
Cajuí
(Anacardium humile) Arbusto pequeno Pedúnculo do fruto 1 mês Digestiva
Ananás
(Ananas microstachys) Perene Fruto 1 mês Digestiva
Crassiflora
(Aracaticum) Arbusto pequeno Semente 2 semanas Antidiarreica
Jarrinha
(Aristolochia arcuata) Reptante Raiz ND Aperiente
Jarrinha
(Aristolochia esperanze) Volúvel Raiz 1 semana Estimulante do apetite
Tucum-da-chapada
(Astrocaryum campestre) Acaule Fruto 1 mês Aperiente
Carqueja
(Baccharis trimera) Subarbusto Parte aérea 1 semana Digestiva
Butiá
(Butia capitata) Palmeira Fruto 1 mês Digestiva
Murici
(Byrsonima crassa) Subarbusto Fruto ND Aperiente
Catuaba
(Anemopaegma arvensis) Arbusto Raizes 1 mês Afrodisíaca
Pequi
(Caryocar brasiliensis) Árvore Polpa que envolve a semente ND Afrodisíaca
Copaíba
(Copaifera langsdorfii) Árvore Óleo e casca 1 semana Tratamento de bronquites rebeldes
Ariri
(Diplothemuim campestre) Palmeira Fruto 1 mês Febrífuga
Cagaita
(Eugenia dysenterica) Árvore Fruto ‘de vez’ 1 mês Tônica
Pitanga
(Eugenia calycina) Arbusto pequeno Folha e fruto 1 mês Digestiva
Mangaba
(Hancornia speciosa) Árvore Fruto 1 mês Digestiva
Jatobá
(Hymenea stigonocarpa) Árvore Resina 1 mês Tônica
Hortelã-do-campo
(Ayptsis cana) Arbusto Folha 1 semana Digestiva
Carobinha
(Jacaranda coroba) Árvore Casca 1 semana Estimulante do fígado
Faveiro
(Pterodon pubescens) Árvore Semente 15-20 dias Tratamento de dores de garganta
Japecanga
(Smilax campestris) Árvore Raiz 1 semana Antirreumática
Salsa-quina
(Strychnos pseudoquina Árvore pequena Raiz 1 mês Digestiva
Congonha-de-caixeta
(Symplocus lanceola) Arbusto Folha nova 1 semana Digestiva
FONTE: Gavilanes e Brandão (1992).
NOTA: ND - Não disponível.

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44 Agronegócio da cachaça

QUADRO 2 - Características tecnológicas das madeiras brasileiras utilizadas para confecção de barris e tonéis para envelhecimento de
bebidas destiladas (continua)
Resistên- Durabili- Permeabi-
Espécie Densi- Trabalhabi- Cor Gosto Cheiro
dade cia mecâ- dade lidade
lidade
nica natural
Acapu Pesada Alta Dura Alta Pardo-avermelha- Imperceptível Pouco acentua- Baixa
(Vouacapoua americana) do-escura até quase do, ligeiramen-
negra te adocicado

Amendoim, carne-de-vaca MP Média Dura Moderada Bege-rosado-escura Ligeiramente Pouco percep- Baixa
(Pterogyne nitens) a castanho-clara adstringente tível

Amburana MP Média Macia Baixa re- Bege-amarelada Ligeiramente Acentuado de ND


(Amburana cearensis) sistência a rosada adocicado baunilha

Angélica ND ND ND Alta Vermelha com tinta ND Desagradável ND


(Dicorynia paraensis) violáceo-escura quando nova

Angelim-coco Pesada ND Dura Alta Amarela a pardo- ND ND ND


(Andira stipulacea) escura

Arco-de-pipa ND ND Dura Alta Vermelho-escura ND ND ND


(Erythroxylum pulchrum)

Arco-de-pipa-miúdo Pesada Baixa ND ND Branco-amarelada ND ND ND


(Erythroxylum frangulifolium) com veios róseos

Araribá Pesada Média Macia Alta Amarelo-clara a Imperceptível Agradável ND


(Centrolobium tomentosum) pardo-avermelhado- quando recém-
rosada cortada

Bacuri MP Média Dura Moderada Amarelo-escura Imperceptível Imperceptível Baixa


(Platonia insignis)

Canela-sassafrás Pesada Média a Macia Reduzida Pardo-clara ND ND ND


(Ocotea pretiosa) baixa amarelada a escura

Carvalho-brasileiro Média Média a ND Baixa Róseo-arroxeada Imperceptível Imperceptível Baixa


(Euplassa cantareirae) alta a acastanhada

Freijó MP Média Moderada- Moderada Pardo-clara Imperceptível Pouco Baixa
(Cordia goeldiana) mente macia amarelada a acentuado
acastanhada

Garapa Pesada Média Dura Baixa Bege-amarelada a Imperceptível Imperceptível Baixa


(Apuleia leiocarpa) acastanhada

Gonçalo-alves Pesada Alta Dura Alta Bege-rosada a Levemente Imperceptível Pouco


(Astronium fraxinifolium) castanha adstringente permeável

Grevilea MP ND ND Alta Clara ND ND ND


(Grevillea robusta)

Guanandi MP Média a ND Moderada Róseo-acastanhada Imperceptível Imperceptível Baixa


(Calophyllum brasiliense) baixa tendendo a castanha

Ipê-amarelo Muito Alta Dura Alta Castanho-clara Imperceptível Imperceptível Imper-


(Tabebuia vellosoi) pesada meável

Ipê-roxo Pesada Alta Dura Alta ND ND ND ND


(Tabebuia avellanedae)

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Agronegócio da cachaça 45

(conclusão)
Resis- Durabili-
Espécie Densi- Trabalha- Cor Gosto Cheiro Permeabi-
dade tência dade
bilidade lidade
mecânica natural
Louro-pardo Pesada Média Dura Baixa Pardo-clara Ligeiramente Agradável Baixa
(Cordia trichotoma) amarelada acre

Maçurã Pesada Média ND Baixa Róseo-pardacenta Imperceptível Imperceptível ND


(Vantanea sp.)

Marmeleira-do-mato MP Média ND Moderada ND ND ND ND


(Machaerium stipitatum)

Muiracatiara Muito Média a Dura Inferior a Branco-amarelada a Imperceptível Imperceptível Baixa a im-
(Astronium lecointei) pesada alta 7 anos castanho-escura permeável

(1)
Mutamba Leve ND Macia Média Branca ND ND ND
(Guazuma ulmifolia)

Pereira Pesada Alta Dura Resistente Róseo-pálida a ver- Imperceptível Imperceptível ND


(Platycyamus regnellii) melho-rosada ou cas-
tanha c/ reflexos rosa

Tapinhoan Muito Alta Dura Alta Pardo-amarelada ND ND ND


(Silvia navalium) pesada resistência

Vinhático-amarelo Leve Baixa Dura Alta Amarelo-dourada a Imperceptível Imperceptível ND


(Platymenia foliosa) resistência queimada ou casta-
nho-amarelada com
reflexo dourado
FONTE: Lorenzi (1992), Jankowiski et al. (1990) e Santos (1987).
NOTA: MP - Moderadamente pesada; ND - Não disponível.
(1) Durabilidade média quando protegida de umidade.

Segundo Santos (1987), têm-se: acapu Na prática, um produtor de cachaça e) jequitibá-rosa: elimina o leve gosto
(Vouacapoua americana); angélica (Dicorynia encontra no mercado tonéis fabricados de bagaço de cana sem alterar a cor;
paraensis); angelim-coco (Andira stipulacea); com as madeiras relacionadas a seguir, com f) amburana: abaixa a acidez e diminui
araribá (Centrolobium tomentosum); arco-de- suas respectivas características conferidas o teor alcoólico da cachaça, que fica
pipa (Erythroxylum pulchrum); arco-de- à cachaça: mais suave, mantendo a cor normal;
pipa-miúdo (Erythroxylum frangulifolium); a) amendoim: abaixa a acidez e preserva g) vinhático: fornece a cor amarelo-ouro
as características naturais da cor; e um gosto próximo ao da cachaça
gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium
pura;
brasiliense); ipê-amarelo (Tecoma ocracea); b) bálsamo ou cabríuva: resulta em
h) grápia: abaixa a acidez e diminui o
mangue-vermelho (Rhizophora mangle); tom amarelinho e numa cachaça de
teor alcoólico da cachaça, que fica
tapinhoam (Silvia navalium). gosto forte;
mais suave, mantendo a cor normal;
Segundo Jankowsky et al. (1990), têm- c) carvalho-europeu: dá coloração for- i) sassafrás: resulta em tom amarronza-
se: canela-sassafrás (Ocotea pretiosa); car- te e sabor que lembra o do uísque, do e numa cachaça de gosto forte;
valho-brasileiro (Euplassa cantareirae). por causa do malte impregnado na j) louro-freijó: abaixa a acidez e diminui
Segundo Mainieri e Chimelo (1989), madeira; o teor alcoólico da cachaça, que fica
têm-se: maçurã, pau-cepilho (Vantania d) ipê-amarelo: garante uma cachaça mais suave, mantendo a cor normal;
sp.); muiracatiara (Astronium lecointei); que desce macio e um tom alaran- k) castanheira-do-pará: possui proprie-
piquiá (Caryocar villosum). jado; dades semelhantes ao carvalho-euro-
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46 Agronegócio da cachaça

peu, no envelhecimento da cachaça, da pela cachaça envelhecida em tonéis de a) densidade: média alta;
transmite suavidade e uma cor ama- carvalho-europeu (Fig. 2). b) permeabilidade: impermeável;
relada (Fig. 1). No entanto, a madeira mais utilizada c) cheiro: imperceptível;
Mori e Mendes (2002) observaram que ainda é o carvalho-europeu. A título de d) gosto: imperceptível;
existe potencial da utilização de madeiras exemplo, 80% dos produtores associados e) cor: depende do mercado;
de eucaliptos para o envelhecimento de à Associação Sul Mineira dos Produtores f) durabilidade natural: alta;
aguardente de cana-de-açúcar, necessi-
de Aguardente (Aspa) utilizam para o g) trabalhabilidade: usinável.
tando somente de estudos adicionais em
envelhecimento da cachaça este tipo de
relação ao armazenamento do destilado
madeira oriunda da Europa. Dentro deste OUTROS PRODUTOS FLORESTAIS
em tonéis de maior tamanho e também UTILIZADOS NA PRODUÇÃO DE
à realização de sua análise sensorial. Do contexto, pode-se afirmar que novos estu-
CACHAÇA
experimento realizado com diversas espé- dos devem ser conduzidos para identificar
cies, Eucalyptus saligna foi a que obteve o novas espécies nativas e exóticas com Da árvore, é utilizada a madeira serra-
melhor desempenho nas análises, inclusive potencial e características desejáveis ao da para fabricação dos tonéis e barris. Os
com uma cor amarelada semelhante à obti- envelhecimento, quais sejam: frutos, folhas, raízes e cascas são utilizados
para curtir a cachaça e conferir proprieda-
des medicinais e aperientes. Além disso,
a casca de algumas espécies florestais,
principalmente as do Cerrado, é rica em
cortiça, a qual é usada para a produção das
rolhas para fechar as embalagens de vidro
(HILL, 1965).
As rolhas de cortiça caracterizam-se
por ser inertes, não conferindo nenhuma
Fotos: Lourival Marin Mendes
característica à cachaça após a embalagem.
Porém, se não possuírem boa qualidade,
poderão liberar partículas sólidas que,
incorporadas à cachaça, podem tornar
proibida a sua comercialização, caso seja
detectada tal ocorrência pelos fiscais do
Ministério da Agricultura, Pecuária e
Figura 1 - Tonel de castanheira ao fundo e a cor amarelada da cachaça semelhante ao Abastecimento (MAPA).
carvalho-europeu

Lourival Marin Mendes

Figura 2 - Aguardentes retiradas após 12 meses de armazenamento nos tonéis de madeiras de eucalipto
NOTA: Garrafas da direita para esquerda: 1 - E. tereticornis; 2 - E. punctata; 3 - E. ideropholia; 4 - E. melanophloia; 5 - E. resinifera;
6 - E. nesophylla; 7. E. grandis; 8 - E. paniculata; 9 - E. robusta; 10 - E. dunii; 11 - E. paeotricha; 12 - E. saligna; 13 -
E. urophylla.

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Agronegócio da cachaça 47

Outra utilização não muito frequente,


são as dornas de fermentação, pois apre-
sentam problemas com o desenvolvimento
de colônias de bactérias selvagens nas cavi-
dades da madeira, provocando um aumento
do porcentual de metanol, acidez, aldeídos
e ésteres, que são indesejáveis na produção
da cachaça de qualidade.
Segundo informações levantadas com
alguns produtores de cachaça, o carvão
vegetal é utilizado em algumas situações
para fazer a filtragem após a destilação.
Para isso, é necessário que seja usado o
carvão vegetal de melhor qualidade, isto é,
o produzido a partir da madeira de Pinus
sp., não existindo uma explicação científica
para tal fato. Outro uso da madeira está
na confecção das rodas d’água, que são
movimentadas para produção de energia
com a finalidade de moagem da cana. Estas
estruturas são encontradas nos alambiques
mais antigos. Um uso considerado menos
nobre é quando as raízes, galhos, cascas Figura 3 - Produtos extraídos da árvore para utilização desde as fases de produção até
o consumo de aguardente
e a própria madeira roliça são queimados
FONTE: Mendes et al. (2001).
nas fornalhas para gerar energia para o
processo de destilação.
Outros produtos de madeira podem REFERÊNCIAS 1994. 74p.

ou não estar presentes, da produção até o GAVILANES, M.L.; BRANDÃO, M. Fru- MAINIERI, C.; CHIMELO, J.P. Fichas de
consumo de cachaça, tais como: tos, folhas e raízes de plantas do Cerrado, características das madeiras brasileiras.
suas propriedades medicinais, tendo como 2.ed. São Paulo: IPT, 1989. 418p.
a) na forma serrada: tábuas, vigas,
veículo a cachaça. Informe Agropecuário.
caibros e ripas são utilizados para a MENDES, L.M.; MORI, F.A.; SILVA, J.R.M.;
Cerrado: composição florística e potenciali-
construção de galpões, e os resíduos dade II, Belo Horizonte, v.6, n.173, p.40-44,
TRUGILHO, P.F. Influência da qualidade da
produzidos no desdobro (costaneiras, mar./abr. 1992. madeira no envelhecimento de aguardentes.
aparas e ripas) podem ser queimados, In: CARDOSO, M. das G. (Ed.). Produção
HILL, A.F. Botânica econômica. Barcelona: de aguardente de cana-de-açúcar. Lavras:
gerando energia para o processo de Omega, 1965. 616p.
UFLA, 2001. cap. 8, p.191-227.
destilação;
JANKOWSKY, I.P.; CHIMELO, J.P.; CAVAL-
b) na forma roliça: usados para pilares de MORI, F.A.; MENDES, L.M. Potencial da
CANTE, A.A.; GALINA, I.C.M.; NAGAMU-
utilização de tonéis de eucalipto. In: Uni-
galpões e queima direta para o processo RA, J.C.S. Madeiras brasileiras. Caxias do
versidade Federal de Lavras. Sólidos de eu-
de destilação; Sul: Spectrum, 1990. 171p.
calipto: avanços científicos e tecnológicos.
c) cascas: podem ser queimadas, gerando LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual Lavras, 2002. p.150-155.
energia para a destilação; de identificação e cultivo de plantas arbó-
reas nativas do Brasil. Nova Odessa: Planta- PIGGOTT, J.R.; SHAR, R.; DUNCAN, R.E.B.
d) peças torneadas: copos, soquetes e
rum, 1992. 368p. The science and technology of whiskies.
copinhos para o consumo; New York: Longman, 1989.
MAIA, A.B.R.A.; PEREIRA, A.J.G.; SCHWA-
e) lâminas: palitos para mexer caipirinha.
BE, W.K. (Coord.). Tecnologia para produ- PUECH, J.L.; LEAUTÉ, R.; CLOT, G.; NOM-
A Figura 3 ilustra todos os produtos ção de aguardente de qualidade. In: CURSO DEDEU, L.; MONDIES, H. Vieillissement du
extraídos da árvore, utilizados nas fases de DE EXTENSÃO, 2., 1994, Belo Horizonte. cognac. Sciences des Aliments, Jouy-en-Jo-
produção até o consumo da cachaça. Belo Horizonte: Fundação Cristiano Otoni, sas, v.4, n.1, p.65-80, 1983.

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48 Agronegócio da cachaça

SANTOS, E. Nossas madeiras. Belo Hori- aguardentes estocadas nos diversos tipos de <http://toneis.com.br>. Acesso em: 12 nov.
zonte: Itatiaia, 1987. v.7, 313p. recipientes. In: CARDOSO, M. das G. (Ed.). 2002.

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Agronegócio da cachaça 49

Utilização de madeiras nativas


no envelhecimento da cachaça de alambique 1

Silvia Maria Borim Côdo Dias 2


Amazile Biagioni R. A. Maia 3
David Lee Nelson 4

Resumo - Com base em estudos de destilados alcoólicos envelhecidos em carvalho


(Quercus sp.), pesquisou-se o efeito de diferentes madeiras brasileiras (amburana, bál-
samo, jequitibá, ipê, jatobá) na composição química da aguardente de cana. Foram do-
sados compostos fenólicos, por cromatografia líquida de alta eficiência, em extratos
hidroalcoólicos das madeiras (ao natural e preaquecidas) e em aguardente de cana,
estocada por seis meses em barris confeccionados com essas madeiras, sem tratamento
prévio. Nos extratos das madeiras ao natural, constatou-se a predominância de ácidos
gálico e elágico no de carvalho; ácido vanílico e sinapaldeído no de amburana; ácido
elágico, siringaldeído e vanilina no de bálsamo; ácidos gálico e vanílico no de jequitibá;
ácido elágico e siringaldeído no de jatobá; ácidos vanílico e siríngico e coniferaldeído
no de ipê. O preaquecimento das madeiras acarretou aumentos significativos na con-
centração dos compostos fenólicos do extrato de carvalho. Com relação às madeiras
brasileiras, observou-se tendência igual no extrato de jequitibá e oposta nos extratos de
amburana, bálsamo e jatobá, e pequenas variações no extrato de ipê. No decorrer do
envelhecimento, todos os barris utilizados para estocar a aguardente (exceto o de jequi-
tibá) acarretaram a intensificação da cor da bebida. Também ocorreram mudanças nos
componentes oriundos da destilação da aguardente (aumento de extrato seco e compo-
nentes voláteis) e no teor alcoólico (redução nos barris de jequitibá e ipê, pequena va-
riação nos barris de bálsamo e jatobá e aumento nos barris de carvalho e amburana).

Palavras-chave: Aguardente de cana. Cachaça. Bebida destilada. Composto fenólico.


Barril.

Introdução fermentação e a destilação, o produto final al., 1995; FARIA et al., 1996).
tem sempre sabor ardente e seco. Nunca Inúmeras reações químicas acham-se
O envelhecimento em barris de madeira
é suave, agradável, fino e “redondo”. associadas ao processo de envelhecimento
é uma etapa importante na produção de Existem diferenças significativas, ao nível de bebidas destiladas, dentre elas as rea-
bebidas destiladas, pois influi acentua- sensorial, entre bebidas envelhecidas e não ções entre os compostos secundários pro-
damente na composição química, aroma, envelhecidas (PATERSON; PIGGOTT, venientes da destilação; a extração direta
sabor e cor. Por melhor que tenham sido a 1989; MAIA et al., 1994; BÔSCOLO et de componentes da madeira; a decompo-

Artigo publicado anteriormente no Informe Agropecuário. Cachaça artesanal de Minas, v.23, n.217, p.46-51, 2002, atualizado para esta
1

edição.
Farmacêutica/Bioquímica, M.Sc., Responsável Técnica Serviço de Inspeção de Produtos Agropecuários (SIPAG) – Superintendência
2

Federal de Agricultura de Minas Gerais, Av. Raja Gabaglia, 245 - Cidade Jardim, CEP 30380-090 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
silvia.dias@agricultura.gov.br
Enga Química, Dra, Consultora Técnica LABM Pesquisa e Consultoria, Rua Itamaracá, 187, CEP 31110-580 Belo Horizonte-MG. Correio
3

eletrônico: amazile@labm.com.br
4
Químico, Dr., Prof. Tit. UFMG - Faculdade de Farmácia - Depto Alimentos, Av. Olegário Maciel, 2.360 - Cidade Jardim, CEP 30180-112 Belo
Horizonte-MG. Correio eletrônico: dlnufmg@dedalus.lcc.ufmg.br

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50 Agronegócio da cachaça

sição de algumas macromoléculas da ma- ríngico, já foram identificados em uísques, infusão como para a confecção dos barris
deira (lignina, celulose e hemicelulose) e a conhaques e vinhos envelhecidos em barris foram secas previamente ao ar livre durante
subsequente incorporação desses produtos de carvalho (PUECH; VISOCKIS, 1986; três a quatro anos.
na bebida; e as reações de compostos da PUECH, 1988; VIRIOT et al., 1993).
madeira com os componentes originais do No Brasil, a aguardente de cana é o Barris
destilado (NISHIMURA; MATSUYAMA, destilado mais consumido entre as be- Foram empregados seis barris de 20
1989; MAIA et al., 1994). bidas alcoólicas nacionais. O hábito de litros, sendo um de cada madeira, com as
Por meio do envelhecimento, podem- envelhecê-la em barris de madeira está seguintes dimensões: 106 cm de diâmetro
se corrigir defeitos da fermentação e da tornando-se uma necessidade para obten- da base, 95 cm de diâmetro de topo, 44
destilação, inclusive melhorando a palata- ção de um produto de melhor qualidade cm de altura (Fig. 1). Os barris de ambu-
bilidade de bebidas destiladas em equipa- e, consequentemente, mais competitivo. rana, jequitibá, jatobá, ipê e bálsamo eram
mentos de aço inoxidável, nas quais estão Muitas madeiras são utilizadas na fabri- novos e não sofreram tratamento térmico
presentes acentuados teores de mercapta- cação de barris e tonéis para o envelheci- durante a confecção. O barril de carvalho
nas. Após estocagem em barris de madeira, mento da aguardente. Contudo, há grande foi confeccionado a partir de pranchas
praticamente não se detectam diferenças carência de informações técnicas sobre recuperadas de barris importados.
significativas entre aguardentes destiladas características, vantagens e desvantagens
em alambiques de cobre e de aço inoxidá- de cada tipo, o que dificulta a produção de
vel (FARIA et al., 1993; CARDELLO et aguardentes de aroma e paladar peculiares
al., 1996; ISIQUE et al., 1996). (LIMA, 1992).
Considerando que o envelhecimento O objetivo deste trabalho é contribuir
é um processo ativo, parâmetros como a para a caracterização dos efeitos de ma-
espécie da madeira, o tamanho e o pré-trata- deiras brasileiras, que têm sido usadas
mento dos barris, as condições ambientais e no armazenamento de bebidas, sobre a
o tempo de envelhecimento irão influenciar composição química da aguardente en-
nas interações entre a bebida e a madeira. O velhecida.
controle dessas variáveis torna-se indispen- Partindo do pressuposto de que os com-
sável para a qualidade do envelhecimento postos fenólicos provenientes das diferentes
(NISHIMURA; MATSUYAMA, 1989; madeiras sejam basicamente os mesmos
encontrados no carvalho, em diferentes

Silvia M. B. C. Dias
CANTAGREL et al., 1990).
No âmbito internacional, a madeira tra- proporções relativas, taninos e derivados da
dicionalmente empregada na fabricação de lignina foram pesquisados e quantificados
barris é o carvalho (adotado para envelhe- em extratos hidroalcoólicos e em aguarden-
cimento do uísque, conhaque, vinhos etc.). tes armazenadas em barris de amburana,
Figura 1 - Modelo de barril de madeira
Existe farta literatura sobre o efeito das bálsamo, jequitibá, jatobá e ipê. utilizado para o envelhecimen-
diferentes espécies de carvalho (Quercus to da aguardente de cana
sp.) na qualidade das bebidas envelheci- Material
das (PUECH, 1981; SINGLETON, 1981;
Aguardente de cana Pedaços de madeira
NISHIMURA; MATSUYAMA, 1989;
ARTAJONA et al., 1990; LAVERGNE et Foram usados 120 litros de aguardente Pedaços das diferentes madeiras com
al., 1990; PUECH et al., 1990; RABIER; de cana-de-açúcar recém-destilada, de um 5 cm de largura, 2 cm de espessura e 12
MOUTOUNET, 1990; SARNI et al., mesmo lote, e caracterizada quanto aos pa- cm de comprimento foram usados para o
1990a; MAGA, 1996). râmetros físico-químicos estabelecidos pela preparo dos extratos hidroalcoólicos. Peças
Entre os componentes oriundos do legislação brasileira (BRASIL, 1986). de carvalho foram obtidas da região de
envelhecimento em carvalho, os taninos Tronçois, na França, com dimensões iguais
e os derivados da lignina são considera- Madeiras as das outras madeiras.
dos os mais importantes para a evolução Foram utilizados seis tipos de madei-
das características sensoriais de bebidas Métodos
ras: carvalho - Quercus sp.; amburana -
destiladas. Galotaninos e elagiotaninos, Amburana cearensis (Fr. All.) A.C. Smith;
Preparo dos extratos das
assim como numerosos aldeídos e ácidos bálsamo - Myroxylon peruiferum L.F.; jequi- madeiras
fenólicos obtidos da degradação da lignina, tibá - Cariniana estrellensis (Raddi) Kuntze;
como vanilina, siringaldeído, coniferaldeí- jatobá - Hymenaea spp. e ipê - Tabebuia spp. Foram preparados dois tipos de extra-
do, sinapaldeído, ácido vanílico e ácido si- Tanto as madeiras usadas para os testes de tos de madeira. O primeiro ao natural, em
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Agronegócio da cachaça 51

que as peças foram raladas manualmente Análise físico-química da Foi utilizado o sistema dual para de-
(ralador caseiro), homogeneizadas e pas- aguardente tecção no ultravioleta a 280 e 313 nm, no
sadas em tamis com malha de 0,84 mm. Amostras de aguardente de cana recém- qual os valores de comprimento de onda e
No segundo tipo, as peças de madeiras destilada e após cinco meses de estocagem absorvância foram monitorados indepen-
foram submetidas a aquecimento prévio em barris de madeira foram analisadas dentemente. Os dados do cromatograma
de 180oC, durante duas horas, antes de ser são emitidos em ambos os comprimentos
quanto aos parâmetros físico-químicos:
raladas e passadas em tamis. Duas gramas de onda, por meio das relações em que
grau alcoólico, extrato seco, acidez volá-
das madeiras assim preparadas, ao natural e se obtém uma média das absorvâncias
til, álcoois superiores, aldeídos, ésteres e
aquecidas, foram maceradas em 100 mL de (SHIMADZU..., 1991).
álcool metílico, de acordo com os métodos
solução hidroalcoólica a 50oGL sob agita- recomendados pelo Ministério da Agricul- Preparo das amostras
ção (agitador/incubadora, New Brunswick tura (BRASIL, 1986).
Scientific Co. Inc, N.J. - EUA) a 150 rpm, Extratos das madeiras
durante 24 horas (SARNI et al., 1990b). Avaliação da cor
Os extratos das madeiras foram filtra-
Em seguida, os extratos foram passados A intensidade da cor nos extratos de dos em membrana com diâmetro dos poros
em papel filtro e armazenados em frascos madeira e nas aguardentes estocadas durante de 0,45 µm (Millipore) e as alíquotas foram
de vidro à temperatura ambiente até serem dois e seis meses foi determinada utilizando injetadas diretamente no cromatógrafo.
submetidos a análises cromatográfica e de colorímetro Héllege e discos-padrão Euro-
intensidade de cor. pean Brewery Convention (EBC). Aguardente de cana envelhecida
Alíquotas da aguardente de cana enve-
Estocagem da aguardente Dosagem de compostos
fenólicos lhecida foram coletadas com dois, quatro
em barris de madeira
e seis meses de estocagem em barris das
Os barris utilizados para o enve- Foram dosados taninos (ácidos gálico diferentes madeiras. As amostras foram
lhecimento tiveram, como tratamento e elágico) e produtos da degradação da previamente filtradas em membrana com
prévio, o armazenamento, durante cinco lignina: aldeídos (siringaldeído, sinapal- diâmetro dos poros de 0,45 µm (Millipore)
deído, vanilina e coniferaldeído) e ácidos e injetadas diretamente no cromatógrafo.
meses, de uma aguardente de cana que
(vanílico e siríngico) na aguardente esto-
foi posteriormente desprezada. Após este
cada durante dois, quatro e seis meses nos Resultados e Conclusão
período, foram esvaziados e secos com
barris das diferentes madeiras e nos extra-
ar comprimido e adicionada a aguardente Entre os compostos fenólicos pesqui-
tos ao natural e com madeira aquecida. A
recém-destilada. sados nos extratos das madeiras, cada uma
metodologia empregada foi com base nos
A aguardente foi armazenada durante trabalhos desenvolvidos por Delgado et apresentou predominância de um a três
seis meses, nos diferentes barris, em cô- al. (1990), Sarni et al. (1990b) e Office... constituintes:
modo com pouca iluminação e temperatura (1994). Utilizou-se cromatógrafo a líquido a) siringaldeído e ácido elágico no
entre 19oC e 25oC. A umidade relativa do de alta eficiência, marca Shimadzu, modelo jatobá;
ar variou de 67% a 80%. LC-10AD, com duas bombas Shimadzu b) ácidos vanílico e siríngico e conife-
Aos cinco meses de envelhecimento, LC-10AD, detector UV-Visível Shima- raldeído no ipê;
alíquotas de aguardente de cada barril fo- dzu SPD-10AV, e processador de dados c) ácidos vanílico e gálico no jequitibá;
ram coletadas para a realização das análises C-R7A Cromatopac Shimadzu, coluna d) siringaldeído, vanilina e ácido elá-
físico-químicas, as mesmas realizadas na HRC-ODS C18, 5 µm, 250 x 4,6 mm Shi- gico no bálsamo;
aguardente recém-destilada antes de ser madzu e pré-coluna C18 (Shimadzu). O e) sinapaldeído e ácido vanílico na
armazenada em barris de madeira5. sistema de injeção foi manual com loop de amburana;
Aos dois, quatro e seis meses de ar- 20 µL, fluxo de 1,1 mL/min e sistema gra- f) ácidos gálico e elágico no carvalho.
mazenamento, coletaram-se alíquotas da diente de eluição à temperatura ambiente
Os constituintes químicos identificados
aguardente dos diferentes barris e deter- (23,0 ± 1oC). As fases móveis foram:
nos extratos são mais representativos da
minados os teores de compostos fenólicos a) ácido acético a 2% em água; composição original de cada madeira, mas
presentes em cada um. b) ácido acético a 2% em metanol. não refletem, necessariamente, nos efeitos

5
Verificar neste artigo o item: Dosagem de compostos fenólicos.
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sobre a aguardente envelhecida em barris a) siringaldeído no jatobá; aguardente substâncias características. Pela
específicos. A incorporação de compostos b) ácido siríngico no ipê; utilização do procedimento cromatográfico
da madeira à aguardente, pelo contato c) ácido vanílico no jequitibá; desenvolvido, é possível fazer a diferen-
com os barris, é muito mais lenta que a d) vanilina no bálsamo; ciação entre aguardentes envelhecidas e
observada na obtenção dos respectivos e) sinapaldeído na amburana. não envelhecidas, assim como identificar
aquelas com aparência de envelhecidas
extratos. Além disso, ao longo do período O tratamento térmico da madeira resul-
mas que, na realidade, foram adicionadas
de estocagem, ocorrem oscilações nas tou em aumento nos teores de derivados
de ingredientes como corante de caramelo
concentrações dos compostos predomi- da lignina e do ácido elágico no extrato de
ou essência de baunilha.
nantes, relacionadas com o processo do carvalho, o que justifica o emprego deste
Na aguardente envelhecida em barris,
envelhecimento. recurso no preparo dos barris dessa ma-
os resultados evidenciaram que:
deira. No entanto, efeitos diversos foram
Comparativamente ao carvalho, cha- a) todas as madeiras acarretaram aumen-
constatados para as madeiras nacionais,
mam especial atenção os baixos teores to nos teores de extrato seco e com-
evidenciando que cada tipo reage de modo
de taninos (ácidos gálico e elágico) en- ponentes secundários provenientes da
peculiar às condições do pré-tratamento
contrados nos extratos das madeiras na- (aquecimento, queima, exposição a agen- destilação. Os menores acréscimos
cionais. Quanto aos derivados da lignina, tes químicos) que deve ser rigorosamente foram obtidos no barril de jequitibá.
as madeiras nacionais originaram teores ajustado a cada madeira. Entre as madeiras nacionais pesqui-
similares ou superiores aos do carvalho, a Independente da madeira, o envelhe- sadas, a amburana foi a que mais se
saber (Gráfico 1): cimento em barris sempre incorpora à aproximou dos valores obtidos com
mg/L

mg/L

Carvalho Amburana
mg/L

mg/L

Bálsamo Jequitibá
mg/L

mg/L

Jatobá Ipê

Gráfico 1 - Compostos fenólicos nos extratos de diferentes madeiras ao natural


NOTA: A.Ga – Ácido gálico; A.El – Ácido elágico; A.Va – Ácido vanílico; A.Sir – Ácido siríngico; Sir – Siringaldeído; Van – Vanilina;
Con – Coniferaldeído; Sin – Sinapaldeído.

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Agronegócio da cachaça 53

barris de carvalho (Gráficos 2 e 3);


b) com o tempo de estocagem, a cor da
aguardente intensificou-se em todos
os barris, exceto no de jequitibá, que

Extrato seco (g/L)


praticamente se apresentou incolor. Nos
barris de bálsamo, jatobá e carvalho, a
aguardente adquiriu coloração amare-
lo-dourada e nos de amburana e ipê,
avermelhada (Fig. 2).
Os resultados obtidos representam o Recém-destilada Jequitibá Bálsamo Jatobá Ipê Carvalho Amburana
início da caracterização dos efeitos de
madeiras nativas sobre o envelhecimento Gráfico 2 - Extrato seco (g/L) na aguardente recém-destilada e nas frações estocadas em
barris de diferentes madeiras
de uma bebida nacional. Neste campo,
as informações da literatura são ainda
extremamente precárias e insuficientes.
Há necessidade, portanto, de aprofundar
os estudos. A metodologia desenvolvida é
secundários (g/100 mL a.a.)
Soma de componentes

um ponto de partida relevante. Na conti-


nuidade dos trabalhos, destacam-se, entre
outras, as seguintes possibilidades:
a) estabelecimento de perfis característi-
cos para a identificação de cada tipo de
madeira usado para o envelhecimento,
com base nos teores dos componentes
fenólicos predominantes; Recém-destilada Jequitibá Bálsamo Jatobá Ipê Carvalho Amburana
b) mistura de aguardentes com diferentes
Gráfico 3 - Soma de componentes (g/100 mL de a.a.) na aguardente recém-destilada e
idades (tempos de envelhecimento), a nas frações estocadas em barris de diferentes madeiras
fim de obter efeitos mais finos sobre
NOTA: a.a. - Álcool anidro.
as características organolépticas da
bebida;
c) estudo da associação de diferentes ma-
deiras na confecção de cada barril para
obter o efeito de cor pretendido, assim
como padrões sensoriais peculiares,
eventualmente similares aos propicia-
dos pelos barris de carvalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Sílvia M. B. C. Dias

O tratamento térmico da madeira resul-


tou em aumento nos teores de derivados Jequitibá Carvalho Jatobá Bálsamo Amburana Ipê

da lignina e do ácido elágico no extrato de Figura 2 - Coloração das frações de aguardente estocadas durante 6 meses em dife-
carvalho, o que justifica o emprego deste rentes barris
recurso no preparo dos barris dessa ma-
deira. No entanto, efeitos diversos foram REFERÊNCIAS de-vie traditionnelles d´origine viticole. Pa-
constatados para as madeiras nacionais, ris: Lavoisier, 1990. p.197-205.
evidenciando que cada tipo reage de modo ARTAJONA, A.; BARBERO, E.; BOBET, M.;
peculiar às condições do pré-tratamento MARCO, J.; PARENTE, F. Influence du “bou- BÔSCOLO, M.; LIMA NETO, B.S.; FRANCO,
(aquecimento, queima, exposição a agen- sinage” de la barrique sur les qualités orga- D.W. O envelhecimento de aguardente de cana-
tes químicos) que deve ser rigorosamente noléptiques des brandies vieillis en fûts de de-açúcar em tonéis de madeira. Revista Técni-
ajustado a cada madeira. chêne. In: BERTRAND, A. (Ed.). Les eaux- ca de Bebidas e Alimentos, v.6, p.30-33, 1995.

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Agronegócio da cachaça 55

Alguns aspectos toxicológicos da cachaça 1

Helmuth G. L. Siebald 2
Marcus H. Canuto 3
José Bento Borba da Silva 4

Resumo - Alguns aspectos toxicológicos da cachaça são apresentados, com base nas
normas internacionalmente aceitas na legislação brasileira em vigor e nos teores mé-
dios encontrados experimentalmente em cachaças industrializadas e artesanais. Essas
descrições visam identificar a toxicologia das espécies químicas, separadas arbitra-
riamente em substâncias, fazendo parte das frações inorgânica e orgânica. Destaques
da fração inorgânica são os íons metálicos cádmio, chumbo, estanho e mercúrio, e da
fração inorgânica, o metanol, o formaldeído e o carbamato de etila ou uretano. São
fornecidas as RDAs, os índices tóxicos e os efeitos causados pelo excesso e pelo déficit
da ingestão destes. As cachaças brasileiras, de origem industrial ou artesanal, estão de
modo geral dentro dos padrões sanitários nacionais, porém ligeiramente acima dos
padrões internacionais, com a exceção do carbamato de etila, que é excessivamente
elevado. Mesmo assim, a apreciação moderada da bebida não atenta contra a saúde do
consumidor.

Palavras-chave: Aguardente de cana. Metais pesados. Fração inorgânica. Fração orgânica.

INTRODUÇÃO álcoois, como etanol (o álcool de beber); nhecida. Deve-se considerar também que
metanol, álcoois superiores, como álcool a constituição dela varia de acordo com a
Em virtude da complexidade da com-
isoamílico; isobutanol; aldeídos, como região e com a metodologia empregada na
posição química da cachaça, assim como
a de qualquer outra bebida destilada e em formaldeído, acetaldeído; furfural; ácidos elaboração da bebida.
geral de qualquer alimento, esta pode ser carboxílicos, como ácido acético (respon- O íon metálico é uma espécie química
dividida, para fins de estudo, em duas sável pelo sabor e o cheiro do vinagre); formada a partir de um metal, o qual possi-
porções: a fração inorgânica e a fração or- ésteres, como acetato de etila (cheiro de bilita que esse possa dissolver-se na bebida,
gânica. Entende-se por fração inorgânica, frutas), caprilato de etila (cheiro de aba- podendo ser ingerido e metabolizado pelos
aquela constituída principalmente por íons caxi); carbamato de etila; cetonas, como organismos biológicos. Íons metálicos, de
metálicos, tais como: alumínio, cádmio, acetona; compostos sulfurados (aqueles modo geral, estão presentes em todo o tipo
cálcio, chumbo, cobalto, cobre, cromo, que contêm enxofre), como dimetilsulfe- de alimento, na água e em outras bebidas.
estanho, ferro, lítio, magnésio, manganês, to. Essas são apenas algumas das muitas A existência de metais presentes nos ali-
mercúrio, níquel, potássio, sódio, zinco; e espécies químicas encontradas na cachaça. mentos pode causar desassossego, pelo fato
por fração orgânica, aquela que contém: A composição química completa não é co- de este tema estar sendo extremamente de-

Artigo publicado anteriormente no Informe Agropecuário. Cachaça artesanal de Minas, v.23, n.217, p.59-62, 2002, atualizado para esta
1

edição.
Químico, Ph.D., Prof. Associado UFMG-ICEx - Depto Química, Av. Antônio Carlos 6.627 - Campus Pampulha, CEP 31270-901 Belo
2

Horizonte-MG. Correio eletrônico: hsiebald@ufmg.br


Odontólogo, M.Sc., Prof. UFVJM - Depto Ciências Básicas, Rua da Glória 152, CEP 39100-187 Diamantina-MG. Correio eletrônico:
3

quimcanuto@yahoo.com.br
Engo Agro, Ph.D., Prof. Associado UFMG-ICEx - Depto Química, Av. Antônio Carlos, 6.627 - Campus Pampulha, CEP 31270-901 Belo
4

Horizonte-MG. Correio eletrônico: bentojb@terra.com.br

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56 Agronegócio da cachaça

batido na mídia. Entretanto, uma boa parte que são reconhecidamente tóxicos como: excesso no corpo, substitui outros metais
desses metais é indispensável nos inúmeros cádmio, chumbo, estanho, mercúrio, tálio nas metaloenzimas, causando a interrupção
processos metabólicos e sua carência ou (SILVESTRE, 1998). do curso normal do metabolismo. Provoca
excesso causa sérios distúrbios à saúde, No Quadro 1 estão relacionadas as efeitos adversos no coração, sangue e rins.
podendo chegar a provocar a morte, se as funções, as disfunções, os índices de toxi- Suspeita-se que é um agente carcinógeno
concentrações corretas não forem restabe- cidade e as ingestas diárias recomendadas para os pulmões.
lecidas oportunamente. Outrossim, a fração e adequadas dos metais essenciais. Os microminerais não-essenciais são
orgânica da cachaça contém substâncias Pode-se observar que os microminerais os mais tóxicos e dentre estes podemos
que podem ser classificadas como desejá- essenciais, mesmo que sejam importantes destacar o cádmio, o qual pode ser encon-
veis e não-desejáveis do ponto de vista da nos processos biológicos, são tóxicos trado em vegetais de folhas (o absorvem do
aceitação degustativa, já que são responsá- quando ingeridos em concentrações solo), grãos maduros, água de esgoto, fer-
veis pelo cheiro e pelo sabor da bebida; e relativamente elevadas. Apesar de não tilizantes, água do lençol freático e soldas.
como tóxicas e atóxicas do ponto de vista existir dados sobre o índice de toxicidade Atualmente, as pessoas involuntariamente
da saúde. Cabe destacar que nem sempre do cobalto, este elemento é naturalmente ingerem e inalam em torno de 20 a 40 mg/d
as substâncias consideradas desejáveis são encontrado em pequenas quantidades em desse mineral, mas apenas 5% a 10% são
atóxicas mas podem ser ingeridas mesmo alguns alimentos, nos fertilizantes à base absorvidos. Os órgãos mais afetados são
assim, desde que as concentrações não de fosfato, no tabaco (em torno de 0,0002 os rins e os pulmões. Os testículos sofrem
ultrapassem certos limites, isto é, devem mg por cigarro), e é liberado na queima do necrose e cessam de produzir esperma,
estar bem balanceadas na bebida. dentre outros efeitos. Acumula-se parti-
carvão e do óleo. A ingesta excessiva causa
Este artigo enfatiza o aspecto toxicoló- cularmente no fígado e nos rins, causando
asma e pneumonia.
gico das substâncias presentes na cachaça inibição enzimática.
O cobre, cuja presença na cachaça
O chumbo encontra-se na crosta ter-
e faz menção ao aspecto benéfico, quando deve-se principalmente ao uso desse metal
restre e, por isso, contamina os vegetais
necessário. em certos alambiques, causa hemólise,
de folha verde e a água do subsolo. Os
vômito, irritação gastrointestinal, diarreia,
FRAÇÃO INORGÂNICA dejetos urbanos contêm altas concentra-
convulsão e sérias disfunções hepáticas.
ções provenientes da atividade industrial,
Na cachaça e nos alimentos em geral, É o único metal cujo teor na cachaça é
o sistema de exaustão dos veículos, as
podem ser encontrados variados metais determinado por lei (BRASIL, 1974), que
tintas, as baterias, as soldas são fontes de
na forma de íons metálicos que são co- estipula o teto máximo de 5 mg/L (IMA,
contaminação por chumbo. A intoxicação
mumente denominados minerais. Estes 2005). Mas estão na mira da legislação, o
por chumbo afeta o sangue, o sistema
podem ser agrupados em macrominerais, controle de chumbo e arsênio, com teores digestivo, o sistema nervoso central, o
aqueles que são requeridos em grandes máximos permitidos de 200 mg/L e 100 sistema cardiovascular, o sistema renal e
quantidades pelo organismo humano, mg/L, respectivamente. o sistema hepático. Acumula-se no fígado
como, por exemplo, sódio, potássio, cál- O cromo, em excesso, causa irritações e nos rins.
cio, magnésio; e micro ou traçominerais, na pele e nas mucosas internas, provocan- O mercúrio, o principal poluente do
aqueles que são necessários em pequenas do úlceras, efeitos adversos nos rins e no meio ambiente é o metilmercúrio que é ori-
quantidades, como por exemplo: ferro, zin- fígado, além de ser carcinógeno. ginado da atividade industrial. Este produto
co, cobre, manganês, molibdênio, cromo, O manganês está presente nos aços, pode causar a morte se ingeridas em torno
lítio (BOGDEN; KLEVAY, 2000). Ainda, nas baterias secas, nos fertilizantes e 200 mg. Apesar da alta toxicidade, conti-
de acordo com a importância nos processos pesticidas e nas regiões de mineração. A nua a ser utilizado em amálgamas dentárias
metabólicos, podem ser classificados como ingestão oral e por via respiratória causa de ouro, cobre e zinco. O processo de
essenciais, ou seja, vitais para o funciona- danos irreversíveis ao sistema nervoso, extração de ouro utiliza o mercúrio, que é
mento do organismo, como por exemplo: interrompe os canais de cálcio, e faz cair evaporado posteriormente para recuperar
cálcio, cobalto, cobre, ferro, magnésio, os níveis de dopamina no sistema nervoso o metal precioso. Esses vapores espalham-
manganês, molibdênio, potássio, sódio, central, apresentando sintomas parecidos se pelo meio ambiente, contaminando a
zinco; e como não-essenciais, aqueles com o mal de Parkinson. terra, a água, os animais, os vegetais etc.
para os quais se desconhece a participação O níquel é liberado na atmosfera na Causa edema pulmonar, fibrose, encefalite,
em funções biológicas essenciais, porém queima dos derivados do petróleo e na cegueira, paralisia, neurite e desintegração
necessários, como o cromo e o níquel ou incineração de lixo urbano. Uma vez em de tecidos.
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Agronegócio da cachaça 57

QUADRO 1 - Algumas funções, disfunções, índices tóxicos e ingestas diárias recomendadas e adequadas de metais essenciais

Metal Funções biológicas RDA AI Efeito do Efeito do Índice tóxico


(mg/d) (mg/d) consumo excessivo déficit (mg/kg)

Ca Coagulação sanguínea 1.200 Cálculo renal Problemas musculares e ner- 40


vosos
Contração muscular Arteriosclerose Raquitismo
Transmissão nervosa Catarata Hipertensão
Formação dentária e esquelética Insuficiência renal

Co Formação de células vermelhas ND Cancerígeno Anemia ND


no sangue

Cu Componente de numerosas enzimas 0,9 Disfunção do fígado Anemia 0,2


Coadjuvante na produção de hemo- Hemólise Neutropenia
globina
Absorção de ferro Convulsões/Coma Desmineralização óssea
Doença de Wilson

Cr Tolerância à glicose (GTF) 0,03 Carcinógeno Deficiência no metabolismo ND
Disfunções hepáticas e renais da glicose

Fe Transporte de oxigênio 8 Necrose do fígado Anemia 190


Produção de energia Hipoglicemia Dificuldade respiratória
Tônus muscular Falência renal Prisão de ventre

Mg Metabolismo celular 420 Falência renal Hipertensão ND


Síntese de proteínas Perda de sensibilidade Arritmia
Transmissão de sinais nervosos Osteoporose
2,3
Mn Componente enzimático Mal de Parkinson Ataxia 0,2
Metabolismo da glicose Distúrbios na psique Vertigem/Perda de audição

Mo Componente enzimático 0,05 Gota deficiente Baixa concentração de áci- ND


Absorção de cobre do úrico na urina

Ni Ativador e inibidor de enzimas 0,5 Danos aos cromossomas e Alteração do metabolismo ND


Produção de hormônios atividade enzimática do cálcio e da vitamina B12

K Condutor de impulsos nervosos 2.000 Parada cardíaca Espasmos musculares >100


Pressão sanguínea Hipoglicemia

Na Transmissor nervoso 500 Asma Diarreia >16


Balanço ácido-base Câncer gástrico Falência dos rins
Hipertensão

Zn Componente enzimático 11 Imunodepressão Fadiga 95


Crescimento de células Vertigem Perda de cabelo
Problemas gástricos Dermatite
Arteriosclerose

FONTE: Estados Unidos (1989).
NOTA: RDA - Ingesta diária recomendada = Recommended Dietary Allowance, adultos entre 20 e 70 anos, peso 78 kg para homens e 62 kg
para mulheres; AI - Ingesta diária adequada = Adequate Intakes; ND - Não há dados disponíveis ou confiáveis.

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58 Agronegócio da cachaça

O estanho encontra-se em plásticos, portados, estão de acordo com a legislação deído. O teor máximo de aldeídos totais
dentifrícios, desfolhantes e soldas. Provoca brasileira vigente. permitidos pela legislação vigente (BRA-
danos renais, edema cerebral, distúrbios SIL, 1974) é de 0,030 g/100 mL de álcool
psicomotores, alucinações e comportamen- FRAÇÃO ORGÂNICA anidro. A legislação brasileira (BRASIL,
to psicótico. No Quadro 2, mostram-se os 1974) permite um teor máximo de 0,25
A fração orgânica da cachaça está
teores dos metais encontrados em cachaças mL/100 mL de álcool anidro. O uretano é
constituída por uma grande quantidade
considerado um agente carcinógeno, mas
e destilados importados. de espécies que estão relacionadas no
há muita controvérsia a respeito, pois não
Pode-se observar que os metais consi- Quadro 3. Devemos destacar, do ponto
existem estudos conclusivos. O Ministério
derados muito tóxicos como o cádmio e o de vista toxicológico, o formaldeído ou da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
mercúrio não foram detectados em níveis formalina, o metanol e o carbamato de (MAPA), por meio da Instrução Normativa
de mg/L, e que o chumbo, o zinco e o cobre etila ou uretano. O formaldeído é irritante no 13, de 29 de junho de 2005, aprovou o
foram achados em baixas concentrações. das mucosas do aparelho digestivo e ataca novo regulamento técnico para fixação dos
Observa-se que, embora nas amostras as células cerebrais e nervosas, podendo padrões de identidade e qualidade para a
de cachaça analisadas os teores de cobre causar cegueira e cefaleia. O metanol, uma aguardente de cana e para a cachaça. Foi
sejam maiores que os dos destilados im- vez no corpo, é transformado em formal- estabelecido neste regulamento o limite

QUADRO 2 - Teores metálicos em cachaças e destilados importados, em mg/L


Cachaça Li Na K Mg Ca Cr Mn Fe Co Ni Cu Zn Pb

Tipo a 0,075 10,2 8,64 9,60 9,60 0,060 0,032 0,267 0,022 0,104 1,67 0,137 0,092
Tipo b 0,044 6,72 3,05 11,2 9,21 0,012 0,053 0,353 0,035 0,115 4,40 0,151 0,059
Tipo c 0,030 3,87 5,07 5,20 12,6 0,016 0,033 0,113 0,028 0,115 5,01 0,126 0,036
Tipo d 0,065 3,60 5,70 5,95 14,2 0,019 0,022 0,190 0,024 0,120 1,64 0,130 0,250

FONTE: Nascimento et al. (1999).


NOTA: Tipo a - Exportação; Tipo b - Industrializada; Tipo c - Artesanal; Tipo d - Destilados importados (uísque, rum, vodca, pisco etc.).

QUADRO 3 - Toxicidade e efeitos de algumas espécies da fração orgânica encontradas em cachaça


Ponto de
Espécie DL50/g/kg Algumas propriedades
ebulição/ºC
Formaldeído 0,26 - 19,5 Carcinogênica, irritante
Acetaldeído 1,930 21 Narcótica, odorífera, fornece sabor
n-butiraldeído 5,89 74,8 Narcótica, irritante
Benzaldeído 1,000 179 Narcótica, odorífera (cheiro de amêndoas), fornece sabor, provoca dermatite
Valeraldeído 4,6 102 Irritante moderado, fornece sabor
Furfural 0,127 161,8 Provoca dor de cabeça, irritante, odor desagradável
Acetona 6,6 56,5 Provoca dor de cabeça, fadiga etc.
Acetato de etila 10,1 77 Cheiro de frutas
Caprilato de etila 0,02596 207 Cheiro de abacaxi
Carbamato de etila - 180 Carcinogênico, sabor salino
Dimetilsulfeto - 36,2 Odor desagradável
Metanol 100 mL fatal 64,7 Provoca dor de cabeça, cegueira
Propanol 1,87 97,2 Ação depressiva, irritante para os olhos e mucosas
Isobutanol 2,46 108 Irritante, fraca como espécie odorífera
Álcool isoamílico 5,75 128,5 Cheiro desagradável, sabor repulsivo, provoca dor de cabeça, náuseas
Ácido acético 3,53 118 Cheiro forte, desagradável. Causa corrosão dos tecidos orgânicos
Ácido caprílico 10,080 239,7 Cheiro ligeiramente desagradável, sabor râncido
Ácido cáprico 0,129 270 Cheiro râncido
Ácido láurico 0,131 225 Cheiro leve
NOTA: DL50 - Dose letal para 50% da matéria viva. Via oral em ratos.

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Agronegócio da cachaça 59

máximo de carbamato de etila em 150 risco a sua saúde. Diante do elevado teor ária e Abastecimento. Instrução Normati-
mg/kg. Este limite é o mesmo adotado de uretano, cabe destacar que a toxicidade va no 13, de 29 de junho de 2005. Aprova
e Regulamento Técnico para Fixação dos
pelos países importadores de cachaça que desta substância não foi ainda demonstrada
Padrões de Identidade e Qualidade para
tem seus regulamentos para bebidas des- inequivocamente, mas isto deve preocupar Aguardente de Cana e para Cachaça. Diário
tiladas com base na legislação canadense no tocante à comercialização internacio- Oficial [da] República Federativa da Bra-
(BRASIL, 2005). Infelizmente a cachaça nal, pois há uma campanha para diminuir sil, Brasília, 30 jun. 2005. Seção 1, p.3.
está entre as bebidas que possuem teores drasticamente o teor de uretano também ESTADO UNIDOS. National Research
situados na faixa de 350 a 1.000 mg/kg, dos alimentos como queijo e iogurte. Faz- Council. Food and Nutritional Board. Re-
um valor elevado se comparado com o se mister então a necessidade de efetuar comended dietary allowances. 10. ed. Wa-
teto de 150 mg/kg. Vale acrescentar que shington, 1989. 284 p.
o controle químico de forma eficiente e
esta Instrução Normativa fixou um prazo regular, para que a “malvada” adquira IMA. Portaria no 738, de 7 de novembro de
de 5 anos para os produtores se adequarem 2005. Baixa o Regulamento de Produção de
padrão de bebida internacional.
Cachaça em Processo de Alambique e dá
à norma, de forma que a cobrança só ocor-
Outras Providências. Belo Horizonte, 2005.
rerá legalmente a partir de 30 de junho de REFERÊNCIAS Disponível em: <http://www.ima.mg.gov.br>.
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2000. TRO, L.R.; LIMA NETO, B.S.; FRANCO,
Embora a cachaça industrializada ou
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artesanal apresente, de modo geral, teores and other international spirits. Journal of
no 371, 1974. [Complementação de padrões
de substâncias tóxicas um pouco acima de identidade e qualidade para destilados Food Composition and Analysis, v.12, n.1,
das bebidas internacionais destiladas, um alcoólicos]. Diário Oficial [da] República p.17-25, Mar. 1999.
apreciador moderado, que consome cerca Federativa do Brasil, Brasília, 17 jul. 1974. SILVESTRE, A.A. Toxicología de los alimen-
de 120 mL por dia, não está colocando em BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecu- tos. Buenos Aires: Hemisferio Sur, 1998.

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60 Agronegócio da cachaça

Diferenciação físico-química de cachaça produzida


em alambiques de cobre, processo artesanal,
e colunas de aço inox, processo industrial
Helmuth G. L. Siebald 1
Rodinei Augusti 2
Patterson P. de Souza 3

Resumo - Desenvolvimento de um método físico-químico de análise, que permite di-


ferenciar inequivocamente uma cachaça obtida por destilação em alambique de cobre
em bateladas, dita artesanal, duma outra obtida por destilação em coluna de aço inox,
em processo contínuo, dita industrializada. A técnica desenvolvida utiliza um único
equipamento, a amostra não é pré-tratada (digerida) e é rápida (em torno de 1 minuto);
consiste na obtenção da “impressão digital” da bebida por meio do espectrômetro de
massas. Neste caso utilizou-se um tipo muito mais avançado, de última geração, espec-
trometria de massas com Ionização Electrospray (ESI(-)-MS) que permitiu detectar um
indicador químico que não existe nas cachaças obtidas em alambiques de cobre, o qual
foi utilizado como diferenciador químico denominado ânion de diagnóstico ou espécie
de diagnóstico.

Palavras-chave: Aguardente de cana. Processo artesanal. Processo industrial. ESI(-)-MS.


Espectrometria de massas. Electrospray. Impressão digital.

INTRODUÇÃO algo raro e a grande maioria dos produtores Gerais, no qual o rol econômico e social
de cachaça de alambique possui produção da empresa da bebida artesanal mineira é
A cachaça, após o processo de fermen-
de até 100 mil L/ano. elevado, já que se caracteriza por projetos
tação, pode ser destilada em alambiques de
cobre, no caso da cachaça artesanal, ou ser Minas Gerais é o maior produtor de integrados com outras atividades, como a
destilada em colunas de aço inox, no caso cachaça de alambique do Brasil, sendo bovinocultura de leite ou de corte e produ-
da cachaça industrial. É verdade que esta que a cachaça artesanal mineira possui ção de adubo orgânico. Nesta concepção,
terminologia artesanal x industrial requer um alto valor agregado. Por razões tanto o bagaço, a ponta de cana e o vinhoto são
uma discussão mais aprofundada, visto de marketing quanto econômicas, o esta- usados na alimentação do gado no período
que, uma produção próxima de 1 milhão de belecimento das diferenças entre os dois seco do ano, quando as pastagens são defi-
litros por ano (caso de alguns alambiques tipos de bebidas faz-se necessário, sendo cientes. O período coincide com o da safra
no Nordeste do País) perde a conotação de importante para os produtores de cachaça de cana, quando os pecuaristas passam a
produção artesanal. Por outro lado, uma artesanal. Trata-se de uma velha reivindica- contar com os subprodutos da fabricação
grande produção em alambiques de cobre é ção do setor produtivo do estado de Minas do destilado. Isto proporciona maior esta-

Químico, Ph.D., Prof. Associado UFMG-ICEx - Depto Química, Av. Antônio Carlos 6.627 - Campus Pampulha, CEP 31270-901 Belo Horizonte-
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MG. Correio eletrônico: hsiebald@ufmg.br


Químico, Ph.D., Prof. Associado UFMG-ICEx - Depto Química, Av. Antônio Carlos 6.627 - Campus Pampulha, CEP 31270-901 Belo Hori-
2

zonte-MG. Correio eletrônico: augusti@ufmg.br


Químico, Ph.D., CEFET-MG - Depto Química, Av. Amazonas 5.253 - Nova Suiça, CEP 30480-000 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
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patterson@des.cefetmg.br

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Agronegócio da cachaça 61

bilidade da mão-de-obra, pois o período Curvelo, Ouro Preto, Diamantina, Salinas de cachaças artesanais não envelheci-
de produção coincide com a entressafra e municípios vizinhos de Belo Horizonte, das. Cada linha representa uma espécie
de outras culturas, o que evita o êxodo da e outras adquiridas no comércio local. O química. Os números que aparecem na
população rural para os saturados grandes interessante é que a técnica dispensa a parte de cima das linhas podem ser inter-
centros urbanos, aumentando os problemas cromatografia e a amostra é introduzida pretados como sendo a massa da espécie
sociais daí decorrentes. sem tratamento prévio e sem separar nem química em questão, que é justamente o
Outrossim, o setor produtivo de cachaça concentrar os analitos, já que é bastante
que diferencia uma espécie da outra. E,
destilada em processo contínuo em colunas sensível e, se não for suficiente, basta
finalmente, a altura da linha representa a
introduzir várias injeções seguidas, fican-
de aço inox alega que a bebida assim obtida quantidade relativa ou abundância de uma
do o aparelho em condições de somar os
e a destilada em alambiques de cobre em espécie em relação a outra qualquer. Por
espectros de massas. Obtém-se, assim, um
bateladas são o mesmo produto. Qualquer ser a cachaça uma matriz complexa apre-
espectro de boa qualidade. Dito de outra
que seja a argumentação, esta polêmica senta uma quantidade elevada de espécies
maneira, a amostra é injetada no aparelho
ocorre por não existir uma diferenciação químicas. O Gráfico 1 representa apenas
diretamente da garrafa. Outra grande van-
físico-química bem alicerçada. Por esta tagem é que a manipulação toma apenas uma pequena parte dos espectros obtidos,
razão e iniciativa de alguns professores alguns segundos e o volume é de apenas 10 porém trata-se da parte mais significativa
- pesquisadores de algumas universida- microlitros, isto é, 10 milionésimos de litro que levou a fazer a diferenciação. Pode ser
des federais do estado de Minas Gerais, é uma quantidade suficientemente elevada destacado que todos os espectros obtidos
Universidade Federal de Minas Gerais para realizar medidas. A dificuldade reside para 35 amostras de cachaça artesanal
(UFMG), Universidade Federal de Ouro na leitura e interpretação do espectro obti-
mineira exibem como sendo as espécies
Preto (UFOP), Universidade Federal de do, mas, uma vez que esta etapa é superada,
mais abundantes, aqueles de m/z 143, 171,
Viçosa (UFV), pesquisadores da EPAMIG, a sistematização da técnica torna-se sim-
199, 255, 279, e, um íon menor de m/z 341.
e, representantes do Setor Produtivo da be- ples. A desvantagem é que é uma técnica
essencialmente qualitativa, o que obriga Conseguiu-se caracterizar aqueles de m/z
bida representado pela Associação Mineira
a utilizar a técnica CG-MS e/ou HPLC, 143, 171, 199 como sendo ânions de ácidos
dos Produtores de Cachaça de Qualidade
para a devida quantificação de espécies carboxílicos lineares e saturados contendo
(Ampaq), na época, organizaram a Rede
químicas de interesse. 8, 10 e 12 átomos de carbono, respectiva-
Mineira da Tecnologia da Cachaça, com
O Gráfico 1 mostra o espectro de mas- mente. Para entender melhor, considere
interveniência da Secretaria de Estado de
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de sas do tipo ESI(-)-MS de três amostras que o ácido acético responsável pela maior
Minas Gerais (Sectes-MG), para apoiar e
desenvolver a pesquisa científica na área.
Um dos resultados dessa iniciativa foi
conseguir o apoio financeiro da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais (Fapemig) para execução deste pro-
jeto e reivindicação do setor produtivo pela
diferenciação das duas cachaças.

MÉTODO FÍSICO-QUÍMICO
PARA ANÁLISE
Foram adquiridas cachaças industriali-
zadas, vendidas normalmente no comércio
de Belo Horizonte, escolhidas dentre
marcas já consagradas no mercado junto
com outras menos conhecidas, porém de
origem conhecida, e também amostras de
cachaça artesanal, coletadas nos alambi-
ques localizados em diferentes regiões do Gráfico 1 - Espectros de massas ESI(-)-MS de três cachaças artesanais típicas mineiras
estado de Minas Gerais, a saber: Cláudio, destiladas em alambique de cobre não submetidas a envelhecimento

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parte da acidez e do cheiro avinagrado é ção dos adutos de dissacarídeos (sacarose tico para a sacarose, a linha em m/z 341 e
um ácido carboxílico linear e saturado de por exemplo) é comum na espectrometria sacarose + Cl em m/z 377 e 379. Note-se
dois átomos de carbono. Os ânions de m/z ESI e têm sido propostos (ZHU; COLE, que no espectro ESI(-)-MS da amostra sem
255 e 341 foram caracterizados como o 2001) como resultado de interações não açúcar (Gráfico 2A), os ânions de m/z 341
flavonoide liquiritigenin (fornece sabor covalentes entre o cloreto e os fragmentos e 377/379, os diagnósticos para sacarose
agradável à bebida) e sacarose (açúcar hidroxilas dos dissacarídeos e outras mo- surpreendentemente ainda são dominan-
comum), respectivamente. Ou seja, apesar léculas análogas. tes. A sacarose nesta amostra é certamente
das diferentes regiões geográficas nas quais Dentre as amostras de cachaças in- derivada do mosto fermentado, a qual não
as amostras foram coletadas e onde as con- dustriais examinadas, uma delas não foi foi completamente removida pelo processo
dições do fabrico são menos controladas e adocicada com açúcar, já que foi coletada da destilação. Isto é, uma cuidadosa com-
não padronizadas, os espectros ESI(-)-MS diretamente na destilaria no momento paração entre o espectro de massa de uma
de cada uma das 35 cachaças artesanais são da destilação (Gráfico 2A). O açúcar é cachaça artesanal (Gráfico 1), onde nas
normalmente acrescentado às cachaças espécies de diagnóstico da sacarose não são
muito similares, diferindo apenas no teor
dominantes, e a amostra de cachaça indus-
de cada uma das substâncias. O Gráfico 1 artesanais para melhorar as propriedades
trial sem açúcar (Gráfico 2A), permite dizer
representa a “impressão digital” da cachaça sensoriais, uma prática admitida pela legis-
que os destiladores de aço inox não são tão
artesanal mineira. lação brasileira. Outras amostras, obtidas
eficientes quanto os de cobre na promoção da
O Gráfico 2 mostra três exemplos dos no comércio, são adocicadas e é devida-
degradação da sacarose durante a destilação.
espectros ESI(-)-MS de cachaças indus- mente indicado, nas etiquetas, o acréscimo
Note-se também que as outras espécies de
triais (obtidas por destilação em coluna de açúcar em concentrações de 6 g/L (o
m/z 171 e 255, junto com a espécie de m/z
de aço inox). Em todos os espectros das teor máximo permitido pela legislação
431, são pequenas porém observáveis no
14 amostras examinadas, pode ser notado brasileira vigente). Os Gráficos 2ABC
Gráfico 2A. Resumindo, tanto a cachaça
que existe uma grande predominância das mostram o espectro ESI(-)-MS da amostra
industrial sem açúcar quanto a adocicada
espécies de m/z 341, atribuída à sacarose, não adocicada e duas adocicadas, respec-
mostram impressões digitais muito si-
e m/z 377 e 379, atribuídas à sacarose + tivamente. Tal como esperado, o espectro
milares e quase indistinguíveis espectros
Cl. Esta última espécie é denominada um ESI(-)-MS das amostras adocicadas mostra ESI(-)-MS.
aduto da sacarose com o cloreto. A forma- a predominância das espécies de diagnós- Para verificar se há adição de açúcar
nas cachaças artesanais (procedimento
que os produtores artesanais dizem que
não praticam de modo algum), uma das
amostras de cachaça artesanal foi adoci-
cada com 6 g/L. O espectro ESI(-)-MS
(Gráfico 3) mostra claramente que as es-
pécies de diagnóstico que caracterizam as
amostras de cachaça artesanal ( m/z 143,
171, 199, 255 e 279) são completamente
suprimidas pela adição de açúcar, e, no
lugar, aparecem linhas de grande intensi-
dade em m/z 341 (sacarose), 404 e 431. As
espécies de m/z 404 e 431 são interessan-
tes já que, além de servir como espécies de
diagnóstico, se correspondem com adutos
entre a sacarose e nitrato (NO3-) e oxalato
(C2O42-), isto é, sacarose + NO3 em m/z
Gráfico 2 - ESI(-)-MS de três amostras de cachaças industriais obtidas após destilação
em colunas de aço inox
404 e sacarose + H + C2O4 em m/z 431.
NOTA: Gráfico 2A - Amostras sem acréscimo de açúcar. Gráfico 2B e 2C - Amostras Essas espécies são também detectáveis,
adocicadas tal como obtidas no comércio local. mas com muito menos abundância relati-
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Gráfico 3 - Espectro ESI(-)-MS de uma cachaça artesanal adocicada com açúcar


NOTA: Concentração 6 g/L.

va, que nas amostras de cachaça artesanal os dois tipos de cachaça existentes, ao
genuína (Gráfico 1). Provavelmente os fornecer suporte físico-químico confiável
ânions oxalato são menos eficientemente e reprodutível aos produtores de cachaça
removidos da bebida, após a destilação artesanal. O espectro ESI(-)-MS é repro-
em alambique de cobre. A ausência do dutível, não requer a digestão prévia da
aduto de diagnóstico sacarose + Cl em amostra ou de pré-separação e é muito
m/z 377/379 no espectro ESI(-)-MS, no rápido (menos de 1 min/amostra). Os
Gráfico 3, contrariamente ao observado resultados aqui obtidos podem auxiliar os
no espectro ESI(-)-MS das cachaças produtores na certificação de seu produto
industriais adocicadas e não adocicadas como uma autêntica e comercialmente
(Gráfico 2), pode ser racionalizada pela mais valorizada cachaça de alambique.
formação favorável de complexos de A impressão digital obtida pela espectro-
Cl - e Cu 2+ (gerados na destilação em metria ESI(-)-MS pode ser usada pelos
alambiques de cobre devido à oxidação produtores de cachaça artesanal para
do cobre metálico), tais como CuCl+ e fabricar bebidas dentro de parâmetros de
CuCl2. Ou seja, o Cu2+ pode sequestrar qualidade preestabelecidos e identificar
Cl- da solução e evitar a formação do adu- práticas indesejáveis, tais como adição
to sacarose + Cl. Logo, a relativa grande
de açúcar.
abundância da espécie em m/z 377 e 379
de sacarose + Cl é o ânion de diagnóstico AGRADECIMENTO
das cachaças industriais adocicadas e
não adocicadas e está quase ausente nos Os autores agradecem o apoio financei-
espectros ESI (-)-MS das cachaças de ro da Fundação de Amparo à Pesquisa do
alambique (compare o Gráfico 2 com os Estado de Minas Gerais (Fapemig), para
Gráficos 1 e 3). Dessa forma, a adulteração realização deste trabalho, sob o processo
das cachaças de alambique pelo acréscimo no EDT 2410/05.
de açúcar pode ser rapidamente detectada
por uma simples comparação visual do REFERÊNCIA
espectro ESI(-)-MS entre uma amostra
ZHU, J.; COLE, R. B. Ranking of gas-phase
genuína e amostras falsificadas (Gráficos acidities and chloride affinities of monosac-
1 e 3, respectivamente). charides and linkage specificity in collision-
induced decompositions of negative ion
CONSIDERAÇÕES FINAIS electrospray-generated chloride adducts of
oligosaccharides. Journal of the American
A injeção direta no espectrômetro Society for Mass Spectrometry, v.12 , n.11,
ESI(-)-MS possibilita a diferenciação entre p.1193-1204, Nov. 2001.

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INSTRUÇÕES AOS AUTORES


INTRODUÇÃO Prazos e entrega dos artigos
O Informe Agropecuário é uma publicação seriada, periódica, Os colaboradores técnicos da revista Informe Agropecuário devem
bimestral, de caráter técnico-científico e tem como objetivo principal observar os prazos estipulados formalmente para a entrega dos
difundir tecnologias geradas ou adaptadas pela EPAMIG, seus trabalhos, bem como priorizar o atendimento às dúvidas surgidas ao
parceiros e outras instituições para o desenvolvimento do agronegócio longo da produção da revista, levantadas pelo coordenador técnico,
de Minas Gerais. Trata-se de um importante veículo de orientação e pela Revisão e pela Normalização. A não-observância a essas normas
informação para todos os segmentos do agronegócio, bem como de trará as seguintes implicações:
todas as instituições de pesquisa agropecuária, universidades, escolas a) os colaboradores convidados pela Empresa terão seus trabalhos
federais e/ou estaduais de ensino agropecuário, produtores rurais, excluídos da edição;
empresários e demais interessados. É peça importante para difusão b) os colaboradores da Empresa poderão ter seus trabalhos excluídos
de tecnologia, devendo, portanto, ser organizada para atender às ou substituídos, a critério do respectivo coordenador técnico.
necessidades de informação de seu público, respeitando sua linha O coordenador técnico deverá entregar à Divisão de Publicações
editorial e a prioridade de divulgação de temas resultantes de projetos (DVPU) da EPAMIG os originais dos artigos em CD-ROM ou pela
e programas de pesquisa realizados pela EPAMIG e seus parceiros. Internet, já revisados tecnicamente, 120 dias antes da data prevista para
A produção do Informe Agropecuário segue uma pauta e um circular a revista. Não serão aceitos artigos entregues fora desse prazo
cronograma previamente estabelecidos pelo Conselho de Difusão de ou após o início da revisão lingüística e normalização da revista.
Tecnologia e Publicações da EPAMIG, conforme demanda do setor O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data
agropecuário e em atendimento às diretrizes do Governo. Cada de publicação da edição.
edição versa sobre um tema específico de importância econômica
para Minas Gerais. Estruturação dos artigos
Do ponto de vista de execução, cada edição do Informe Agropecuário Os artigos devem obedecer a seguinte seqüência:
terá um coordenador técnico, responsável pelo conteúdo da publicação, a) título: deve ser claro, conciso e indicar a idéia central, podendo
pela seleção dos autores dos artigos e pela preparação da pauta. ser acrescido de subtítulo. Devem-se evitar abreviaturas, parên-
teses e fórmulas que dificultem a sua compreensão;
Apresentação dos artigos originais b) nome do(s) autor(es): deve constar por extenso, com nume-
Os artigos devem ser enviados em CD-ROM ou pela Internet, no ração sobrescrita para indicar, no rodapé, sua formação e títulos
acadêmicos, profissão, instituição a que pertence e endereço.
programa Word, fonte Arial, corpo 12, espaço 1,5 linha, parágrafo
automático, justificado, em páginas formato A4 (21,0 x 29,7cm). Exemplo: Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Pos-
Os quadros devem ser feitos também em Word, utilizando apenas tal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico:
epamig@ufla.br;
o recurso de tabulação. Não se deve utilizar a tecla Enter para formatar
o quadro, bem como valer-se de “toques” para alinhar elementos c) resumo: deve constituir-se em um texto conciso (de 100 a 250
gráficos de um quadro. palavras), com dados relevantes sobre a metodologia, resulta-
dos principais e conclusões;
Os gráficos devem ser feitos em Excel e ter, no máximo, 15,5 cm
de largura (em página A4). Para tanto, pode-se usar, no mínimo, d) palavras-chave: devem constar logo após o resumo. Não
devem ser utilizadas palavras já contidas no título;
corpo 5 para composição dos dados, títulos e legendas.
As fotografias a serem aplicadas nas publicações devem ser e) texto: deve ser dividido basicamente em: Introdução, Desenvol-
recentes, de boa qualidade e conter autoria. Podem ser enviadas em vimento e Considerações finais. A Introdução deve ser breve e
enfocar o objetivo do artigo;
papel fotográfico (9 x 12 cm ou maior), cromo (slide) ou digitalizadas.
As foto-grafias digitalizadas devem ter resolução mínima de 300 DPIs f) agradecimento: elemento opcional;
no formato mínimo de 15 x 10 cm e ser enviadas em CD-ROM ou ZIP g) referências: devem ser padronizadas de acordo com o
disk, prefe-rencialmente em arquivos de extensão TIFF ou JPG. “Manual para Publicação de Artigos, Resumos Expandidos e
Não serão aceitas fotografias já escaneadas, incluídas no texto, em Circulares Técnicas” da EPAMIG, que apresenta adaptação das
Word. Enviar os arquivos digitalizados, separadamente, nas extensões normas da ABNT.

já mencionadas (TIFF ou JPG, com resolução de 300DPIs). Com relação às citações de autores e ilustrações dentro do texto,
Os desenhos devem ser feitos em nanquim, em papel vegetal, ou também deve ser consultado o Manual para Publicações da EPAMIG.
em computador no Corel Draw. Neste último caso, enviar em CD-ROM NOTA: Estas instruções, na íntegra, encontram-se no “Manual para
ou pela Internet. Os arquivos devem ter as seguintes extensões: TIFF, Publicação de Artigos , Resumos Expandidos e Circulares Téc-
EPS, CDR ou JPG. Os desenhos não devem ser copiados ou tirados nicas” da EPAMIG. Para consultá-lo, acessar: www.epamig.
de Home Page, pois a resolução para impressão é baixa. br, entrando em Publicações ou Biblioteca/Normalização.

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