“Ela chegou de uma vez. (...) Peguei papel e caneta e fiz a letra muito rápido, tudo
chegava em um turbilhão. Foi a única vez que isso aconteceu, uma forte e intensa
experiência espiritual. Muito estranho... totalmente mediúnica. Como o velho Billy
[William Shakespeare] dizia, ‘há muito mais coisas entre o céu e a terra do que
podemos imaginar’. Havia muita coisa de [Bob] Dylan pairando em minha cabeça. Eu
ouvi como se fosse a voz dele. Quando fiz a letra, já sabia dos movimentos musicais;
quando estava escrevendo, já sabia das passagens todas. A letra chegou junto com a
melodia, e descreve minha experiência”. (Documentário “O Herdeiro de Avôhai”,
2009)
No seu primeiro álbum solo, trouxe também a canção Chão de Giz que é considerada uma
das mais belas composições da MPB. Nessa música, Zé Ramalho descreve o fim de um
relacionamento amoroso e consiste em uma canção poética, recheada de metáforas. É possível
concluir que Chão de Giz fala de um amor não correspondido ou do fim de um romance
conflituoso e abusivo. Entre os fãs do cantor, a teoria mais aceita é que a canção foi criada para
lidar com um relacionamento frustrado do compositor com uma mulher comprometida, que
apenas o usava para se satisfazer sexualmente, pois não tinha a menor intenção de deixar seu
marido por Zé. Isso explica os seguintes versos: “Mas não vou gozar de nós, apenas um
cigarro” e “Nem vou lhe beijar, gastando assim o meu batom”, onde o primeiro verso se dá
pelo fato de antigamente as pessoas terem o costume de fumar após as relações sexuais e no
segundo percebe-se que Zé não quer mais ser usado como um objeto sexual.
Em 1979, seu novo disco A Peleja do Diabo com o Dono do Céu faz enorme sucesso e
seu nome se torna conhecido por todo país, tendo dessa vez como principal canção a música
Admirável Gado Novo que faz uma alusão ao livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley.
Zé Ramalho, apesar de não se filiar a partidos ou organizações ideológicas, diz se interessar
bastante por política e em muitas de suas canções sempre podemos notar críticas a respeito da
situação política do país, como acontece em Admirável Gado Novo.
Neste mesmo álbum, apresentou uma de suas canções mais enigmáticas chamada Beira-
mar, a qual possui muitos elementos simbólicos e pouco passíveis de compreensão. Zé Ramalho
explica que Beira-mar é como a vida que existe entre dois extremos como é o caso da terra e
do mar, do conhecido e do oculto, do dia e da noite, do bem e do mal etc. Nesta música há uma
simbologia alquímica muito rica que também pode ser explorada. Como na maioria das canções
de Zé Ramalho, Beira-mar nos chama atenção pela força de seus versos e pelo ocultismo
presente em sua letra.
Ainda em 1978, ele conhece Amelinha com quem passa ter uma relação de marido e
mulher. Com ela grava o sucesso Frevo Mulher e saem pelo país em uma turnê divulgando seu
trabalho. Com Amelinha, Zé Ramalho tem dois filhos, João Colares Ramalho e Maria Colares
Ramalho. Em 1981 lança o disco A Terceira Lâmina, que tem como principal sucesso a canção
de nome homônimo. No ano seguinte lança o disco Força Verde, o qual envolveu Zé em várias
polêmicas, sendo acusado de plagiar a canção do artista irlandês William Yeats. Ele se defendeu
das acusações, argumentando que a inspiração veio da capa de um disco do Pink Floyd, no qual
um homem carrega uma mala cheia de figuras e dessa capa criou versos "as figuras do mundo
vão levar". Zé Ramalho acrescenta que inspiração maior para a canção Força Verde, veio de
uma revista de quadrinhos do Incrível Hulk, onde versos da música fazem parte da história
contada pelos quadrinhos e que nunca imaginou seriam do poeta irlandês. A acusação de plágio
não chegou a ser formal e os advogados da revista Marvel Comics se retrataram em seguida,
pois era obrigação da revista ter dado os créditos devidos. No entanto, a mídia na época atacou
Zé Ramalho sem o menor pudor pelo ocorrido.
Tais acusações abalaram muito a vida de Zé, que durante esse período abandonou a
carreira na música. Durante esses tempos difíceis Amelinha o largou, fato esse que o fez se
entregar de vez às drogas. Zé Ramalho só conseguiu se reerguer com a aparição de Jorge
Mautner em seu apartamento que lhe dizia ter uma música que era a sua cara. Na letra dizia:
“Você é a orquídea negra; que brotou da máquina selvagem; e o anjo do impossível; plantou
como nova paisagem (...); parece até a própria tragédia grega; da mais profunda melancolia;
parece a bandeira negra; da loucura e da pirataria." (MAUTNER, 1983). De primeira, Zé
adora a música que foi feita para ele e inicia o projeto de seu 5º disco, que tem o nome da música
do Jorge Mautner (Orquídea Negra). Apesar de toda a dedicação que Zé Ramalho teve com o
disco Orquídea Negra, o mesmo não teve o sucesso esperado.
Em 1984, Zé Ramalho faz uma série mudanças no seu visual e no estilo musical, faz a
barba, corta os cabelos e lança o disco Pra Não Dizer Que Não Falei de Rock ou... Por Aquelas
Que Foram Bem Amadas exaltando o rock'n’roll dos anos 60. Mas, novamente o disco não faz
sucesso. O mesmo acontece em 1985 com o disco De Gosto, de Água e de Amigos. No entanto,
ainda em 1985, Zé Ramalho volta a fazer sucesso com a música Mistérios da Meia-Noite, que
foi trilha sonora da novela da Globo (Roque Santeiro). A canção retrata a lenda de uma das
figuras mais famosas do folclore brasileiro, o Lobisomem. A letra conta a história de uma jovem
que se apaixona pelo seu professor e este nas noites de lua cheia se transformava em lobisomem,
tal qual a trama que se passava na novela. Esta música foi incluída na segunda tiragem do disco
De Gosto, de Água e de Amigos em um LP duplo.
Em 1986 lança o disco Opus Visionário, cheio de misticismo que é uma das marcas de
Zé. No ano seguinte, sai o disco Décimas de um Cantador, último disco pela CBS. Neste disco
o que mais chama a atenção é a capa, onde seu nome está como se fosse escrito com cocaína.
Zé conta que depois de muito sofrimento por causa do vício, chegou à conclusão que o êxtase
causado por droga não valia a pena e decidiu se livrar dela. Ele resolveu se tratar em casa
mesmo, juntamente com sua nova mulher Roberta. Durante cerca de um mês ficou apenas
tomando remédios e descansando. Roberta era prima de Amelinha e fã de Zé, ele a viu pela
primeira vez em seu camarim logo após um show em 1980 e a convidou para conhecer a cidade
do Rio de Janeiro. Quando Roberta Fontenele Ramalho entra de vez para a sua vida, assume o
posto de empresária do marido. Frutos desse relacionamento, nascem em 1992 José Fontenele
Ramalho e em 1995 Linda Fontenele Ramalho.
Em 1991, pela Sony, Zé Ramalho lança o disco Brasil Nordeste onde ele canta forró, este
disco faz parte da série Academia Brasileira da Música. Dois anos depois, volta as paradas de
sucesso com a canção Entre a Serpente e a Estrela de Aldir Blanc que gravou para a novela
Pedra sobre Pedra da Rede Globo. Esta canção é um dos seus principais hits até hoje, mesmo
não sendo de sua autoria e foi incluída em seguida em seu disco Frevoador.
No ano de 1996, gravou o álbum ao vivo O Grande Encontro com Elba Ramalho e os
famosos nomes da MPB Alceu Valença e Geraldo Azevedo. O sucesso de O Grande Encontro
foi tão grande que Zé Ramalho decidiu gravar uma nova versão de estúdio em 1997, desta vez
sem Alceu Valença. O álbum vendeu mais de 300.000 cópias, recebendo os certificados ouro e
platina. Ele também lançou o álbum Eu Sou Todos Nós seguido do Nação Nordestina onde a
música do Nordeste foi novamente explorada. O álbum foi indicado para o Latin GRAMMY
Award de Melhor Álbum de Música Regional ou de Origem Brasileira.
Após a virada do século o primeiro trabalho de Zé Ramalho foi um tributo a Raul Seixas
com regravações de canções do músico baiano. Em 2003 fez uma participação especial na
canção "Sinônimos" do álbum Grandes clássicos sertanejos, de Chitãozinho & Xororó. Em
2007 lançou o álbum de inéditas chamado Parceria dos Viajantes e este foi indicado para o
Latin GRAMMY de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira.
De 2008 a 2011, lançou quatro álbuns de covers de suas principais influências na música,
Bob Dylan (2008); Luiz Gonzaga (2009); Jackson do Pandeiro (2010) e The Beatles (2011).
Em 2012, lançou o seu primeiro disco de inéditas em cinco anos, Sinais dos Tempos, pela sua
própria gravadora, Avôhai Music. Seu trabalho mais recente foi o álbum ao vivo em parceria
com o cantor Raimundo Fagner, intitulado Fagner & Zé Ramalho Ao Vivo.
Com um ar de profeta visionário e uma voz grave, Zé Ramalho é a expressão viva da
cultura nordestina. Sua contribuição de Zé Ramalho para o campo musical no Brasil é
inquestionável, pois seu estilo de compor é único, as letras de suas canções são fortes e
carregadas de uma melodia profunda. Suas músicas parecem nunca tratar apenas de uma coisa,
estão sempre carregadas de experiências vividas de alguma forma pelo cantor, com letras
complexas e de inúmeras interpretações possíveis. Seu interesse por literatura greco-romana se
faz presente em sua obra, onde suas músicas são cheias de citações bíblicas e de mitos greco-
romanos. Fazendo uso do misticismo e elementos da cultura nordestina, as canções de Zé
Ramalho saíram do sertão e se espalharam por todo o país, ganhando uma legião de fãs e
admiradores que lotam os shows do compositor. Atualmente, o "Herdeiro de Avôhai" tem 68
anos, gosta de cuidar da saúde, de se dedicar a família e está com vários projetos em
desenvolvimento para os próximos anos.
ALVES, Luciane. Zé Ramalho: Um Visionário no Século XX. São Paulo, Editora Nova Era,
1997.
Marcus Ramone (16 de Julho de 2006). «Zé Ramalho e Hulk em: O plágio». Blog do
Universo HQ.
ZÉ Ramalho. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa7663/ze-
ramalho>. Acesso em: 12 de Mar. 2018. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
Zé Ramalho relembra infância em passeio no Parque das Ruínas». Rede Globo. Rio de
Janeiro: Grupo Globo. 20 de junho de 2015. Consultado em 23 de junho de 2015.