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esquerda.

E, no mesmo instante em que deixa a


HISTÓRIAS IMPOSSÍVEIS imagem, o comboio entra de rompante pela direita, de
Wim Wenders modo ainda mais surpreendente do que o
desconhecido que acabara de passar. (O filme foi
(Conferência num colóquio sobre técnicas narrativas) rodado sem som, só com música de fundo, e não
podíamos, portanto, também ouvir o comboio chegar
por trás. ) Nesta «acção» diminuta - um homem
Em inglês, para o vocábulo «contar», há atravessa, pouco antes da passagem do comboio, a via
apenas uma expressão constituída por três palavras: férrea - começa repentinaniente uma «história». Que
to tell stories. O meu problema reside exactamente se passa com o homem, é perseguido, queria talvez
aqui: para lhes falar sobre o narrar, convidaram suicidar-se, porque é que ele tem tanta pressa? Etc.,
alguém que, desde sempre, só teve problemas com as etc. A paz da «paisagem com comboio» fora
stories. perturbada. Julgo que comecei exactamente neste
Tenho que começar mesmo pelo princípio. Fui instante a ser um narrador. E com isso começaram
pintor, interessava-me única e exclusivamente o também todos os meus problemas, pois, pela primeira
espaço: paisagens e cidades. Tornei-me realizador, vez, acontecia alguma coisa num terreno que eu
quando notei que não "progredia" como pintor. próprio tinha preparado.
Faltava alguma coisa aos quadros e à pintura! De um Os problemas aumentaram logo muito
quadro para outro faltava alguma coisa, e faltava rapidamente, porque na montagem conjunta dos dez
igualmente alguma coisa em cada quadro isolado. planos tornou-se-me claro que, depois do planos em
Dizer que faltava vida teria sido demasiado simples; que um homem atravessa perigosamente os carris, as
eu pensava, pelo contrário, que faltava o conceito, a pessoas esperariam que também em todas os outros
concepção de tempo. Quando comecei a filmar, acontecesse alguma coisa. Tive assim, pela primeira
entendia-me, em vista disto, como pintor do espaço à vez, que me confrontar criticamente com a ordenação
procura do tempo. Nunca me ocorreu designar este dos planos, com uma dramaturgia. A minha ideia
procsso por "narrar". Eu era, certamente, muito inocente de colocar uma série de imagens fílmicas, de
ingênuo. Imaginava o filmar como sendo fácil. planos fixos uns atrás dos outros sem «ordenação»,
Pensava, como pintor, que bastava ver alguma coisa desvanecera-se. No filme, o contexto criado pela
para logo poder também mostrá-la e pensava além montagem, que era apenas a ordenação destas
disso que um narrador (eu não o era, contudo) tinha imagens - o seu seguimento ou combinação numa
primeiro que escutar e somente depois falar. Rodar sequência - era o primeiro passo para a narração. As
um filme queria, para mim, dizer que se ligava tudo pessoas veriam logo uma relação mais rebuscada
isto. Isso foi um erro; contudo, antes que eu o possa entre as imagens enquanto intenção para contar
aqui esclarecer, tenho que falar de outra coisa. alguma coisa. E, contudo, esta não era a minha
As minhas histórias começam sempre com intenção. Eu queria pura e simplesmente combinar
imagens. Quando começei a rodar o meu primeiro Tempo e Espaço; contudo, a partir daquele instante,
filme, interessavam-me exclusivamente "retratos tinha que contar uma história. Desde então e até hoje,
paisagísticos». O meu primeiríssimo filme, SILVER existe para mim uma oposição entre imagens e
CITY, consistiu em dez planos, durando cada um três histórias. Como se trabalhassem umas contra as
minutos: tanto quanto durava uma bobina de 16 mm outras, sem se excluir mutuamente. As imagens
para luz natural. Via-se em cada plano, uma paisagem interessaram-me, todavia, sempre mais, e que elas
urbana. Eu não movia a câmara e nada acontecia. Os queiram - logo que tenham uma ordem - contar uma
planos assemelhavam-se, no fundo, a pinturas ou a história, é para mim até hoje um problema.
aquarelas que eu tinha anteriormente feito, estavam As minhas histórias começam sempre com
agora simplesmente registradas em filme. Havia um lugares, cidades; paisagens ou ruas. Um mapa
plano que era, todavia, diferente: tratava-se de uma também é logo um argumento para mim. Quando
paisagem vazia com carris de comboio; a câmara visito, por exemplo, uma cidade, começo logo a
estava muito junta aos carris. Eu sabia quando é que perguntar o que se poderia lá passar; acontece-me
os comboios viriam. Comecei a filmar dois minutos algo de semelhante com um edifício, como no meu
antes da chegada do comboio e tudo parecia passar-se quarto de hotel aqui em Livorno: olho pela janela,
exactamente como em todos os outros planos deste chove fortemente e um carro para diante do hotel.
filme : uma paisagem vazia. Vazia até ao momento Alguém sai e olha em seu redor. A pessoa desce
em que, dois minutos mais tarde, alguém vindo da depois a rua sem um guarda-chuva, embora continue
direita apareceu a correr na imagem, passando a a chover. Começa, então, logo uma história na minha
alguns metros da câmara, saltou sobre os carris, cabeça, pois gostaria de saber para onde é que vai a
atravessou a imagem e desapareceu de novo pela personagem e como é a rua que ela agora toma.
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As histórias podem também, naturalmente, divertimento e tensão ou distracção. Para as pessoas,
começar de modo diferente. Há pouco tempo, passou- trata-se desde logo de um contexto que é
se o seguinte comigo: estou sentado sozinho no átrio estabelecido. As histórias dão às pessoas a sensação
de um hotel e espero alguém que me vem buscar, mas de que há um sentido, de que por detrás da confusão
não sei quem é. Entra um mulher que também incrível de todos os fenômenos que as rodeiam se
procura alguém que ela não conhece. Vem ter comigo escondem uma ordem e uma sequência últimas. As
e pergunta: «É o senhor fulano?», e eu quase pessoas desejam esta ordem mais do que tudo o resto;
respondi: «Sim» ! Simplesmente porque me fascinava quase diria que a concepção de ordem e de história se
a noção de que poderia viver o começo de uma relaciona com a concepção de Deus. As histórias são
história ou de um filme. Uma história pode, portanto, o substituto de Deus. Ou vice-versa.
iniciar-se com um momento dramático; no entanto, Pessoalmente (e, exactaniente por isso, tenho
geralmente as histórias não me ocorrem em problemas com as histórias) acredito mais no caos, na
momentos dramáticos; é antes em momentos complexidade inexplicável de todas os
contemplativos, quando vejo paisagens, casas, ruas e acontecinientos à minha volta. No fundo, penso que
quadros. as situações isoladas não estão relacionadas umas
Ao escritor, parece lógico que o narrar com as outras e as experiências, na minha vida,
conduza a histórias - no sentido de que cada palavra consistem sempre e apenas em situações isoladas;
quer pertencer a uma frase e as frases querem estar nunca encontrei uma história com princípio e fim.
num contexto; ele não tem que inserir violentamente Para alguém que conta histórias, isto é francamente
as palavras numa frase, nem as frases numa história. um pecado, mas tenho que confessar que não
Há, creio eu, uma espécie de inevitabilidade que leva presenciei durante toda a minha vida uma única
do narrar a uma história. Nos filmes - ou, pelo menos, história. Na realidade, julgo eu,as histórias mentem,
no meu caso, pois há naturalmente outras maneiras de ou melhor, são por definição, histórias de mentiras.
filmar -, as imagens não conduzem necessariamente a Mas são muito, muito importantes como forma de
qualquer outra coisa; existem só por si. Julgo que sobrevivência. Com a sua estrutura artificial, ajudam
uma imagem pertence sempre a si própria, enquanto as pessoas a vencer os seus grandes medos: o medo
que a palavra tende geralmente para um contexto, de que não haja Deus e que elas sejam apenas
para uma história, justamente. As imagens não têm, criaturinhas muitíssimo pequenas, flutuantes, dotadas
quanto a mim, automaticamente a tendência para se de percepção e consciência, mas perdidas num
dispor numa história. Para funcionarem como palvras universo que excede todas as suas concepções. Na
e frases, têm primeiro que ser “violentamente” medida em que estabelecem contextos, as histórias
levadas a isso, isto é, manipuladas. tornam a vida suportável e ajudam a vencer o medo.
A minha tese é , portanto, que para mim como As crianças gostam, por isso, de ouvir histórias antes
realizador, narrar quer sempre dizer que as imagens de adormecer. A Bíblia é, também por isso, um livro
são forçadas a alguma coisa. Por vezes, esta de histórias único e as histórias deverão, assim,
manipulação torna-se em arte de narrar histórias, mas acabar sempre bem.
não forçosamente. Muito frequentemente, não sai daí Naturalniente, as histórias também
nada, a não ser justamente imagens maltratadas. estabelecem nos meus filmes uma ordem das
Não gosto da manipulação que é precisa para imagens. Sem história, as imagens que me interessam
encaixar todas as imagens de um filme numa história; correriam o risco de se perder e cair em qualquer
é muito perigosa para as imagens pois absorve arbitrariedade.
tendencialmente o que há de «vida» nelas. Na relação As histórias cinematogràficas são, por tudo
da história com a imagem, a história assemelha-se, isto, assim como rotas de viagem. O mais empolgante
para mim, a um vampiro que tenta sugar o sangue da de tudo para mim, são os mapas; quando vejo um
imagem. As imageqs são muito susceptíveis, um mapa, logo fico inquieto, sobretudo quando se trata
pouco como os caracóis, que se recolhem quando lhes de um país ou de uma cidade onde ainda nunca estive.
tocamos nas antenas. Não querem trabalhar como um Contemplo todos os nomes e gostaria de
animal de carga; não querem levar nem transportar compreendê-los a todos, o que é que eles designam,
nada: nem mensagem, nem sentido, nem objectivo, sejam ruas de uma cidade ou cidades de uim país;
nem moral. As histórias é que querem isso. quando vejo um mapa, ele torna-se para mim, afinal,
Até agora tudo parece estar contra as histórias, uma alegoria da vida. A contemplação de um mapa
como se elas fossem o inimigo. Contudo, as histórias torna-se suportável quando tento encontrar um
são, também, naturalmente alguma coisa de muito caminho, delimitar um percurso e viajar por ele
empolgante; possuem uma grande força e significado através do país ou cidade. As histórias fazem
para as pessoas. Como se dessem às pessoas alguma exactamente o mesmo: descrevem caminhos de
coisa que elas desejam muitíssimo, mais do que orientação num país desconhecido onde, se assim não
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fiosse, puderíanios chegar a milhares de lugares representam, do mesmo modo, reacções ao filme A
diferentes sem chegar alguma vez a lado nenhum. precedente: foram rodados, porque eu já não
Que espécie de histórias contam meus filmes? suportava que o filme anterior tivesse sido tão
Dividem-se em dois grupos; traço uma linha de «subjectivo» e porque surgira a necessidade de
separação rigorosa, pois trata-se de dois sistemas ou trabalhar numa estrutura fixa, dentro dos limites de
tradiçoes totalmente distintos. Há, paia além disso, uma história. Os actores representam papéis nos
um vaivém contínuo entre aimbas as categorias, com filmes B, apresentam figuras artísticas, «outros», que
excepçào de um único filme (A LETRA não eles próprios; nos filmes A, pelo contrário,
ESCARLATE), e esse foi um erro. interpretam e mostram-se a si próprios; eram eles
No primeiro grupo (A) são todos filmes a próprios.
preto e branco, exceptuando NICK'S FILM, que não O meu interesse e o meu trabalho em todos
pertence a nenhuma das duas tradições (nem sei estes filmes residiam, portanto, em introduzir tanto
sequer, se ele é de todo um filme e, por isso, excluo- quanto possível algo de (pré-)encontrado. Nos filmes
o). No outro grupo (B), são todos filmes a cores que B, as coisas tinham que ser inventadas. Torna-se cada
se baseiam todos, para além disso, em romances já vez mais claro que poderíamos designar um grupo de
existentes. Os filmes do grupo A, em contrapartida, filmes como «subjectivo» e o outro como «procura da
baseiam-se sem excepção numa ideia minha - ideia é objectividade». Mas isto não foi, naturalmente, tão
um conceito muito inexacto: abrange sonhos, sonhos simples assim.
acordados e vivências. Todos os filmes do grupo A Seguidamente, irei dizer alguma coisa sobre a
nasceram assim, mais ou menos sem argumento, maneira como os filmes A começaram e que
enquanto que os filmes do outro grupo seguiram significado tem neles o narrar. O primeiro filme
muito precisamente um argumento. Os filmes A têm chama-se SUMMER IN THE CITY e conta a história
apenas uma estrutura flexível, enquanto que os filmes de um homem que passou dois anos na prisão. O
B são todos dramaticamente muito fechados. Os primeiro plano mostra-o a sair da prisão, e como ele,
filmes A foram filmados, sem excepção, numa de repente, tem que enfrentar de novo a vida. Tenta,
sequência cronológica, partindo em geral da única portanto, encontrar os seus velhos amigos e
coisa conhecida, a situação com a qual a história restabelecer as velhas relações, mas torna-se-lhe
começa; os filmes B foram rodados de uma maneira muito rapidamente evidente que já nada é como era
muito tradicional, em todos os sentidos, e tiveram que dantes. No fim, parte para a América. O segundo
respeitar as imposições da produção. Eu nunca sabia, filme da série A, ALICE IN DEN STÀDTEN, trata de
com os filmes do grupo A, quando começava a filmar um homem que tem que escrever uma história sobre a
e como é que eles deveriam acabar. Conhecia, desde o América. Não o consegue e o filme começa quando
começo, o fim dos filmes B. ele delibera regressar à Europa. Encontra
No fundo, os filmes do grupo A constituem um ocasionalmente uma rapariguinha, Alice, com a mãe e
sistema muito aberto e os filmes do B um sistema declara-se pronto para acompanhar a criança até à
muito fechado. Ambos representam não apenas Europa, onde irá ter com a avó. Não sabe, contudo,
sistemas, mas também atitudes, propósitos: abertura onde é que ela mora; tudo o que possui é uma
de um lado, disciplina de outro. O tema dos filmes A fotografia da casa. O resto do filme é constituído pela
foi descoberto e perscrutado somente nas filmagens. procura desta casa.
O tema dos filmes B era conhecido, tendo que ser Um homem tenta suicidar-se - assim começa
descoberto o que nele estava bem ou mal. Os filmes A AO CORRER DO TEMPO - Um outro observa-o, por
foram realizados de dentro para fora, e inversamente acaso, nessa tentativa e ele desiste, portanto, dos seus
os filmes B. Para os filmes A, a história teve que ser acessos de kamikaze. O outro tem um TIR. Resolvem
encontrada, para os filmes B a história teve que ser seguir viagem juntos e também isto é um acaso puro.
esquecida. O filme ocupa-se desta viagem e da curiosidade de
O facto de os filmes A e B se alternarem saber se os dois têm alguma para dizer um ao outro
constantemente até ao erro que referi mostra que cada ou não.
filme foi uma reacção ao anterior e é isto No último filme do Grupo A, O ESTADO DAS
precisamente que descreve o meu dilema. Os filmes COISAS, trata-se de uma equipa de filmagens que tem
A foram sempre feitos porque o filme anterior que interromper o trabalho num filme, porque já não
continha regras demais, não era suficientemente há dinheiro e o produtor desapareceu. O pessoal das
espontâneo e as figuras já não me interessavam; filmagens não sabe se conseguirá acabar as
sentia, demais a mais, que me tinha que, de algum filmagens. O filme ocupa-se deste grupo de pessoas
modo, «expor» juntamente com a equipa de filmagem que perdeu a orientação e especialmente do realizador
e com os actores; tínhamos todos que nos expor em que regressa, por fim, a Hollywood para procurar o
conjunto a uma nova situação. Todos os filmes B produtor.
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Todos estes filmes se ocupam de pessoas que, podemos utilizar o método de «sonhar de olhos
em viagens, são expostas a situações desconhecidas; abertos». Quero com isto dizer: as histórias
todos os filmes têm a ver com a visao, com a pressupõem sempre um controlo, isto é, elas
percepçao e com pessoas que, de repente, têm que ver conhecem o seu caminho, sabem por onde é que ele
as coisas de modo diferente. vai, têm princípio e fim. O sonho de olhos abertos
Gostaria, para ser o mais concreto possível, de funciona de modo muito diferente, falta-lhe este
regressar mais uma vez ainda a AO CORRER DO controlo «dramatológico». Existe, antes, assim algo
TEMPO. Como é que começou? De certo modo, como um condutor inconsciente, que quer avançar
porque eu tinha acabado de realizar MOVIMENTO sem lhe importar para onde; todo o sonho quer ir a
EM FALSO, portanto como reacção ao filme anterior. algum lugar, mas quem sabe onde? Alguma coisa no
Senti que tinha que inventar uma história na qual eu inconsciente sabe-o; todavia, apenas o podemos
pudesse perscrutar-me a mim próprio e ao país - a descobrir quando deixamos as coisas fluírem e isto
Alemanha, dela se ocupava também o filme anterior, foi o que eu tentei em todos estes filmes. A palavra
embora de uma outra maneira. Isto deveria tornar-se inglesa drifting exprime-o muito bem. Não é o
desta vez uma viagem num país desconhecido, num caminho mais curto entre dois pontos, mas uma linha
país desconhecido em mim próprio e no meio da em ziguezague. Uma palavra ainda melhor seria
Alemanha. Eu sabia, na verdade, o que queria, mas talvez «meandro», pois implica caminhos e desvios.
não sabia como o deveria começar. Tudo começou, Uma viagem é uma aventura que se desenrola
então, com uma imagem. no Espaço e no Tempo. Aventura, Espaço, Tempo -
Tinha acabado de ultrapassar um caminhão na todos estes três momentos são importantes. Histórias
auto-estrada; estava muito calor e este era um velho e viagens têm todos os três em comum. Uma viagem
caminhão sem ar condicionado. Dois homens estavam é sempre acompanhada de curiosidade por alguma
lá dentro sentados, o condutor tinha a porta aberta e coisa desconhecida, cria uma expectativa e uma
deixava pender a perna para fora, para se refrescar. percepção intensiva: a caminho, começa-se a ver
Esta breve imagem, vista apenas de passagem pelo coisas que já não víamos em casa. Regressemos ao
canto do olho, impressionou-me. Parei, por acaso, filme AO CORRER DO TEMPO: depois de dez
numa estalagem onde o caminhão também tinha semanas de filmagens, encontrávamo-nos ainda no
parado. Fui até ao balcão, onde estavam os dois meio da viagem, embora eu tivesse planejado acabar
homens do caminhão. Não trocavam palavra; de rodar o filme em dez semanas. Não havia dinheiro
pareciam não ter nada em comum. Tinha-se para filmar durante mais tempo e, contudo, ainda nos
verdadeiramente a impressão de que não se faltava muito para o nosso objectivo. Colocava-se o
conheciam. Como é que vêem, o que é que vêem nas seguinte problema: como é que a viagem deveria
suas travessias pela Alemanha, perguntei-me. terminar? Ou : como é que era possível transformá-la
Eu próprio tinha também viajado muito pela numa história? Pensei primeiro num desastre.
Alemanha, na mesma altura, por causa do meu filme Naturalmente, tudo teria terminado com um desastre,
anterior, MOVIMENTO EM FALSO. Tomei se o filme tivesse sido rodado na América. Porém,
consciência, no decorrer da viagem, da situação dos graças a Deus, não estavamos na América e tínhamos
cinemas de província, e o interior das salas, as a liberdade de proceder de modo diferente para
cabinas de projecção e os projeccionistas fascinaram- chegar ao fundo da «verdade da nossa história».
me. Depois, examinei rigorosamente um mapa da Suspendemos, portanto, as filmagens e eu tentei
Alemanha e notei que havia uma rota de viagens por arranjar dinheiro para poder ainda filmar mais cinco
este país que eu mal conhecia. Estendia-se ao longo semanas. Um filme deste género pode, é claro,
da fronteira entre a R.D.A. e a R.F.A., atravessando continuar eternamente, e isso é perigoso. A solução
ao meio a Alemanha e, contudo, totalmente à consistiu, por fim, no facto de ambos os homens
margem. E soube, de repente, que tinha tudo para terem, de qualquer modo, de voltar a separar-se e de
rodar um novo filme: uma rota e a história de dois compreender que isto não podia continuar assim, que
homens que não se conhecem. Interessava-me o que tinham que alterar a sua vida.
poderia passar-se com eles e entre eles. A profissão de Antes, porém, apareceu ainda uma outra ideia,
um dos dois tinha alguma coisa a ver com cinemas e um outro «desvio»: ambos os protagonistas procuram
eu sabia onde encontrar os cinemas: ao longo da os seus pais. Imaginei que assim poderia chegar-se a
fronteira. um cone de relações. Filmamos, portanto, uma longa
Isto ainda não é, naturalmente, uma história. história sobre o primeiro, de como ele visita o pai, e
Todos os filmes do grupo A começaram, com uma uma outra história longa sobre o segundo, de como
série de situações, das quais eu esperava que, com o ele regressa ao lugar onde viveu com a mãe.
correr do tempo, se transformassem numa história. Infelizmente a relação de um com o outro só
Para que uma tal transformação se concretize, beneficiou-se com isto, de modo que com a
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integração deste episódio estávamos mais longe do
que nunca do fim. Subitamente, e pela primeira vez,
os dois conseguiam falar um com o outro.
Interrompemos mais uma vez as filmagens. Ocorreu-
me que o filme talvez pudesse terminar assim: ambos
põem em questão o que fizeram antes da sua relação,
conseguem duvidar dos seus próprios objectivos.
Imaginei que o que anda de cinema em cinema se
perguntasse se tem algum sentido apoiar estes
cinemas de província, enquanto que o outro retoma a
sua profissão de pediatra e linguista. E foi isto, então,
que filmamos.
O ESTADO DAS COISAS ocupa-se também de
histórias. A figura do realizador apresenta
naturalmente, em certos traços, o meu dilema pessoal.
Ele diz, efectivamente, uma vez : «As histórias e a
vida excluem-se perfeitamente». Mais tarde, contudo,
quando vai para Hollywood, é ele próprio implicado
numa história, numa daquelas histórias em que ele
nunca acreditou, mas que agora acaba por matá-lo.
Claro que isto é paradoxal. E, contudo, é a única coisa
que eu gostaria de dizer acerca das histórias: que são
um paradoxo único e impossível! Rejeito totalmente
as histórias, pois elas produzem exclusivamente
mentiras, nada mais do que mentiras, e a maior
mentira reside no facto de elas estabelecerem um
contexto, onde não existia nenhum. Por outro lado, no
entanto, precisamos tanto destas mentiras que é
perfeitamente absurdo atacá-las e ordenar uma
sequência de imagens sem mentira, sem a mentira de
uma história. As histórias são impossíveis, mas não
podemos, contudo, viver sem histórias.
Aí têm a salada. .

Conferência proferida em língua francesa num


colóquio em Livorno em 1982.

Referência Bibliográfica
Wenders, Wim. A Lógica das Imagens. Edições 70,
Lisboa, 1990.

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