Anda di halaman 1dari 17

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

África: desafios de um
continente globalizado

Ano 3 | 2012 | #04


O continente origem da vida humana, cenários da vida selvagem, negros, safaris, abusos coloniais europeus, violên-
cia do tráfico de gente e do contrabando de minérios, tambores e cores, arte e literatura originais. Um mundo que O médico Denis Mukwege (1955) apresenta um retrato patético sobre a violência e a resistência humanitária
também fala nosso idioma, a África lusófona. A África que nutriu o Brasil de gente prisioneira por quase 400 anos, em uma nação atormentada pela guerra e o tráfico de minérios e armas, o Congo. Há um quadro de problemas
capturada e transplantada, escravos negros africanos, hoje brasileiros. E o racismo? E o peso da miséria, em uma africanos, muitos deles em grau de calamidade, que são questões de direitos humanos e de conhecimento e
disputa histórica desigual? E o valor dos legados culturais que estão no coração da identidade brasileira? solidariedade histórica. Não podemos fingir que não existem, ou que são deles e não nossos. Mukwege pediu
nosso apoio quando esteve no palco do Fronteiras do Pensamento. Precisamos encontrar formas de atender
Olhamos sempre de fora e de longe. Que se dirá, portanto, para continentes e nações distantes um oceano, a este apelo. Nossa principal arma é o conhecimento, sobretudo de profissionais da saúde, necessários em
o Atlântico, que nos separa e aproxima? Para conhecer o outro, portanto, é preciso antes saber que há dois um mundo atingido por epidemias, sendo a AIDS a pior delas, mas não a única.
pontos de vista: o nosso e o dele. Há mesmo três pontos de vista: o nosso, o dele e o de outros. A África
foi e é vítima de numerosas imagens que a descrevem como selvagem; nesta condição, está historicamente Mosaico é um tipo de arte greco-romana composta de centenas de pequenos cubos (tesserae). E somente com
exposta à voracidade exploratória estrangeira há séculos e, também, na atualidade. Mas a África é também a soma e a percepção conjunta de todos estes pequenos pedaços é que conseguimos compreender do que
protagonista de culturas riquíssimas, e chegou a hora de conhecê-la, ouvir o que ela mesma tem a dizer. ele trata. É o desenho que propomos neste fascículo, um mosaico de cenários, memórias, conceitos, estéticas,
autores e textos relacionados à Africa, inclusive a questão da africanidade brasileira. Ao conhecer melhor este
Eis conosco Mia Couto (1955), talentoso escritor moçambicano, autor de poesia e prosa em português, porém mundo, reconhecemos e conquistamos uma parte de nossa própria identidade, brasileira e humana, e de um
trazendo a visão africana da sua história. Seu país, situado na costa africana sul oriental do oceano Índico, fascinante universo histórico, seu passado, presente e perspectiva de futuro. Mama África, música de Chico
só conquistou a independência de Portugal em 1975, quando Mia fazia 20 anos. Escritor e biólogo, examina a César, solteira, pobre, feliz.
condição humana e se oferece como ponte, aproximando-nos de um mundo tão distante e próximo, a África.

Mama África
Área: 30 milhões de km2

África,
situados nos hemisférios norte e sul

População: 887 milhões de habitantes


segundo continente mais populoso do mundo

63% da população habita o meio rural


um panorama histórico Dados gerais apenas 37% moram em cidades

Economia: 36% dos habitantes ganham menos de R$ 2 por dia


dos 30 países mais pobres do mundo, 21 são africanos (problemas
#Homo sapiens de subnutrição, analfabetismo e baixa expectativa de vida)
o Produto Interno Bruto corresponde a apenas1% do PIB mundial
Do latim “homem sábio”,
designa a condição
plena da humanidade no Existem várias versões sobre a origem da palavra O Homo sapiens surgiu na África Oriental, na
processo evolutivo das África. Os gregos usavam o termo “Líbia” e os roma- pré-história. As evidências de agricultura africa-
espécies. Originou-se na nos a palavra “África” para referirem-se à área geo- na datam de 16 mil a.C. e o uso de metais por
África há cerca de 200
mil anos. Detentor de gráfica que hoje corresponderia a Marrocos, Tunísia, volta de 4 mil a.C. Os primeiros registros vêm do
um cérebro altamente Argélia e Líbia, diferenciando-a do Egito e da Etiópia. Egito, passando pela Núbia (extremo sul do vale
desenvolvido, com do Nilo), Magrebe (região noroeste, incluindo
4 milhões a.C. 1 milhão a.C. 200 mil a.C. 19 a 5 mil a.C. 3200 a.C. 2250 a.C. 1570 a.C.
grande capacidade para
raciocínio abstrato, lin-
Europeia Marrocos, Sahara Ocidental, Argélia e Tunísia) e
Migração do O Estado Kerma,
guagem e resolução de Teria surgido do grego aphriké (sem frio) ou do ro- Chifre da África (região nordeste, inclui a Somália, Aparecimento do Aparecimento do Agricultura e As dinastias
Homo erectus da Faraós unificam o antiga civilização
problemas. Isso, somado mano africus (nome de um vento mencionado na a Etiópia, o Djibouti e a Eritreia). Durante a Idade Australopithecus Homo sapiens na criação de animais Egípcias colonizam
África para outros Estado Egípcio africana, governa
ao corpo ereto, permitiu mitologia) ou do termo latino aprica (ensolarado). Média, o Islã se espalhou por essas regiões, cru- na África oriental África no Vale do Nilo a Núbia
continentes a Núbia no Sudão
a criação e a utilização
de ferramentas para
zando Magrebe através do Atlas, Saara e Sahel
alterar o ambiente à sua Berbere (região entre o deserto do Saara e as terras mais
volta. Derivada de Avringa ou Aourigha, nome da tribo férteis ao sul, na bacia do Níger, que forma um
Berbere que habitava o norte do continente na An- corredor quase ininterrupto do Atlântico ao mar
#Ofir
Região mencionada na tiguidade. Os berberes são descendentes de um Vermelho, numa largura que varia entre 500 e
Bíblia, muito famosa povo que habitava a Numídia (202-46 a.C.), locali- 700km). Desde o século VII, os árabes muçul-
por sua riqueza natural. zada perto da fronteira oriental da Argélia, país ao manos tomaram escravos na África oriental e
Os povos indígenas
norte do continente. saariana e, a partir do século XV, os europeus
brasileiros acreditavam
que todos aqueles que passaram a promover o tráfico transatlântico. A
habitavam a América do Árabe colonização europeia foi rapidamente desenvol-
Sul e Central, em épocas Segundo esta hipótese, viria do árabe afrigii ou afri- vida durante os séculos XIX e XX. Com o final da
passadas, descenderam
da mesma raça humana
di ou ainda afira (empoeirado). O mais provável é Segunda Guerra Mundial e o enfraquecimento da A paleta de Narmer (3.200 a.C.) é uma peça de ar- Núbia é uma região no vale do rio Nilo que atual- Os fenícios foram uma civilização antiga cujo epicen-
que se desenvolveu no que os árabes tenham traduzido o nome romano. Europa, iniciou-se o processo de descolonização, dósia cuja decoração representa acontecimentos mente é partilhada por Egito e Sudão mas onde, tro se localizava ao longo das regiões litorâneas dos
país do Sol, “Ophir”, que culminou com as independências das atuais do processo de unificação do alto e baixo Egito na Antiguidade, desenvolveu-se o que se pensa atuais Líbano, Síria e Israel. Fundaram uma colônia
terra situada entre a
África e a América do
Outras nações africanas nas décadas de 1950 a 1970. sob o rei Narmer. ser a mais antiga civilização negra da África. Na no norte da África, Cartago, cujas ruínas vemos na
imagem, as pirâmides de Núbia em 2001. imagem. Sua cultura comercial marítima se espalhou
Sul, ligando os dois Derivaria do reino bíblico de Ofir, que poderia vir do pelo mar Mediterrâneo entre 1.500 a.C. a 300 a.C.
continentes. fenício Apikt ou Pharikia (terra dos frutos). Primeira sociedade a fazer uso do alfabeto.

2
3
Dinar almorávida. Os almorávi-
A cidade de Alexandria, com seu Rotas de comércio do Norte da África representadas no Atlas Catalão, o mais Vista geral das ruínas do Grande Zimbábue. das foram guerreiros adeptos Comércio de tecidos no reino do Con- Influência do cristianismo na iconografia da antiga Etiópia: à esquerda, represen-
mítico farol, foi um ícone do do- importante mapa produzido do período medieval, pela Escola Maiorca de do Islã que unificaram grandes go. Ilustração do livro Missione Evan- tação dos arcanjos Gabriel, Miguel e Rafael; à direita, os 12 apóstolos de Cristo.
mínio grego no Egito. Na imagem, Cartografia em 1375. extensões do Magrebe, territó- gelica, do Padre Antonio Cavazzi de
o farol de Alexandria é represen- rios ao sul do Saara e ao centro Montecuccolo, do século XVII.
tado em um mosaico de 400 d.C. e sul da atual Península Ibérica.

Aparecimento e Data aproximada do Expansão islâmica no Período provável da


Os Cuches, antiga Desenvolvimento da As tropas de Aparecimento da
Fenícios fundam a Os Cuches da Núbia Os romanos controlam desenvolvimento do início das construções norte e estabeleci- Ocupação de Gana
civilização africana, se civilização de Meroé, Alexandre Magno civilização de Gana, fundação do Reino do
cidade de Cartago governam o Egito o Egito Reino de Axum na do antigo Estado do mento na Núbia (652) pelos Almorávidas
estabelecem no Sudão na Núbia invadem o Egito na África ocidental Congo
África oriental Grande Zimbábue e no Magrebe (695)

1100 a 500 a.C. 814 a.C. 760 a.C. 500 a.C. 332 a.C. 40 a.C. Séculos I a VI Século IV 400 639 1076 1300

1415 1445 1456 1475 1575 1630 1652 1795 1870-1885 1945 1950-1970

Contatos comerciais Tratado de Alcáçovas-


Portugueses vencem Presença constante Portugueses Ingleses assumem controle Início do pan-africanismo, do Consolidação da descolo-
entre os reinos Toledo permite O reino do Congo Início do povoamento
os Mouros e tomam de mercadores invadem Angola, político da África do Sul, Consolidação do domínio movimento da negritude e nização, independências e
da Senegâmbia aos portugueses a é dominado pelos europeu da região do Cabo,
Ceuta, no Norte portugueses no Rio transformando o reino transformando-a em Europeu na África dos movimentos anticolo- criação das nações africanas
e da Guiné com introdução de escravos portugueses na África do Sul
Africano Senegal de Ndongo em colônia colônia niais na África e na Europa contemporâneas
portugueses africanos na Espanha

Caixa com 60cm de comprimento representan- Cidade de Loango, capital do Reino do Congo.
do a entrada do palácio de Obá, no Reino do Ruínas de Gondar, capital do reino Ilustração do livro Description de l’Afrique, de Olfert Placa do governo durante o apartheid Wole Soyinka (1934), considerado o
Benin, século XVII. da Etiópia, fundada em 1580. Dapper, Amsterdã, 1686. Painel do Movimento de Libertação indicava os locais permitidos apenas mais notável dramaturgo africano,
O jovem Nelson Mandela, em 1937. de Angola, em Luanda. para pessoas brancas. Nobel de Literatura em 1986.

4
5
Tanto os estudos d0 DNA quanto os achados pa- às margens do mar Mediterrâneo, desde o Egito
leoantropológicos evidenciam que o Homo sapiens até o Marrocos, as vias de comunicação abertas
teve origem na África. O mesmo se deu com os pelos mercadores árabe-muçulmanos com os ber-
hominídeos, os primeiros seres da vasta família beres e tuaregues produziram a criação da civili-
dos primatas a se destacarem na linha evolutiva da zação magrebina. O deserto do Saara foi cortado
humanidade, ao adotar uma postura ereta. Escava- por diversas rotas comerciais de ligação com os
ções na Etiópia apresentaram os fósseis de Lucy e povos da Bacia do Níger e da floresta tropical des-
da menina Selam (“paz”, em diversas línguas etío- de o século VIII, pelo menos.
pes), ambos Australopithecus afarensis.
Por essas vias circulavam mercadorias, ideias,
A história da África se confunde com a história da técnicas, mas também escravos, alimentando o
humanidade, embora muitas vezes se tenha pen- processo de escravização de populações africanas

O berço da
sado que a África não tinha história, porque suas incluídas no maior fenômeno de migração forçada #Australopithecus
sociedades não utilizavam a escrita. Hoje se sabe da humanidade: o tráfico transatlântico de escra- afarensis
É um hominídeo
que diversas de suas sociedades antigas conhece- vos, que existiu entre a metade do século XV até extinto que viveu entre
ram formas particulares de escrita, como o geêz, ou a metade do século XIX, sendo responsável pelo 3,9 e 2,9 milhões de

humanidade
anos. O nome científico
guez, na Etiópia, e o tifinagh, entre os tuaregues. A deslocamento de mais de 10 milhões de pessoas provém da região onde
oralidade é fundamental nas sociedades africanas, para a Europa e, principalmente, a América. foi encontrado o seu
primeiro fóssil, em
através delas se manteve parte importante da me- 1974: a Depressão de
mória dos seus povos. No Brasil, em torno de 4 milhões de africanos Afar, na Etiópia.
desembarcaram em sua grande maioria na Bahia,
A África nunca foi isolada. Em seu vasto litoral Pernambuco e Rio de Janeiro. O país foi o principal
oriental, do mar Vermelho até o oceano Índico, dife- receptor de escravos na América, sendo seguido
rentes níveis de contatos foram estabelecidos com pelas colônias da Inglaterra nas ilhas do Caribe,
árabes e iemenitas, persas, indianos e, inclusive, atuais Cuba e Jamaica, e pela colônia francesa de
chineses, desde antes do século XVI. Pelo norte, São Domingos, atualmente o Haiti.

“Aconteceu num debate, num país europeu. Da assistência, alguém


me lançou a seguinte pergunta: Todo brasileiro é africano
– Para si, o que é ser africano?
Falava-se, inevitavelmente, de identidade versus globalização. A contribuição do negro às diversas culturas, principalmente à brasileira, é inestimável, a tal ponto
Respondi com uma pergunta: que falar de “contribuição” é pouco, uma vez que ela é constitutiva dessa cultura. Não é possível
– E para si, o que é ser europeu? imaginar nosso país sem os desfiles de escolas de samba, sem a dança de suas passistas, o ritmo
O homem gaguejou. Não sabia responder. Mas o interessante é que, de sua bateria, a beleza e o impulso de vida reconhecidos no mundo inteiro. A sociedade brasileira
para ele, a questão da definição de uma identidade se colocava foi profundamente marcada por valores civilizatórios africanos, como a gestualidade, a musicalida-
de e a expressão corporal que se faz presente nessas manifestações. Parte é também dos brancos,
naturalmente para os africanos. Nunca para os europeus. Afinal, é a
constituindo, no seu conjunto, uma expressão nova, nascida da fusão dos muitos elementos de nossa
própria pergunta que necessita ser interrogada.”
sociedade mestiça, expressões culturais brasileiras genuínas.

Mia Couto
6
7
A classificação racial que atribuía aos coloni- domínio “do mais forte sobre o mais fraco, do mais #Jean Louis
zadores o poder de separar a população entre adaptado sobre o menos adaptado”. Rodolphe Agassiz
“superior” e “inferior” não ficou restrita à Améri- (1807-1873)
Zoólogo e geólogo suíço,
ca, expandindo-se para outros espaços culturais Outra escola do pensamento racista surge com Jo- notório pela Expedição
afetados pelo colonialismo e o imperialismo seph de Gobineau, que afirmava ser a raça o fator Thayer, realizada entre
1865 e 1866, que executou
europeus. Criou novas identidades sociais (índios, determinante da história humana. Sua teoria apre- registros fotográficos das
negros e mestiços), redefiniu outras e, também, sentava a “raça suprema ariana”, como “produtora etnias brasileiras no Rio
suscitou teorias que, na verdade, são conceitos exclusiva de civilização” assim como associava “a de Janeiro e na Amazônia.
com status de ciência. mestiçagem à decadência”. #Charles Robert
Darwin
(1809-1882)
É o caso do cientista suíço Louis Agassiz, para No Brasil, o antropólogo Nina Rodrigues foi um fer- Naturalista britânico,
quem as diferentes espécies (ou raças) estariam renho defensor de doutrinas racistas. Ele não via a desenvolveu a Teoria da
relacionadas às diferenças climáticas. Assim, a mistura das raças como algo positivo para o país. Ele Evolução por meio da
seleção natural, a qual
raça branca seria superior, tanto em qualidades se opunha à tese de que o Brasil se tornaria branco, afirmava que característi-
mentais quanto sociais, demonstrando, inclusive, através do processo de miscigenação, crença então cas favoráveis hereditárias
tornam-se mais comuns
sua capacidade de “criar civilizações”. defendida pelo cientista João Batista de Lacerda. em gerações sucessivas
através da reprodução.
O chamado darwinismo social desenvolveu-se a Por causa de teorias como essas, muitos estudio-
#Herbert Spencer
partir da Teoria da Evolução de Charles Darwin, sos preferiram deixar de lado o conceito de raça e (1820-1903)
aplicada mecanicamente por Herbert Spencer adotar o de etnia. Ao falar em raça, mesmo que de Filósofo, biólogo e
sociólogo britânico,
como explicação da evolução das sociedades. Em forma ressignificada, acabamos presos ao deter- considerado pai do
viagens ao redor do mundo, Darwin colheu dados minismo biológico, que, na verdade, já foi abolido darwinismo social.
sobre a adaptação das diferentes espécies ani- pela biologia e a genética atuais. O conceito de et-
O termo “raça” vem do latim ratio, que significa categoria, sorte ou espécie. #Joseph Arthur
mais e vegetais ao seu meio ambiente. A teoria nia diz respeito a um grupo que possui algum grau de Gobineau
O racismo designa qualquer conjunto de crenças que classifique a humanidade em acabou sendo usada para justificar a dominação de coerência e solidariedade, definido pela cultura (1816-1882)
Diplomata, escritor e
europeia sobre o resto do mundo, a guerra e o e pelas formas de organização social.
coletividades distintas, definidas em função de atributos naturais e/ou culturais, e filósofo francês, um dos
mais destacados teóricos
que organize esses atributos em uma hierarquia de superioridade e inferioridade. do racismo no século XIX.

#Raimundo Nina
Rodrigues
(1862-1906)
O artigo 5o da Constituição Brasileira diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer Médico legista e psiquiatra
e antropólogo brasileiro.
natureza. Mas, apesar de vigorar há mais de 20 anos, a Lei no 7.716/1989, conhecida como Lei Caó, que Em 1894, publicou ensaio
classifica o racismo como crime inafiançável, punível com prisão de até cinco anos e multa, é pouco apli- no qual defendeu a tese
As formas de expressão do racismo podem ser individuais ou coletivas; podem variar de manifesta- cada no país. A maior parte dos casos de discriminação racial, quando punida, é classificada no artigo de que deveriam existir
códigos penais diferentes
ções de desprezo e de preconceito (através de palavras, gestos, imagens que reproduzem estereótipos 140 do Código Penal como injúria, que prevê punição mais branda, de um a seis meses de prisão e multa. para raças distintas.
ou que inferiorizem pessoas) até a discriminação (tratamento desigual em ambientes privados ou pú- #João Batista de
O preconceito é um problema social grave e deve ser superado através da educação. Nesse sentido, foi Lacerda
blicos; desigualdade de oportunidade de acesso aos benefícios sociais) e a segregação (impedimento
criada a Lei no 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasi- (1846-1915)
à participação em determinadas instâncias da sociedade, separação total dos demais grupos sociais). leiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio no país. Neste início Médico e cientista
brasileiro, fez estudos
O racismo pode encontrar legitimidade nas práticas sociais de determinados indivíduos ou grupos, do século XXI, quando o Brasil revela avanços na implementação da democracia e na superação das pioneiros com os vene-
ou estar amparado em leis e em instituições discriminatórias. Em todos os casos, apresenta-se desigualdades sociais e raciais, torna-se um dever democrático das instituições públicas e privadas de nos de ofídios e anfíbios.
Dedicou-se também à mi-
ensino a execução de ações, projetos, práticas, desenhos curriculares e novas posturas pedagógicas que crobiologia e a pesquisas
como um problema de caráter social, com graves consequências políticas e econômicas. atendam ao preceito legal da educação como um direito social e incluam, nesse, o direito à diferença. sobre a febre amarela.
8
9
As múltiplas Áfricas ÁFRICA
SETENTRIONAL
ÁFRICA
OCIDENTAL
ÁFRICA
CENTRAL
Também chamada de África do A pobreza e a falta de oportuni- A República Democrática do Congo
#salafistas
Com cerca de um bilhão de habitantes distribuídos em 54 países, o continente africano pos- norte ou “África branca”, com- dades econômicas são as cau- vive uma guerra que se estende
Movimento reformista
sui uma das maiores diversidades culturais do planeta. Ela se reflete nas mais de mil línguas preende os países localizados ao sas mais citadas para explicar a há mais de dez anos na qual estão islâmico que surgiu no
existentes, sem contar os inúmeros dialetos. Devido ao período de colonização europeia, até norte: Marrocos, Tunísia, Argélia, contínua instabilidade na África comprometidos interesses econô- Egito ao final do século
Líbia, Sudão, Saara Ocidental e ocidental, região em que habitam micos de diversos países. Não é o XIX, com o objetivo de
hoje as línguas das antigas metrópoles continuam a ser usadas correntemente, reformar a doutrina
Tunísia como o francês no Senegal, o inglês em Gana e o português em Moçambique. Ao Egito. A taxa de crescimento da 340 milhões de pessoas e estão caso da Angola, que tenta consoli- islâmica e adaptá-la aos
região caiu para 0,61% em 2011 10 dos 25 países mais pobres do dar sua democracia. Em agosto de novos tempos.
Marrocos mesmo tempo, em outros locais vigoram línguas híbri-
contra 4,4% em 2010. A má si- mundo. Entretanto, a Nigéria está 2012, os angolanos foram às urnas
das, euroafricanas, como o crioulo na Guiné-Bissau e #monarquia
tuação econômica abriu caminho numa fase de rápido crescimen- pela terceira vez na história do
Argélia o africânder na África do Sul. para os radicais islamitas, que to, foi o país mais cotado para in- país e escolheram, numa eleição
constitucional ou
Saara ocidental líbia parlamentarista
Egito
preocupam pelo uso da violên- tegrar o Brics e se tornar a maior transparente, o presidente José Sistema político que
A África está em algum lugar entre o passado e o cia, a exemplo dos salafistas. liderança da África, atraindo cada Eduardo dos Santos, no poder há reconhece um monarca
presente, entre a modernidade e a tradição, entre A região vem sofrendo grandes vez mais investimentos. Dos paí- quase 33 anos. Algumas das mu- eleito ou hereditário
como chefe de Estado,
mauritânia o capitalismo e o socialismo e entre a africani- mudanças motivadas pela Pri- ses dessa região, apenas Cabo danças pelas quais o país está pa- mas estabelece uma
Mali Níger dade e a humanidade globalizadas. Enquanto mavera Árabe. Verde, Gana e Senegal não sofre- sando são extremamente visíveis, constituição que limita
países mais ricos investem em tecnologias ram golpes de Estado nas últimas como os avanços na saúde pública seus poderes.
Senegal chade eritrEia
Alguns Países
Gâmbia
burkina
sudão de ponta, o continente ainda Marrocos: monarquia constitu-
décadas. e na reconstrução de estradas. #Estado unitário
faso é pouco urbanizado e suas Sistema em que qual-
Guiné-Bissau

Guiné cional, rei Mohammed VI


Nigéria etiópia atividades são marcadamente Tunísia: Estado unitário, presi- Alguns países Alguns países quer unidade subgover-
costa do namental pode ser cria-
marfim gana agrícolas, extrativistas e volta- dente Moncef Marzouki República Islâmica da Mauritânia: República Democrática do Congo
serra leoa

república da ou extinta e ter seus


centro-africana das para o comércio exportador república islâmica, presidente (anteriormente Zaire): república poderes modificados
benim

Argélia: república semipresiden-


togo
Libéria

camarões
Mohamed Ould Abdelaziz semipresidencialista, presidente pelo governo central.
Somália de matérias-primas. cialista, presidente Abdelaziz
Guiné equatorial uganda quênia Bouteflika Cabo Verde: república parlamen- Joseph Kabila
São tomé #república
e príncipe gabão República tarista, presidente Jorge Carlos Angola: república presidencialis-
áfrica setentrional
áfrica ocidental do República Dos 30 países mais pobres do mundo Líbia: governo provisório, presi- semipresidencialista
ruanda Fonseca ta, presidente José Eduardo dos A linha divisória entre os
áfrica central
congo democrática
burundi (com problemas de subnutrição, analfa- dente do Congresso Geral Nacio-
do congo República do Gana: república Santos poderes do chefe de Esta-
áfrica oriental
betismo e baixa expectativa de vida), pelo nal Mohamed Yousef el-Magariaf do e do chefe de governo
áfrica austral
tanzânia
Egito: República Semipresidencia- presidencialista, presidente John República do Congo (chamada
menos 21 são africanos. Mesmo existindo Dramani Mahama Congo-Brazavile para se distin-
varia em cada país.
países com boa qualidade de vida como Lí- lista, presidente Mohamed Morsi
#dialeto República Federal da Nigéria: re- guir da vizinha República Demo- #Guiné-Bissau
Trata-se de uma varieda- Angola bia e República do Maurício e outros com pública presidencialista, presiden- crática do Congo): república pre- Apesar do quadro demo-
de ou variante linguís- malawi
índices de desenvolvimento ra- crático e constitucional,
tica. Falantes de uma Zâmbia te Goodluck Jonathan sidencialista, presidente Denis os militares ainda exer-
mesma língua apresen- zoáveis, como a África do Sul Guiné-Bissau: república parla- Sassou-Nguesso cem poder e interferem
moçambique
tam diferenças nos seus
Zimbábue madagascar (a maior economia africana), mentarista, presidente de transi- Camarões: república parlamenta- na lideranças civis. Nos
modos de falar, de acor- últimos 16 anos, o país
do com o lugar em que namíbia Marrocos, Argélia, Tunísia, Cabo ção Manuel Serifo Nhamadjo rista, presidente Paul Biya
sofreu dois golpes de
estão, com a situação de botsuana Verde e São Tomé e Príncipe, não São Tomé e Príncipe: república Estado, uma guerra civil,
fala e registro ou, ainda, existe nenhum país africano real- semipresidencialista, presidente uma tentativa de golpe
de acordo com o seu Manuel Pinto da Costa e um assassinato presi-
nível socioeconômico. suazilândia mente desenvolvido. dencial pelos militares.
lesoto
10
África do sul
11
ÁFRICA ORIENTAL ÁFRICA AUSTRAL PRIMAVERA ÁRABE
Formada por Comores, Djibuti, Eritreia, Etiópia, Quênia, Também chamada de África meridional, é a par- Em 17 de dezembro de 2010, Mohamed Bouazizi, Na Argélia, milhares protestaram contra o alto custo
República do Maurício, Seicheles, Somália, Tanzânia, te sul do continente, formada pela África do Sul, um jovem tunisiano de 26 anos, ateou fogo ao de vida e para exigir maior liberdade política. Mesmo
Burundi, Ruanda, Uganda, ilha Reunião (área francesa Botswana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia. A entrada próprio corpo. A autoimolação, motivada pelo des- que Marrocos e Mauritânia tenham conseguido lidar
no oceano Índico) e Mayotte (área francesa no Arqui- da África do Sul na cúpula dos Brics, em 2010, foi contentamento com a situação geral das condições com as manifestações e reivindicações, o contexto
pélago das Comores). E, ainda, Moçambique, Mada- relevante para o continente, já que indiretamente de vida no país, tornou-se símbolo de uma revo- dos demais países é agravado pela crise financeira da
gascar, Zimbábue, Zâmbia e Malawi, que são frequen- inclui no bloco a agenda africana. A África do Sul se lução que, posteriormente, se espalhou por outros Europa, que diminui o crescimento e a oferta de em-
temente consideradas parte da África meridional. É posiciona como uma potência regional, contribuindo 16 países do mundo árabe, numa série de eventos prego aos imigrantes africanos e do mundo muçulma-
difícil encontrar unidade entre tantos países, mas mui- para a possibilidade de ascensão de outros países intitulados como Primavera Árabe, com objetivo no. A esse quadro devem-se juntar as péssimas con- #mundo árabe
tos compartilham de políticas ou histórias similares, da região. Mesmo com todos os desafios socioeco- de questionar os regimes autoritários e centrali- dições de vida e o predomínio de governos ditatoriais. (ou arabofonia)
zadores desses países. Já ocorreram revoluções na Conjunto de países que
que integram as culturas do Índico. Falta de desenvol- nômicos, os investidores internacionais estão vol- falam o árabe e se distri-
vimento político e democracia, além de inúmeros con- tando seus olhares para países como a Nigéria, que Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia; gran- Na Nigéria, milhares protestaram contra o custo de buem, geograficamente,
flitos, são algumas das experiências compartilhadas. já mostra taxas de crescimento expressivas. des protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, vida, as condições sociais e o desrespeito pelos di- do norte da África à Ásia
Jordânia, Síria, Omã e Iêmen e conflitos menores no reitos civis, resultando em centenas de mortos. Após ocidental. É constituído
Os constantes pedidos de ajuda internacional para por 22 países e territó-
saldar débitos e organizar suas legislações comerciais, Alguns países Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Sau- alguns anos de relativa estabilidade, Guiné-Bissau
rios com uma popula-
propiciam uma maior influência externa nesses países. África do Sul: república presidencialista, presidente dita, Sudão e Saara Ocidental. O movimento coloca assistiu durante dois meses a manifestações exigin- ção aproximada de 360
Jacob Zuma em evidência as profundas ligações da África com do a dissolução do governo, com mais de 10 mil pes- milhões de pessoas.
Alguns países Namíbia: república parlamentarista, presidente Hifi- a comunidade muçulmana. soas na rua. Burkina Faso foi abalado por violência e
Zimbábue: república semipresidencialista, presidente kepunye Pohamba #Organização do
protestos exigindo reformas no governo do presiden- Tratado do Atlântico
Robert Mugabe A raiz dos protestos é o agravamento da situação te Blaise Compaoré, que já está no poder há 25 anos. Norte – OTAN
Etiópia: república parlamentarista, presidente Girma desses países, provocada pela crise econômica e Aliança militar intergover-
Wolde-Giorgis pela reivindicação de modelos democráticos de Essa Primavera se espalha também por países afri- namental criada em 1949
sob forte influência dos
Ruanda: república, presidente Paul Kagame participação política. A população sofre com as ele- canos não islamizados. O Gabão, por exemplo, as- Estados Unidos, com sede
Uganda: república, presidente Yoweri Museveni vadas taxas de desemprego e com o alto custo dos sistiu a várias manifestações de oposição em 2011 em Bruxelas, na Bélgica.
Moçambique: república presidencialista, presidente alimentos e pede melhores condições de vida. A denunciando a corrupção nas eleições presidenciais É um sistema de defesa
Armando Guebuza coletiva na qual seus esta-
onda de revoltas já provocou a queda de três go- anteriores e exigindo o adiamento das novas elei-
dos-membros concordam
vernantes na África setentrional. Enquan- ções. Em Uganda, milhares saíram às ruas depois do com a defesa mútua em
to os ditadores da Tunísia e do Egito presidente Yoweri Museveni permanecer no poder resposta a um ataque por
deixaram o poder sem oferecer para um quarto mandato. No Quênia, houve aumen- uma entidade externa.
grande resistência, Muammar to de preços dos alimentos e combustíveis e risco
Kadafi, da Líbia, foi morto em de greve dos funcionários públicos. No Botsuana,
uma rebelião interna com ação quase 90 mil pessoas participaram de uma marcha
militar decisiva da OTAN. para exigir aumentos salariais no setor público.

12
13
Assim como acontece com o petróleo na Nigéria e os diamantes em Angola e na África do Sul, no Congo há
empresas internacionais que, aliadas às classes dominantes e aos exércitos locais, exploram as riquezas
naturais. O Congo possui mais de R$ 48 trilhões em riquezas minerais, mas está entre os 22 países mais
pobres do mundo.

Empresas de tecnologias da informação estão muito interessadas no Coltan. Embora extraído no Brasil,
na Tailândia e, principalmente, na Austrália, é a República Democrática do Congo que concentra mais de
80% das jazidas. No país, surgiu uma série de empresas associadas entre grandes capitais transnacionais,
governos locais e forças militares que disputam o controle da região para extrair este e outros minerais.
#Coltan
Usado nos microchips das baterias dos telefones celulares para aumentar a duração da carga, o Coltan permitiu Mistura dos
a eclosão do negócio desses aparelhos, que já ultrapassaram, só no Brasil, 200 milhões de unidades. minerais colum-
bita e tântalita,
que, na natureza,
Junta-se a essas propriedades o fato da extração do metal não exigir grandes despesas – é obtido cavando apresentam-se
na lama – e de ser facilmente comercializado. Um trabalhador consegue extrair até 1kg do mineral por dia ligados. É um metal
raro, duro e denso,
de trabalho e ganha, ao final da semana, de R$ 20,00 a R$ 100,00, sendo a média salarial mensal do con- muito resistente à
golês em torno de apenas R$ 20,00. Os trabalhadores das minas são na maioria camponeses, prisioneiros corrosão e a altas
temperaturas, exce-
de guerra e crianças que deixam as escolas – sempre vigiados por militares. Estima-se que o exército de lente condutor de
Ruanda, por exemplo, já acumulou R$ 500 milhões com a venda do Coltan do Congo. eletricidade e calor.

A riqueza
A luta de um humanista
e a guerra no Congo Em meio a essa situação dramática, surge o trabalho do
médico Denis Mukwege (1955), conferencista no Fronteiras do
Pensamento no ano de 2011, fundador e diretor do Hospital
Com mais de 60 milhões de habitantes, a República de Panzi, onde se especializou no atendimento a mulheres
Democrática do Congo está situada no coração do vítimas de violência sexual. É o maior especialista mundial em
reparação interna de genitais femininos e coordena programas
continente. Sua história é marcada pela violência, de HIV/AIDS. Mukwege recebeu, em 2008, o Prêmio Direitos
Humanos das Nações Unidas pelo seu trabalho de proteção
tanto por parte dos colonizadores belgas como por aos direitos e à dignidade de milhares de mulheres congole-
seus próprios governantes, assim como por parte dos sas. Em 2009, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, vencido
pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
exploradores das suas riquezas minerais. Com mais
Em outubro de 2012, Mukwege também foi vítima de violên-
de 5 milhões de mortos e 500 mil mulheres vítimas cia na cidade de Bukavu. Quatro homens armados invadiram
sua residência para tentar matá-lo, mas erraram o alvo e
de violência sexual, o Congo está à margem da acabaram fugindo. Um dos seus guarda-costas foi morto na
preocupação da comunidade internacional. emboscada. O motivo do ataque foi vingança: “Eles se revol-
tam quando denunciamos seus crimes”, lamentou Mukwege.
14
15
a criação artística africana Arte como experiência
Os povos africanos faziam seus objetos de arte utilizando elemen-
No rico e variado campo da criação artística africana, é possível distinguir pelo tos da natureza: esculturas de marfim, máscaras entalhadas em
madeira e ornamentos em ouro e bronze. Esculpiam e pintavam
menos duas formas principais através das quais ela se manifesta. A primeira, temas mitológicos, animais da floresta, cenas das tradições, per-
sonagens do cotidiano. Por retratarem um universo complexo de
conhecida como arte tradicional, representa uma soma de elementos simbólicos e elementos, as “Artes da África” não eram meramente visuais, mas,
sim, experiências. Um exemplo são as famosas máscaras, protago-
místicos com finalidade religiosa ou prática. De notável senso estético, seus motivos nistas desta arte. A crença de que possuíam determinadas virtudes
são variados, tratam do cotidiano, das crenças e de cenas de caça e guerra. A mágicas transformou-as em foco de pesquisas. Para os africanos,
as máscaras representavam um disfarce místico com o qual pode-
segunda, arte contemporânea africana, é desenvolvida por artistas nascidos no riam absorver a energia vital dos espíritos. Serviam também para
identificar os membros de certas sociedades secretas, como os fer-
continente mas que atuam fora dele, sobretudo na Europa e na América do Norte, reiros do antigo Mali, conhecidos pelo nome “Komo”. A arte africana
é plural e multidimensional, seus objetos são verdadeiras experiên-
no contexto das trocas culturais promovidas pela diáspora negra no Novo Mundo. cias físicas e espirituais.

Registros da arte pré-histórica africana, nas rochas e cavernas no deserto do A representação simbólica
Saara, datam de aproximadamente 6 mil anos, fazendo delas um dos maiores O desenho de joias e as texturas entalhadas na superfície de certos
e mais belos museus pré-históricos do mundo. Nas inscrições rupestres objetos da arte africana também constituem uma linguagem gráfica #Pablo Picasso
das cavernas de Tassili n'Ajjer, ao sul da Argélia, nas de Tadrart Acacus, particular. São padrões e modelos sinalizando origem e identidade (1881-1973)
Pintor, escultor, poeta e
ao sul da Líbia, e nas do norte do Chade, todas em ambiente desértico, que aparecem também na arquitetu- desenhista espanhol, um
percebem-se elefantes, hipopótamos e crocodilos, cenas de caça e pesca, ra, na tecelagem ou na arte corporal. dos mestres da arte do
século XX. É conhecido
habitações, distrações e a ilustração de crenças religiosas. Do tamanho dos crânios ao pentea- como um dos pais do
do das estátuas, passando pela es- Cubismo, movimento
Desde o III milênio a.C., o Egito produziu uma arte monumental para o colha das matérias-primas, tudo é simbólico: status, poder, crenças religio- artístico que surgiu nas
artes plásticas e que
enaltecimento dos faraós e para a glória de seus deuses. Na África oci- sas etc. Conflitos filosóficos também são representados – como a relação do tratava as formas da
dental, as esculturas mais antigas conhecidas pertencem à cultura Nok, homem com o tempo, com a existência e com o cosmo, ou seja, tudo o que natureza por meio de
figuras geométricas,
da Nigéria. São obras feitas em terracota com a representação de corpos envolve a humanidade – o homem em sua interioridade sensorial e na sua representando todas as
humanos dotados de grande realismo, confeccionadas aproximadamen- relação com o mundo. partes de um objeto no
te em 500 d.C. Depois, métodos complexos de criação artística seriam mesmo plano.
desenvolvidos. As obras que melhor expressam o grau de desenvolvi- Dois grandes nomes da arte moderna, Pablo Picasso e Henri Matisse, de-
#Henri Matisse
mento das antigas civilizações africanas foram criadas na antiga cidade monstram forte influência da arte africana tradicional em seus trabalhos. (1869-1954)
do Benin, no decorrer dos séculos XV a XVII, em madeira, marfim e, Picasso dizia que o “vírus” da arte africana o tinha contagiado. O uso de tons Artista francês, conhecido
pelo uso da cor e seu
principalmente, retratos em alto-relevo feitos em bronze ou latão de terrosos ou cores vivas, o traço geométrico e os espaços delimitados por li- desenho fluido e original.
cenas estilizadas da corte dos poderosos governantes, os obás. nhas pretas são elementos comuns em ambos os trabalhos. Desenhista, gravurista
e escultor, reconhecido,
Essas obras encontram-se hoje espalhadas pelos grandes museus Matisse dialogava com as variadas formas africanas de expressar e representar principalmente, como
da Europa e são consideradas obras-primas da arte universal o mundo essencialmente pelas cores fortes e puras. Sua escultura é especial-
pintor. É considerado um
dos principais artistas do
pela qualidade técnica e a perfeição das formas. mente inspirada na estatuária africana e nas máscaras ritualísticas. século XX.

16
17
ÁFRICA CONTEMPORÂNEA Nos últimos anos, a proliferação de bienais em Dakar, Cidade do Cabo, Luanda e Cairo contribuíram
para o estabelecimento de novas linhas de comunicação e infraestrutura entre artistas, curadores

novos contextos, novos nomes


e historiadores de arte para que possam atuar no continente. Em Moçambique, uma tendência nas
criações das artes plásticas pretende, a partir de expressões da cultura popular urbana, dialogar com
as formas pós-modernas de arte, movimento que recebe o nome de MUVART.
Nesse novo cenário, a produtividade cultural africana está florescendo. Literatura, dança, música,
George Lilanga (1934–2005) Chéri Samba (1956) teatro, belas artes e narrativas orais são expressas de novas e inventivas maneiras. Desvinculada da
Nascido em Kikwetu, aldeia no sul da Tanzânia. Nasceu na República Democrática do Congo e teve
Seus trabalhos exploram o universo de seu suas obras expostas em grandes museus como o multiplicidade de identidades desenvolvidas durante o colonialismo, as migrações e a globalização, a
grupo étnico, Maconde, que sempre resistiu a ser Pompidou, em Paris, e o Museu de Arte Moderna noção de autenticidade é baseada, cada vez mais, na busca de um passado cultural singular.
conquistado por outros povos africanos, árabes de Nova York. Suas pinturas apresentam textos
ou traficantes de escravos. São exímios escultores em francês e em lingala, língua de seu país, de
em pau-preto, árvore que alcança de 4 a 15m de alguns locais de Angola e do Congo (totalizando
altura, de casca cinza e espinhosa. Lilanga colore e uma média de 10 milhões de falantes). Os textos
enverniza a madeira, dando um aspecto moderno versam sobre a vida na África contemporânea. A Odili Donald Odita (1966)
às esculturas que levaram seu trabalho para as partir da década de 1980, Samba começou a se Artista sul-africano da capital Cabo Verde. Suas te-
las enormes esbanjam cores e padrões geométricos
Nicholas Hlobo (1975)
principais galerias do mundo. retratar nos próprios trabalhos para contar como Premiado artista sul-africano, morador de Joanesburgo. Formado
é ser um pintor africano de sucesso no palco que exploram a necessidade humana de encontrar
em Tecnologia, cria esculturas imensas que contrastam feminino
“Para nós, Maconde, arte é natural. É um tra- internacional. padrões e referências para dar sentido ao mundo.
e masculino em materiais inusitados como borracha, tecidos e
balho importante e uma fonte de renda. Pes- objetos aleatórios.
soalmente, muito do que conquistei na vida foi “Me considero um pintor-jornalista, por isso uso tex- “O mais interessante, para mim, é a fusão de culturas
graças à arte.” tos. Minha matéria-prima é a vida cotidiana.” que pareciam díspares e distantes que têm a habi-
“Por meio das minhas obras, quero propor um questionamento so-
lidade de combinarem num fluxo perfeito. Por meio
bre a cultura sul-africana e sobre as percepções de etnias e gêneros.”
da arte, acredito que costuramos diferentes partes
numa única existência, em que a noção metafórica
de unidade pode ser compreendida como realidade.”

18
19
narradores de suas proprias historias olhares
Um dos fenômenos culturais característicos da Áfri-
ca contemporânea é a capacidade de se autonarrar.
mes populares, como a mutilação clitoriana das meninas,
no derradeiro Moolade, de 2004.
contemporaneos
Cineastas e fotógrafos do continente criam suas pró-
A África contemporânea desperta novos olhares,
prias imagens, narram seus próprios sonhos e mos- Nas criações de seus cineastas mais importantes, como
principalmente com a emergência de fotógrafos do
tram ao mundo seus pontos de vista através de uma Souleymane Cissé (Mali, 1940), Djibril Diop Mambéty
continente, que vão construindo uma visão alter-
indústria cinematográfica a cada dia mais forte e de (Senegal, 1945-1998) e Flora Gomes (Guiné-Bissau, 1949),
nativa ao clichê da paisagem africana dos tempos
uma produção fotográfica cada vez mais criativa. a África recupera a personalidade que o colonialismo
coloniais. Também difere das imagens utópicas que
lhe retirou. Sobressaindo o constante diálogo entre a
alimentaram as abordagens pós-independências. Tra-

© Arwa Abouon
Após a independência tardia da grande maioria dos tradição e a modernidade que, em vez de aparecerem
ta-se de uma imagem definitivamente urbana, evi- Série: Generation,
países, o cinema transformou-se em um potencial de como fenômenos antagônicos, são apresentados como
dentemente desequilibrada e com novos e distintos Sans titre (Mother
linguagem e comunicação para os africanos, que pas- complementares.
problemas que se misturam aos tradicionais. Daughter), 2004
saram a exercer o seu “direito de narrar”. Fora dos cir-
cuitos internacionais europeus e norte-americanos, a A Nigéria constituiu uma verdadeira indústria cinemato-
Com criadores de imagens que vão do norte até à
produção cinematográfica do continente precisou con- gráfica, que chamou de Nollywood. Os nigerianos pro-
África do Sul, a fotografia mergulha profundamente
tar com o apoio de órgãos oficiais, abrindo espaços de duzem mais de 1.000 filmes por ano – o dobro da pro-
nos mais diversos problemas, criando um retrato
exibição como as Jornadas Cinematográficas de Carta- dução de Hollywood –, arrecadando em torno de US$
múltiplo de um continente em estado de ebulição.
go (1965), o Simpósio do Filme Pan-Africano de Moga- 250 milhões, a terceira maior arrecadação mundial, atrás
díscio (1981) e, sobretudo, o Festival Pan-Africano de somente dos americanos e dos indianos (Bollywood). A
Questões como o caos urbano, a miséria nas cida-
Ouagadougou – FESPACO (1972). indústria cinematográfica nigeriana é a segunda maior do
des, drogas ou desinserção, assim como a questão
país, perde apenas para a petrolífera.
da mobilidade, seja nos campos de refugiados ou

© Jodi Bieber
Considerado o criador do cinema africano, Ousmane
nas imagens de malianos em Paris, são capturadas
Sembène (1923-2007) descreveu as contradições e de- Baseada em produções de baixo custo, em torno de US$ Série: Going
por esses novos olhares. A guerra cíclica e sistêmica Home, 2001
sigualdades dessas sociedades. Atacou tanto o cará- 20 mil, Nollywood é financiada por produtores locais que
que atravessa a África, mas também o problema da
ter reacionário da religião islâmica em Ceddo, de 1976, vendem, em média, 100 mil vídeos a US$ 3 a cópia. Esse
educação, do uso dos recursos e da corrupção, são
quanto a natureza opressora da colonização francesa esquema de produção e distribuição é o diferencial, e,
matéria de contestação aberta ao poder político.
em Emitai, de 1973, a corrupção da elite republicana em apesar de não receber subsídios do governo, o cinema ni-
Xala, de 1975, e o caráter retrógrado e nefasto de costu- geriano transcendeu os limites do seu próprio território.
Novas questões afloram, sobretudo relacionadas
com a tradição ou com a afirmação de novas iden-
tidades que descolam do ordenamento social deri-
vado dessa tradição. É o caso do lugar da mulher

criadores de imagens
nas sociedades islâmicas ou do tabu da homosse-
xualidade. As abordagens a essas realidades são

© Emeka Okereke
bastante diversas. E esta diversidade, que é uma
forte característica da arte fotográfica atual, ajuda
a fazer dela um interessante e múltiplo retrato de
um continente em transição. Sans titre, 2008

20
21
A África lusófona “Eis a nossa sina: esquecer para ter passado,
mentir para ter destino.”
O outro pé da sereia, M ia Couto
O escritor moçambicano Mia Couto é um dos gran-
Lusofonia é o conjunto de identidades culturais existentes em países, regiões, estados ou cidades falantes des nomes da literatura em língua portuguesa con- Mas é como escritor que Mia tornou-se mun-
da língua portuguesa. O português é a língua oficial de oito países espalhados pelos quatro continentes: temporânea. Nascido na cidade de Beira, em 1955, dialmente conhecido. Ele é o autor moçambi-
Angola (12,7 milhões), Brasil (198,7 milhões), Cabo Verde (429 mil), Guiné-Bissau (1,5 milhão), Moçambique Antônio Emílio Leite Couto chegou a cursar Medicina cano mais traduzido e divulgado no mundo e
(21,2 milhões), Portugal (10,7 milhões), São Tomé e Príncipe (212 mil) e Timor-Leste (1,1 milhão). É a sexta em Maputo, capital de Moçambique, onde havia um dos autores estrangeiros mais vendidos em
língua mais falada do mundo (por mais de 250 milhões de pessoas). Na internet, o português é o sexto um ambiente racista muito forte e o regime exer- Portugal (com mais de 400 mil exemplares). Entre
idioma mais usado. Trata-se de um vasto universo de falantes que abrange todos os continentes, com cia grande pressão sobre os estudantes univer- suas obras mais significativas estão a coletânea de
uma enorme diversidade e riqueza cultural. A lusofonia é motivo da criação de incontáveis grupos, ONGs, sitários. Assim, Mia começou a colaborar com a contos Vozes anoitecidas e os romances Terra sonâmbu-
associações e movimentos pelo mundo. Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, la e O último voo do flamingo, ambos adaptados recente-
partido marcado pela luta da independência de mente para o cinema. Seus livros A Varanda do Frangipani
Moçambique de Portugal.
Comunidade dos P aíses de Língua P ortuguesa – CPLP e contos extraídos de Cada homem é uma raça foram adap-
tados para o teatro. Recentemente, publicou a coletânea de
Após a independência de seu país, em 1975, ensaios E se Obama fosse africano? e, em 2012, seu mais
Organização assinada entre países lusófonos que instiga a aliança e a amizade entre os signatários.
ingressou na atividade jornalística, na qual recente romance, A confissão da leoa.
A sede fica em Lisboa, e seu atual secretário executivo é Domingos Simões Pereira, de Guiné-Bissau.
permaneceu por 10 anos, abandonando a
Criada em 1996, tem autonomia financeira e como objetivos: a organização política entre seus es-
profissão para terminar o curso de Biolo- A literatura de Mia Couto é exaltada não só pela forma como
tados-membros para o reforço da sua presença no cenário internacional; a cooperação em todos os
gia em 1989, especializando-se na área ele descreve e trata a vida cotidiana da Moçambique contem-
domínios; e a materialização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa.
de Ecologia. A partir daí, manteve co- porânea, mas, principalmente, pela inventiva poética, numa
laboração dispersa com jornais, ca- permanente descoberta de novas palavras através de um pro-
P aíses Africanos de Língua Oficial P ortuguesa – palop deias de rádio e televisão, dentro
e fora de Moçambique. Hoje, atua
cesso de mestiçagem entre o português “culto” e as várias
formas e variantes dialetais introduzidas pelas populações
Grupo dos cinco países que foram colônias de Portugal e que obtiveram a independência entre 1973 como biólogo na área de estu- moçambicanas. O autor cria, se apropria, recria e renova a
e 1975, constando entre os dez países mais jovens do continente: Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau, dos de impacto ambiental. língua portuguesa em diferentes direções.
Moçambique e São Tomé e Príncipe. Além da língua, compartilham um forte sentido de identidade
devido à sua história, trabalhando conjuntamente para o desenvolvimento da educação e preserva-
ção da língua portuguesa e suas tradições. “Tristeza não é chorar. Tristeza é não ter para quem chorar.”
A confissão da leoa, M ia Couto

22
23
eram a principal importação da África: uma trans-
formação radical na cultura do continente. A partir
de 1850, a construção de estradas e a facilitação
do transporte dos produtos desestimulou o investi-

uma história tecida mento na industrialização do continente. A falta de


recursos impediu que os próprios africanos inves-
À sombra do grande tráfico de escravos – que en-
tissem em tecnologias para competir e ampliar as
A África tem uma longa e rica tradição têxtil. As co- foi encorajada, utilizando os tecidos como moeda volvia reis, mercadores e administradores –, o co-
#tecelagem técnicas locais. A produção local sobreviveu apenas
Ato de tecer, entrelaçar res, os padrões dos tecidos, os acessórios, todos de troca. Até hoje, o tecido africano é mundial- mércio de gêneros alimentícios abastecia cidades
pelo status que os produtos manufaturados deti-
os fios, formando têm forte simbologia e ligação com a cultura de seus mente reconhecido por sua excelência e beleza. litorâneas, portos e até mesmo os navios negreiros.
tecidos. Existe há cerca nham junto à elite.
povos. Muitos grupos são identificados pelas suas Não apenas o algodão, mas os artefatos de couro E não apenas comida, muitos outros itens eram
de 12 mil anos e é
conhecida por ser uma vestimentas, seus costumes, que criam, assim, um e a cerâmica, arte majoritariamente feminina, são vendidos: tecidos, linhas, contas, agulhas, facas,
A influência da estética africana, com suas cores
das mais antigas formas pratas, canecas, moringas, garrafas, espelhos... Es-
de artesanato. estilo próprio. A valorização desses estilos resulta da muito populares. e padronagens, a arte da tecelagem e o valor dos
política de afirmação da identidade do continente. ses elementos cruzaram os oceanos e chegaram ao
símbolos contidos nos tecidos e nos artefatos vie-
#Era Industrial Com a abertura para trocas com a Europa e a Ásia, Brasil, sendo adaptados à nossa cultura. Mas gran-
Começou no século XVIII ram junto com os escravos para o Brasil. As feiras
Na história da África, pode-se dizer que os tecidos esse cenário mudou. De 1500 a 1850, os mercado- de parte do valor simbólico das vestimentas e dos
e durou até o final do na Bahia são um exemplo: a figura da quitandeira,
século XIX. Caracterizou- são considerados substitutos da pintura. As primei- res europeus tentaram substituir os produtos afri- adereços africanos se perdeu com a industrializa-
vendendo artesanato, roupas e comidas tradicio-
se por três fenômenos: ção e a popularização da estética. Os padrões fala-
substituição das ras versões eram feitas com casca de árvore ba- canos por importações mais baratas. No século XIX, nais, é uma influência africana.
habilidades humanas por tida. Atualmente, são encontrados sobretudo nas com a Revolução Industrial, a mudança foi drástica. vam da relação com a comunidade, do casamento,
dispositivos mecânicos; populações da África central, decorados com tintas Os fios importados das indústrias europeias eram do poder, da terra e da religião. Porém, ao sairmos
uso de energia de pelas ruas de qualquer estado brasileiro, vamos en-
fonte inanimada, vegetais em sua maioria. mais baratos do que a produção local, ainda lenta
especialmente a do e manufatureira. Já em 1820, os tecidos de algodão contrar cangas, batas, lenços e muitos adereços de
vapor, que tomou coco, penas, miçangas: elementos que nos reme-
o lugar da força Com a chegada dos mercadores europeus na cos-
humana e animal; e ta, no século XV, a possibilidade comercial da tece- tem à história africana e aos povos que ajudaram a
melhora acentuada nos lagem passou a ser explorada e a produção têxtil construir o Brasil.
métodos de extração
e transformação das
matérias-primas.

24
25
O corpo:
instrumento de comunicação
O corpo é o mais sagrado e completo instrumento de comunicação nas culturas africanas e afro-brasileiras. A linguagem
corporal é compreendida tão claramente que a roupa não deve inibir nem privar seus movimentos, pois, assim como o
A manifestação da fé
corpo, a roupa mantém uma relação muito íntima com o sagrado. Na África contemporânea convivem, ao mesmo tempo, o cristianismo, o islamismo, o judaísmo e
as religiões tradicionais. Essa mistura peculiar da fé também acontece no Brasil, onde são encon-
O negro não se veste, simplesmente: ele se produz. Por trás de cada gesto há um ritual que o mantém ligado à ances- tradas diversas manifestações de religiosidade: dos nativos, o catolicismo, os cultos africanos, o
tralidade. Na percepção das comunidades afro, o corpo – e tudo aquilo que se pode fazer com ele ou por meio dele – se protestantismo, entre outras.
une aos múltiplos planos em que transita. Inicialmente desenvolvida para ser uma defesa, a capoeira era praticada pelos #sincretismo
No Brasil, as religiões de matrizes africanas transcenderam a fé. Transformaram-se em elementos Fusão de doutrinas de
negros cativos. Os movimentos de luta foram adaptados às cantorias africanas e ficaram mais parecidos com uma dança, diversas origens, seja
permitindo, assim, que treinassem sem levantar suspeitas dos capatazes. de reagrupamento e um importante fator na luta contra a escravidão. Foram criados sincretismos na esfera das crenças
entre os deuses dos cativos e os santos católicos. Duas grandes religiões afro-brasileiras são o religiosas, seja das
Candomblé e a Umbanda. filosóficas.

#Batuque
No Rio Grande do Sul, desponta o Batuque, fruto de religiões dos povos da Costa da Guiné e da Palavra originária da
Nigéria. É interessante notar a adaptação do Batuque ao contexto regional. Oxum, a deusa das expressão batukajé,
águas doces, tem como oferenda a polenta, influência da colônia italiana. O Bará, divindade das numa referência ao bater

Herança afro encruzilhadas e dos caminhos, recebe batatas-inglesas assadas, popularizadas pela colônia alemã
no estado. A veste ritual masculina é a bombacha, e o churrasco é o alimento preferido de Ogum,
dos tambores típico das
cerimônias de religião.

o deus da guerra e das artes manuais. #banto


Cachaça, cachimbo, cafundó, cafuné. Essas palavras, fican- Os movimentos corporais que acompanham o samba brasilei- Grupo etnolinguístico
do apenas na inicial “c”, fazem parte de uma longa lista de ro devem algo ao semba angolano, e lembram os do batuque, localizado principalmen-
termos que usamos habitualmente e que são provindos da gênero musical desenvolvido em Cabo Verde desde os séculos te na África subsaariana
que engloba cerca de
África. Dengo, farofa, moleque, neném, quitanda, samba... a coloniais. Da África, portanto, viria boa parte da nossa “ginga”.
lista não acaba. Não é só na linguagem que o continente mar-
cou profundamente o dia a dia dos brasileiros, seus hábitos
Aliás, esta é uma palavra derivada da língua quimbundo, e no-
meava uma importante rainha que governou Angola no início do
Beleza negra 400 subgrupos étnicos
diferentes.

e costumes. século XVII, chamada Nzinga Mbandi, ou simplesmente Rainha A África nunca esteve distante do culto à be- indicar posição social, identidade étnica, ori- #Black Power
Slogan político e nome
Jinga. De nome de rainha a personagem da congada, a ginga ad- leza, não apenas do corpo, mas também da gem, religião, idade. Principalmente a partir que agrega várias
Outras contribuições importantes estão na música e na dança: quiriu muitos outros significados, hoje atribuídos principalmente beleza expressa nas diversas formas de arte. dos cabelos é possível resgatar memórias an- ideologias destinadas a
o carimbó, o jongo, o samba e o cacuriá; nos instrumentos mu- aos brasileiros. Na cultura africana, a concepção do belo está cestrais. promover o movimento
sicais: o atabaque, o agogô, o berimbau, o afoxé e a ganzá; nas ligada ao bem e ao verdadeiro. Ao longo da negro. Foi destaque nos
anos 1960 e 1970 nos
lutas: a capoeira; na religião: o candomblé e a umbanda; na culi- A África não tem uma unidade cultural, mas apresenta enorme varieda- história, os cabelos receberam atenção espe- “O negro é lindo!” era uma das premissas do Estados Unidos, ressal-
nária: o vatapá, o caruru, a moqueca, o acarajé e a feijoada. Os de de formas culturais e costumes. Suas crenças vão muito além do cul- cial nas culturas de matriz africana no Brasil. movimento Black Power. Ele se espalhou pelo tando o orgulho racial e
africanos também trouxeram para o Brasil técnicas de produção to dos orixás ou voduns, que são típicos dos povos do Golfo da Guiné. Em especial, nas culturas de origem banto. mundo e chegou ao Brasil. Para além da procu- lutando pela criação de
instituições políticas e
de objetos, como modelar e cozer o barro utilizado para confec- Os cativos africanos que desembarcaram na Bahia, por exemplo, são de Em conjunto com o rosto, os cabelos definiam ra pela beleza, assumir o gosto e o respeito pe-
culturais para cultivar e
ção de recipientes, bem como padrões estéticos presentes nas origem e cultura diferentes dos que desembarcaram no Rio de Janeiro a pessoa e o grupo a que pertencia. É um las diferentes formas da estética negra sinaliza promover interesses e
formas, nas decorações e no colorido. ou em Pernambuco. Isso engrandeceu a herança cultural do país. complexo sistema de linguagem que pode um pertencimento e um orgulho dessa herança. valores negros.

26
27
Anotações Fronteiras Educação

Planejamento Cultural
........................................................................................ Telos Empreendimentos Culturais

Consultor Educacional e Revisor Acadêmico


........................................................................................ Francisco Marshall – Historiador e arqueólogo, professor
Fronteiras Educação do Departamento de História da UFRGS e curador
........................................................................................ cultural do StudioClio

Consultor Acadêmico do Fascículo


........................................................................................ O Fronteiras Educação configura-se em um importante espaço José Rivair Macedo – Historiador, professor do Programa
para se pensar, com a “Geração Z”, temas relacionados à de Pós-Graduação em História da UFRGS

........................................................................................ compreensão dos grandes problemas da contemporaneidade, Textos


com linguagem e recursos apropriados à idade e à visão do Sonia Montaño – Jornalista com doutorado em
Ciências da Comunicação e professora na Unisinos
........................................................................................ mundo desse público. Juliana Szabluk – Professora e jornalista, atua em
diversos campos da linguagem e da informação
........................................................................................ O pensamento dessa geração é baseado no mundo complexo Produção Executiva
e veloz, dominado pela tecnologia, ocasionando novos Pedro Longhi
........................................................................................
desafios ao nosso sistema educacional. Coordenação
........................................................................................ Camila Garcia Kieling
Luciana Thomé
Michele Mastalir
........................................................................................
Concepção
Sandra de Deus – Pró-reitora de Extensão da UFRGS
........................................................................................
Consultor Acadêmico
Donaldo Schüler
........................................................................................
Consultor Pedagógico
........................................................................................ Ítalo Dutra

Apresentação
........................................................................................ Fabrício Carpinejar

Pesquisa e Relacionamento
........................................................................................ Amalia Meneghetti
Ana Luisa Spanhol
........................................................................................ Ana Paula Treher
Denise Donicht
Francisco de Azeredo
........................................................................................ Michele Marten
Suzana Guimarães
........................................................................................
Projeto Gráfico e Editoração
Editoras Associadas (Camila Kieling e Marta Castilhos)
........................................................................................
Capa, Ilustrações e Editoração
Canhotorium – Arte Aplicada (www.canhotorium.com.br)

Revisão Ortográfica

Banco de palavras Renato Deitos

Produção Gráfica
Denise Freitas
lusófono – arte – África – racismo – religião – Coltan – literatura – etnias – dança – Brasil – cultura – moda
sincretismo – cinema – preconceito – leis – educação – diferenças – samba – corporeidade – escravidão Agradecemos pela parceria institucional da Universidade Federal do Agradecimentos
Colégio de Aplicação da UFRGS
Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Secretaria Municipal de Educação de
independência – geografia – colônias – fotografia – tecelagem – fé – afro-brasileiro – língua portuguesa Porto Alegre (SMED) na realização do Fronteiras Educação.
Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre
Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre
A “Geração Z” é sujeito e protagonista do mundo em que vivemos no século XXI. Com
amplo acesso a todos os caminhos da informação abertos na esfera digital, ela pode
chegar a uma qualidade de conhecimento extraordinária, revolucionária. Além disso,
redimensionamos os corpos e hoje incluímos próteses digitais variadas, que nos conectam
a uma imensa rede internacional. A amizade, o amor e o conhecimento ganharam um
novo cenário. Isso nos dá potência para aprender sobre o patrimônio e os desafios da
humanidade e, com o conhecimento, agir para melhorar o mundo, em atitudes que vão
do indivíduo à nação, do bairro ao globo conectado. Precisamos aprender mais deste
mundo globalizado, começando pela África. Continente fundamental, de onde proveio a
humanidade, fonte de riquezas naturais e culturais, mas também vítima da voracidade
dos exploradores. A África de problemas graves como a guerra e a fome, doenças,
violência política e crises de direitos humanos. Mas também a África lusófona, literária
e artística, rica em cultura. Enfim, um mundo a ser explorado.

Patrocínio

realização

9 788599 979082

Anda mungkin juga menyukai