Alexandre Camargo
História e geografia são frequentemente lembradas como áreas muito próximas, em especial
quando se abordam assuntos como industrialização, urbanização e globalização. As duas
disciplinas também são responsáveis por apresentar aos jovens a organização do homem em
sociedade e o clássico problema da relação entre liberdade e condicionamento das ações. Questões
já presentes no horizonte da primeira geração dos Annales, movimento historiográfico francês do
início do século XX cuja “idade de ouro” se confunde com o apogeu da simbiose entre história e
geografia.
Herdeiro dos Annales, o historiador Fernand Braudel (1902 - 1985) levou adiante este projeto com
o livro “O mediterrâneo e o mundo mediterrânico à época de Filipe II”. No título, os termos estão
propositadamente invertidos. O mediterrâneo é o sujeito da história, restando ao monarca espanhol
um papel secundário. O objetivo é demonstrar que todas as características geográficas são parte da
história. Por exemplo, as montanhas como fato geográfico dão lugar a uma discussão sobre o
conservadorismo dos montanheses ou as barreiras sócio-culturais que separam os homens da
montanha e os da planície.
Braudel idealizou ainda uma tipologia dos tempos históricos com ritmos de evolução distintos, tal
qual um edifício de três pisos. A parte mais alta seria o tempo das conjunturas, dos acontecimentos,
da política e dos homens. A seguir, o tempo das estruturas, da formação da sociedade, da economia
e dos impérios. Na base, o ritmo mais lento, uma “história quase imóvel”, chamada por Braudel de
“geo-história”. Este é o tempo da civilização mediterrânica, do seu berço greco-romano à Europa
da renascença e dos Estados nacionais. Braudel consagra ao “tempo geográfico”, com sua
longuíssima duração, a primazia na hierarquia das causas.
Casamento doutrinário
A qualificação superior dos professores passava por um objetivo estratégico do Estado Novo:
repensar o modelo pedagógico das duas disciplinas na escola. Juntas, elas deveriam incutir
sentimentos patrióticos e virtudes cívicas nos alunos, tornando-os cidadãos ordeiros, conforme
estabelecia o modelo pedagógico do Estado Novo. A centralização política do novo regime passava
pelo enfraquecimento e cooptação das oligarquias locais. O ensino de história e geografia deveria
prestar auxílio a esta missão, desestabilizando os pilares de sustentação simbólica dessas elites
rurais. Assim, a história deveria reproduzir as narrativas
da memória oficial, destacando a moral dos grandes
personagens e silenciando conflitos sociais e
movimentos separatistas. Já a geografia deveria
estabelecer uma nova pedagogia do espaço, que
eliminasse a referência aos estados como suporte da
identidade territorial, consagrando em seu lugar a noção
de macrorregião.
A abrangência impressiona pela distância dos padrões atuais, em que uma matéria chamada “geo-
história” avulta na grade de alguns cursos como um solitário vestígio desse passado remoto. Com a
formação da primeira geração de historiadores e geógrafos pós-graduados no exterior, aumentou a
pressão em favor da separação dos cursos, uma demanda que atendia às exigências de
diversificação do perfil profissional. Em meados dos anos 1950, os dois cursos foram separados na
Universidade do Brasil e de São Paulo. Era o início de um processo de quase-divórcio, acelerado
pela criação dos programas de mestrado e doutorado no país, já no final da década de 1960.
Historiadores se aproximariam cada vez mais da antropologia e da sociologia, além de campos
antes pouco freqüentados, como a lingüística. Geógrafos se identificariam com áreas mais ligadas
ao planejamento e às políticas públicas, como ambientalistas, ecólogos e urbanistas.
Quando pensamos nas dificuldades que hoje enfrentam os historiadores para manusear um mapa, é
necessário refletir sobre o desaparecimento de alguns fundamentos de nossa profissão junto com a
velha guarda dos historiadores universitários. Retornar às origens não é uma saída possível nem
desejável. No entanto, é preciso alertar contra o erro de abraçar todas as novidades e, mesmo sem
querer, ignorar o passado de nossa atividade.