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Fernando A.S.

Coelho

Nesse artigo discutimos a relação da quiralidade com o efeito farmacológico dos fármacos. Apresentamos
também a forma de interação desses fármacos em um organismo animal (biofase) e as respostas biológicas
associadas a essa interação. Para facilitar a compreensão do assunto, definiremos alguns conceitos básicos de
estereoquímica e em seguida os aplicaremos às moléculas de alguns fármacos. Para finalizar, mostramos alguns
métodos de preparação de fármacos com centros assimétricos em sua estrutura vendidos em farmácias brasileiras.

fármacos, quiralidade, síntese assimétrica, ibuprofeno, captopril

Introdução pela atividade. química (quiralidade, centro assimétri-


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Cabe ressaltar que as legislações co, configuração absoluta). Em um se-

U
m dos assuntos mais fasci-
nantes para um estudante ou brasileira e mundial, na área farmacêu- gundo momento esses conceitos se-
alguém interessado na área de tica, têm estabelecido limites à venda rão utilizados para explicar a interação
medicamentos é saber como uma de fármacos cujas estruturas apresen- de fármacos quirais com o nosso cor-
substância química, utilizada como tem quiralidade. Nesses casos, primei- po (biofase). Finalmente, discutiremos
fármaco, exerce a sua atividade dentro ro é necessário saber qual orientação as metodologias para a preparação de
do nosso corpo. A resposta a essa tridimensional do centro quiral é res- fármacos que têm centros quirais, que
questão nem sempre é muito simples ponsável pela atividade farmacológica. é a síntese assimétrica.
e envolve estudos de elevada comple- Esse conhecimento determinará como
o fármaco deverá ser consumido pelo Assimetria molecular
xidade e custo.
público. Alguns seres humanos têm a capa-
Entre os fármacos à venda nas far-
mácias do nosso país, existem alguns Nesse aspecto, métodos químicos cidade de observar fatos corriqueiros
que apresentam uma particularidade em que permitam o con- e extrair deles conclu-
trole da orientação tri- Fármacos quirais têm em sões que representam
sua estrutura, que é de fundamental
dimensional do cen- sua estrutura um ou mais saltos gigantescos no
importância para a atividade biológica.
tro quiral, no mo- átomos com orientação conhecimento científico
Alguns desses fármacos são qui-
mento em que o fár- tridimensional muito bem da humanidade. Uma
rais ou têm quiralidade, ou seja, têm
maco esteja sendo definida. A modificação dessas pessoas foi o
em sua estrutura um ou mais átomos
produzido, são de ex- dessa orientação pode cientista francês Louis
(na maioria das vezes carbono) que
trema importância. É levar à diminuição do Pasteur, que deu contri-
têm a sua orientação tridimensional
efeito biológico, à sua total buições significativas
muito bem definida. A modificação aí que a síntese assi-
supressão ou ao
dessa orientação pode levar à diminui- métrica, que é a reu- em vários campos do
aparecimento de um efeito
ção do efeito biológico, à sua total nião de estratégias e conhecimento huma-
biológico adverso
supressão ou ao aparecimento de um métodos químicos no, tais como biologia,
efeito biológico adverso. que permitem efetuar microbiologia e quími-
Convém deixar claro que a quirali- o controle tridimensional de um deter- ca.
dade não é condição para que uma minado centro quiral, mostra sua im- Uma das observações feitas por
substância apresente efeito farmaco- portância. Pasteur estava relacionada à forma e
lógico, entretanto se a estrutura tiver Como o tema a ser tratado é de ra- às propriedades ópticas de duas subs-
um centro quiral é importante saber zoável complexidade, começaremos tâncias isoladas do tártaro que se
qual a orientação espacial responsável por definir alguns conceitos de estereo- depositava nos barris, no processo de

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envelhecimento do vinho. Uma dessas mica, que é a parte da
substâncias, conhecida como ácido química orgânica que se
tartárico (Figura 1) tinha a capacidade, dedica a estudar as mo-
quando dissolvida em água, de rodar léculas em três dimen-
o plano da luz polarizada para o lado sões.
direito. Por convenção, ficou conhecido Tentando estabelecer
como (+)-ácido tartárico. uma relação entre o des-
A outra substância conhecida como vio do plano da luz pola-
ácido paratartárico ou racêmico (do la- rizada e o arranjo espa-
tim racemus = cacho de uva), era cial das moléculas de
estruturalmente idêntica ao ácido tartá- carbono, Pasteur sugeriu
rico, mas não desviava o plano da luz que os substituintes ao Figura 2: Cristais do sal de amônia de ácido tartárico
polarizada. Pasteur notou que essa redor do átomo de car- separados.
substância cristalizava quando reagia bono deveriam ter prova-
com amônia, formando cristais que velmente um arranjo tetraédrico (Figu-
eram estruturalmente diferentes um do ra 3).
outro (Figura 2). Entretanto, essa sugestão não ga-
Munido de muita paciência, de uma nhou muito crédito junto à comunidade
lupa e uma pinça, Pasteur separou os cientifica da época, e acabou caindo
cristais um a um, e os agrupou em dois no esquecimento.
montes (Sheldon, 1993). Os cristais de Tentando solucionar essa questão,
um dos montes eram semelhantes aos dois químicos, van’t Hoff (1874) e le Bel Figura 3: Possível arranjo tetraédrico das
cristais do ácido (+)-tartárico e desvia- (1874), em trabalhos independentes, moléculas de carbono.
vam o plano da luz polarizada para o deram continuidade às idéias de outro
lado direito, quando em solução. Os químico, chamado Kekulé, e propuse- feitas por van’t Hoff.
24
cristais do outro monte desviavam o ram que os quatro substituintes do car- Essas reflexões e sugestões abri-
plano da luz polarizada para o lado bono se orientam no espaço, cada um ram o caminho para o nosso estágio
esquerdo. ocupando um vértice de um tetraedro, atual de compreensão de como um fár-
O intrigante nessa observação era com o carbono no centro. Esse arran- maco com um carbono quiral exerce a
o fato de que as inclinações dos des- jo permitiria a existência de moléculas sua ação no interior do nosso corpo.
vios terem exatamente o mesmo valor, que teriam como única diferença entre
só se diferenciando nas orientações. elas, a orientação dos seus substi- Princípios de estereoquímica
Assim, uma solução desviava o plano tuintes no espaço. A química orgânica trata da relação
da luz polarizada para a direita e a outra Se tivéssemos ao redor do carbono existente entre a estrutura molecular e
desviava para a esquerda. Outro fato quatro substituintes diferentes, entre as propriedades físicas de moléculas
importante é que as duas substâncias todos os arranjos possíveis, somente de carbono. A parte da química orgâ-
tinham exatamente as mesmas pro- dois e não mais que dois tetraedros nica que trata da estrutura em três
priedades físicas (ponto de fusão, pon- seriam diferentes entre si. Um desses dimensões é chamada de ‘estereoquí-
to de ebulição etc). A única diferença tetraedros é a imagem refletida no mica’. Um aspecto importante da este-
entre elas era o comportamento diante espelho do outro, sendo impossível reoquímica é a existência do estereoi-
de um feixe de luz polarizada. fazer coincidir todos os substituintes, somerismo.
Pasteur chamou de racemato a se uma estrutura for sobreposta à outra Estruturas isoméricas (do grego iso-
mistura inicial das duas substâncias (Figura 4). méres = partes iguais) que diferem
em partes iguais, que não desvia o Na verdade, essa proposta de van’t entre si unicamente pelo arranjo tridi-
plano da luz polarizada. Essas obser- Hoff evidenciou a existência de duas mensional dos seus substituintes são
vações estabeleceram as bases para estruturas espaciais diferentes para a chamadas de estereoisômeros.
o surgimento da moderna estereoquí- mesma substância. Segundo van’t A ocorrência de assimetria (ou
Hoff, a existência de atividade óptica simetria) é uma importante caracterís-
estava ligada à presença de um car- tica de figuras geométricas que têm
bono assimétrico na molécula (Figura duas ou três dimensões. Por exemplo,
4). A presença de quatro substituintes no alfabeto existem letras que são si-
diferentes entre si e ligados ao carbono métricas e outras não-simétricas em
é condição suficiente, mas não a única, duas dimensões. Se considerarmos a
para haver assimetria em uma molé- letra R e a refletirmos no espelho, vere-
cula. Dois meses mais tarde, le Bel fez mos a imagem mostrada na Figura 5.
Figura 1: Estrutura do ácido (+)-tartárico. propostas muito próximas daquelas Se simplesmente dobrarmos a fo-

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Figura 4: Os dois arranjos espaciais possíveis dos substituintes do ácido lático.

lha de papel, será possível sobrepor a especular ela é aquiral.


imagem especular da letra R sobre o Um centro assimétrico é aquele no Figura 6: Imagem especular da mão
humana.
original, ou seja, os R’s são sobre- qual os substituintes ligados a ele são
poníveis. diferentes entre si (Figura 8). Uma outra
Vamos tentar tratar o assunto atra- forma de representação que vale a pe- da, quando uma solução de cada um
vés de uma estrutura com que todos na ressaltar é a B, mostrada na Figura deles é submetida a um equipamento
nós estamos bem familiarizados, as 8. Se imaginarmos um plano que con- chamado polarímetro. Todas as demais
nossas mãos. Na Figura 6 vemos a tém os grupamentos CH3 e H, a linha propriedades físicas são iguais.
representação da mão humana e de cheia indica que o grupamento CO2H
Atividade óptica
sua imagem especular (Kalsi, 1990). está na frente do plano e a linha trace-
Se prestarmos atenção na figura jada indica que o grupamento Cl está Uma onda de luz viaja no espaço 25
acima, veremos que a imagem espe- na parte de trás desse plano imagi-
cular da mão não pode ser sobreposta nário.
à mão original. Este é um dos exem-
plos mais simples de assimetria. Enantiômeros
O tipo mais comum de uma molé-
O que é quiralidade? cula quiral contém um carbono tetraé-
Quiralidade é um atributo geomé- drico, no qual estão liga-
trico, e diz-se que um objeto que não dos quatro diferentes
pode ser sobreposto à sua imagem grupamentos. O átomo
especular é quiral, enquanto que um de carbono é o centro
objeto aquiral é aquele em que a sua estereogênico ou assi-
imagem especular pode ser sobre- métrico da molécula.
posta ao objeto original. Existem vários Uma molécula desse
objetos quirais, tais como as mãos (ver tipo pode existir em dois
Figura 6), conchas marinhas etc. Essa arranjos espaciais dife-
propriedade também é exibida por rentes, que são estereoi-
moléculas orgânicas (Allinger, 1983). sômeros um do outro.
Uma molécula é quiral quando a As duas estruturas, en-
sua imagem especular não puder ser tretanto, não podem ser
sobreposta à molécula original. Se sobrepostas, já que uma
houver possibilidade de sobreposição é a imagem especular
entre uma molécula e sua imagem da outra. Esses tipos de
estereoisômeros são
chamados de enantiô-
meros (do grego, enan-
tio = opostos)
A única diferença
que esses enantiôme-
ros apresentam é a
Figura 5: A letra R e a sua imagem no propriedade de desviar Figura 7: Representação de uma molécula quiral e outra
espelho. o plano da luz polariza- aquiral.

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Figura 8: Representações de um centro assimétrico.

vibrando em vários planos; quando um centros assimétricos


feixe de luz é submetido a um cristal teremos 2 n isômeros
especial, existente no polarímetro, ela possíveis. Enantiômeros
passa a vibrar em um único plano. existem todo o tempo
Quando uma solução contendo um em pares e alguns dos
enantiomero é submetida a esse equi- estereoisômeros, for-
pamento, ela pode desviar o plano pa- mados com a inclusão
ra a direita ou para a esquerda (Figura de centros assimétricos,
10). não são imagens espe-
Se o plano é desviado para a culares dos outros. Isô-
esquerda, diz-se que a substância é meros que não são ima-
levorrotatória ou levógira (latim laevu = gens especulares uns
esquerda). Se o plano for desviado dos outros são chama-
para a direita, diz-se que a substância dos de diastereoisôme-
é dextrorrotatória ou dextrógira (latim ros. Se prestarmos aten-
26 dextro = direita). Essa propriedade dos ção à Figura 11, vere-
enantiômeros é conhecida como rota- mos que nos diastereo- Figura 10: a. polarização da onda de luz em um polarímetro;
b. desvio do plano da luz polarizada ocasionado por um enan-
ção óptica. isômeros houve modifi- tiômero.
Por convenção, coloca-se um sinal cação da orientação
de menos entre parênteses (-), para espacial em apenas um dos carbonos uma prioridade maior do que uma
nomear uma substância levorrotatória assimétricos. Nos enantiômeros os ligação simples (-CH2-CH2-). Os prin-
e um sinal de mais (+), para designar dois centros mudam, ao mesmo tem- cípios básicos dessa regra são exem-
uma substância dextrorrotatória. po, de orientação. plificados na molécula do aminoácido
fenilglicina (Figura 12).
Diastereoisômeros Como devemos fazer para escrever a Se tivermos mais de um centro
Para substâncias que têm mais de orientação espacial correta de quiral na molécula, esse procedimento
um carbono assimétrico, é possível estereoisômeros? deve ser repetido para cada um
formar mais do que dois estereoisô- Para podermos desenhar e reco- separadamente. Convém ressaltar que
meros (Figura 11). nhecer de forma correta a maneira co- essa notação não está diretamente
Quando adicionamos um segundo mo os substituintes de um carbono relacionada com o desvio do plano da
centro assimétrico a uma molécula, os assimétrico orientam-se no espaço, luz polarizada, que deve ser medida no
grupamentos se orientam no espaço, precisamos de uma notação fácil e que polarímetro. Ela é utilizada para deter-
levando à formação de 2 pares de possa ser reconhecida em qualquer lu- minar, sem nenhuma ambigüidade,
isômeros diferentes. Se tivermos n gar do mundo. Essa notação foi pro- como os substituintes estão orientados
posta por Cahn, Ingold e Prelog e é no espaço, ao redor do carbono
conhecida como notação R e S assimétrico. Portanto, uma substância
(Allinger, 1983). pode ser R e desviar o plano da luz
Esses pesquisadores estabele- polarizada para a esquerda, escreve-
ceram uma regra de prioridade entre se então (-)-(R)-, ou desviar o plano
diferentes substituintes ligados ao para a direita e ter a configuração
carbono assimétrico. A regra baseia- absoluta S, escreve-se (+)-(S)-.
se no peso molecular dos átomos Como todas essas regras e conhe-
ligados ao carbono estereogênico. cimentos estão relacionados à ativi-
Assim, um heteroátomo (por exemplo, dade farmacológica?
I > Br > Cl > S > O > N) tem
Figura 9: Enantiômeros de uma molécula maior prioridade do que o carbono. Quiralidade e atividade biológica
orgânica. Uma ligação dupla (-CH=CH2) tem Existe nas farmácias da sua cidade

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so e associarmos ao efeito biológico,
será possível saber qual é a configu-
ração absoluta do estereoisômero que
tem atividade farmacológica. Na
Tabela 1 apresentamos alguns exem-
plos disso.
Na Tabela 1 apresentamos alguns
exemplos de substâncias vendidas
nas farmácias como fármacos. Todos
apresentam em sua estrutura um ou
mais centros assimétricos. Como
podemos perceber, a modificação da
orientação espacial dos substituintes
ao redor do centro assimétrico muda
completamente o efeito biológico no
nosso corpo.
Por exemplo, a talidomida é um
Figura 11: isômeros formados com a inclusão de um segundo centro assimétrico.
sedativo leve e pode ser utilizado no
tratamento de náuseas, muito comum
no período inicial da gravidez. Quando
foi lançado era considerado seguro
para o uso de grávidas, sendo admi-
nistrado como uma mistura racêmica,
ou seja, uma mistura composta pelos
seus dois enantiômeros, em partes 27
iguais.
Entretanto, uma coisa que não se
sabia na época é que o enantiômero
S apresentava uma atividade teratogê-
nica (do grego terás = monstro; gene
= origem), ou seja, levava à má for-
mação congênita, afetando principal-
mente o desenvolvimento normal dos
braços e pernas do bebê. O uso indis-
criminado desse fármaco levou ao
Regras de proridade nascimento de milhares de pessoas
1) Observe os substituintes ao redor do carbono assimétrico; 2) Heteroátomos têm prioridade com gravíssimos defeitos físicos (Figu-
sobre o carbono; assim a amina, na molécula estudada, é o grupo mais importante; 3) o
segundo grupo mais importante é o CO2H, pois tem dois heteroátomos (oxigênio) ligados
ra 13) (Para maiores informações, veja
ao carbono; 4) a terceira prioridade é o sistema aromático; 5) o átomo de menor prioridade http://www.thalidomide.org/FfdN/
é o hidrogênio. english/eindex.html).
Após ter estabelecido as prioridades, vamos do grupo de maior prioridade para o de menor Esse é um exemplo clássico de um
prioridade. Se o caminho for no mesmo sentido do relógio, temos o enantiômero R (latim,
efeito nocivo grave causado pelo
rectus = direita), se o caminho for no sentido contrário ao do relógio temos o enantiômero
S (latim sinistrus = esquerda). Importante, mantenha sempre o grupo de menor prioridade enantiômero de um fármaco comer-
para trás do plano. cial. Esse lamentável acontecimento
despertou a atenção da comunidade
Figura 12: Aplicação da regra R e S de Cahn-Ingold-Prelog. científica e das autoridades farma-
cêuticas sobre a importância de um
centro assimétrico na atividade farma-
uma série de substâncias, utilizadas mentos no centro assimétrico pode le-
cológica.
como fármacos, que apresentam em var a uma modificação importante da
sua estrutura um carbono assimétrico. atividade biológica. Nesse caso, a re- Um outro exemplo é o aspartame,
A supressão da quiralidade nesses fár- gra R e S é importante, pois permite adoçante sintético, com uso largamen-
macos leva ao desaparecimento da determinar qual é o arranjo espacial te difundido no Brasil e no mundo. O
atividade biológica. Por outro lado, a correto para cada esterereoisômero do estereoisômero S,S é doce, enquanto
inversão da orientação dos grupa- fármaco separado. Se soubermos dis- que o R,R é amargo.

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Tabela 1: Exemplos de fármacos com centros assimétricos e a atividade biológica (Sheldon, cadear uma série de reações intracelu-
1993). lares para dar origem a um efeito
Substâncias com centros assimétricos dotadasa de efeitos biológicos
biológico. Um fármaco também pode
interagir com uma enzima, que é uma
proteína de elevado nível de organiza-
ção.
Se essas estruturas têm quirali-
dade, podemos sugerir que para ter
interação com elas, o fármaco deve ter
um arranjo espacial de sua estrutura
muito bem definido. Esse arranjo deve
coincidir com aquele da estrutura com
a qual ele irá interagir.
Na literatura especializada existem
alguns modelos que permitem explicar
essa interação. Um desses modelos
está mostrado esquematicamente na
Figura 14 (Easson e Stedman, 1933).
O modelo mostra duas possibili-
dades de arranjo espacial de grupos
hipotéticos. Em um arranjo, a interação
do fármaco pode ocorrer, no outro ela
só ocorre parcialmente.
Por exemplo, a noradrenalina é um
28 hormônio liberado pelo organismo
humano quando precisamos de uma
dose de energia imediata. É o hormô-
nio lute ou fuja, liberado em situações
em que você precisa de maior atenção.
Por exemplo, quando toma-se um sus-
to brutal e o coração bate mais rápido,
ou quando vai-se brigar com alguém
ª o carbono assimétrico dos fármacos está assinalado com a rotação da seta. ou então vai-se fugir da briga. Esse
hormônio apresenta na sua estrutura
um centro assimétrico, de configu-
ração absoluta R (Figura 15).
Se invertermos o arranjo espacial
(configuração absoluta) do centro assi-
métrico presente na adrenalina, impe-
diremos que ocorra uma das intera-
ções, levando a uma modificação do
efeito biológico.
Uma outra possibilidade de ação é
através de uma interação com enzimas
do nosso corpo. As enzimas, da mes-
ma forma que os receptores das mem-
branas celulares, são proteínas e têm
Figura 13: Anomalias de formação causadas pelo enantiômero S da talidomida.
um arranjo espacial bem organizado e
definido. Para que a enzima possa
Como podemos explicar esses fatos? são proteínas de elevado grau de estabelecer ligações adequadas com
Um fármaco pode exercer a sua organização espacial, que se encon- um fármaco, este tem que apresentar
atividade no interior do nosso corpo tram na membrana da célula. Esses um arranjo espacial específico.
(biofase) de várias formas. Uma des- receptores agem como pequenos Esses modelos de interação permi-
sas formas é através da interação com interruptores de grande seletividade. tem estabelecer a importância da qui-
estruturas chamadas receptores, que Uma vez ligados, eles podem desen- ralidade para a atividade biológica.

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Figura 14: Modelo para explicar a interação
biológica.

Qualquer mudança de orientação es-


pacial do carbono assimétrico leva, na
quase totalidade dos casos, a uma
alteração no meio biológico.
Na figura abaixo mostramos uma 29
alusão que resume a importância que
a quiralidade pode ter para o efeito bio-
lógico. Não adianta tentarmos usar a
luva esquerda na imagem especular da
mão. Elas não se encaixam. O mesmo
ocorre com a interação de um fármaco
Figura 15: Aplicação do modelo à noradrenalina.
que tem um carbono assimétrico em
sua estrutura (Figura 16).
O controle da estereoquímica abso- Uma síntese or-
luta do centro assimétrico presente em gânica de moléculas
um fármaco pode ser realizado na sua que contêm centros
fabricação. Existem vários métodos assimétricos pode
químicos que permitem a realização ser classificada co-
dessa importante tarefa. Esses méto- mo racêmica ou assi-
dos constituem a base da síntese métrica. O produto
assimétrica. de uma síntese racê-
mica será um fárma-
Síntese orgânica co composto de uma
A síntese orgânica aplica os conhe- mistura de seus pos-
cimentos da química orgânica, visan- síveis estereoisôme-
do, entre outras coisas, a preparação ros em partes iguais.
de novas moléculas ou de moléculas Por outro lado, o pro-
já conhecidas. Ela permite a prepara- duto de uma síntese
ção, em uma fábrica, das substâncias assimétrica será um
que são utilizadas como fármacos. O fármaco de elevada
enorme desenvolvimento dessa área pureza óptica, ou se-
do conhecimento, nos últimos vinte ja, se estiver contami-
anos, possibilitou um grande avanço nado com o outro
da química, principalmente na prepa- estereoisômero será Figura 16: Alusão à interação do fármaco quiral com o nosso
ração de fármacos. em quantidades corpo.

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inferiores a 5%. Tabela 2: Exemplos de fármacos comercializados opticamente purosa.
No mercado mundial existem vários Fármaco Nome na farmácia8 Classe terapêutica Vendas mundiais
fármacos que já são vendidos nas far- (milhões, US$)
mácias em suas formas opticamente Amoxicilina Amoxil®, Novocilin® antibiótico 2000
puras, ou seja, sem a mistura com o Ampicilina Binotal® antibiótico 1800
outro isômero. Na Tabela 2 mostramos Captopril Capoten® controle de pressão 1520
alguns exemplos.
Enalapril Renitec® controle de pressão 1500
A venda de fármacos na forma de
Ibuprofeno Motrin® antiinflamatório 1400
mistura racêmica ainda ocorre. Entre-
tanto, é necessário saber qual é o Cefaclor Ceclor® antibiótico 1040
estereoisômero responsável pela ativi- Naproxen Naprosyn® antiinflamatório 950
dade e ter absoluta certeza que o este- Cefalexina Keflex® antibiótico 900
reoisômero inativo, presente na mistu- Lovastatina Lovastatina® controle de colesterol 750
ra, não tem nenhuma atividade bioló- a
Dicionário de Medicamentos Genéricos Zanini-Oga, 1999.
gica adversa.
Do ponto de vista do consumidor, gado no tratamento da pressão alta. A fabricação industrial dessa subs-
a administração de um fármaco em sua tância utiliza uma seqüência muita sim-
mistura racêmica tem algumas des- Sínteses racêmica e assimétrica do ples de reações (Esquema 2) (Ledni-
vantagens: Ibuprofeno cer, 1998).
1. A dose a ser utilizada deve ser O antiinflamatório ibuprofeno é utili- Um dos métodos para fabricação
aumentada, pois somente metade dela zado no combate aos processos infla- desse fármaco tem por objetivo incluir
tem o efeito farmacológico desejado; matórios (p. ex. reumatismos ou dores um grupamento metila (CH3) na posi-
2. O paciente ingere, a cada dose nas juntas, inflamações causadas por ção marcada, na estrutura 1. Para tan-
do fármaco, 50% de uma substância cortes etc). Ele apresenta uma razoável to, primeiro foi colocado um grupo
30 química desnecessária. tolerância se comparado à aspirina éster (2) e em seguida a posição foi
O único fator, no nosso entender, (Melhoral®, Aspirina®, Doril®), entre- metilada (3). Essa etapa é necessária
que dificulta a venda de fármacos qui- tanto o uso sem controle médico, em para evitar colocar mais de uma metila.
rais em sua forma opticamente pura é elevadas quantidades e por um tempo A perda de CO2 conduz a formação do
o custo de uma síntese assimétrica. prolongado, pode causar sérios pro- ibuprofeno. Uma outra alternativa para
Normalmente, os métodos usados são blemas no estômago. fabricar o ibuprofeno está apresentada
caros, o que eleva o preço final do fár- Podemos localizar na estrutura do no Esquema 3 (Lednicer, 1998).
maco para o consumidor. Entretanto, ibuprofeno dois pedaços distintos. Um Nesse método ocorre apenas uma
esse fator limitante tende a desapare- derivado do ácido acético e outro deri- reação que transforma um grupo car-
cer, principalmente devido às exigên- vado de um sistema aromático (Figu- bonila em um grupo carboxílico, pre-
cias legais. ra 17). sente no fármaco. Essa reação é uma
Uma síntese assimétrica, por sua
vez, pode ser enantiosseletiva ou
diastereosseletiva. No primeiro caso é
formado, com grande preferência, um
dos possíveis enantiômeros de um
fármaco. Uma síntese diastereos-
seletiva formará preferencialmente um
dos diastereoisômeros de um fármaco
(Esquema 1).

Exemplos de sínteses racêmicas e


assimétricas de fármacos
Nessa parte do artigo, vamos mos-
trar a preparação de alguns fármacos
disponíveis nas farmácias brasileiras.
Escolhemos duas substâncias: o fár-
maco ibuprofeno (Motrin®, Algifen®),
muito utilizado no tratamento de infla-
mação e contra a dor causada por es-
se tipo de processo, e o captopril
(Capoten®), fármaco muito empre- Esquema 1: Tipos de síntese orgânica.

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espécie de mudança de um grupo
carbonila de posição. O tratamento de
7 com base fornece o ibuprofeno.
As sínteses assimétricas incorpo-
ram no substrato um carbono em um
estágio de oxidação intermediário.
Uma etapa de adição oxidativa leva ao
ibuprofeno comercial (Esquema 4)
O captopril, fármaco lançado no Figura 17: Pedaços do ibuprofeno.
mercado por Bristol-Myers Squibb, é
vendido nas farmácias em sua forma
opticamente pura. Esse fármaco apre-
senta em sua estrutura dois carbonos
assimétricos (Figura 18).
Esse fármaco é composto por um
aminoácido natural, a prolina, e uma
parte com um átomo de enxofre.
Todos os métodos utilizados na sua
fabricação industrial baseiam-se no
uso da prolina, que por ser um ami-
noácido natural é vendida normal-
mente com o centro assimétrico con-
trolado.
No Esquema 5 apresentamos al-
guns métodos industriais para a fabri- 31
cação do captopril (Capoten®) (Shi-
makazi et al., 1982).
De maneira geral, a fabricação do
captopril é dividida em duas partes. Na
primeira é preparado o resíduo onde
será incorporado o átomo de enxofre.
Na segunda, esse resíduo é condensa-
do com a prolina. O controle da este- Esquema 2.
reoquímica absoluta do fármaco é feito
apenas na parte que tem o átomo de
enxofre, uma vez que a prolina, por ser
um aminoácido quiral, já tem o arranjo
espacial do seu carbono assimétrico
controlado.

Conclusão
A presença de centros assimétricos

Figura 18: Pedaços do captopril. Esquema 3.

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em alguns fármacos à venda nas far- maco, à diminuição do efeito biológi- Fármacos quirais necessitam de
mácias está relacionada à sua ativida- co ou então ao aparecimento de um cuidados especiais por parte das auto-
de farmacológica. Qualquer alteração efeito contrário, que pode ser extrema- ridades farmacêuticas, no sentido de
na orientação espacial desses centros mente danoso para a saúde dos con- garantir que somente aquele estereoi-
pode conduzir à total inativação do fár- sumidores. sômero responsável pela atividade seja
Exemplos de síntese assimétrica do Ibuprofeno (Alper e Hamal, 1990).
vendido nas farmácias.
Devido aos métodos que são utili-
zados na sua fabricação, o custo final
desse tipo de fármaco para o consu-
midor ainda é elevado. Entretanto,
devido às exigências legais esse custo
deve cair ao longo do tempo, princi-
palmente se levarmos em conside-
ração que o constante aprimoramento
da pesquisa em síntese orgânica deve
levar ao desenvolvimento de novos,
mais baratos e mais eficientes méto-
dos de fabricação.
Fernando A.S. Coelho, formado em farmácia indus-
trial em 1979 pela Faculdade de Farmácia da UFRJ,
Esquema 4. mestre em química de produtos naturais pelo NPPN-
UFRJ (1983), doutor em ciências físicas pela
Université Joseph Fourier de Grenoble (1987), é pro-
fessor Livre-Docente, lotado no Departamento de
Química Orgânica do Instituto de Química da
32 Universidade Estadual de Campinas. Entre as suas
linhas de pesquisa inclui-se a síntese assimétrica de
fármacos.

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Esquema 5.

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Quiralidade N° 3 – Maio 2001

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