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ARTIGO

Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil


neoliberal – Precarização do trabalho e redundância
salarial

Giovanni Alves
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marília

Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal – Precarização do trabalho e redundância


salarial
Resumo: O objetivo do artigo é tratar das mutações sociais que ocorrem no mundo do trabalho a partir da era neoliberal no Brasil.
Examina-se a precarização do trabalho como sendo elemento compositivo do novo metabolismo social que emerge com a reestruturação
produtiva do capital e a constituição do Estado neoliberal. Apresenta-se como bases objetivas da precarização do trabalho, a intensificação
(e ampliação) da exploração (e espoliação) da força de trabalho, o desmonte de coletivos de trabalho e de resistência sindical-corporativa;
assim como a fragmentação social nas cidades em virtude do crescimento exacerbado do desemprego em massa.
Palavras-chave: trabalho, capitalismo, reestruturação produtiva, sindicalismo.

Work and Productive Restructuring in Neoliberal Brazil – Precariousness of Work and Salary
Redundancy
Abstract: The purpose of this article is to analyze the social mutations that occur in the world of labor based on the neoliberal era in
Brazil. It examines the precariousness of work as being an element that composes the new social metabolism that emerges with the
productive restructuring of capital and the constitution of the neoliberal State. It presents as the objective causes of the increased
precariousness of work the intensification and expansion of the exploitation and plundering of the labor force, the dismounting of labor
collectives and of corporate-union resistance; as well as the social fragmentation in the cities due to the exacerbated growth of mass
unemployment.
Key words: labor, capitalism, productive restructuring, unionism.

Recebido em 29.03.2009. Aprovado em 03.08.2009.

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Introdução de parte do material com que lidam os exercícios


intelectuais mais elaborados.
Esta pesquisa focaliza a experiência da
precarização do trabalho como um processo E mais adiante observa:
constitutivo do novo metabolismo social que se mani-
festa da reestruturação produtiva do capital e da for- A experiência I [experiência vivida] está em eterna
mação do Estado neoliberal no país. A base objetiva fricção com a consciência imposta e, quando ela
da precarização do trabalho se caracteriza pela inten- irrompe, nós, que lutamos com todos os intrincados
sificação (e a ampliação) da exploração (e a espolia- vocabulários e disciplinas da experiencia II [experi-
ção) da força de trabalho, pelo desmonte de coletivos ência percebida], podemos experenciar alguns mo-
de trabalho e de resistência sindical-corporativa; e pela mentos de abertura e de oportunidade, antes que se
fragmentação social nas cidades em virtude do cres- imponha mais uma vez o molde da ideologia.
cimento exacerbado do desemprego em massa.
No tocante à metodologia de pesquisa, este en- Dessa forma, a “experiência”, “sem bater na por-
saio é produto de pesquisa bibliográfica e reflexão ta”, constitui e nega, opõe e resiste, estabelece me-
crítica, a partir de dados quantitativos obtidos nas diações, é espaço de prática, intervenção,
estatísticas sociais do IBGE e DIEESE/SEADE, dos obstaculalização, recusa, é processo de formação
quais buscamos organizar alguns elementos teórico- de identidades de classe e, poderíamos acrescen-
categoriais necessários para a apreensão crítica do tar, de gênero, geracional e de etnias. Processos
tema do “metabolismo social da precarização do tra- dialeticamente articulados que, ela, a experiência,
balho no Brasil” nas últimas décadas. Por isso, sali- expressa de forma privilegiada. Deste modo,
entamos a importância de apreendermos a preca- Thompson distancia-se, como se vêm do conceito
rização do trabalho enquanto “experiência vivida” e vulgar de “experiência” que estabelece sua equiva-
“experiência percebida” de individualidades pesso- lência meramente com a empiria.
ais da classe do proletariado. Portanto, a “experiência da precarização” implica
Utilizamos a categoria de “experiência” – desdo- “experiência percebida” e “experiência vivida”, proces-
brada em “experiência vivida” e “experiência percebi- sos dialeticamente articulados, que se impõem aos su-
da” – sugerida por E. P. Thompson (THOMPSON, 1963). jeitos/agentes assalariados em processo de reestru-
A “experiência percebida” (que muitos identificam ime- turação. Parafraseando Thompson (1963, p. 208), pode-
diatamente à palavra “experiência”) diz respeito à ex- se dizer que “pessoas sofrem a experiência de
posição de relatos de vida de sujeitos/agentes assalaria- precarização: os que sobrevivem (e os que são desliga-
dos – assujeitados pelo salariato – em processo de dos) pensam o trabalho assalariado de outra maneira,”
reestruturação. Ela se move na direção do que Marx Ao contrapor “percebido” e “vivido” no plano da
denominou “consciência social” (muitos afirmam que a experiência, contraposição dialeticamente articulada,
“experiência percebida” é um meio imperfeito e falsifi- Thompson traduz a ideia marxiana que nos diz “eles
cador, corrompido por interferências ideológicas). fazem, mas não o sabem”. A experiência, diz Thompson,
Por outro lado, a “experiência vivida” vincula-se “sem bater na porta”, nos provoca a “dar respostas”,
às regularidades no interior do ser social, que, com ato ontologicamente primordial do ser social (diz Lukács
frequência, resultam de causas materiais e que ocor- (1981) que o “homem é um ser que dá resposta”).
rem de forma independente da consciência ou da
intencionalidade. Tais causas, inevitavelmente, dão
ou devem dar origens à “experiência vivida” da clas- A experiência da precarização do trabalho
se. A pressão dessas causas sobre a totalidade do
campo da consciência, não pode ser adiada, falsificada A experiência da precarização do trabalho no
ou suprimida indefinidamente pela ideologia. Diz Brasil decorre da síndrome objetiva da insegurança
Thompson (1963, p. 203): de classe (insegurança de emprego, de representa-
ção, de contrato etc) que emerge numa textura his-
A experiência chega sem bater na porta e anuncia tórica específica – a temporalidade neoliberal. Ela é
mortes, crises de subsistência, guerras, desempre- elemento compositivo do novo metabolismo social que
go, inflação, genocídio. Pessoas passam fome: os emerge a partir da constituição do Estado neoliberal.
que sobrevivem pensam o mercado de outra forma. Possui como base objetiva, a intensificação (e a am-
Pessoas são presas: na prisão meditam na lei de pliação) da exploração (e a espoliação) da força de
novas maneiras. [...] Dentro do ser social ocorrem trabalho e o desmonte de coletivos de trabalho e de
mudanças que dão origem a uma experiência trans- resistência sindical-corporativa; além, é claro, da frag-
formada: e essa experiência é determinante, no sen- mentação social nas cidades, em virtude do cresci-
tido de que exerce pressão sobre a consciência so- mento exacerbado do desemprego total e a deriva
cial existente, propõe novas questões e oferece gran- pessoal no tocante a perspectivas de carreira e de

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trabalho devido à ampliação de um precário merca- No Brasil, a derrota do candidato da Frente Brasil
do de trabalho (ALVES, 2007). Popular, Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Tra-
Na medida em que se rompem resistências sociais balhadores (PT), em 1989, e a vitória de Fernando
e políticas do trabalho organizado (politicamente, com Collor de Melo explicitam uma alteração qualitativa-
a derrota da Frente Brasil Popular, em 1989; e social- mente nova do cenário da luta de classes no país. Abriu-
mente, com a desagregação social da classe em virtu- se espaço para o avanço do receituário neoliberal em
de da recessão da economia sob o governo Collor), 1990, implementando-se políticas que impulsionaram
ampliam-se as bases objetivas (e subjetivas) da sua a reestruturação capitalista no país. Para o mundo do
precarização, constituindo o que denominamos de trabalho, tornou-se bastante adverso o cenário social
síndrome da precarização do trabalho, complexo ob- e político devido à política autocrática do governo Collor
jetivo de determinações que dão origem, na década de visando destruir o sindicalismo, principalmente de ca-
1990, às experiências vividas e às experiências perce- tegorias organizadas que resistiam a medidas drásti-
bidas da precarização do trabalho. Eis o sentido da cas que atingiam direitos do trabalho (no caso de em-
globalização – a partir de 1990, o Brasil incorpora-se presas estatais e setor público).
na dinâmica de um processo estrutural de precarização
da classe do trabalho que marca a nova ordem
sociometabólica do capital no plano mundial. O desmonte do sindicalismo do confronto
Na virada para a década de 1990, as reformas
neoliberais implementadas a partir do governo Collor Na década de 1990, ocorre uma mudança subs-
e o cenário macroeconômico (recessão ou baixo cres- tantiva na dinâmica (e forma de ser) das greves no
cimento da economia num contexto de intensa Brasil que apontam para tendências novas, em con-
reestruturação industrial, juros elevados e abertura traste com a década anterior, indicando, deste modo,
comercial com a intensificação da concorrência uma nova dinâmica da prática sindical-corporativa
intercapitalista), contribuíram para a constituição de ou prática sindical propriamente dita. Na verdade, as
um cenário de degradação do mercado de trabalho dificuldades de “greves gerais” por categoria e a dis-
com alto índice de desemprego total nas regiões me- seminação de greves por empresas no decorrer da
tropolitanas e deterioração dos contratos salariais de- “década neoliberal”, expressam condições objetivas
vido à expansão da informalização e da terceirização adversas de precarização do mercado de trabalho e
nas grandes empresas, visando reduzir custos. de ofensiva do capital na produção.
O metabolismo social da precarização do traba- A partir de 1990, ocorre uma inflexão significativa
lho, constituído pelo processo objetivo de degrada- no total de greves no Brasil (em contraste com o perí-
ção salarial e pela pletora de experiências pessoais odo de ascensão do sindicalismo, de 1985 a 1989). Há
de desligamentos do salariato regulado, é marcado uma conjuntura histórico-política, marcada pela políti-
não apenas pelo cenário interno de reformas capi- ca neoliberal que articula controle social de mercado
talistas, mas também pelo cenário externo de inten- (a recessão da economia brasileira do governo Collor,
sa reação neoliberal de cariz político-ideológico (os que ampliou o desemprego total nas regiões metropo-
acontecimentos históricos da Queda do Muro de litanas, colocou sérias dificuldades para o movimento
Berlim em 1989, e o fim da URSS, em 1991, torna- sindical classista) e dispositivos autocrático-estatais de
ram-se ícones midiáticos para a proclamação da controle do sindicalismo público, um dos polos
vitória gloriosa da globalização capitalista). É nessa combativos contra o neoliberalismo na década de 1990.
época que se articula a hegemonia neoliberal na Após o descenso de 1991 e 1992, o total de gre-
América Latina, com o Brasil sendo elemento-cha- ves tende a crescer relativamente, a partir de 1993,
ve do “Consenso de Washington”. embora não consiga retomar a dinâmica ascendente
Aliás, o elemento ideológico é, em si, uma media- da década passada. Na verdade, ocorre, nesse perí-
ção fundamental (e fundante) da “experiência per- odo, uma alteração significativa na morfologia social
cebida” da classe do trabalho, na medida em que das greves. É importante ressaltar que o Plano Real,
contribui para instaurar o conteúdo ideacional dos de 1994, que extinguirá a política salarial, coloca no-
novos métodos de gestão de cariz toyotista. Métodos vos parâmetros para a negociação coletiva no país.
baseados no envolvimento participativo de operários Aliás, desde o início da década de 1990, os gran-
e empregados e, no plano da reprodução social, dos des empresários privados, acompanhando a ofensiva
novos modos de sociabilidade, organizados a partir neoliberal no plano da gestão macroeconômica e re-
dos valores-fetiches, expectativas e utopias de mer- organização patrimonial do Estado brasileiro (com a
cado. Na medida em que se dissemina sob a era privatização das empresas estatais e abertura das
neoliberal, a ideologia de mercado, com suas impli- Reformas do Estado: Reforma da Previdência, Re-
cações na prática social (e coletiva), “precariza-se”, forma Administrativa, Reforma Tributária,etc, agen-
de certo modo, a “experiência percebida” (ou a cons- da política que percorria a era neoliberal), promovem
ciência social) da classe do proletariado. uma importante ofensiva nas negociações coletivas

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de trabalho que atinge o metabolismo social da luta do pela FIESP, que reúne dez sindicatos pequenos
sindical classista. A nova postura do grande capital é como, por exemplo, os de mecânica, funilaria e mó-
descentralizar o processo de negociação e flexibilizar veis de metal, reparação de veículos e refrigeração.
os conteúdos dos acordos e convenções coletivas de Progressivamente, a subdivisão dos grupos econô-
trabalho (CAPPA, 2000). micos foi aumentada, pois, até fins de 1998 totalizavam
A descentralização das negociações coletivas, que sete: a) Grupo dos sindicatos das montadoras; b) Grupo
teve nas redefinições do Grupo 14 da FIESP no iní- dos 3 (sindicatos das autopeças, parafusos e forja-
cio dos anos 1990, foi um dos principais sinalizadores ria); c) Grupos 8 e 10 foram mantidos; d) os sindica-
da ofensiva patronal que contribuiu para alterar de tos das empresas de fundição, esquadrias metálicas
forma significativa a morfologia social das greves, e siderúrgicas optaram por estabelecer negociações
ativando tendências neocorporativas no seio do mo- coletivas de forma isolada (CAPPA, 2000).
vimento sindical, ou seja, práticas sindicais de natu- Por isso, a “força das circunstâncias” da “década
reza concertativa circunscritas ao âmbito da empre- neoliberal”, caracterizada pela desestruturação do
sa ou do local de trabalho. mercado de trabalho por conta das políticas
Assim, apesar de manter a negociação na mes- macroeconômicas neoliberais, e pela fragmentação
ma data base, o Grupo 14 da FIESP subdvidiu-se em das negociações coletivas, imposta pelo patronato,
três: a) o Grupo 5, que reunia os sindicatos das obriga o sindicalismo a abandonar as greves gerais
montadoras, autopeças, parafusos, forjaria e fundi- por categoria e voltar-se para greves por empresa.
ção; b) Grupo 8, que reúne os sindicatos de máqui- Apesar da retomada relativa das mobilizações gre-
nas, trefilação e laminação de metais ferrosos e os vistas em 1993, conforme Figura 1, diminui de for-
dos não ferrosos, aparelhos elétricos e eletrônicos, ma paulatina, o número de grevistas (tendência de
refrigeração, condutores elétricos, indústria de me- decrescimento que percorre a década de 1990, in-
tais e equipamentos ferroviários e rodoviários e ba- tensificando-se na última metade da década passa-
lanças, pesos e medidas: e c) o Grupo 10, coordena- da), conforme Figura 2.

Figura 1 – Total de greves no Brasil (1985-1999)


200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Fonte: DIEESE (2002).

Figura 2 – Grevistas no Brasil – Média mensal por ano (1985-1999)

1.600.000
1.400.000
1.200.000
1.000.000
800.000
600.000
400.000
200.000
0
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Fonte: DIEESE (2002).

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Na verdade, a nova temporalidade histórica do ca- Um dos elementos objetivos de ampla significação
pital, marcada pela precarização do trabalho no Brasil, que marcam a precarização do trabalho no Brasil foi a
tende a reconverter a “cultura de greve” para o âmbi- perda – no imaginário social – de referentes coletivos.
to das empresas. Consolida-se um defensivismo de Nesse sentido, a década de 1990 parece ser o reverso
novo tipo que irá marcar a cultura sindical sob a era da década anterior, sua antítese, isto é, negação da
neoliberal. A nova territorialidade das greves, restritas afirmação coletiva propiciada pelo sindicalismo e
à empresa e não mais à dimensão da categoria de associativismo dos anos 1980. Embora tenha ocorrido
trabalhadores assalariados (ou mesmo da classe soci- o crescimento do número de sindicatos de trabalhado-
al) é expressão da nova morfologia social da res no país – segundo o IBGE (BRASIL, 2003, online)
precarização do trabalho. Esta “nova ordenação ele cresceu 49,16% entre 1991 e 2001 –, isso não se
socioespacial” das greves é um traço explícito do traduziu em efetiva representação política e constitui-
particularismo sindical-corporativo em seus ção de referentes coletivos para o mundo do trabalho.
rebatimentos territoriais, que contribui para alimentar O crescimento de sindicatos nesta década atesta ape-
a ideologia do sindicalismo propositivo (ALVES, 2007). nas o grau de fragmentação sindical-corporativa que
É importante destacar não apenas a nova “forma se exacerbou na “década neoliberal” (embora segun-
de ser” das greves, mas o novo conteúdo das reivin- do o IBGE, tenha aumentado em 0,8% o número de
dicações sindicais. Elas também sofrem alterações pessoas sindicalizadas em relação ao total de traba-
significativas que traduzem a ofensiva do capital na lhadores: 26,01%; verifica-se, pelos dados expostos, a
produção (a partir de 1994, cresce o número de gre- diminuição do total de grevistas e a alteração dos mo-
ves por não cumprimento de direitos). Tal como a tivos das greves).
nova ordenação socioespacial das greves, o conteú- Deve-se salientar também um dado estrutural re-
do das reivindicações sindicais assumem, nesse perí- levante: a diminuição no decorrer da década de 1990,
odo, traços do “defensivismo de novo tipo”. Na ver- de empregos gerados pelo setor industrial – com des-
dade, o que se busca é preservar direitos ameaçados taque para o setor metal-mecânico. É na indústria,
pela nova dinâmica da “acumulação por espoliação” ao contrário dos serviços e comércio, que temos os
que é própria do Estado neoliberal (HARVEY, 2004). setores melhores organizados – geralmente melhor
A partir do Plano Real, em 1994, plano de estabili- pagos e melhor qualificados do mundo do trabalho
zação monetário que inaugura, de fato, sob a injunção (em 1989, os postos de trabalho no setor industrial
neoliberal, a nova temporalidade histórica do capital representavam 33% na região metropolitana de São
no país, retomam-se as greves, embora elas fiquem Paulo e, ao final do período analisado, esta parcela
restritas às empresas, mobilizando um pequeno con- reduziu-se para 20%; no caso do setor metal-mecâ-
tingente de trabalhadores grevistas. Na mesma medi- nico na região metropolitana de São Paulo, reduziu-
da, no período, crescem as greves por não cumpri- se em quase 50% a geração de postos de trabalho).
mento de direitos trabalhistas, demonstrando o avan- Foi a partir da década de 1990 que o setor de servi-
ço paulatino do processo de precarização do trabalho ços, que já era na década de 1980 o principal respon-
em categorias assalariadas organizadas (segundo o sável no total de postos gerados, passou de 41,3%,
DIEESE, ao lado dessas, crescem, no período de 1993 a em 1989, para 52,3%, em 2001 (a proporção das ocu-
1999, as greves: por emprego, de 12% para 28%; pela pações geradas no comércio passou de 14,8% para
jornada de trabalho, de 3% para 10%; e por motivo 16,2%). Entretanto, no setor de serviços, há uma
sindical, de 5% para 10%) (DIEESE, 2002). notável exceção: os serviços creditícios e financei-
Na verdade, tais indicadores dos motivos de greves ros não elevaram sua participação no total das ocu-
explicitam os elementos compositivos da síndrome da pações de serviço, mas, pelo contrário, reduziram-
precarização do trabalho que atinge categorias de assa- na, de 4,0% (em 1989) para 2,3% (DIEESE, 2002).
lariados na década de 1990: usurpação de direitos tra-
balhistas, insegurança no emprego, usurpação do tem-
po de vida pelo tempo de trabalho (conteúdo das greves A economia da sociabilidade constrangida
por jornada de trabalho) e restrição do direito de associ-
ação sindical (conteúdo das greves por motivo sindical). A reforma neoliberal, a partir do governo Collor,
Assim, as condições materiais objetivas (e subje- significou alterações substantivas na dinâmica da
tivas) instauradas pela nova temporalidade histórica economia brasileira e, por conseguinte, na forma de
do capital, determinaram as condições de luta sindi- ser do mercado de trabalho. O Brasil inseriu-se de
cal e política, como as negociações coletivas seg- forma subalterna no processo de mundialização do
mentadas e a fragmentação do estatuto salarial, agra- capital. A adoção de políticas neoliberais submeteu o
vando os “elementos de inércia” da lógica do país à lógica da financeirização vigente no capitalis-
particularismo corporativista intrínseco à estrutura mo global. Constituiu-se o que poderíamos denomi-
sindical no Brasil (o que explica sua continuidade no nar de “economia da sociabilidade constrangida”, ten-
decorrer da primeira metade da década de 2000). do em vista que, sob a “ditadura dos credores”, os

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gestores da política macroeconômica colocaram, meiros anos do Plano Real; e a terceira (1997-1999),
como foco privilegiado, a estabilização monetária por nos últimos anos do primeiro mandato do governo
vias ortodoxas (juros elevados para atrair capital es- Cardoso, e no primeiro ano de seu segundo mandato
trangeiro e garantir o fechamento do balanço de pa- presidencial, é marcada pela crise da economia glo-
gamento) com impactos perversos no crescimento bal, expondo, deste modo, as incertezas e
da economia, e, por conseguinte, no mercado de tra- vulnerabilidades da economia brasileira diante da
balho (a degradação do metabolismo social do traba- conjuntura internacional.
lho e, portanto, a “tessitura de uma sociabilidade É importante salientar que, no aspecto conjuntural,
constrangida”, expressou-se, como demonstraremos o Plano Real, de 1994, imprimiu uma significativa
a seguir, nos indicadores socioestatísticos do cres- inflexão no processo de desenvolvimento capitalista
cente desemprego total, na expansão dos contratos no país, na medida em que estabilizou a moeda cor-
precários, na queda dos rendimentos médios do tra- roída pela hiperinflação crônica, alterando as expec-
balho e na perda de referentes coletivos). tativas dos agentes econômicos e, por conseguinte, a
A política neoliberal de abertura comercial do go- morfologia da economia real. É com o sucesso do
verno Collor, que prossegue no decorrer da década Plano Real em estabilizar a economia brasileira que
sob os governos Itamar Fran- alterações estratégicas – e
co e Fernando Henrique Car- ... na medida em que a política não mais defensivo-reativas
doso, significou a destruição – ocorrem nas empresas, num
de cadeias produtivas na in- econômica neoliberal cenário de intensa concorrên-
dústria brasileira, com empre- cia dos múltiplos capitais.
sas sendo fechadas por não constrange o crescimento e o Nessa época, altera-se o
conseguirem concorrer com ambiente de trabalho nas em-
produtos estrangeiros, e, por- investimento produtivo no presas (amplia-se, por exem-
tanto, o crescimento do de- plo, a disseminação de novas
semprego de massa. Nesse mercado interno... ela contribui práticas de gestão sob o es-
período, as grandes empresas pírito do toyotismo e adotam-
foram obrigadas a intensificar
para a degradação paulatina se novas tecnologias de pro-
a reestruturação produtiva do mercado de trabalho... dução). Instaura-se nas gran-
colocando o sindicalismo na des empresas no país, o que
defensiva diante do cenário denominamos de “toyotismo
hostil – governos anti-sindicalistas e recessão eco- sistêmico” (ALVES, 2000); além disso, como salien-
nômica com desemprego crescente. tamos antes, altera-se, a morfologia das lutas sindi-
Depois do período recessivo do governo Collor cais das categorias de trabalhadores assalariados
(1990-1992), a economia brasileira tem uma peque- organizados, com a mudança de conteúdo da pauta
na retomada em virtude dos efeitos positivos da es- da negociação coletiva. Com a estabilização mone-
tabilização monetária propiciada pelo Plano Real. tária e a redução drástica da inflação, extingue-se a
Entretanto, o crescimento da economia brasileira não política salarial, colocando os sindicatos de trabalha-
se sustentou diante das vulnerabilidades da política dores diante de um menu reivindicativo centrado em
econômica neoliberal e dos influxos da crise dos demandas particularistas restritas à empresa (como,
mercados mundiais (a partir de 1995, com a crise por exemplo, as negociações da PLR – Participação
mexicana e logo a seguir, em 1996, com a crise asiá- em Lucro e Resultado). É claro que o cenário de
tica). Por isso, na década de 1990, o PIB tem trajetó- desemprego de massa coloca imensas dificuldades
ria incerta e crescimento medíocre. para a barganha sindical.
Por conseguinte, na medida em que a política eco- Na década de 1990, outro elemento objetivo da
nômica neoliberal constrange o crescimento e o in- precarização estrutural de classe do trabalho foi o
vestimento produtivo no mercado interno (o que é a Programa Nacional de Desestatização (PND), cri-
lógica da mundialização financeira), ela contribui para ado em 1991, que contribuiu para transferência de
a degradação paulatina do mercado de trabalho, como patrimônio social para o setor privado. O processo
demonstra o crescimento significativo do desempre- de privatização, que marcou a era neoliberal, como
go total nas regiões metropolitanas. elemento de reforma do Estado, significou o forta-
Observa-se, no decorrer da década de 1990, três lecimento da acumulação de capital no país, embo-
conjunturas da economia brasileira: a primeira, sob o ra tenha contribuído, ao mesmo tempo, para a acu-
governo Collor, é marcada pela intensa recessão mulação por espoliação, que não implica necessari-
(1990-1992); a segunda, sob o governo Itamar (1993- amente em investimento produtivo (ela significou a
1994), e primeiros anos do governo Cardoso (1995- degradação – ou mesmo extinção – do estatuto sa-
1996), é marcada por uma pequena retomada da ati- larial de importantes categorias de trabalhadores
vidade da economia sob os influxos positivos dos pri- públicos, como bancários de bancos estaduais, ope-

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rários de siderúrgicas e mineradores estatais, tra- semprego oculto pelo desalento, em que as pessoas
balhadores do sistema de telefonia e em alguns ca- não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos
sos do sistema de eletricidade etc). Por outro lado, 30 dias, por desestímulos do mercado de trabalho ou
a Reforma Administrativa do Estado sob a gestão por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram pro-
neoliberal significou a precarização do trabalho do cura efetiva de trabalho nos últimos 12 meses.
assalariado do setor público. A partir de 1996, verifica-se um movimento de
inflexão descendente e queda significativa do rendi-
mento real dos trabalhadores assalariados, num ce-
O espectro da redundância nário de estagnação da economia brasileira e cres-
cente índice de desemprego total. Ocorre a queda
Apesar da flutuação conjuntural da economia bra- paulatina dos rendimentos dos trabalhadores autôno-
sileira, verificada na década de 1990, com impactos mos, constituídos em sua maior parte por assalaria-
na variação anual do PIB, é contínua a linha de de- dos informalizados (na medida em que ocorre um
gradação do mercado de trabalho. De forma signifi- processo crescente de terceirização de atividades
cativa, a partir de 1995, verifica-se o crescimento do industriais e serviços, o maior contingente de traba-
desemprego total nas regiões metropolitanas (utiliza- lhadores autônomos expressa tão somente a cres-
mos como exemplo típico, a Região Metropolitana cente mancha de assalariados precarizados).
de São Paulo (RMSP), uma das regiões mais dinâ- Portanto, sob a nova temporalidade do capital,
micas da economia brasileira). Nos anos de 1993 e ocorre a expansão da mancha de trabalhos
1994, verifica-se uma pequena queda do desempre- precarizados na década de 1990. Assim, por exem-
go total na RMSP (sem recuperar, no entanto, o pa- plo, no período de 1989-2001, na Região Metropoli-
tamar de 1989). Após 1995, ele dispara, mantendo- tana de São Paulo, tivemos um pequeno crescimen-
se num patamar elevado, conforme a Figura 3. to do trabalho assalariado. Ao mesmo tempo, veri-
Utilizamos o índice de desemprego total ao invés fica-se que o crescimento deveu-se ao crescimento
do desemprego aberto pela sua capacidade de ex- do trabalho assalariado “sem carteira” – a maior
pressar a amplitude da degradação do mundo do tra- parte deles no setor de serviços e comércio (o
balho metropolitano. O desemprego total expressa a assalariamento sem carteira significa trabalhadores
soma dos desempregos aberto e oculto. O desem- assalariados excluídos dos direitos trabalhistas).
prego aberto refere-se às pessoas que procuraram Deste modo, no decorrer da “década neoliberal”,
trabalho de maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao ao lado do crescimento do desemprego total, consta-
da entrevista e não exerceram nenhum tipo de ativi- tamos a expansão significativa de contratos de
dade nos sete últimos dias. O desemprego oculto assalariamento precário (com impactos é claro, na
corresponde às seguintes situações: a) desemprego queda dos rendimentos médios reais). Assim, verifi-
oculto pelo trabalho precário, em que pessoas, para ca-se que o crescimento de contratos assalariados
sobreviver, exerceram algum trabalho de auto-ocu- sem carteira ocorre, de forma significativa, a partir
pação, de forma descontínua e irregular, ainda que de 1996, período de inflexão descendente do índice
não remunerada em negócios de parentes e, além de rendimentos real do trabalho assalariado. Um de-
disso, tomaram providências concretas, nos 30 dias talhe: apesar da “década neoliberal”, o emprego as-
anteriores ao da entrevista, ou em até 12 meses atrás, salariado no setor público não apresentou, no perío-
para conseguir um trabalho diferente deste; b) de- do, uma queda significativa.

Figura 3 – Taxa de desemprego total – Região Metropolitana de São Paulo (1985-2001)

25

20

15

10

0
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Fonte: DIEESE (2002) .

Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 188-197 jul./dez. 2009


Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal – Precarização do trabalho e redundância salarial 195

No período da “década neoliberal” ganhou força O espectro da redundância que emerge com a
na RMSP, a “terceirização”, com a contratação de sociabilidade constrangida na “década neoliberal”
empresas prestadoras de serviço e a de trabalhado- torna-se uma ameaça real ou imaginária para o con-
res autônomos. Embora o maior percentual de tingente de trabalhadores e trabalhadoras ainda sob
contratação salarial ainda sejam as contratações não contratos não flexibilizados. Por exemplo, mesmo que
flexibilizadas (que decresceu de 79,1%, em 1989, para a contratação flexibilizada tenha atingido, em 2001, o
64,6%, em 2001), a contratação flexibilizada, no de- percentual de 35,4% da população ocupada (“ape-
correr da década de 1990, cresceu mais de 50%. nas” 1/3 da força de trabalho ocupada na RMSP –
É importante ressaltar que a contratação assala- de qualquer forma, ainda não é a maioria), os demais
riada precária envolve não apenas o assalariamento 64,6% sentem-se “ameaçados” pelo espectro da re-
sem carteira (inclusive no setor público), mas a utili- dundância crescente do trabalho precário. No plano
zação de formas flexíveis de trabalho nas empresas psicossocial, onde se constrói as experiências vivi-
privadas e setor público. Mesmo no setor público, a das e experiências percebidas da precarização do
estatística social constatou o crescimento em 50% trabalho, a ameaça – mesmo que imaginária – é fa-
de contratação sem carteira assinada; o que talvez tor de medo, afeto regressivo que articula, no âmbito
explique porque o emprego assalariado não teve uma da tessitura social, os consentimentos espúrios que
queda significativa nesse setor. Isto é, o setor públi- ocorrem no plano da sociabilidade constrangida
co, por conta das demandas sociais crescentes, não (ALVES, 2007).
conseguiu ser “enxugado” de forma significativa pe-
las gestões neoliberais. Entretanto, em contrapartida,
buscou-se precarizar o estatuto salarial do emprego Jornada de trabalho: tempo de trabalho
público. O crescimento de 50% nas contratações manifesto e tempo de trabalho oculto
assalariadas sem carteira e o recurso aos serviços
terceirizados, que crescem também de forma signifi- Além da contratação assalariada, elementos da
cativa no período, embora não sejam discriminados precarização do trabalho atingem a jornada de traba-
entre setor privado e setor público, atestam com vi- lho. Aliás, sob a década neoliberal, a delimitação da
gor, a tese da precarização paulatina do emprego jornada de trabalho tornou-se um campo de luta. A
público na RMSP. pressão por horas extras – muitas delas, não pagas –
De fato, no período da década de 1990, constata- e a extensão do tempo de trabalho consumindo o tem-
mos uma tendência de degradação do estatuto sala- po de vida pessoal-familiar tornou-se uma das preo-
rial, Tabela 1, que coloca no horizonte de experiên- cupações candentes dos trabalhadores assalariados
cias da classe dos trabalhadores assalariados, a pers- da indústria, serviços e comércio.
pectiva (ou expectativa) da precarização do traba- No livro Salário, preço e lucro, Marx (1988)
lho. Na verdade, a “experiência da precarização do observou que “o tempo é o campo de desenvolvi-
trabalho” diz respeito não apenas a ocorrências que mento humano”. Na medida em que tempo de vida
atingem hic et nunc (aqui e agora) o estatuto salarial se interverte em tempo de trabalho, ocorre a perda
de homens e mulheres assalariados, mas envolve de espaços de sociabilidade humano-social. A luta
expectativas socialmente postas pelo desenvolvimen- pela redução da jornada de trabalho tornou-se luta
to do mercado de trabalho. fundamental pelo desenvolvimento humano-social.

Tabela 1 – Salário mensal médio segundo setores de atividade econômica – Região


Metropolitana de São Paulo (em reais, de janeiro 2000)

Setores 1989 1999 Variação (em%)


Total dos Empregados (1)
1.020 828 - 18,8
Indústria 1.163 967 -16,8
Construção Civil 964 757 -21,5
Comércio 847 646 -23,7
Serviços (2)
1.097 953 -13,1
Empregados Domésticos 257 324 26,1
Fonte: DIEESE (2001).
(1)
Os empregados incluem os assalariados, os empregados domésticos assalariados e os empregados domésticos contratados por tarefa.
(2)
Inclui a administração pública.

Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 188-197 jul./dez. 2009


196 Giovanni Alves

Na década de 1990, sob a pressão do mercado, Ao mesmo tempo, a perda da participação do tra-
avassalou-se o tempo de vida social de operários e balho na renda nacional ocorreu num período históri-
empregados assalariados, na medida em que o tem- co de crescimento exacerbado da produtividade do
po de trabalho – seja o “tempo de trabalho manifes- trabalho em setores industriais e serviços da econo-
to” (regulamentado pela legislação trabalhista, que mia brasileira, com destaque para os loci de redun-
trata da jornada de trabalho; e constatado por meio dância do trabalho vivo, isto é, os setores mais dinâ-
das estatísticas sociais), ou o “tempo de trabalho ocul- micos da indústria – por exemplo, a indústria
to”, em suas múltiplas formas, do longo deslocamen- automotiva e os serviços financeiros e creditícios.
to do local de moradia aos locais de trabalho, às tare- Apesar do índice de crescimento medíocre da eco-
fas e preocupações que acompanham os operários nomia brasileira na década de 1990, cresceu, no perí-
ou empregados assalariados em seu tempo de des- odo, tanto na indústria, como nos serviços mais dinâ-
canso – colonizou o tempo de vida. micos, como o setor creditício e financeiro, a “produti-
Observa-se, segundo dados do estudo DIEESE/ vidade do trabalho”, por conta das inovações
SEADE, citados em Hoffman e Mendonça (2003), tecnológico-organizacionais de cariz sistêmico. O que
que embora tenha havido, na década de 1990, redu- significa que, num contexto de perda de poder de bar-
ção da jornada semanal média de trabalho (de 44 ganha sindical, exacerbou-se, numa dimensão inaudi-
para 43 horas) – que, de fato, expressa mais uma ta, a extração da mais valia relativa (ao mesmo tempo,
queda do dinamismo da geração de postos de traba- o crescimento das horas extras atingiu amplos contin-
lho assalariado, que a melhoria da qualidade de vida gentes de assalariados dos setores mais dinâmicas da
dos assalariados –, a estatística das horas semanais economia brasileira – o que significa que, no Brasil, o
efetivamente trabalhadas indicam, ao longo do perío- hipermoderno articula-se atavicamente com o atrasa-
do (1989 a 2001), a persistência de elevada propor- do, ou seja, a exploração através da mais valia relativa
ção, acima de 40% de assalariados, trabalhando 45 articula-se, ontogeneticamente, com a extração por
ou mais horas semanais. meio da mais valia absoluta).
Enfim, quase a metade dos trabalhadores assa-
lariados na RMSP tem o seu tempo de vida reduzi-
do a tempo de trabalho – o que é deveras, indício Considerações finais
visceral da precarização do trabalho (como obser-
vamos acima, não estão incluídos na estatística so- O que conseguimos apreender é que a
cial de contagem da jornada de trabalho, o tempo reestruturação capitalista no Brasil sob a era neoliberal
de deslocamento do local de trabalho à residência, constituiu, no decorrer da década passada, uma nova
que consome, no caso das metrópoles, como São morfologia social de acumulação capitalista baseada
Paulo, um tempo significativo da vida de operários na “lógica da redundância do trabalho vivo” (instaura-
e empregados assalariados; muito menos, o tempo da, seja por meio de cortes de pessoal, seja por meio
de trabalho que permeia o tempo de vida pessoal de da contratação precária). Nessa perspectiva, torna-se
assalariados que se submetem irremediavelmente a necessário apreender as novas “experiências da
levar, para casa, tarefas e preocupações dos locais precarização do trabalho” – “experiência percebida”
de trabalho). e “experiência vivida”, processos dialeticamente arti-
Os elementos de precarização do trabalho indi- culados, que se impõem aos sujeitos/agentes assalari-
cados antes (perda do poder de barganha sindical, ados em processo de reestruturação. Na verdade, as
crescimento do desemprego total, expansão dos con- mudanças estruturais da forma salarial dão origem a
tratos de assalariamento precário/flexibilizado) se uma “experiência transformada da condição salarial”,
traduzem, no plano da estatística social, na perda e, como observa Thompson (1963, p. 204), “essa ex-
da participação do trabalho na renda nacional. Por periência é determinante, no sentido de que exerce
exemplo: no período de 1992 a 1998, a repartição pressão sobre a consciência social existente, propõe
do PIB entre trabalho, capital e administração pú- novas questões e oferece grande parte do material com
blica demonstra uma significativa inversão de posi- que lidam os exercícios intelectuais mais elaborados”.
ções. Por exemplo, a remuneração dos emprega-
dos (trabalho) que em 1992 era de 44%, cai para
36%, em 1998. A proporção do excedente Referências
operacional bruto (capital) que era de 38% em 1992,
sobe para 44%, em 1998. O rendimento dos traba- ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho:
lhadores autônomos estagnou-se no período em torno reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo:
de 6% (DIEESE, 2002). Enfim, são elementos objeti- Boitempo, 2000.
vos de precarização do trabalho que atingem o con-
junto do proletariado brasileiro, alterando o metabo- ______. Dimensões da reestruturação produtiva. Lon-
lismo social do trabalho no Brasil. drina: Práxis, 2007.

Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 188-197 jul./dez. 2009


Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal – Precarização do trabalho e redundância salarial 197

BRASIL. IBGE. Sindicatos: Indicadores sociais 2003.


Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/
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sinteseindicsociais2003/default.shtm>. Acesso em: 30 jan.
2009.

CAPPA, J. Balanço das negociações coletivas de trabalho


no Brasil nos anos 90. Cadernos da FACECA, Campinas,
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DIEESE. A situação do trabalho no Brasil: um balanço


dos anos 90. São Paulo: 2002.

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THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1963.

Giovanni Antonio Pinto Alves


giovanni.alves@uol.com.br
Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp)
Professor livre-docente de Sociologia no Departa-
mento de Sociologia e Antropologia, Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)

Unesp, Campus Marília


Departamento de Sociologia e Antropologia
Av. Hygino Muzzi Filho, 737
Caixa Postal: 181
Marília – São Paulo – Brasil
CEP: 17525-900

Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 188-197 jul./dez. 2009

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