rebatimentos no sistema
educacional: um exame do REUNI
Maria Arlete Duarte de Araújo*
Helano Diógenes Pinheiro**
Resumo
Este artigo examina os dispositivos do Plano de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI) que se articulam a um novo padrão de intervenção
do Estado ao tempo em que se mostram sintonizados com o discurso da Nova
Gestão Pública. Para tanto, inicialmente tece considerações sobre a crise e reforma
do Estado e os novos paradigmas de gestão;em segundo lugar, discute a reforma do
Estado brasileiro e suas vinculações com o ideário das reformas em todo o mundo;
em terceiro lugar, faz uma avaliação do REUNI estabelecendo as afinidades existen-
tes entre as propostas de reforma do Estado e do sistema educacional e, finalmente,
conclui que o REUNI tenta dar respostas à crise do sistema ao tempo em que
valoriza a introdução de novos arranjos organizacionais e de mecanismos de gestão
para obtenção de mais eficiência no gasto público com a suposição básica de que a
contratualização de resultados é a aposta certa para resolver os problemas de ex-
pansão do sistema.
Palavras-chave: Nova Gestão Pública. Reforma do Estado. Política Educacional.
Eficiência. Contratualização.
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with the discourse of the New Public Management. For so, the article, firstly, makes
comments on the crisis and reform of the State and the new management
paradigms; secondly, it discusses the reform of the Brazilian State and its bonds
with the ideals of reform worldwide; thirdly, it assesses REUNI, establishing
common points between the approaches of the reform of the State and the
educational system and, finally, it concludes that REUNI tries to give answers to the
crisis in the system as it values the introduction of new organizational
arrangements and management mechanisms so as to obtain more efficiency
concerning public expenses with the basic assumption that contractualizing results
is the right path to solving the problems of expansion of the system.
Keywords: New Public Management. State Reform. Educational Policies.
Efficiency. Contractualization.
A partir dos anos 1990, como consequência do triunfo das propostas de refor-
ma do Estado centradas nas ideias da Nova Gestão Pública (NGP), em quase todos
os países do mundo, tornou-se comum a reforma para os sistemas educacionais
com o objetivo de reorientar os seus serviços em conformidade com novas formas
de gestão que têm como foco central o controle de gastos e melhoria da eficiência,
a introdução de mecanismos centrados na busca de eficácia, produtividade e con-
trole de custos, foco nos resultados em lugar de insumos, padrões de desempenho
e medidas de qualidade.
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Tratava-se de apoiar as ações do Estado cada vez mais nas ideias do setor priva-
do provenientes das ciências administrativas – racionalização de estruturas e proce-
dimentos, revisão dos processos de tomada de decisão, incremento da produtivida-
de, aplicação das tecnologias da gestão privada nas organizações públicas, focaliza-
ção nos resultados organizacionais e incentivos do mercado, princípios de descen-
tralização, accountability, competição, clareza nos objetivos, presunção sobre mai-
or eficiência do setor privado e desempenho. Tratava-se de rediscutir as ações da
burocracia em busca de um incremento de responsabilidade de quem administra os
serviços públicos, de maior autonomia para o atendimento das demandas. O ponto
de chegada é um Estado que funcione com economia, eficiência e eficácia. Tratava-
se de tornar o Estado mais acessível ao cidadão de modo a atender com eficiência,
eficácia e efetividade às suas demandas.
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O foco das proposições ao colocar um forte acento gerencial para fazer o governo
funcionar melhor e com mais eficiência através da utilização de um conjunto de práticas
da iniciativa privada, ao colocar em xeque as estruturas hierárquicas burocráticas com
foco no processo e pôr em cena estruturas mais ágeis e flexíveis com foco no resultado,
acabou definindo o aporte teórico da NGP como a orientação mais importante para a
condução da reforma do Estado. É claro que, como mencionado anteriormente, outros
aportes teóricos também influenciaram a discussão sobre a necessidade de redefinir o
papel e tamanho do Estado, mas sem dúvidas o arcabouço propositivo da NGP foi
determinante para as propostas que emergiram a partir dos anos 1970 para solucionar
a crise do Estado, ao enfatizar a incorporação de ferramentas de gestão empresarial, a
introdução de competitividade no âmbito do setor público com os “quase mercados”, a
obtenção de resultados, a orientação ao cliente, a utilização de indicadores de desempe-
nho para controlar e avaliar a gestão, o uso de mecanismos de participação e consulta,
a preocupação com a qualidade, a delegação de autoridade, a preocupação com os
custos de transação. A nova filosofia de gestão pública, na verdade, incorpora contribui-
ções da Teoria da Escolha Pública, da Teoria da Agência e da Teoria dos Custos de
Transação, orientações que perseguem ideias de competitividade, escolha, controle, cus-
tos contratuais, eficiência, introdução de mecanismos de mercado. Assim, algumas idei-
as tornam-se consensuais: flexibilidade gerencial, visão do cidadão como cliente, intro-
dução de mecanismos de competição de mercado, externalização de atividades, foco na
mudança de procedimentos e processos, arranjos organizacionais mais flexíveis.
A gestão pública deveria, pois se apoiar em três valores básicos (eficiência, eficácia e
economia) e ser orientada para a obtenção de resultados e não mais para o cumprimento
dos dispositivos legais e burocráticos para atender às necessidades dos cidadãos que espe-
ram que o governo tenha um desempenho capaz de atender às suas necessidades.
É importante ressaltar que a simples referência ao cidadão como eixo das refor-
mas é insuficiente para informar sobre o caráter da reforma, e somente a apreen-
são dos conteúdos das reformas é que de fato poderá dizer se, de fato, existe
preocupação ou não com o atendimento das necessidades do cidadão e, em especi-
al, a forma como se dá o envolvimento do cidadão.
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No caso dos serviços não exclusivos propõem-se as Organizações Sociais (OS), através
de um programa de publicização que assegura o seu caráter público, mas de direito
privado (BRASIL,1998). As OS teriam autonomia administrativa e financeira e sua relação
com o Estado seria regulada através de contratos de gestão que disciplinariam todos os
aspectos relacionados à atividade em que estivesse envolvida. As OS são caracterizadas
como entidades de interesse social e de utilidade pública, associações civis sem fins lucra-
tivos, e surgiriam pela qualificação de pessoas jurídicas de direito privado nas atividades de
ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio
ambiente, cultura e saúde, podendo, ainda, ser criadas a partir da substituição de órgão
público de qualquer figura jurídica, pela extinção da instituição e dos cargos públicos vagos
e em comissão, com inventário do patrimônio. As OS permitem a possibilidade de partici-
pação de outros setores da sociedade civil na prestação de serviços sociais e científicos e
assim sendo ajudam a redefinir o novo tamanho do Estado. O instrumento a regular as
relações entre as OS e o poder público é o contrato de gestão que consiste em um acordo
sobre um conjunto de metas e indicadores a alcançar. O foco da relação contratual é o
resultado a ser alcançado. O contrato de gestão é o instrumento preconizado pela reforma
do Estado para introduzir um conjunto de mudanças na forma de operar da administra-
ção pública, na medida em que se acordam indicadores de desempenho, prazos, preços,
duração do contrato, formas de avaliação, responsabilidades, multas, critérios de renova-
ção e outros. A lógica do contrato é uma lógica centrada no resultado a alcançar. Logo
busca a eficácia das ações executadas dentro de um padrão de eficiência e de maior grau
de autonomia para os prestadores de serviço. A contratualização é vista como uma alter-
nativa para trazer mais racionalidade, eficiência e eficácia ao gasto público.
Outra figura jurídica que veio a ser criada pela Lei nº. 9.790 (BRASIL, 1999), foi
a figura das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) . As
OSCIP são entidades civis sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particula-
res, qualificadas pelo poder público, não estando submetidas às normas do direito
público, para cumprir entre outras as seguintes finalidades: promoção da assistên-
cia social, da cultura; defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, da
educação, da saúde, da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e
conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável, do
voluntariado, do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza. As
relações entre o Poder Público e a OSCIP são definidas pelo termo de parceria que
deve ter as seguintes cláusulas: objeto, metas e resultados a atingir, prazos, critérios
de avaliação de desempenho; previsão de receitas e despesas, relatório sobre a exe-
cução, prestação de contas, publicação na imprensa oficial do estrato do Termo de
Parceria e de demonstrativo da sua execução física e financeira.
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mando por base as vagas oferecidas nos processos seletivos para ingresso nas univer-
sidades. A matrícula projetada em cursos de graduação é definida como a projeção do
total de alunos matriculados na universidade, realizada com base no número de vagas
de ingresso anuais de cada curso de graduação presencial, a sua duração padrão
(tempo mínimo, medida em anos, para integralização curricular) e um fator de reten-
ção estimado para cada área do conhecimento. A medida do corpo docente utilizada
no cálculo da relação de alunos de graduação por professor tomará por base o núme-
ro de docentes com equivalência ao regime de dedicação exclusiva e será ajustada em
função das dimensões dos programas de pós-graduação da universidade. Para tanto,
far-se-á o cálculo da dedução devida à pós-graduação, tomando-se por base (i) o
número esperado de alunos de mestrado e doutorado na universidade em função da
relação média de 1,5 alunos de pós-graduação por professor; (ii) o número efetivo de
alunos de mestrado e doutorado matriculados nos programas da universidade, pon-
derado pelo fator de avaliação dos programas.
Constata-se, pois, que não só são definidas as metas a serem alcançadas, mas também
a forma como o Ministério da Educação (MEC) fará a auditoria das metas. Observa-se
também a introdução de novos mecanismos de controle das instituições, materializados
através da adoção de novos conceitos – matrícula projetada, fator de retenção por área de
conhecimento, banco de professores equivalentes, número de alunos de pós-graduação
por professor. Dessa forma, o papel das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) é o
de implementação da política para atingimento das metas e o do MEC de controle total
sobre a definição das metas e dos indicadores. Assume grande realce no modelo o controle
de resultados, com focos na eficiência e nos resultados, com consequências diretas na
forma de gestão. Inverte-se a lógica que presidia as relações entre as universidades federais
e o MEC. Agora, privilegia-se o foco nos resultados previamente pactuados, rompendo
com o paradigma burocrático até então dominante de foco nos processos.
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Para cada um dos aspectos das dimensões, o plano deve apresentar os seguintes
pontos: diagnóstico da situação atual; metas a serem alcançadas com cronograma
de execução; estratégias para alcançar as metas, etapas, e indicadores.
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O artigo 3º do Decreto nº. 6.096 (BRASIL, 2007a), por sua vez, trata dos recur-
sos financeiros para as universidades federais custearem as despesas dos planos de
reestruturação. Os recursos serão despendidos ao longo dos cinco anos de duração
do plano, limitados a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal da universi-
dade. As despesas que poderão ser feitas são: I - construção e readequação de
infraestrutura e equipamentos necessárias à realização dos objetivos do Programa;
II - compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos regimes
acadêmicos; e III - despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das ativida-
des decorrentes do plano de reestruturação. (BRASIL, 2007a). O Ministério também
garante os recursos adicionais às universidades, porém, determina que os dispêndi-
os ocorrerão de acordo com o cumprimento das etapas.
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MEC, com claros reflexos na forma de gerir as instituições. Este objetivo é clara-
mente percebido no Documento de Orientação para as universidades, elaborado
pelo Grupo Especial, instituído pela Portaria nº 552, de 25 de junho de 2007, que
assume, logo no início, a pretensão de centrar-se nos resultados, deixando a critério
das IFES a definição da estratégia. Para tanto, os projetos apresentados pelas uni-
versidades poderão desenvolver-se no conjunto de suas unidades acadêmicas, em
alguma delas e/ou em novas unidades a serem criadas. Dessa forma, “não preconiza
a adoção de um modelo único para a graduação das universidades federais, já que
ele assume como pressuposto, tanto a necessidade de respeitar a autonomia uni-
versitária, quanto a diversidade das instituições” (BRASIL, 2007b, não paginado).
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À guisa de conclusão
Embora o Ministério da Educação continue desenvolvendo novas políticas para o
ensino superior, o REUNI é o grande instrumento de reestruturação das universida-
des em implementação, sendo o responsável pela nova etapa de expansão das IFES,
pela realização de grande parte dos investimentos e por sua reestruturação interna,
o que impacta diretamente no modelo de tomada de decisão, pois tem a capacidade
de redefinir o poder dos atores tradicionais.
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Referências
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PEREIRA, L. C.; SPINK, P. (Org.). Reforma do Estado e administração pública
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Reforma gerencial do Estado e rebatimentos no sistema educacional: um exame do REUNI 667
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suscrito por el Consejo Directivo del CLAD. Caracas, 1998.
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