PSICOLOGIA JUNGUIANA
Resposta a Jó
2017
Sumário
1. Apresentação ................................................................................................. 3
2. Sobre Jó e Javé ............................................................................................. 3
3. Sabedoria – Sofia e a Encarnação ................................................................. 8
4. Sobre o Simbolismo de Cristo e Deus “Summum Bonum” ........................... 11
5. Visão Pré-encarnação e Inconsciente Coletivo ............................................ 13
6. Jesus e a Enantiodromia .............................................................................. 15
7. Apocalipse de João ...................................................................................... 16
8. A Busca Pela Totalidade – Self .................................................................... 18
9. Sofia e Virgem Maria .................................................................................... 20
10. Conclusão .................................................................................................. 20
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Resposta a Jó
1. Apresentação
2. Sobre Jó e Javé
1 Jó 39,34s
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Neste ponto Jung aponta que, Jó, diante do poder infinito de Javé, nada
pode fazer além de se portar como um “verme humano semi-esmagado”. O autor
ainda aponta que Jó tem a consciência que está diante de um ser sobre-humano
e que o melhor a ser feito é abster-se de qualquer consideração ou discussão
racional, argumentativa ou da moral.
E ainda, que somente um ser sobre-humano poderia confrontar outro.
Desta maneira Jung (1986) entende que Jó recorre ao próprio Javé para ser seu
advogado defensor diante Dele mesmo. Nas palavras do homem: “Eis que desde
agora habita nos céus a minha testemunha e o meu fiador nas alturas... meus
olhos recorrem a Deus, desfeitos em lágrimas, para que Ele defenda o homem
diante de Deus”2. E ainda: “Ora, eu sei que meu defensor está vivo e que no fim
ele se levantará sobre o pó da terra”3.
Jung (1986) explica que Javé constitui em uma antinomia, ou seja, uma
“oposição interna total”, possuidora de um imenso dinamismo polar, permitindo-
lhe ser, em suma, o perseguidor e o defensor de Jó ao mesmo tempo.
Este caráter dual de Javé revela seu lado imoral, perseguidor, destrutivo
e irado. Jung demonstra isso apresentando no livro o Salmo 89, quando Javé
disse a Davi:
E Javé, como é sabido, quebra o seu juramento. Jung discorre que para
as antigas civilizações, crentes de deuses mais arcaicos, seria comum tal
incongruência. Porém para o ser humano moderno, considerar um Deus imoral,
é de tamanha incongruência.
Jung (1986) mostra que Javé possui tal imoralidade devido a falta de
Consciência de si. Talvez o próprio Javé não tenha consciência sequer de sua
existência, pois não há nada superior a Deus, sendo somente possível compara-
lo com algo inferior (o ser humano), revelando uma parte ínfima de sua infinitude
e grandiosidade.
“O caráter que então delineia é próprio de uma personalidade
que só pode ter consciência de sua existência em virtude de um
objeto. A dependência em relação ao objeto é total, quando o
sujeito não é capaz de refletir sobre si mesmo e, por
conseguinte, não tem a percepção do que se passa no seu
interior.” (JUNG, 1986, p.13).
4 Jó 38,2.
5 Para mais acusações de Javé contra Ele mesmo, veja-se Jung (XXXX, p. 20-24).
6 Loc. Cit., 42,3-6.
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Neste ponto Jung (1986) sugere que Jó se porta de tal maneira pois nada
tem a fazer a não ser confiar e crer na ideia de um Deus, no mínimo, justo, apesar
de ter percebido uma parte animalesca e inconsciente em Javé.
O autor aponta que o inconsciente possui caráter animalesco e também
natural. Jung discorre que Javé é inspirado em figuras teriomórficas, como Hórus
e seus quatro filhos.
Dos quatro animalia (seres animados) de Javé, somente um tem
aspecto humano. E este talvez seja Satanás, o padrinho do
homem animal. Na visão de Ezequiel, o deus animal possui três
quatros de animal e somente um quarto de homem, ao passo
que o deus “de cima”, isto é, aquele que está sobre o disco de
safira, tem semblante de homem. Este simbolismo explica o
comportamento (humanamente) intolerável de Javé. É a forma
de proceder de um ser que prefere manter-se inconsciente, e
que não podemos julgar sob o ponto de vista moral: Javé é um
fenômeno e “não um homem. (JUNG, 1986, p.25).
Além do lado sombrio de Javé, Jung (1986) demonstra que Deus possui
uma pneuma, uma entidade feminina ao seu lado. Esboçada nos Provérbios de
Salomão – escritos contemporâneos com o Livro de Jó, cerca de 600 e 300 a.C.
–. A Sabedoria ou Sofia, se apresenta como um Logos divino, como a palavra
de Deus.
Sabedoria, conforme Jung, se equivale à “Metrópole”, ou seja, à cidade-
mãe Jerusalém. Equivalendo-se também a Ishtar, deusa pagã das cidades.
Isto é comprovado pela minuciosa comparação da Sabedoria
com determinadas árvores tais como o cedro, a palmeira, o
terebinto, a oliveira, o cipreste, etc. Todas estas árvores são
consideradas desde tempos imemoriais como símbolos da
deusa-mãe e da deusa do amor. (JUNG, 1986, p.30).
Neste ritmo, Jung (1986) discorre que assim como Javé projeta suas
próprias confrontações em Jó, ele também projeta a desconfiança de sua própria
fidelidade em Jó, por isso o deixou à mercê de Satanás.
Desta forma, o aparecimento de Sofia nada mais é da recordação de Javé
sobre um ser feminino, amiga e agradável que esteve com ele desde a Criação.
Sofia, para Jung (1986), é “dita necessitas” – uma necessidade implacável –.
Sofia em Deus é a própria auto-reflexão de Si.
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Seu Filho não poderia ser diferente. Cristo, deveria ser por um lado
ctônico, assim como Adão, e mortal. Mas por outro Deus, para realizar a
transformação de Javé. Aqui vê-se o próprio Deus-Pai que encarna em si mesmo
enquanto Filho.
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Em seu lado ctônico, Jung (1986) aponta que Cristo possui filantropia,
sugerindo assim uma forte relação entre Sofia, Maria e Ele próprio.
A filantropia para Cristo aparece consideravelmente limitada por
uma certa tendência predestinacionista que o leva, às vezes, a
privar os não-eleitos de sua revelação salvífica. Quem a
interpreta, porém, psicologicamente, como meio destinado a
produzir um determinado efeito, não terá dificuldade de entender
a referência a uma predeterminação que provoca que uma certa
impressão de grandiosidade. Quando alguém se sabe objeto de
escolha de um projeto divino desde o princípio do mundo, sente-
se subtraído à caducidade e à insignificância da existência
humana comum e transferido para o estado em que goza da
dignidade de participante do drama divino universal. Isto o
coloca na proximidade de Deus, fato este que corresponde
perfeitamente ao sentido da mensagem evangélica. (JUNG,
1986, p.50).
Jung (1986) ainda discorre que, assim como Javé, é possível notar que
no caráter de Cristo uma certa “irritabilidade” e uma “falta de auto-reflexão”,
característica predominantemente do tipo psicológico dominante emoção. A falta
de auto-reflexão somente é identificável na crucificação quando grita: “Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.
Como ser divino, Jung (1986) inicia sua análise observando Satanás e
Cristo. É sabido que Satanás persuadiu Cristo para tornar-se dominador do
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Mundo. A ineficácia de tal ambição foi dada pela ruptura do bem e o do mal
celeste, quando Cristo profere “Eu vi Satanás cair do céu como um raio”7,
lançado sobre a terra e no fim dos tempos aprisionado no inferno. Desta forma,
houve uma cisão entre Cristo/Javé e seu filho mais velho Satanás.
Assim, projetando todo o mal em Satanás e ele próprio exilado da corte
celeste, Javé aparentemente torna-se “Summum Bonum”, ou seja, benévolo, um
Pai amoroso, Justo e sempre identificado pelo seu caráter luminoso.
Parecem improváveis casos semelhantes ao da tragédia de Jó.
Javé se mostra bondoso, clemente e cheio de misericórdia para
com a humanidade pecadora, e chega mesmo a ser definido
como o amor. (JUNG, 1986, p.53).
Além disso, Jung (1986) discorre que como o Espírito Santo representa a
terceira pessoa na trindade, e que Deus está presente em cada uma das
pessoas, o Espírito Santo tende a dar o status de Filho de Deus para os crentes.
A ação contínua e direta do Espírito Santo sobre os homens
convocados à condição de filhos de Deus é, de fato, uma
encarnação que se realiza permanentemente. Enquanto filho
gerado por Deus, Cristo é o primogênito ao qual se seguirá um
grande número de irmãos nascidos depois dele. (JUNG, 1986,
p.57).
7 Lucas 10,18.
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Neste ritmo, de que maneira Deus, tornando-se Filho, vem ao mundo para
salva-lo Dele mesmo e de sua ira? Jung (1986) demonstra que a crença no Deus
“Summum Bonum” seria possível se o Deus irado e malfeitor e tal Deus benévolo
e amoroso fossem deuses distintos, porém não é o caso. O próprio e único Deus
cristão deve ser amado e também temido, criando assim uma “Coincidentia
Oppositorum”.
Porém, Jung (1986) ainda aponta que é dificultoso para a consciência
aceitar que Deus seja bondoso e cruel. “O homem [o ego] não aprecia as
incoerências e as fraquezas demasiado humanas de seus deuses.” (JUNG,
1986, p.62).
O caso de Javé e Jó foi marcado, como visto, pela tomada de consciência
de Javé, ou seja, pela inquietação sua inconsciência querendo tornar-se
consciente. A aposta entre Deus e Satanás nada mais é do que um conflito
intradivino do inconsciente querendo tornar-se consciente para, por fim, Deus
tornar-se Deus. “O homem é mais ele no inconsciente do que na consciência.”
(JUNG, 1986, p.62).
“Com isso estabelece um desnível entre o inconsciente e a
consciência, e o inconsciente irrompe na consciência sob a
forma de sonhos, visões e revelações.” (JUNG, 1986, p.62).
Além disso, Jung (1986) ressalta que o “Filho do Homem” das visões
pesquisadas está invariavelmente ligado à justiça.
Ela parece constituir o tema dominante e a preocupação
principal. Uma enfatização desta natureza só tem sentido onde
a injustiça é uma ameaça ou já foi praticada. Somente Deus, e
mais ninguém, pode distribuir a justiça de maneira notável, e é
precisamente em relação a ele que existe o medo de que venha
a esquecer-se de sua justiça. Neste caso, o seu Filho justo
estaria defendendo os homens junto a Ele. E com isso “os justos
terão a paz”. A justiça que reinará sob o Filho acha-se de tal
modo enfatizada, que se tem a impressão de que a injustiça teve
a primazia nos tempos de outrora, sob o domínio do Pai, e que
somente com o Filho se teria iniciado uma era de justiça. É como
se, como tais afirmações, Henoc estivesse inconscientemente
respondendo a Jó. (JUNG, 1986, p.69).
6. Jesus e a Enantiodromia
ver a luz crua que incide sobre o caráter divino e desmente essa
conversa fiada de amor e “Summum Bonum”. (JUNG, 1986,
p.72).
7. Apocalipse de João
8 Jo 1,5.
9 Loc. Cit., 4,18 (N. do T.)
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E ainda, complementa:
O problema de João não é um problema de natureza pessoal.
Não se trata aqui de seu inconsciente pessoal, nem de uma
irrupção de caprichos, mas de histórias que brotam de uma
profundidade maior e mais ampla, ou seja, do inconsciente
coletivo. A problemática de João se acha expressa por demais
em formas coletivas e arquetípicas, para que possamos reduzi-
la a uma situação puramente pessoal. [...] O que vem à tona é a
corrente dos tempos, o pressentimento da aproximação de uma
gigantes enantiodromia que ele só pode entender como um
aniquilamento total e definitivo das trevas que não
compreenderam a luz que apareceu na pessoa de Cristo. Mas
não percebeu que o poder de destruição e de vingança é
constituído justamente por essas trevas das quais o Deus que
se fez homem se separou. (JUNG, 1986, p.87).
10. Conclusão
Referência