10 A interação dos vegetais com o meio rações poderão resultar em benefícios gênicos, insetos e animais herbívoros.
ambiente para a humanidade, uma vez que, Além disso, em diversas situações de
através do aprendizado da linguagem estresses bióticos e abióticos, novas
O
s vegetais respondem a
estímulos ambientais bas- da natureza, será possível entender, rotas biossintéticas são iniciadas a
tante variáveis, de natureza participar e interferir em seu funciona- partir de metabólitos primários, desen-
física, química ou biológica. Fatores mento. Como vere- cadeando a produção
tais como fertilidade e tipo do solo, mos neste artigo, essa Tudo indica que os insetos de substâncias quí-
umidade, radiação solar, vento, tempe- linguagem passa mui- reagem às substâncias micas com grande va-
ratura e poluição atmosférica, dentre tas vezes pelo conhe- voláteis através de riabilidade estrutural. A
outros, podem influenciar e alterar a cimento da composi- mecanismo olfativo riqueza de metabólitos
ção química das semelhante ao nosso, secundários nas plan-
composição química dos vegetais.
plantas. Além do me- sentindo-se, portanto, tas é também explica-
Além desses, há interações e adapta-
tabolismo primário, atraídos ou repelidos pelos da pelo fato delas es-
ções coevolutivas complexas, que se
responsável pela pro- odores produzidos pelas tarem enraizadas no
produzem entre planta-planta, planta- plantas
animal e planta-microorganismos de dução de celulose, lig- solo, não podendo se
um dado ecossistema. Como exemplo nina, proteínas, lipí- deslocar e, portanto,
temos a interação inseto-planta que dios, açúcares e outras substâncias utilizar como resposta ao meio ambi-
depende da presença, no tempo certo que realizam suas principais funções ente as respostas possíveis dos
e na quantidade apropriada, de deter- vitais, as plantas também apresentam animais.
minados compostos voláteis, respon- o chamado metabolismo secundário, Os metabólitos secundários produ-
sáveis por aromas característicos. Es- do qual resultam substâncias de baixo zidos pelos vegetais são formados por
sas substâncias voláteis, difundidas peso molecular, às vezes produzidas vários caminhos biossintéticos que
com facilidade a partir da evaporação, em pequenas quantidades. Considera- produzem moléculas dotadas de gran-
constituem verdadeiro elo de comuni- se que uma das principais funções do de diversidade de esqueletos e grupa-
cação entre a fonte produtora e o meio metabolismo secundário nas plantas mentos funcionais, como, entre outros,
ambiente. Tudo indica que os insetos seja a biossíntese de estruturas com- ácidos graxos (gorduras) e seus éste-
reagem às substâncias voláteis através plexas como alcalóides, terpenóides e res, hidrocarbonetos, álcoois, aldeídos
de mecanismo olfativo semelhante ao derivados de fenilpropanóides. Tais e cetonas, compostos acetilênicos,
nosso, sentindo-se, portanto, atraídos estruturas funcionariam como agentes alcalóides, compostos fenólicos e cu-
ou repelidos pelos odores produzidos defensivos na luta contra predadores, marinas. Os fenilpropanóides e, espe-
pelas plantas. Os estudos de tais inte- a exemplo de microorganismos pato- cialmente, os terpenóides são os
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Estes últimos, por meio nidade utiliza as plantas com finalidade
de reduções enzimá- terapêutica. Enquanto buscava alimen-
ticas produzem prope- tação para a sua sobrevivência a hu-
nilbenzenos (4) e/ou manidade foi descobrindo as proprie-
alilbenzenos (6) e, por dades tóxicas ou curativas das plantas.
meio de oxidações de- Esse conhecimento etnofarmacológico
gradativas das cadeias acumulado ao longo de nossa evolu-
laterais, podem gerar
ção culminou com o desenvolvimento
aldeídos aromáticos
de fármacos de grande importância na
(5); as ciclizações enzi-
terapêutica atual, tais como o ácido
máticas intramolecu-
lares produzem as cu- salicílico, a atropina, a pilocarpina, o
marinas (7). Os terpe- quinino, a artemisinina, o taxol, a digo-
nóides são construídos xina e a morfina (Figura 3). Nos anos
pela natureza a partir 80, o desenvolvimento da pesquisa
do ácido mevalônico científica resultou na identificação de
(8), mostrado na Figura 121 compostos de origem vegetal,
2, do qual se obtém a provenientes de 95 espécies. de
unidade isoprênica, ou plantas. Grande parte deles estão in-
seja, o pirofosfato de cluídos na atual terapêutica dos países
isopentenila (9). O en- ocidentais. No período 1983-1994, 6%
cadeamento cabeça- dos medicamentos aprovados foram
Figura 1: Reduções enzimáticas transformam os ácidos cumá- cauda da unidade iso-
extraídos diretamente de espécies
ricos em alil e propenilbenzenos, enquanto oxidações com de- prênica produz diver-
gradação da cadeia lateral produzem aldeídos aromáticos. Ci- vegetais; outros 24% foram de produ-
sas classes de terpe- tos derivados e 9% foram desenvol-
clizações aromáticas intramoleculares resultam em cumarinas.
nos, entre os quais os vidos através de modelagem molecu-
monoterpenos, com- 11
principais constituintes que estão en- lar, onde as estruturas moleculares dos
postos com dez átomos de carbono
volvidos nas interações planta-inseto. compostos serviram como precursores
(C2), e os sesquiterpenos, com 15
Como podemos observar na natureza, de processos de sínteses químicas.
átomos de carbono (C3).
os fenilpropanóides se formam a partir Atualmente, metade dos 25 medica-
Plantas como fonte de produtos mentos mais vendidos no mundo tem
do ácido chiquímico (1), que conduz
naturais sua origem em metabólitos secun-
às unidades básicas: ácido cinâmico
dários de origem vegetal.
(2) e ácido p-cumárico (3) (Figura 1). Desde os tempos remotos a Huma-
O taxol (diterpeno isolado das cas-
cas de Taxus brevifolia, que possui pro-
priedades anti-cancerígenas) é um
exemplo. Esse composto está presen-
te em pequenas quantidades na árvore
(aproximadamente 100 mg/kg de cas-
ca seca de Taxus brevifolia). Desta ma-
neira, para a produção de um grama
de taxol são necessárias três árvores.
Outros fatores, como o crescimento
lento, a baixa estatura e a escassa dis-
tribuição das árvores acabam dificul-
tando ainda mais a disponibilidade do
taxol. Há ainda o inconveniente de que
o processo de remoção da casca aca-
ba levando o vegetal à morte. Estraté-
gias baseadas em fontes alternativas
de taxol e métodos para a sua síntese
total têm sido extensivamente desen-
volvidas e estimuladas diante da ne-
cessidade crescente desse composto
Figura 2: Duas unidades de isopreno (C5) unidas cabeça-cauda produzem os vários
biologicamente ativo na terapêutica.
esqueletos monoterpênicos (C10), enquanto o encadernamento de três unidades resulta Devido à complexidade de sua mo-
na classe dos sesquiterpenos (C15) lécula, a síntese total representou um
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econômico e farma-
cológico, é a Catha-
ranthus roseus (Apo-
cynaceae). Essa plan-
ta é capaz de produzir
e acumular mais de
90 compostos alcaloí-
dicos com destaque a
dois alcalóides que
são considerados de Figura 4: Vincristina (R=CHO) e vimblastina
maior importância pa- (R=CH3).
ra a indústria farma-
cêutica (Figura 4): os
alcalóides indólicos, atividades biológicas produzidas pelas
como a vincristina, plantas em resposta aos estímulos do
utilizada no tratamen- meio ambiente, mas pela imensa
to da leucemia linfo- atividade farmacológica desses com-
blástica aguda infantil postos. Exemplo disso é a hipericina
em diferentes esque- (Figura 6), isolada de flores de Hyperi-
mas de tratamento cum perforatum L, (Figura 5) conhecida
quimioterápicos e a popularmente como erva de São João.
vimblastina, de gran- A hipericina é uma diantrona que se
de aplicação no trata- tornou conhecida na literatura por
mento de diferentes provocar fotossensibilidade em ani-
12 linfomas, como o de mais desprovidos de pigmentos (albi-
Hodgkins, o sarcoma nos) quando se alimentavam dessa
de Karposi, câncer de planta. Nesses experimentos, uma
ovário e tumores do injeção de hipericina era aplicada em
testículo. Seus valores animais albinos e a exposição destes
de mercado estão es- animais à luz desencadeava em pou-
timados em U$ 6.000/ cas horas o surgimento de dermatites
g (vincristina) e U$ em toda a extensão do corpo, com
12.000,00/g (vimblas- exceção das zonas da pele pigmenta-
tina). Outras alternati- das. Essas inflamações se estenderam
vas, como o cultivo de para todo o corpo do animal, causando
células e de tecidos em algumas horas a morte do animal.
vegetais, estão sendo O gênero Hypericum conta com
estudadas como es- aproximadamente 370 espécies no
tratégia de aumentar mundo inteiro. Essas espécies são en-
Figura 3: Exemplos de produtos naturais de grande aplicação os valores de produ- contradas em países de clima tempe-
na indústria farmacêutica. tividade desses com- rado e seus arbustos são empregados
postos. Alguns experimentos são feitos em jardinagem. Hypericum pode deri-
grande desafio para os químicos. Mais pela adição de intermediários da via var do grego hyper, acima, e eikon,
recentemente, dois métodos foram pu- biossintética desses alcalóides. Cul- pintura. As flores eram colocadas so-
blicados; no entanto, a aplicação in- turas de células suplementadas com
dustrial de ambos é inviável no mo- secologanina (iridóide) mostraram ele-
mento devido às inúmeras etapas de vações nos teores de estricrosidina
reações e ao alto custo de produção. (um precursor de alcalóides indólicos
A síntese parcial do taxol, oriunda de monoterpenoídicos. Os mesmos resul-
substâncias análogas extraídas de tados foram obtidos com a adição de
outras espécies do gênero Taxus, mos- L. triptofano).
tra-se promissora, podendo substituir,
no futuro, a extração a partir das cas- A complexidade do metabolismo
cas de T. brevifolia. secundário
Outra fonte de metabólitos secun- Os metabólitos secundários des- Figura 5: Partes aéreas de Hypericum perfo-
dários, importante do ponto de vista pertam grande interesse, não só pelas ratum.
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bre imagens religiosas para afastar o tram uma atividade antidepressiva semanas ocorre um decréscimo do
mal no dia de solstício de verão do he- mais relevante para a hiperforina, pro- conteúdo hipericina e aumento de hi-
misfério norte (22 de junho). As prepa- vavelmente devido às mudanças em perforina. As últimas publicações cien-
rações farmacêuticas com Hypericum relação aos teores de hipericina e tíficas têm demonstrado que a ativi-
perforatum (Figura 8) ocupam posição hiperforina que ocorrem durante o pe- dade antidepressiva é diretamente
de destaque nos tratamentos de de- ríodo de crescimento da planta, em es- proporcional ao conteúdo de hiperfo-
pressão leve e moderada. Na Alema- pecial na época da florescência. rina. Portanto, o extrato preparado com
nha, são feitas 3,7 milhões de prescri- Conforme podemos observar na Figu- flores colhidas mais tardiamente, com
ções de Hypericum perforatum ao ano, ra 9, as flores de Hypericum perforatum maior teor de hiperforina, terá maior efi-
o que corresponde a 25% do total de no início da florescência possuem cácia antidepressiva. Sabe-se, porém,
prescrições de antidepressivos naque- maior teor de hipericina, porém baixo que a hiperforina é bastante instável,
le país. Alguns estudos clínicos com- conteúdo de hiperforina. Após algumas degradando-se facilmente quando ex-
provam maior eficácia dessas prepa-
rações farmacêuticas, inclusive com
perfil de tolerabilidade superior, quando
comparados com outros antidepres-
sivos sintéticos.
Composição química e atividade
farmacológica
A maioria das preparações farma-
cêuticas comercializadas é feita a partir
das partes aéreas. Das flores coletadas
são preparados extratos etanólicos
que possuem na composição química
13
seis grupos de substâncias: diantronas
(hipericina e pseudohipericina), acilflo-
roglucinóis ( hiperforina, adiperforina e
furohiperforina ), dentre outros, glico-
sídeos flavanoídicos, biflavonóides,
protoantociandinas e xantonas (Figu-
ras 6 e 7). O extrato alcoólico das
partes aéreas de Hypericum perforatum
inibe a recaptação sináptica dos neuro-
transmissores (noradrenalina e sero-
tonina). Trabalhos adicionais com esse
extrato mostram redução do número
de receptores pós-sinápticos, com
necessidade de menor quantidade de
neurotransmissores (monoaminas)
para se obter a resposta apropriada.
Esse fenômeno está baseado na teoria
de que a depressão pode ser explicada
pela presença de maior número de
receptores nos neurônios pós-si-
nápticos e, em razão deste maior
número, há necessidade de maior
quantidade de neurotransmissores em
ação. A literatura relata vários estudos
relacionando a atividade antidepressi-
va da hipericina. No entanto, os últimos
estudos bioquímicos experimentais,
em animais e humanos, mostram que
a hipericina não é a única das subs-
tâncias de Hypericum que possui essa
atividade. Esses trabalhos demons- Figura 6: Compostos biologicamente ativos, isolados de Hypericum perforatum.
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dos os extratos são iguais em sua com-
posição, tendo, portanto, perfil de se-
gurança e eficácia distintos. A instabili-
dade química da hiperforina leva a dis-
cussão se os compostos 2-5 (Figura
6) são produtos naturais ou artefatos
que são formados durante a extração
e nos procedimentos de isolamento.
Os compostos 3-5 (Figura 6), quando
testados em cérebros de camundon-
gos para verificar a inibição da reutili-
zação de 5HT, foram 10 vezes menos
ativos do que a hiperforina, sugerindo
que a oxidação que resulta no bloqueio
do equilíbrio tautomérico é prejudicial
para a atividade de preparações
farmacêuticas que contenham Hyperi-
cum perforatum.
A labilidade da hiperforina, cuja
degradação leva a derivados oxidados
e a diminuição da atividade biológica
desses compostos, coloca em desta-
que novos desafios: é fundamental o
desenvolvimento de novas prepara-
ções farmacêuticas de Hypericum
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perforatum que sejam estáveis e que
sejam padronizados os seus princípios
ativos, considerando outros compos-
Figura 7: Compostos biologicamente ativos isolados de Hypericum perforatum. tos além da hipericina.
Considerações finais
posta à luz e ao calor, ou ainda quando Os fatos descritos acima demons-
estocada ou em soluções. Por isso, os tram a complexidade da estratégia de
extratos de Hypericum perforatum co- utilização dos metabólitos secundários
mercializados contêm baixo teor de obtidos de plantas, na estratégia de
hiperforina, cerca de 1%, não sendo obtenção de fitofármacos. Fatores
muitas vezes mencionada a sua pre- como a variação desses compostos
sença. Pode-se concluir que nem to- durante o período vegetativo e a inte-
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ração da planta com o meio ambiente, berta e desenvolvimento de novos
Referências bibliográficas
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Products, v. 63, n. 5, p. 726-734, 2000.
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pêutica. tica na a obtenção de fitoterápicos com (Hypericum perforatum). Journal of Natu-
Os exemplos citados são alguns maior eficácia. Para que isso ocorra é ral Products, v. 63, n. 3, p. 412-415, 2000.
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zação dessa flora está longe de se es- Federal do Rio de Janeiro, é professor adjunto da Fa- 1999.
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Resenha
15
Química medicinal
As bases moleculares da ação dos fármacos
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