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00:19 · 11.02.2008
Como observamos antes, o silêncio simbólico é aquele que faz borda entre o silêncio imaginário e o silêncio real, pois representa uma
experiência-limite da qual um exemplo feliz é o conto de Poe ´Descida no Maelstrom´, onde, sem fôlego, a personagem se vê obrigada a
deixar de lutar e entrega-se, en儫m, ao redemoinho. Lançando-se ao abismo, essa personagem pôde, no entanto, viver a grande experiência
de sua vida, o que a fez, ao mesmo tempo, entregar-se à sua paixão. No caso, observa-se, pois, um modo de experiência humana cujo
desespero, a estranheza ou o estupor que provocam levam paradoxalmente à produção da lucidez.
O silêncio em sua face real é o silêncio radical, o indizível, o insondável, o non sense, o impensável, tudo o que revela a 儫nitude e a morte, que,
por carecerem estas de razão, são sempre traumáticas. Não em vão, também o trabalho de luto é um trabalho silencioso que requer tempo.
Tudo o que representa o horror e o insondável pode nos deixar siderados e nos paralisar, conduzindo-nos, assim, ao silêncio mortífero, se
não formos capazes de reação. Por isso, a 儫gura do monstro nos faz gritar; e o grito revela o silêncio do monstro como metáfora do real.
Este real - que é silêncio de silêncio - nós só podemos encontrá-lo apenas por um momento fugidio, sob risco de comprometermos, nessa
peleja, nossa integridade psíquica.
Mas como expressar o silêncio do silêncio? Eis o que a literatura, muitas vezes, procura realizar na sua tarefa de abraçar com a palavra o
impossível. Se o grito é uma forma de fazer com que o silêncio seja ouvido, quer seja o grito de dor física ou psíquica, quer o grito do
encontro com a 儫gura 儫ccional do monstro, é porque, como bem observa Alain-Didier Weil, esse silêncio é tão absoluto que, desse lugar, o
sujeito não dispõe nem mesmo do poder de pedir socorro. Ilustrativos quanto a isso são os sonhos de alguns sujeitos que, diante do sinistro,
não conseguem sequer gritar e, então, despertam aliviados para um outro sonho - que é a vida.
Da natureza do silêncio
Esse silêncio, Lacan, o de儫ne como correlativo ao simulacro de dejeto. Seria a simulação da pulsão, silêncio estrutural que demite qualquer
tentativa de representção; a posição a que a análise conduz o analisando para o desfecho de sua análise; é a esse momento de encontro
com o real, onde se observa uma travessia e onde o luto do objeto corresponde à interrogação da própria transferência. O além da lógica
fálica a qual essa travessia faz borda é silêncio: por mais que se procure alcançá-lo, ele se furta.
Além da literatura fantástica e de terror, podemo encontrar a tentativa de escrever essa terceira forma de silêncio na literatura, que se
convencionou chamar de escrita do corpo. Objetivando romper os limites da lógica fálica para a construção do espaço literário, a escrita do
corpo representa a tentativa de simulação da linguagem pulsional através de sua inserção na escritura através das marcas sensitivas ou
ruídos do corpo, manifestando-se por seu avesso e, vencendo o domínio da representação, o corpo inscreve-se no discurso, como ´pura
presença´. (Branco, 1992:218). A escrita do corpo compreende, ainda, o tom oralizante, a magia e o excesso da linguagem, responsáveis pela
inscrição do silêncio, consoante as escrituras de Clarice Lispector, Guimarãoes Rosa, Joyce, dentre outros, uma vez que nestes autores a
escrita do corpo é apresentada em sua discursividade gestual: a letra sujeita a um modo de comparecimento do corpo. A letra como
materialidade do gesto revela-se, en儫m, como destituição subjetiva do eu-líterário. Ou seja, como metáfora da morte, pelo que esta comporta
de entrega e de despersonalização. O silêncio, então, aí encontrado é o mais 儫no dos silêncios, pois expõe a face da verdade que resiste ao
visível e ao representável. O silêncio é ´faca oxidada contra a polpa verde.´
Eni Puccinelli Orlandi, em ´As Formas do Silêncio - no movimento dos sentidos´ (Editora da Unicamp, Campinas, 1993), re觉ete acera das
di儫culdades em escrever um livro tendo como desa儫o a tessitura do silêncio. O que o intriga, enquanto proposta discursiva, é por que tomar
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o silêncio como objeto de re觉exão, pondo-se o ensaísta na relação do dizível com o indizível, uma vez que, nessa caminhada, há o risco de
tornar-se vítima Cidade(/)
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efeitos: o de não saber a estrada que liga o dizer ao não-dizer. Desse modo, nesse livro, o 儫o condutor é a
apresentação dos sentidos do silêncio. Diz ele: ´Acredito que o mais importante é compreender que: 1 - há um modo de estar em silêncio
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que corresponde a um modo de estar no sentido e, de certa maneira, as próprias palavras transpiram silêncio. Há silêncio nas palavras; 2 - o
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estudo do silenciamento (que já não é silêncio mas ´pôr em silêncio´) nos mostra que há um processo de produção de sentidos silenciados
que nos faz entender uma dimensão do não-dito absolutamente distinta da que se tem estudado sob a rubrica do implícito.
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Para nós, o sentido do silêncio não é algo ajuntado, sobreposto pela intenção do interlocutor: há um sentido no silêncio.´ (p. 12) Há, portanto,
discordância de compreender o silêncio como resto da linguagem. Com isso, ele livra o silêncio do sentido passivo e negativo que lhe foi
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atribuído pela nossa cultura; assim, na História, o não-dizer está diretamente ligado à ideologia.
"Do nada ao signi儫cante, isto é, do silêncio à palavra, o ser falante se introduz no universo da linguagem, humanizando-se. Desse tempo
ancestral não há recordação. Mas, mesmo assim, os poetas, assim como os místicos imaginam uma experiência da morte em vida: o
imaginariamente simbólico; uma verdade que só se revela na escrita. Nesse sentido, toda criação poética produz signi儫cações que escapam
ao criador. Só a poesia pode 儫xar pelo ato de escrita o hiato que se abre entre o corpo e a linguagem, entre o dito e o não dito, entre o sujeito
e o eu."
BIBLIOGRAFIA
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