ALTEMAR OLIVEIRA
Orientador
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em
cumprimento parcial às exigências do Curso de
bacharel em Teologia, com habilitação em Missiológia
da Faculdade de Teologia Sola Scriptura, São Paulo/SP,
para obtenção do grau de Bacharel, sob a orientação do
Prof. Pr. Altemar Oliveira.
SANTOS, Cristiano Batista dos. Missão Plena: Teoria e Prática. Aracaju/SE, dez/2012. 10 folhas.
TCC de Bacharel em Teologia, com habilitação em Missiológia – Faculdade de Teologia Sola
Scriptura, São Paulo/SP, dez/2012.
I Palavras Introdutórias
Muito já se escreveu sobre a contextualização missionária. Perfazendo uma boa síntese do que se
entendeu teologicamente até hoje por missão plena, e os problemas desse construto teórico, bem
como de sua aplicabilidade na vida das igrejas evangélicas e dos movimentos evangélico e/ou
evangelical.
Proponho um exercício de reflexão teológica conjunta a partir de um texto que servirá meramente
como ponto de partida, que não se pretende original ou inovador, mas sim esclarecedor.
Não sei, entretanto, se eu entendo bem o que quer dizer “missão plena” ou o que é a “teologia da
contextualização missionária”. Vejo discursos e práticas desalinhadas sob esse mesmo rótulo, e fico
com a sensação de que há desinformação e dissonância cognitiva, o que pode e deve ser resolvido,
além de uma salutar discordância e variação nuançada, o que é positivo, mas convida ao diálogo.
Este texto busca, portanto, ainda que modestamente, auxiliar na caminhada em direção a uma
resposta acerca do significado do construto teórico teológico “missão plena”, tão importante na
história da Teologia Latino-Americana.
Estou convencido que há dois estudos propedêuticos que se fazem necessários antes que
exploremos o conceito de missão plena propriamente, tentando uma aproximação mais acurada de
definição ou de identificação. Passo agora, portanto, a essas duas excursões breves em teologia
filosófica ou teologia cultural ou ainda teologia apologética, como se dizia antigamente. Estas duas
excursões lidam com as relações entre evangelho e cultura, primeiro e, depois, entre evangelho e
política.
II Evangelho, Cultura e Política: Duas Excursões Teóricas
1 Evangelho e Cultura
Essa sempre foi uma relação de grande tensão na história do cristianismo. Hoje compreendemos
que não poderia deixar de ser. Evangelho e cultura se distinguem, mas não é fácil distingui-los. O
Evangelho não existe a não ser enculturado, isto é, contextualizado. Há quem queira separar o
Evangelho da cultura, mas isso nunca existiu, e não pode ser feito. É da natureza do Evangelho, ser
cultural. O Evangelho já nasce inserido numa cultura; a cultura judaica, mas não se confunde com
ela. Essa é a tensão infinitamente elástica que nos causa tantos transtornos. O Evangelho não é a
cultura, nem mesmo a cultura judaica. Mas só existe imiscuído e misturado com a cultura, de tal
forma que não é possível extraí-lo e limpá-lo da cultura, sem causar dano à natureza intrínseca do
Evangelho e também à cultura. Se tentarmos distinguir cultura de Evangelho, fica um pouco de
cultura, perde-se um pouco de Evangelho, e não se obtém um bom resultado.
A primeira transposição cultural sofrida pelo Evangelho, foi para a cultura helenista dos tempos da
chamada igreja primitiva. Essa transposição foi feita com razoável sucesso, mas não sem fortes
traumas. É uma transposição que começa com Paulo, e é, portanto, sancionada pelo próprio
Evangelho, pelas Escrituras Sagradas. Mas o Novo Testamento também já dá testemunho dos
traumas e aflições causados pela transposição. O relativo sucesso do empreendimento, deve nos
fazer perceber as tremendas transformações sofridas pelo Evangelho no mundo helenista. E em
particular, a leitura de tendências neoplatônicas e semi-gnósticas que acabaram por preponderar no
período patrístico, e acabaram por servir de base para a construção da teologia.
Uma segunda transposição acontece no período medieval, e posteriormente no período moderno, e
sempre sofreu o Evangelho transformações, assim como transformou às culturas. Com o surgimento
das nações-estado modernas, e com o crescimento econômico e populacional, advindo das
revoluções científica e industrial, surge um grande número de culturas ocidentais distintas
promovendo novas tensões com o Evangelho herdado, e o trabalho missionário leva o Evangelho
para culturas não-européias, que iriam absorver o evangelho misturado à cultura dos próprios
missionários.
Os missionários das igrejas protestantes históricas trouxeram ao Brasil um Evangelho marcado
pelos traços culturais de onde eles haviam partido. Foi só no século XX que a relação Evangelho e
cultura, passaram a ser mais estudada e compreendida. Começou-se a perceber a enorme
complexidade do processo enculturação do Evangelho, e se começou a falar, no fim do século XX,
em contextualização.
O grande cientista da religião Helmut Richard Niebuhr, irmão do célebre teólogo Reinhold Niebuhr,
foi um dos pioneiros nesse estudo, com o clássico Cristo e Cultura, onde distingue cinco diferentes
possibilidades compreensão do relacionamento entre Evangelho e Cultura, que ele denomina: (i)
Cristo contra a cultura; (ii) Cristo da Cultura; (iii) Cristo acima da cultura; (iv) Cristo e Cultura em
Paradoxo; e (v) Cristo transformador da cultura. Niebuhr nos mostra como todos os cinco “tipos”
(“tipos ideais”, como ele diz) foram praticados e implicitamente ensinados através dos tempos. No
entanto, sugere que os primeiros dois são enganosos, distorções: o primeiro pela rejeição da cultura,
o segundo pela sua adoção não criteriosa ou sem qualificações necessárias. Eles representariam,
grosso modo, os pólos fundamentalista e liberal. Os três outros tipos estariam, segundo o autor,
mais de acordo com aquilo que o Novo Testamento propõe. O terceiro representando a posição
tomista, o quarto a posição existencial-dialética, e o quinto a visão mais comum na teologia
contemporânea.
Ao que me parece, a teologia da missão plena se propõe partidária, acima de tudo, da quinta
possibilidade, de ver Cristo como transformador da cultura, sem negar a importância e o valor da
cultura, como no caso principalmente do primeiro tipo niebuhriano, mas também do terceiro, típico
do mundo evangélico conservador (que é em grande grau tomista sem saber disso). Trata-se,
portanto, de trazer o Evangelho à cultura para redimi-la, não para alterá-la. Isso está de acordo com
o que dissemos a princípio: o Evangelho só é verdadeiramente o Evangelho, quando está
enculturado, inserido na cultura e contextualizado, e só assim não é distorção.
Em suma, Cristo é mais, muito mais do que normalmente pensamos. Cristo significa uma vida
melhor não só para o indivíduo, mas para a nação. O Evangelho propõe um mundo melhor, e nos
convida a promover esta plenitude do Evangelho às culturas humanas em particular, e aos nossos
projetos de civilização. Qualquer outra possibilidade é uma distorção alienante que retira do
Evangelho seu escopo e seu poder transformador.
2 Evangelho e Política
Há quem diga abertamente que o Evangelho nada tem a ver com política. Há quem deplore que se
discuta o que se chama vulgarmente de “questões políticas” na igreja. Quando vemos o péssimo
exemplo dos políticos evangélicos, até entendemos a razão desse tipo de repugnância à política.
Mas em geral, é fruto de uma pregação evangélica distorcida que, aliena as pessoas, fazendo-as
pensar que as questões políticas e sociais nada tem a ver com espiritualidade.
A relação entre cristianismo e política não deve ser confundida com a relação entre igreja e estado.
A separação entre igreja e estado foi uma preciosa conquista da democracia. Ela garante a liberdade
de culto e garante que, na ausência de uma religião oficial do estado, nenhuma instituição religiosa
será privilegiada pelas leis do país. Isso nada tem a ver, no entanto, com a relação entre cristianismo
e política. O verdadeiro cristianismo, me parece, está envolvido nas questões sociopolíticas até o
pescoço. Ou talvez deveríamos dizer: até a cabeça, que é Cristo.
Sabemos que a Bíblia Sagrada e o Evangelho Pleno nos convidam a um sério engajamento com os
problemas sociais, econômicos e políticos. O quietismo supostamente presente em Romanos 13
empalidece ante as inúmeras passagens bíblicas, nos convidando à denúncia e ao combate das
injustiças sociais e os desmandos políticos. Os estudos contemporâneos sobre os tempos de Jesus e
sobre sua pessoa e ministério, tornam patente o fundamental elemento sociopolítico de sua missão.
Isso nos convida a entender o que é a ação política que tem lugar na contextualização do Evangelho.
Não estamos falando de política partidária, que visa à obtenção e manutenção do poder. A ação
cristã na política partidária é, em geral, fisiológica e clientelista, em benefício de igrejas, inclusive,
é em suma, má política e mau cristianismo. Estamos falando de cidadania e consciência política do
cidadão que, leva a envolver-se nas questões sociopolíticas que o afetam diretamente e
particularmente a formulação e promulgação de leis que, o beneficiam ou não, enquanto cidadão.
Esse é o problema da ação social assistencialista, que é o que os evangélicos praticam em geral, e
que às vezes se confunde com Missão Plena e com consciência cidadã e sociopolítica, quando não
é. O assistencialismo não resolve os problemas sociais e políticos porque não atinge o cerne das
questões, não desce às estruturas, não ameaça os poderosos. Pelo contrário, o assistencialismo se
encaixa perfeitamente no modelo dos poderes opressores de uma sociedade. Por isso, as igrejas não
são combatidas, porque não ameaçam esses poderes políticos e econômicos. Se a fizessem, seria
perseguida.
O que seria então uma igreja engajada numa luta pela cidadania, e pela conscientização
sociopolítica? Seria uma igreja que estimulasse a sua membrasia a protestar, por meios legítimos e
não violentos, como passeatas e abaixo-assinados, reivindicar ante as autoridades, e por fim exigir
leis mais justas e ação governamental voltada para a melhoria das condições de vida dos menos
favorecidos. Não é isso que acontece nas igrejas evangélicas.
Eu tendo a pensar e a entender que a missão plena implica em uma restauração da plenitude do
Evangelho de Cristo, hoje obliterado nas igrejas evangélicas, por meio de uma compreensão da
relação tensa e paradoxal entre Evangelho e Cultura que, nos desafia com o poder de Cristo para a
transformação da cultura, e por meio de uma compreensão da relação entre Evangelho e Política
que nos faça perceber as dimensões políticas e socioeconômicas da pregação de Cristo.
IV Vórtice Elucidativo
Então perguntemos agora, ainda que tentativamente, “o que é missão plena”? Para responder a essa
pergunta, temos que aglutinar alguns importantes componentes da equação, e o faremos por meio de
um progressivo afunilamento teórico.
V Palavras Finais
Alguém poderá dizer, agora que desembarcamos no porto final desta caminhada teórica que compõe
esta comunicação, que as conclusões a que chegamos são apenas óbvias. Diante desta observação
crítica, tudo que tenho a dizer é que concordo inteiramente. Assim já dizia Caetano Veloso que
seriam óbvias as palavras que o índio proferiria em um ponto eqüidistante entre atlântico e o
pacífico. E que surpreenderiam por ser óbvias, pois o óbvio é bom, é claro e é verdadeiro. É
precisamente da obviedade que carecemos, mas não da obviedade tautológica ou repetitiva, a
platitude que não passa de um lugar comum. O que se pretendeu foi dizer o óbvio que esclarece,
que desobnubila, que desobstaculiza, que ilumina e que tranquiliza o coração. Não proponho,
porém, sequer que este trabalho específico de limpar o terreno para futuras edificações esteja
completo. Esclareço ainda além, portanto, que este texto pretendeu apenas iniciar uma reflexão que
deve continuar em conjunto agora, num espírito fraterno e elucidativo.
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