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IJEP – INSTITUTO JUNGUIANO DE ENSINO E PESQUISA

PSICOLOGIA JUNGUIANA

Resposta a Jó

Prof. Dr. Jorge Miklos

2017
Sumário

1. Apresentação ................................................................................................. 3
2. Sobre Jó e Javé ............................................................................................. 3
3. Sabedoria – Sofia e a Encarnação ................................................................. 8
4. Sobre o Simbolismo de Cristo e Deus “Summum Bonum” ........................... 11
5. Visão Pré-encarnação e Inconsciente Coletivo ............................................ 13
6. Jesus e a Enantiodromia .............................................................................. 15
7. Apocalipse de João ...................................................................................... 16
8. A Busca Pela Totalidade – Self .................................................................... 18
9. Sofia e Virgem Maria .................................................................................... 20
10. Conclusão .................................................................................................. 20
3

Resposta a Jó

1. Apresentação

O livro de Carl Gustav Jung “Respostas a Jó” provém de questões


levantadas no livro “Aion – Estudos Sobre o Simbolismo do Si Mesmo”.
“Respostas a Jó” centra-se em uma análise psicológica do cristianismo focando
nos símbolos de Javé, Jó, Cristo, Anticristo e Maria.
C. G. Jung expõe já no início do livro que considera as Sagradas
Escrituras manifestações da alma. Nelas, é possível identificar símbolos que
remetem a arquétipos do inconsciente coletivo. Para tanto, Jung confronta-se
com tais representações religiosas cristãs, não somente por meio da objetividade
analítica, mas também expressando o que o autor sente subjetiva e
emocionalmente quando lê determinados livros da Sagrada Escritura ou quando
ele se recorda dos ensinamentos anteriormente em sua tradição cristã.
O livro de Jung vislumbra a priori a confrontação de um indivíduo instruído
no cristianismo diante das trevas demiúrgicas, rumando assim para o caminho
da individuação. Um dos mitos principais desta confrontação é Javé e Jó. Como
pode-se conferir no trecho: “o livro de Jó serve de paradigma de uma forma de
experiência íntima de Deus, experiência que possui um significado particular
para a época em que vivemos.” (JUNG, 1986, p.8).

2. Sobre Jó e Javé

Jung nas primeiras páginas questiona-se veementemente sobre a


justificativa de Jó ter sido ferido e quais as consequências posteriores a esse
acontecimento, tentando observa-las não só no ser humano, mas também em
Javé. O autor, então, traz trechos do Livro de Jó para reflexão:

“Sinto-me pequeno, que poderei responder-te?


Porei minha mão sobre a boca;
Falei uma vez, não replicarei;
Duas vezes, e nada mais acrescentarei”.1

1 Jó 39,34s
4

Neste ponto Jung aponta que, Jó, diante do poder infinito de Javé, nada
pode fazer além de se portar como um “verme humano semi-esmagado”. O autor
ainda aponta que Jó tem a consciência que está diante de um ser sobre-humano
e que o melhor a ser feito é abster-se de qualquer consideração ou discussão
racional, argumentativa ou da moral.
E ainda, que somente um ser sobre-humano poderia confrontar outro.
Desta maneira Jung (1986) entende que Jó recorre ao próprio Javé para ser seu
advogado defensor diante Dele mesmo. Nas palavras do homem: “Eis que desde
agora habita nos céus a minha testemunha e o meu fiador nas alturas... meus
olhos recorrem a Deus, desfeitos em lágrimas, para que Ele defenda o homem
diante de Deus”2. E ainda: “Ora, eu sei que meu defensor está vivo e que no fim
ele se levantará sobre o pó da terra”3.
Jung (1986) explica que Javé constitui em uma antinomia, ou seja, uma
“oposição interna total”, possuidora de um imenso dinamismo polar, permitindo-
lhe ser, em suma, o perseguidor e o defensor de Jó ao mesmo tempo.
Este caráter dual de Javé revela seu lado imoral, perseguidor, destrutivo
e irado. Jung demonstra isso apresentando no livro o Salmo 89, quando Javé
disse a Davi:

“... não faltarei à minha fidelidade.


Não violarei minha aliança,
E nada mudarei daquilo que meus lábios proferiram.
Uma coisa eu jurei pela minha santidade:
Nunca hei de mentir a Davi...”

E Javé, como é sabido, quebra o seu juramento. Jung discorre que para
as antigas civilizações, crentes de deuses mais arcaicos, seria comum tal
incongruência. Porém para o ser humano moderno, considerar um Deus imoral,
é de tamanha incongruência.
Jung (1986) mostra que Javé possui tal imoralidade devido a falta de
Consciência de si. Talvez o próprio Javé não tenha consciência sequer de sua
existência, pois não há nada superior a Deus, sendo somente possível compara-

2 Loc. Cit. 16, 19-21.


3 Loc. Cit. 19.25.
5

lo com algo inferior (o ser humano), revelando uma parte ínfima de sua infinitude
e grandiosidade.
“O caráter que então delineia é próprio de uma personalidade
que só pode ter consciência de sua existência em virtude de um
objeto. A dependência em relação ao objeto é total, quando o
sujeito não é capaz de refletir sobre si mesmo e, por
conseguinte, não tem a percepção do que se passa no seu
interior.” (JUNG, 1986, p.13).

Jung afirma que a consciência precede a moral, portanto, o lado sombrio


de Javé possuindo tamanha inconsciência, não é possuidor da moral. Já seu
lado luminoso é o possuidor da justiça e da moralidade. Eis a antinomia pois
Javé é total sombra e total luz, é onisciente e inconsciente ao mesmo tempo.
Tal dualidade permite que no Livro de Jó o homem mais fiel, justo e
temente a Deus (Jó) seja golpeado com diversas desgraças e catástrofes, devido
a pensamentos duvidosos de Javé imputados por um de Seus filhos – Satanás
–. Javé deveria, no entanto, estar seguro da fidelidade de Jó, graças a Sua
onisciência. Por que, então, Javé aceita a aposta com Satanás para testar Jó?
Jung (1986) demonstra que poderia ser pelo espetáculo, porém, esta
indagação é proveniente da revolta humana perante a divindade que o colocou
em tal estado de sofrimento físico e moral. Nada obstante, deve-se refletir mais
a fundo, para além da moralidade humana. Neste sentido, Jung (1986) reflete
que Javé poderia alimentar uma certa prevenção oculta contra Jó, havia algo no
homem que o próprio Deus não possuía. O autor sugere que, e como já foi visto,
a tomada da consciência era este “algo” que Javé, inconscientemente, começou
a almejar. Jó possuía auto-reflexão, ou seja,
“para poder subsistir, ele precisa manter-se sempre consciente
de sua impotência em face do Deus Onipotente. [Já, Javé] não
precisa precaver-se do mesmo modo, porque não depara em
parte alguma com aquele obstáculo insuperável que poderia
leva-lo à hesitação e, consequentemente, também à auto-
reflexão.” (JUNG, 1986, p.17).

Ao decorrer do Livro de Jó, depois das catástrofes com seus rebanhos e


família, depois das discussões com seus colegas, culmina-se o ponto em que
Javé revela-se diante de Jó, interrompendo a aposta. Sem tomar ou dar a
responsabilidade dos ocorridos a Jó, ou alguma satisfação por tê-lo feito sofrer,
Javé revela-se com as acusações:
6

“Quem é esse aí que obscurece o meu desígnio com discursos destituídos de


inteligência?”4

Jung (1986) reflete que Jó em nenhuma parte do livro obscureceu os


desígnios de Javé. Além disso, o autor afirma que não existe na aposta desígnio
algum. Ademais, contrariamente a muitas interpretações, o autor sugere que os
“discursos destituídos de inteligência” não se referem aos discursos dos colegas
de Jó. Portanto, o ser que obscurece os desígnios de Deus com discursos
destituídos de inteligência é Ele mesmo. Há aí, na acusação de Jó, uma
projeção.
Neste ritmo, Jung (1986) também demonstra que ao longo de 71
versículos5, Javé proclama o seu poder de criador do mundo, discursa como se
Jó não estivesse ali, indaga e acusa Jó, projetando Ele mesmo. Portanto:
“Jó constitui apenas a ocasião para um confronto intradivino.
Javé fala de tal modo sem levar Jó em consideração, que não é
difícil perceber o quanto Ele se preocupa consigo mesmo. A
ênfase colocada em sua onipotência e grandeza não tem sentido
algum aos olhos de Jó, o qual não é preciso convencer, e só
será compreensível em relação a um ouvinte que dela duvidar.
Este pensamento de dúvida é Satanás que, após realizar a sua
obra perversa, retorna ao refaço paterno, para daí continuar o
seu trabalho de sapa.” (JUNG, 1986, p. 20).

Jung (1986) ainda aponta que, perante às acusações, Jó discursa


prudentemente, acolhendo as palavras agressivas de Javé e se colocando sob
seus pés, dando-se por vencido:

“Quem seria este que obscurece o desígnio sem inteligência?


Falei, pois, de coisas que não entendia,
De maravilhas que ultrapassam minha compreensão.
Escuta-me, que vou te falar;
Interrogar-te-ei, e tu me responderás.
Conhecia-te só por ouvir dizer,
Mas agora meus olhos de viram.
Por isso retrato-me e faço penitência
No pó e na cinza”6

4 Jó 38,2.
5 Para mais acusações de Javé contra Ele mesmo, veja-se Jung (XXXX, p. 20-24).
6 Loc. Cit., 42,3-6.
7

Neste ponto Jung (1986) sugere que Jó se porta de tal maneira pois nada
tem a fazer a não ser confiar e crer na ideia de um Deus, no mínimo, justo, apesar
de ter percebido uma parte animalesca e inconsciente em Javé.
O autor aponta que o inconsciente possui caráter animalesco e também
natural. Jung discorre que Javé é inspirado em figuras teriomórficas, como Hórus
e seus quatro filhos.
Dos quatro animalia (seres animados) de Javé, somente um tem
aspecto humano. E este talvez seja Satanás, o padrinho do
homem animal. Na visão de Ezequiel, o deus animal possui três
quatros de animal e somente um quarto de homem, ao passo
que o deus “de cima”, isto é, aquele que está sobre o disco de
safira, tem semblante de homem. Este simbolismo explica o
comportamento (humanamente) intolerável de Javé. É a forma
de proceder de um ser que prefere manter-se inconsciente, e
que não podemos julgar sob o ponto de vista moral: Javé é um
fenômeno e “não um homem. (JUNG, 1986, p.25).

Portanto, a atitude de Jó perante a Javé é silenciosa, prostrada e entregue


à onipotência divina. Visto pelo prisma da moralidade humana, existe aí uma
injustiça, ao ponto que Jung pergunta-se:
Ou o homem é tão miserável aos olhos de Javé, que não lhe
pode ser feito sequer um “tort moral”? Isto estaria em
contradição com o fato de que o homem é cobiçado por Javé e
de que este se preocupa abertamente com que o homem “fale
corretamente dele”. Ele preza muito a lealdade de Jó e lhe dá
tanta importância, que nada o impede de levar avante seu teste.
Esta atitude de Javé faz com que o homem assuma um valor
quase divino, pois existirá no vasto mundo algo que tenha ainda
algum significado para aquele que tudo possui? (JUNG, 1986,
p.26).

O autor discorre que é somente por meio do temor e do tremor que um


ser humano pode submeter-se ao jogo divino, diferentemente da percepção
moderna pois não há uma satisfação moral. Aí somente há inconsciência. E
desta maneira, acusando Jó, que Javé revela sua prepotência brutal demiúrgica,
iniciando uma integração de sua sombra.
Quem prestar atenção, perceberá que Ele involuntariamente
exalta Jó, ao humilha-lo no pó da terra: Ele enuncia seu próprio
julgamento, dando ao homem aquela satisfação cuja falta
sempre sentimos agudamente no livro de Jó. (JUNG, 1986,
p.27).
8

3. Sabedoria – Sofia e a Encarnação

Além do lado sombrio de Javé, Jung (1986) demonstra que Deus possui
uma pneuma, uma entidade feminina ao seu lado. Esboçada nos Provérbios de
Salomão – escritos contemporâneos com o Livro de Jó, cerca de 600 e 300 a.C.
–. A Sabedoria ou Sofia, se apresenta como um Logos divino, como a palavra
de Deus.
Sabedoria, conforme Jung, se equivale à “Metrópole”, ou seja, à cidade-
mãe Jerusalém. Equivalendo-se também a Ishtar, deusa pagã das cidades.
Isto é comprovado pela minuciosa comparação da Sabedoria
com determinadas árvores tais como o cedro, a palmeira, o
terebinto, a oliveira, o cipreste, etc. Todas estas árvores são
consideradas desde tempos imemoriais como símbolos da
deusa-mãe e da deusa do amor. (JUNG, 1986, p.30).

Jung (1986) busca do livro da Sabedoria – de Salomão –, não somente


por uma reflexão histórico-literária, mas, o ponto central da desconfiança de Jó
por Javé. Para o autor, existe uma relação entre a confrontação intradivina de
Javé e o aparecimento cronológico de Sofia.
Sabemos pelas antigas Escrituras que o drama divino se passa
entre Deus e seu povo, que lhe foi confiado como uma mulher,
a Ele que é a “dynamis” [a força] divina e vela ciosamente pela
sua felicidade. Um caso específico é Jó, cuja fidelidade se acha
submetida a uma prova cruel. Como já lembramos
anteriormente, Javé cede com espantosa facilidade às
insinuações de Satanás. Se confiasse inteiramente em Jó, nada
mais lógico do que toma-lo sob sua proteção, desmascarando o
caluniador malévolo e fazendo-o pagar duramente pela
difamação do fiel servidor de Deus. Mas Javé não pensa em
nada disto, nem sequer depois de ter sido comprovada a
inocência de Jó. Não se ouve uma palavra de censura ou de
desaprovação ao procedimento de Satanás. Diante disto, é
impossível não duvidar da conveniência de Javé. Sua disposição
em abandonar Jó à ação criminosa de Satanás revela que Ele
se prepara para afrouxar os laços matrimoniais com Israel, mas
dissimulando a si mesmo tal intenção. (JUNG, 1986, p.32).

Neste ritmo, Jung (1986) discorre que assim como Javé projeta suas
próprias confrontações em Jó, ele também projeta a desconfiança de sua própria
fidelidade em Jó, por isso o deixou à mercê de Satanás.
Desta forma, o aparecimento de Sofia nada mais é da recordação de Javé
sobre um ser feminino, amiga e agradável que esteve com ele desde a Criação.
Sofia, para Jung (1986), é “dita necessitas” – uma necessidade implacável –.
Sofia em Deus é a própria auto-reflexão de Si.
9

“Era impossível que a dupla natureza de Deus ficasse notória a todo


mundo e só ficasse oculta a Ele mesmo. [Portanto], a fracassada tentativa de
arruinar Jó provocou uma transformação em Deus.” (JUNG, 1986, p.33).
Jung (1986) ainda ressalva que já se consta a energia arquetípica de Sofia
no Gênesis, em Eva e Lilith, porém, tal energia é posta em segundo plano,
colocando Adão como prioridade. Já, o reaparecimento de Sofia indica a
reaparição do pensamento de Deus, que, conforme Jung: “Deus que se renovar
no mistério das núpcias celestes (como faziam sempre os principais deuses
egípcios) e quer tornar-se homem.” (JUNG, 1986, p. 39).
A reaparição do arquétipo de Sofia precede uma nova criação: a de Deus
querer transformar-se para salvar a humanidade. Não há a necessidade de se
criar novos homens, mas apenas um: o “Homem-Deus”, o “segundo Adão”
(JUNG, 1986, p.40).
Para tanto, o “Homem-Deus” não pode nascer de mãos divinas, mas de
um ventre puro humano: a Virgem Maria. Jung demonstra que “sua
independência e autonomia perante ao homem é realçada pela sua virgindade
radical [isto é], libertada da mancha do pecado original” (JUNG, 1986, p. 40).
Portanto, o autor afirma que Maria é portadora da “Imago Dei” – a imagem
de Deus – em todo o seu ser, elevando-se ao status de deusa. E também sendo
esposa de Deus – a própria Sofia. O amor de ambas pelos homens sugere que
Javé ao realizar tal façanha foi altamente influenciado pela energia arquetípica
de Sofia.
Em sua qualidade de “bendita entre as mulheres”, Maria é amiga
e intercessora dos pecadores, que são todos os homens, sem
exceção. Como a Sofia, ela é uma “mediatrix” [mediadora] que
conduz os homens a Deus, assegurando-lhes a salvação e a
imortalidade. Sua “Assumtio” [assunção] constitui o modelo da
ressurreição corporal da humanidade. Como esposa de Deus e
Rainha do Céu, ela ocupa o lugar da Sofia do Antigo Testamento
(JUNG, 1986, p. 40).

Seu Filho não poderia ser diferente. Cristo, deveria ser por um lado
ctônico, assim como Adão, e mortal. Mas por outro Deus, para realizar a
transformação de Javé. Aqui vê-se o próprio Deus-Pai que encarna em si mesmo
enquanto Filho.
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Jung então indaga: “o mundo inteiro é de Deus e Deus está presente no


mundo inteiro, desde o início. Para que, então, o grande processo da
encarnação?” (JUNG, 1986, p. 43).
Para Jung (1986), isso se dá graças a aversão de Javé de recorrer a sua
onisciência. Como já visto, a consciência precede a moral. Portanto, Jung (1986)
afirma que a confrontação intradivina, ou seja, a busca pela tomada de
consciência de Javé que indica o aparecimento de Sofia e sua mediação,
integrando luz e sombra de Javé, é o cume da vitória da criatura (Jó) sobre seu
Criador.
Parece-me fora de dúvida que a princípio Ele não se deu
plenamente conta da derrota moral que sofreu em confronto com
Jó. Mas este fato já estava prefixado, desde toda a eternidade
na sua onisciência, e podemos muito bem admitir que este
conhecimento que o levou a agir tão inconsideravelmente em
relação a Jó, de modo a tornar-se um pouco consciente em
consequência de sua confrontação com ele, atingindo um certo
grau de conhecimento. Satanás [...] soube utilizar-se desta
onisciência muito mais vezes e melhor do que seu próprio Pai.
Parece que foi ele o único dos filhos de eus a desenvolver tantas
iniciativas. De um modo ou de outro, foi ele que lançou no
caminho de Javé aqueles incidentes imprevistos que na
onisciência eram sentidos como necessários e até mesmo
imprescindíveis para o desenvolvimento e a realização plena do
drama divino. Entre tais incidentes está o caso decisivo de Jó,
que só se deu por iniciativa de Satanás. (JUNG, XXXX, p.47).

Tal vitória da criatura gerou consequências drásticas: “Javé se coloca


acima de seu estado primitivo, na medida em que reconhece indiretamente que
o homem Jó é moralmente superior a Ele e que, por conseguinte, também terá
de ultrapassar o gênero humano.” (JUNG, 1986, p.47). Portanto, Jung (1986)
entende que Javé quis tornar-se homem pois fez uma injustiça com o próprio
homem. Em seu aspecto luminoso, como defensor da justiça, sentiu que toda a
injustiça deveria ser reparada. E o autor conclui:
Em conclusão: vemos o motivo imediato da encarnação na
exaltação de Jó, e o seu final na diferenciação pela qual passou
a consciência de Javé. Para isto, foi necessária uma situação
extremamente crítica, uma peripécia plena de afetos, sem o que
não se pode atingir um nível superior de consciência. (JUNG,
1986, p.48).

A partir do momento em que Jung (1986) destaca que a exaltação de Jó


é o motivo imediato para a encarnação de Deus em Cristo, o livro “Respostas a
Jó” toma como objeto de análise o próprio simbolismo de Cristo.
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4. Sobre o Simbolismo de Cristo e Deus “Summum Bonum”

Jung (1986) admite ser extremamente difícil coletar materiais biográficos


de Cristo, principalmente porque a mitologia e os fatos escassos estão
imbricados, e um sendo analisado na ausência do outro seria uma violência para
ambos. O que Jung propõe é entender Cristo pelas duas formas, seu lado ctônico
e seu lado divino, porém sempre o vislumbrando pelo prisma do mito. Tratar a
vida de Cristo como um mito, segundo Jung (1986), não vai contra à realidade.
Muito pelo contrário, vai a favor da realidade visto que o caráter mítico exprime
uma vida interior, arquetípica e do inconsciente.
No caso de Cristo, ainda complementa que sua vida é o cruzamento entre
a vida de um homem e a vida de um Deus. É totalmente simbólico, ou seja, uma
reunião expressiva arquetípica de natureza heterogênica.
“Um pouco como se víssemos Jó e Javé unidos em uma só e
mesma personalidade. A intenção de Javé de tornar-se homem,
que resultou do entrechoque com Jó, realizou-se plenamente na
Vida e na Paixão de Cristo.” (JUNG, 1986, p.52).

Em seu lado ctônico, Jung (1986) aponta que Cristo possui filantropia,
sugerindo assim uma forte relação entre Sofia, Maria e Ele próprio.
A filantropia para Cristo aparece consideravelmente limitada por
uma certa tendência predestinacionista que o leva, às vezes, a
privar os não-eleitos de sua revelação salvífica. Quem a
interpreta, porém, psicologicamente, como meio destinado a
produzir um determinado efeito, não terá dificuldade de entender
a referência a uma predeterminação que provoca que uma certa
impressão de grandiosidade. Quando alguém se sabe objeto de
escolha de um projeto divino desde o princípio do mundo, sente-
se subtraído à caducidade e à insignificância da existência
humana comum e transferido para o estado em que goza da
dignidade de participante do drama divino universal. Isto o
coloca na proximidade de Deus, fato este que corresponde
perfeitamente ao sentido da mensagem evangélica. (JUNG,
1986, p.50).

Jung (1986) ainda discorre que, assim como Javé, é possível notar que
no caráter de Cristo uma certa “irritabilidade” e uma “falta de auto-reflexão”,
característica predominantemente do tipo psicológico dominante emoção. A falta
de auto-reflexão somente é identificável na crucificação quando grita: “Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.
Como ser divino, Jung (1986) inicia sua análise observando Satanás e
Cristo. É sabido que Satanás persuadiu Cristo para tornar-se dominador do
12

Mundo. A ineficácia de tal ambição foi dada pela ruptura do bem e o do mal
celeste, quando Cristo profere “Eu vi Satanás cair do céu como um raio”7,
lançado sobre a terra e no fim dos tempos aprisionado no inferno. Desta forma,
houve uma cisão entre Cristo/Javé e seu filho mais velho Satanás.
Assim, projetando todo o mal em Satanás e ele próprio exilado da corte
celeste, Javé aparentemente torna-se “Summum Bonum”, ou seja, benévolo, um
Pai amoroso, Justo e sempre identificado pelo seu caráter luminoso.
Parecem improváveis casos semelhantes ao da tragédia de Jó.
Javé se mostra bondoso, clemente e cheio de misericórdia para
com a humanidade pecadora, e chega mesmo a ser definido
como o amor. (JUNG, 1986, p.53).

Além disso, Jung (1986) discorre que como o Espírito Santo representa a
terceira pessoa na trindade, e que Deus está presente em cada uma das
pessoas, o Espírito Santo tende a dar o status de Filho de Deus para os crentes.
A ação contínua e direta do Espírito Santo sobre os homens
convocados à condição de filhos de Deus é, de fato, uma
encarnação que se realiza permanentemente. Enquanto filho
gerado por Deus, Cristo é o primogênito ao qual se seguirá um
grande número de irmãos nascidos depois dele. (JUNG, 1986,
p.57).

Tal elevação de status do homem sugere que, entre o homem e Deus,


segundo Jung (1986), exista um “parentesco de sangue” pois os mortais tomam
parte do sangue e comem parte da carne de Cristo. Dessa forma, e pelo Seu
sacrifício, seu sangue purifica o homem de seus pecados, havendo assim uma
reconciliação entre homem e Deus por meio de Cristo. Tal reconciliação libertaria
o homem da Ira de Deus e da condenação eterna.
Assim, Jung (1986) aponta que a obra da redenção de Cristo almeja
libertar o homem do temor de Deus, enviando seu “Filho Unigênito” para realizar
a salvação humana e retomar a fé no Pai benévolo, reprimindo assim a ira e o
próprio Javé visto em Jó, mas não o apagando.
É impossível apagar a ira de Javé e o próprio Javé tenebroso. Visto que
na própria encarnação Jung (1986) aponta contradições que revelam a ação de
Javé sobre o homem. Veja:

7 Lucas 10,18.
13

A crença em tal Deus “Summum Bonum”, conforme Jung (1986), é


impossível para a consciência reflexiva. Para o autor, não só Deus, mas Cristo
é uma figura extremamente numinosa.
“Ele veio ao mundo para salvar o homem ameaçado por Deus [a
ira de Deus]; que sofreu e morreu. Além disso, sua ressurreição
corporal significa que todos os filhos de Deus devem estar certos
deste mesmo futuro.” (JUNG, 1986, p.61).

Neste ritmo, de que maneira Deus, tornando-se Filho, vem ao mundo para
salva-lo Dele mesmo e de sua ira? Jung (1986) demonstra que a crença no Deus
“Summum Bonum” seria possível se o Deus irado e malfeitor e tal Deus benévolo
e amoroso fossem deuses distintos, porém não é o caso. O próprio e único Deus
cristão deve ser amado e também temido, criando assim uma “Coincidentia
Oppositorum”.
Porém, Jung (1986) ainda aponta que é dificultoso para a consciência
aceitar que Deus seja bondoso e cruel. “O homem [o ego] não aprecia as
incoerências e as fraquezas demasiado humanas de seus deuses.” (JUNG,
1986, p.62).
O caso de Javé e Jó foi marcado, como visto, pela tomada de consciência
de Javé, ou seja, pela inquietação sua inconsciência querendo tornar-se
consciente. A aposta entre Deus e Satanás nada mais é do que um conflito
intradivino do inconsciente querendo tornar-se consciente para, por fim, Deus
tornar-se Deus. “O homem é mais ele no inconsciente do que na consciência.”
(JUNG, 1986, p.62).
“Com isso estabelece um desnível entre o inconsciente e a
consciência, e o inconsciente irrompe na consciência sob a
forma de sonhos, visões e revelações.” (JUNG, 1986, p.62).

5. Visão Pré-encarnação e Inconsciente Coletivo

A partir disso, Jung (1986) busca as visões de natureza arquetípica, como


no livro de Ezequiel (600 – 300 a.C.), no de Daniel (165 a.C.) e no de Henoc (100
a.C.), indícios da cisão entre o Deus benévolo e o irado junto com Satanás, e
também sobre a encarnação de Deus em Cristo.
Ezequiel, por exemplo:
A primeira grande visão é constituída de duas quaternidades
bem ordenadas e combinadas entre si, verdadeiras
representações da totalidade, tais como as que observamos
14

ainda hoje, muitas vezes, sob a forma de fenômenos


espontâneos. Sua “quinta essentia” foi expressa numa “figura
com semblante de homem” (JUNG, 1986, p.63).

Ademais, foi Ezequiel o primeiro a utilizar o termo “Filho do Homem” que


se assemelha a “Filho de Deus” pois, em seus escritos o “Homem” sentava-se
no trono celeste e divino. Aqui, sugere Jung (1986) é uma prefiguração da
revelação posterior de Cristo pelo inconsciente coletivo.
Já a quaternidade supracitada é composta por quatro serafins que estão
em volta do trono de Deus, e eles, segundo Jung (1986), são a totalidade de
Cristo, da mesma maneira, por exemplo, que os evangelistas o representam nas
quatro colunas do templo.
Tal inquietação do inconsciente – da energia arquetípica de Cristo e da
quaternidade – é recorrente durante os séculos. Em Daniel, elas são
expressadas por quatro animais e pelo Filho do “Ancião dos dias” que
rejuvenesceria o Pai. Tal figura se assemelha ao Filho do Homem “vindo sobre
as nuvens do céu”, de Ezequiel.
Henoc também simboliza tais energias, mas de modo mais pontual e
detalhado. A quaternidade de Henoc são ambiências do mundo inferior, sendo
uma destinada à permanência dos espíritos dos mortos até o juízo final, duas
delas compartimentos escuros e somente um luminoso, contendo águas
luminosas, este último seria o lugar reservado para os justos.
Jung (1986) aproxima tal configuração simbólica com a configuração da
Mandala, de Mercurius Quatradus – o possuidor de quatro faces –, entre outros.
Esta aproximação é feita pois o autor interpreta que Henoc vê as quatro faces
de Deus, em que três delas ocupam-se com louvor, oração e súplica, enquanto
a quarta afasta os satanases dos justos e escolhidos.
Neste ponto, o autor chama atenção para a multiplicidade dos satanases,
já não sendo considerado mais como o filho mais velho de Deus e, portanto,
tendo seu poder dividido, diferente do que antes era o Satanás de Jó. Aqui já se
percebe que os satanases estão expulsos da divindade. Por exemplo, as quatro
partes da divindade podem, em Henoc, ser representadas por três anjos e um
guerreiro, quem mantém os satanases afastados (Miguel, Gabriel, Rafael e
Fanuel).
15

Além disso, Jung (1986) ressalta que o “Filho do Homem” das visões
pesquisadas está invariavelmente ligado à justiça.
Ela parece constituir o tema dominante e a preocupação
principal. Uma enfatização desta natureza só tem sentido onde
a injustiça é uma ameaça ou já foi praticada. Somente Deus, e
mais ninguém, pode distribuir a justiça de maneira notável, e é
precisamente em relação a ele que existe o medo de que venha
a esquecer-se de sua justiça. Neste caso, o seu Filho justo
estaria defendendo os homens junto a Ele. E com isso “os justos
terão a paz”. A justiça que reinará sob o Filho acha-se de tal
modo enfatizada, que se tem a impressão de que a injustiça teve
a primazia nos tempos de outrora, sob o domínio do Pai, e que
somente com o Filho se teria iniciado uma era de justiça. É como
se, como tais afirmações, Henoc estivesse inconscientemente
respondendo a Jó. (JUNG, 1986, p.69).

6. Jesus e a Enantiodromia

Neste ritmo, Jung (1986) prossegue sua reflexão, canalizando os indícios


das visões de Ezequiel, Rafael e Henoc, em Jesus. Jung (1986) aponta que:
Jesus surge como reformador judeu e como profeta de um Deus
exclusivamente bom. Com isto Ele salva a relação religiosa
ameaçada. Sob este aspecto, Ele aparece, de fato, como o
Salvador. Preserva a humanidade de perder a comunhão com
Deus e mergulhar na pura consciência a sua “racionalidade”. Isto
equivaleria a uma dissociação entre a consciência e o
inconsciente, ou seja, a um estado não natural e patológico, uma
espécie daquilo a que se deu o nome de “perda da alma”, pela
qual o homem se sente permanentemente ameaçado desde
tempos imemoriais. O homem se acha de modo contínuo e
crescente exposto ao perigo que é capaz de dominar tudo,
apenas com a vontade e a razão; deste modo se engana em
seus cálculos e previsões. Tal fato aparece com toda clareza em
tendências sociais e políticas tais como o socialismo e o
comunismo: sob o primeiro, é o Estado que sobre e sob o
segundo, o homem. (JUNG, 1986, p.71).

Jung (1986) demonstra também que, em sua vida, Jesus “retraduziu” as


tradições de seu Pai e anunciou a boa-nova, mostrando que Ele seria um Pai
amoroso, que ama, perdoa e preza por todos. Neste caso, Deus é confundido
com o próprio amor. Porém, como esperar deste Deus (com tais adjetivos)
conduzir e aceitar que seu próprio Filho seja sacrificado? Jung (1986) sugere
que os séculos seguintes, supreendentemente, o admitiram, sem qualquer
contradição.
É preciso não esquecer que o Deus da bondade é de tal modo
irreconciliável, que só pode ser aplacado com um sacrifício
humano. Isto cria uma situação insuportável que hoje em dia
simplesmente não se aceita, pois é preciso ser cego para não
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ver a luz crua que incide sobre o caráter divino e desmente essa
conversa fiada de amor e “Summum Bonum”. (JUNG, 1986,
p.72).

Esta crença de um Pai e Filho “Summum Bonum” que salvaria a


humanidade de todo mal, trazendo a justiça, o perdão e a salvação para todos
é, conforme Jung (1986), uma cegueira psicológica. Parece aí que o mal fora
vencido. Porém, ele fora esquecido e não apagado. Portanto, tal crença precede
uma gigante enantiodromia. A própria exacerbação da bondade gerou, em
mesmo tamanho, intensidade e exaltação a sombra e a maldade. Jung (1986)
aponta que neste ponto já exista a expectativa do Anticristo.
Para entender esta enantiodromia, Jung (1986) traça uma reflexão em
João e em suas revelações. João, possivelmente também autor das Cartas
Joanéias, foi um dos indivíduos que sofreu desta gigante enantiodromia. Ele,
acreditando em um Deus “Summum Bonum”, discorre: “Nele não há treva
alguma”8; “O próprio Deus é amor. O perfeito amor expulsa o temor”9. Esta
certeza expressada por João, tende, segundo Jung (1986), a sofrer uma
dissociação.
Para tanto, a psique compensa e o inconsciente tende a irromper para
esta consciência (unilateral) sob forma de uma revelação. Diferente, por
exemplo, de Ezequiel e Henoc, que possuíam certa ignorância não culposa, e
uma consciência menos rígida, deixando assim, fluir o inconsciente e seu
material arquetípico. Já em João, seu irrompimento é brusco apesar de
psicologicamente compensatório, devido a sua certeza última de um Deus
“Summum Bonum”.

7. Apocalipse de João

Assim surge o Apocalipse, em que Cristo é apresentado como um


guerreiro tenebroso e derramador de sangue, possuidor de uma espada de dois
gumes. Jung (1986) em seguida discorre sobre as ordens de Cristo a João:
distribuir sete cartas abertas às comunidades da província da Ásia. A ordem de
Êfeso deveria fazer penitência, pois senão Cristo tirar-lhes-ia a luz; A de
Pérgamo, advertida por propagar doutrinas erradas, deveria também fazer

8 Jo 1,5.
9 Loc. Cit., 4,18 (N. do T.)
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penitência, “senão virei a ti em breve”, ameaçando-os; A de Tiatira, que permitira


que uma falsa profetiza agisse livremente, lançou-se a doença e a peste, entre
outras10.
Daí, irrompem-se os selos do Apocalipse. Dos quatro primeiros, saem os
cavaleiros tenebrosos; no quinto selo ouve-se a voz dos mártires pedindo
vingança ao Senhor; o sexto “provoca uma catástrofe cósmica e todas as coisas
se ocultam, fugindo da ‘cólera do Cordeiro11, porque chegou o grande dia de sua
ira’”12. Neste ponto Jung (1986) discorre:
Vejo aqui menos um mistério metafísico do que a irrupção de
sentimentos negativos, longamente represados, que
observamos com frequência naqueles que anseiam por ser
perfeitos. Podemos adivinhar no autor das Cartas de João o
esforço por realizar modelarmente, na própria pessoa, aquilo
que prega aos outros. Por isso deve afastar de si todos os
sentimentos negativos que puder esquecer, graças a uma
benéfica ausência de auto-reflexão. Esses sentimentos
desapareceram da superfície das imagens da consciência, mas
continuam a pulular sob a capa que ela forma e, com o passar
do tempo, vão criando uma teia de ressentimentos e de
pensamentos de vingança que acabam irrompendo na
consciência em forma de revelação. (JUNG, 1986, p.80).

Em seguida, irrompe-se o sétimo selo que gera mais destruições e,


principalmente, a destruição de Jerusalém. Neste mesmo selo, surge no céu a
“mulher solar”: “com a lua debaixo dos pés e tendo na cabeça uma coroa de
doze estrelas. Está em trabalho de parto e diante dela um dragão cor de fogo
quer devorar-lhe o filho.” (JUNG, 1986, p.81).
Jung (1986) aponta que esta visão já demonstra a busca de João pela
totalidade. Tal mulher contém em si o sol da consciência que mergulha como
uma criança no inconsciente lunar e noturno. Esta visão tenta unir luz e sombra,
masculino e feminino, natureza e espírito. Este mergulho do filho é a resposta
ao “Complexio Oppositorum”, uma simbolização unificadora da totalidade da
vida.
O recém-nascido do Apocalipse é associado diretamente ao ódio e à
vingança, o oposto de Cristo benevolente e pregador do amor. Já o Dragão é
associado ao Diabo, que retorna depois da dissociação devido à queda vista por
Cristo anteriormente.

10 Veja-se em: (JUNG, 1986, p.78-79).


11 O Cristo Apocaliptico é associado ao Cordeiro. Veja-se Jung (1986, p.82).
12 Jo 6,16-17.
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Além disso, ambos – tanto Cristo como Anticristo –, no mito, são


arrebatados para junto de Deus e tornam-se manifestações de Deus, seja em
seu lado amoroso ou seu lado tenebroso. E a suas Mães são escondidas no
deserto. Jung (1986) aponta que tais acontecimentos são análogos e devem ser
tratados em conjunto.
Seria então o Anticristo um segundo messias que findaria os tempos da
humanidade? O autor sugere que o Antricristo não seria um segundo messias,
mas o próprio Cristo retornando. Jung (1986) ainda alerta que seu retorno não
viria de um novo nascimento, mas de um “Complexio Oppositorum” com
características mais pagãs do que cristãs, entre sol e lua, masculino e feminino.
Assim, tal revelação de João, sem dúvidas, é material do inconsciente, ou seja,
do paganismo, do Deus cristão, de seu Filho e de Satanás reprimidos. Já que
“ao contrário da consciência, o inconsciente não isola nem diferencia os seus
objetos.” (JUNG, 1986, p.83).
João foi dominado pelo arquétipo do Filho divino e por isso vê a
atuação deste último no inconsciente, ou, em outras palavras, vê
que Deus nasce de novo no inconsciente (parcialmente) pagão
sem distinguir-se do si-mesmo de João, pois “a criança divina”
é, como Cristo, o símbolo tanto de um como de outro. (JUNG,
1986, p.83).

8. A Busca Pela Totalidade – Self

Jung (1986) aponta que, se tal visão de João fosse um sonho, o


nascimento da criança poderia ser interpretado como uma tomada de
consciência do Si-mesmo.
No caso de João, a atitude de fé da consciência ocasionou uma
recepção da imagem de Cristo no material do inconsciente,
vivificando o arquétipo da virgem-mãe divina e do nascimento de
seu filho e amante, e o fez confrontar-se com a consciência
cristã. Com isto João é incluído pessoalmente no acontecimento
divino. (JUNG, 1986, p.85).

Então, há aí a busca pela totalidade, pelo Si-mesmo. Este último, segundo


Jung (1986), “Per Definitionem” é sempre um “Complexio Oppositorum”. Quanto
maior a luz que emana da consciência, maior a sombra a confrontar-se com ela
vindo do inconsciente. Jung (1986) aprofunda:
Nada nos impede de admitir algo semelhante da parte de João,
pois ele era o pastor de um rebanho e, além disso, homem e,
como tal, falível. Se o Apocalipse fosse, por assim dizer, um
assunto exclusivamente de João e, portanto, nada mais do que
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a irrupção de ressentimentos pessoais, a figura do Cordeiro


colérico o teria deixado plenamente satisfeito. [...] [Mas, da
maneira que as coisas se apresentam], o menino recém-nascido
deveria ter mostrado um aspecto claramente positivo, pois, a
julgar pela sua natureza simbólica, ele teria compensado a
desolação insuportável que a erupção das paixões reprimidas
havia provocado; mas ele era filho da “conjunctio oppositorum”,
isto é, do mundo diurno, plano de sol e do mundo noturno, lunar.
Ele teria estabelecido como mediador a ligação entre João cheio
de amor e o João sedento de vingança. Deste modo teria sido o
Redentor benéfico e equilibrante. Mas este aspecto positivo
parece ter escapado a João; em caso contrário, não teria podido
imaginar o menino na mesma linha do Cristo vingador. (JUNG,
1986, p.86).

E ainda, complementa:
O problema de João não é um problema de natureza pessoal.
Não se trata aqui de seu inconsciente pessoal, nem de uma
irrupção de caprichos, mas de histórias que brotam de uma
profundidade maior e mais ampla, ou seja, do inconsciente
coletivo. A problemática de João se acha expressa por demais
em formas coletivas e arquetípicas, para que possamos reduzi-
la a uma situação puramente pessoal. [...] O que vem à tona é a
corrente dos tempos, o pressentimento da aproximação de uma
gigantes enantiodromia que ele só pode entender como um
aniquilamento total e definitivo das trevas que não
compreenderam a luz que apareceu na pessoa de Cristo. Mas
não percebeu que o poder de destruição e de vingança é
constituído justamente por essas trevas das quais o Deus que
se fez homem se separou. (JUNG, 1986, p.87).

Em síntese, Jung (1986) entende que a finalidade das visões do


Apocalipse não é somente iluminar a sombra presente na natureza humana, mas
fazer João e o homem comum abrirem os olhos para incomensurabilidade de
Deus. Assim, a partir da integração do “Complexio Oppositorum”, João pode ter
a mesma noção de Jó: do conhecimento de Deus, acabando com a falsa noção
de um Deus unilateral, mostrando que Deus pode ser temido e amado.
Deste modo o horizonte do Vidente se estende para além da
primeira metade do eon cristão: ele pressente que a era do
Anticristo começará depois de mil anos, num claro indício de que
para ele Cristo não é um vencedor absoluto. João antecipa, de
algum modo, todos os alquimistas e Jacob Boehme parece que
tem consciência de sua implicação pessoal no drama divino, ao
antecipar a possibilidade do nascimento de Deus no homem,
pressentido pelos alquimistas, por Mestre Echkhart e Angelus
Silesius. Ele esboça, assim, o programa de todo o eon de Pisces,
com sua dramática enantiodromia e seu final tenebroso que
ainda não vivemos e diante de cujas possibilidades realmente
tremendas e apocalípticas a humanidade inteira treme. (JUNG,
1986, p.93).
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9. Sofia e Virgem Maria

Além da questão do Apocalipse, Jung (1986) discorre que outro aspecto do


“Complexio Oppositorum” deve ser considerado, ou seja, não somente o bem e
o mal, o amoroso e o tenebroso, mas também o masculino e o feminino.
Tal integração masculino e feminino, segundo o autor, se deu
principalmente pelas religiosidades populares cristãs. Esta integração se dá pela
assunção da Intercessora e da Mediatrix ocupando, como já visto, um status de
deusa, ao lado do Pai e do Filho. Aqui fala-se do material arquetípico contido em
Sofia e na Mãe de Deus. Existem, por exemplo, relatos de crianças presenciando
aparições marianas. Tais fatos permitem pensar que o inconsciente coletivo está
agindo de alguma forma.
Este irrompimento de Maria do inconsciente coletivo pode significar, por
exemplo, uma ânsia em realizar a paz e o equilíbrio dos contrários, devido a sua
essência de Mediatrix.

10. Conclusão

Em suma, estes contrários e opostos que tendem a se integrar, levam


Jung (1986) a perceber que no inconsciente há um arquétipo de totalidade, este,
assim como todo o inconsciente parece ser autônomo, mas ele se diferencia pela
sua centralidade no inconsciente coletivo. Ele, conforme Jung (1986), parece
assemelhar-se singularmente à imagem de Deus.
E ainda, é possível identificar por meio das análises feitas pelo autor que
existe um caminhar dos materiais arquetípicos e simbólicos durantes os séculos.
Devido a sua autonomia, o inconsciente coletivo tende a expressar imagens de
uma era e até de prever como a próxima era será compensatória.
Enfim, este jogo intradivino, amoroso e tenebroso, entre a
descompensação e a compensação é ininterrupto. Nas palavras de Jung (1986):

Isto significa que até mesmo o homem iluminado permanece


aquilo que é, nada mais do que o seu próprio eu colocado em
face daquele que habita o seu íntimo, cuja figura não tem limites
definidos e reconhecíveis, e que o envolve por todos os lados,
profundo como os fundamentos da terra e imenso como a
vastidão dos céus. (JUNG, 1986, p.113).
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Referência

JUNG. C. G. Resposta a Jó. Editora Vozes: Petrópolis, 1986.

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