Resumo
O presente trabalho tem por objetivo relacionar o princípio do prazer e o princípio da realida-
de com os contos infantis. Tais princípios apresentam conceitos bastante complexos, estudados
com muita frequência principalmente por psicólogos, médicos e psicanalistas. Neste artigo, a
intenção não é aprofundar essas definições, mas estabelecer a relação entre esses princípios e
os contos infantis como busca para a satisfação do sujeito e o vínculo que se estabelece com as
realidades interna e externa.
Sabemos que o princípio de prazer é próprio relação entre os princípios e a ligação se-
de um método primário de funcionamento quencial entre eles.
por parte do aparelho mental, mas que, do Zimerman (1999) cita a percepção de
ponto de vista da autopreservação do orga- Freud e Bion com relação a esse aspecto:
nismo entre as dificuldades do mundo exter-
no, ele é, desde o início, ineficaz e até mesmo Freud descreveu o surgimento de ambos os
altamente perigoso. Sob a influência dos ins- princípios de uma forma sucessiva e sequen-
tintos de autopreservação do ego, o princípio cial, porém, na atualidade, principalmente a
de prazer é substituído pelo princípio de rea- partir de Bion, considera-se que de alguma
lidade. Este último princípio não abandona a forma os “princípios do prazer e realidade”
intenção de fundamentalmente obter prazer; estão sempre presentes, de forma simultânea,
não obstante, exige e efetua o adiamento da e interagem ao longo de toda vida, mesmo
satisfação, o abandono de uma série de possi- que, no adulto, as demandas imediatistas e
bilidades de obtê-la, e a tolerância temporária mágicas do princípio do prazer possam ser
do desprazer como uma etapa no longo e in- ocultadas (Zimerman, 1999, p. 78).
direto caminho para o prazer (Freud, [1920]
1969, p. 20, grifo do autor). É importante ressaltar neste momento a
importância das estruturas psíquicas: o id, o
Laplanche e Pontalis (1988) esclarecem ego e o superego. Didaticamente falando, a es-
que o princípio do prazer é um princípio trutura do id é regida pelos impulsos incons-
econômico, já que se trata do princípio res- cientes, e nele não existem inibições ou cen-
ponsável pelo controle da quantidade de suras, conceitos de certo e errado. Podemos
excitação entre a relação do prazer e des- colocá-lo como a estrutura mais primitiva do
prazer para a manutenção da homeostase organismo e, consequentemente, a mais difí-
psíquica. cil de ser acessada. Já o superego é a estrutura
Além disso, o princípio do prazer é regido em que o sujeito é ciente de suas obrigações
pelo funcionamento do id, já que sua prin- sociais, e nisso as inibições e censuras estão
cipal característica é justamente reduzir os atuando ativamente. O superego é formado
níveis de tensão existentes no aparelho psí- ao longo da vida do sujeito, através das cas-
quico (Hall; Lindzey, 1984). trações e frustrações que são vivenciadas.
Com relação ao princípio da realidade, Por fim, o ego é a estrutura que pondera es-
Laplanche e Pontalis (1988) consideram-no ses extremos, lidando com os conflitos inter-
como um princípio regulador, já que ele mo- nos e externos. Pode-se dizer que o ego seria
difica o princípio do prazer no que diz res- a estrutura intermediária que dá equilíbrio
peito aos caminhos percorridos para se atin- aos impulsos do id e ao superego, proporcio-
gir a satisfação. nando, assim, a ordem (Zimerman, 1999).
De acordo com Fadiman e Frager (1986), Freud ([1920] 1969) acredita que existe
esse funcionamento se dá porque o ego é o uma dominância do princípio do prazer so-
responsável por operar esse princípio, já que bre o princípio da realidade na vida mental
essa estrutura está ligada diretamente à reali- por causa de uma necessidade psíquica em
dade externa, controlando as pulsões do id, o manter o equilíbrio pulsional. A partir dessa
princípio do prazer e proporcionando assim ideia, é desenvolvido o princípio da constân-
uma satisfação real para o sujeito. cia, que não será aprofundado no decorrer
Tendo essas questões em vista, percebe- deste artigo. Entretanto, é importante afir-
se que os princípios descritos anteriormente mar que ele é pensado em decorrência da re-
não podem, nem devem, ser vistos de ma- lação entre os princípios do prazer e da rea-
neira separada. Alguns autores falam dessa lidade e do consequente equilíbrio entre eles.
Sendo assim, após essas considerações mesmo e com as situações vivenciadas no dia
iniciais e breves referências a conceitos rele- a dia.
vantes, pode-se dar início à discussão que re- Com relação aos contos infantis, os prin-
laciona os princípios do prazer e da realidade cipais trabalhos não se distanciam muito da
com as manifestações vivenciadas em contos época em que foi publicada A interpretação
infantis. dos sonhos (1900). Deve-se dar destaque a
Bruno Bettelheim, que foi inovador ao rela-
Os contos infantis: busca da satisfação cionar a psicanálise aos contos de fada e con-
e conflito com a realidade tos infantis, e a Diana Corso e Mário Corso
Bettelheim (2007) afirma que os contos in- (2006), que apresentam um ponto de vista
fantis surgiram como uma forma de litera- mais recente a essa relação. Esses autores
tura e que, ao longo dos anos, passaram a ser abordam de maneira diferenciada a impor-
utilizados para diversos fins, por exemplo, tância dos contos infantis e a maneira como
para questões ligadas principalmente à dis- eles atingem tanto crianças quanto adultos.
ciplina e à religião. Ao longo deste trabalho são colocadas al-
Além disso, deve-se destacar a existên- gumas questões referentes ao sonho presente
cia de uma ampla diversidade de contos que no conto Alice no país das maravilhas, e tendo
tiveram seus primeiros registros no século essa perspectiva em vista, podemos entender
XVII, inicialmente através de Giambattista e relacionar aqui as questões anteriormente
Basile e depois pelos irmãos Grimm. Além citadas. Ao afirmar que no princípio do pra-
deles, houve autores como Charles Perrault, zer as pulsões são direcionadas para que haja
Johann Karl August Musäus e Des Knaben satisfação o mais rápido possível, podemos
Wunderhorn (Corumba; Ramalho, 2008). pensar nos relatos de sonhos para satisfazer
Bettelheim (2007) defende ainda que os necessidades fisiológicas como a vontade de
contos infantis, distintamente da literatu- ir ao banheiro e/ou alimentar-se. Através do
ra infantil em geral, permitem às crianças o sonho, a descarga pulsional flui de maneira
acesso a mensagens importantes carregadas inconsciente, já que nesse momento o id está
de sentido em todos os níveis da estrutura em ação, com o objetivo de gerar satisfação
psíquica (id, ego e superego) no âmbito tanto no sujeito, nesse caso, o alívio da necessidade
psicológico quanto emocional. fisiológica (Zimerman, 1999).
Corumba e Ramalho (2008) ressaltam Os sonhos e os contos infantis podem
a importância dos contos para a análise do se assemelhar quando temos em vista uma
comportamento humano, pois é através dos perspectiva dos conflitos internos do funcio-
contos que as peculiaridades de cada socie- namento psíquico para a obtenção de prazer
dade podem ser percebidas e transmitidas de e a vivência da realidade. Os conflitos entre
uma geração para outra, e ainda acrescentam: as estruturas psíquicas – id, ego e superego
– acontecem a todo momento, sem que haja,
Os contos de fadas, tal como nos sonhos, na prática, uma separação entre elas.
nos falam de tudo que vivenciamos, respon- Por outro lado, os sonhos são manifesta-
dem às nossas questões sobre a vida, narram ções do id, enquanto os contos de fada ma-
o que fazemos e como fazemos (Corumba; nifestam questões culturais e perspectivas de
Ramalho, 2008, p. 14). certo e errado para estimular as crianças a
perceber o mundo ao seu redor, tendo as leis
Freud ([1900] 2013) destaca uma série sociais sempre muito próximas a si. Sendo
de questões relacionadas aos sonhos e a di- assim, os sonhos seriam dominados pelo id,
versos aspectos que surgem a partir deles e à enquanto os contos infantis pelos conflitos
maneira como o sujeito se relaciona consigo do ego (Bettelheim, 2007).
S OB R E A AU TOR A