Público: Ooooooh!!
– Huuum! Esperto! Desce, meu neto! Desceu? O fogo começou a derreter de vez e de repente, bum, o pilão que
– Um um. tava sendo queimado explodiu no fogo. Ceiuci não pensou duas
– Desce, meu neto! vezes:
– Um um.
– O que foi, mãe? O que foi?
– Desce senão eu mando os marimbondos!
– Cadê o menino que estava aqui?
– Ah, não sei… – E aí?
– Não sabe? Só moramos eu e você aqui. Cadê o menino que – Ó, a comida tá pronta, a bebida tá pronta, mas a sobremesa…
estava aqui? Conte! Hum! Tá uma delícia!
– Ah, mãe, eu fui só olhar e ele fugiu!
– Fugiu pra onde? Quando o menino percebeu isso, teve que arranjar um jeito de
– Pra lá. fugir. Depois do jantar, surucucu macho e surucucu fêmea foram
surucucar um pouco e o menino aproveitou e fugiu. Ao sair, ele
Ceiuci quando ficava irritada tinha um canto que era assim: Cã! viu Acauã, que estava passando, e Acauã falou: me salvou por
Cã! Cã!. E ela saiu naquela direção. Só que o menino não estava quê? As cobras caíram em quantos buracos? Acauã come cobra,
lá. Onde o menino estava? A menina correu até ele e falou: então o menino desatou a correr, correr, correr, e dali a pouco
ele começou a ouvir de novo: Cã! Cã! Cã! Longe e se
– Olha, vamos correr porque minha mãe vai já nos descobrir e aproximando, Cã! Cã! Cã! E quando ele olhou, na beira de um
vai comer nós dois! lago tinha um pássaro grande pescando. Quem é? Tuiuiu. Tinha
que encher o seu cesto, e Tuiuiu na maior lerdeza, bem calma,
E começaram a correr, correr, correr. Pegaram umas palhas,
pegava o peixe, colocava no cesto. E o menino apressado
fizeram um cesto, jogavam e virava um bicho. Daqui a pouco
chegava, Tuiuiu, me salva! Porque se Ceiuci me pegar...
vinha a Ceiuci, eles começavam a ouvir o canto dela: Cã! Cã! Cã!
Por onde eles corriam, jogavam esse cesto e Ceiuci, Cã!, comia – Não posso, não. Tenho que encher esse negócio aqui.
tudo de uma vez. Só que a menina não aguentou tanto e cansou.
E pegava o peixe, pegava, e colocava no cesto, e aquele canto,
– Ah ah ah, vai você porque eu não consigo. Cã! Cã Cã!! Quando Ceiuci estava muito próxima, Tuiuiu tinha
pegado seu último peixe, colocava no seu atorá e falou: “Sobe
E o menino continuou, correu, correu, correu, e Ceiuci na cola,
aí”. E o menino subiu, e Tuiuiu começou a voar, voar, voar, cada
Cã! Cã! Cã! Uma hora ele viu um bando de macacos comendo
mais alto, cada vez mais longe, cada vez mais alto e mais longe!
mel.
E voou por muito tempo. Quando ele olhou, depois de muito
– Por favor, me ajudem, que Ceiuci!... tempo de vôo, viu uma clareira no chão perto de um rio e falou:
– Eu não quero papo com Ceiuci, não. “Vou te deixar aqui. Desce e me deixa”. O menino agradeceu e
– Por favor, me salva! Ceiuci estava se aproximando. Tuiuiu seguiu seu caminho. Ele, então, viu uma fumaça saindo
da mata, e foi lá para saber o que era. Ao chegar, ele viu uma
Se Ceiuci pegasse o menino, e aquele bando de macaco casinha e uma velha com uma vara, batendo numa cotia.
conversando com o menino, não ia sobrar nenhum deles. Mas
macaco é esperto: – Sai, cotia! Sai, cotia! Cai, cotia!
– Sobe, sobe! A cotia comia mandioca, a macaxeira que ela tinha pegado, e,
quando ela viu aquele menino, falou:
Subiu, colocou nele o cesto de mel, e aí Ceiuci passou, Cã! Cã! – Oi, moço! Tudo bem?
Cã!, e foi embora. E o macaco disse: “Vai embora que eu não Ele não respondeu nada.
quero papo com Ceiuci, não”. E o menino começou a correr, – O moço tá com sede?
correr, correr, correr, e em pouco tempo ele ouviu de novo, Cã!
Cã! Cã! Cã! E então ele olhou e viu um buraco no chão, não Ela então levou água pra ele, e ele tomou, e mais uma vez. E ela
pensou duas vezes, pum, pra dentro do buraco. Quando ele se perguntou: “Tá com fome, moço?”. Então eles foram até a casa,
deu conta, tinha uma Surucucu de fogo. ela deu comida pra ele, e ele comeu novamente. Ela olhou pra
ele e falou assim:
– Por favor, Surucucu, me salve! Porque se Ceiuci me pegar…
– Tá bom, fica naquele cantinho ali. – Conte sua história, moço!
E ele contou a história:
Ele foi pra lá, e dali a pouco, quem chega? Surucucu macho. – Olha, um dia eu saí pra pescar, quando eu morava com a
minha mãe. Um dia eu saí pra pescar, e Ceiuci me pegou, me passado, congelamos essa cultura. Quando atrelamos o tal do
levou pra casa dela, queria me comer assado, mas aí a filha dela índio a uma imagem do passado, não consideramos que a
me salvou, e aí começamos a correr, e a filha cansou, e eu cultura se movimenta. E essa cultura precisa se movimentar
continuei, e eu vi um bando de macacos, que me ajudaram. Mas para continuar a existir. Então, quando as populações indígenas
quando eu saí, Ceiuci estava muito próxima, e eu vejo um buraco dominam os mecanismos, os instrumentos que hoje a sociedade
no chão e alguém está lá, e eu vejo, Surucucu de fogo, mas ocidental desenvolveu, eles não fazem outra coisa a não ser
Surucucu de fogo também queria me comer! Eu fugi e a Acauã atualizar a sua memória. Quando usamos a literatura como
me ajudou. Continuei a correr, correr, correr, correr, e aí eu instrumento, o vídeo, o violão, que não é um instrumento
encontrei Tuiuiu caçando, e ela me trouxe até aqui. Ela olha pra tradicional indígena, mas que usamos com competência para
ele, eles começam a se tocar, e então ela fala assim: “Olha, um sofisticar a nossa própria experiência de humanidade, estamos
dia, o meu filho foi pescar e nunca mais voltou”. Cabou. [muitos sendo muito mais inteligentes do que as pessoas pensam.
aplausos] Porque é muito interessante pensar que os indígenas se
aproveitam mais do conhecimento ocidental do que o Ocidente
Essa é uma das histórias de que eu mais gosto. Ceiuci é meio se aproveita do conhecimento indígena. Ora, quem será mais
gulosa e ela retrata muito o que costumamos fazer. A gente inteligente nessa história? O indígena faz muito mais esforço
come, come, come, foge das coisas, e tem tantos obstáculos, e para entender o Brasil, do que o Brasil para entender os
vamos ficando velhos nessa corrida, às vezes não conseguimos indígenas. E nisso quem perde é o próprio Brasil, porque cada
chegar aonde a gente imagina. Obrigado. vez mais os indígenas se articulam para dominar esses
instrumentos a fim de manter sua tradição. Falar em tradição
Daniel Munduruku: Obrigado, Cristino que é do povo
faz parecer que perseguimos coisas do passado. Tradição é
Wapichana, de Roraima. Um grande companheiro nos caminhos
metodologia. Usamos a tradição como forma de manter nosso
da literatura e que tem produzido lindas obras literárias para as
padrão educativo. Nós nos atualizamos, mas sem largar a
crianças brasileiras... No nosso espírito, na nossa alma. E é aí
tradição. Então, no fundo, quando falo para vocês, com um
que a gente se educa. Conseguimos perceber o nosso lugar no
instrumento que não é meu, uma língua que não é minha, num
mundo. As histórias indígenas, sobretudo, mas as histórias em
lugar que não é meu, meu intuito é trazer a mensagem de um
geral, têm um componente que a gente esquece: normalmente
povo ancestral, um povo tradicional. Com isso eu atualizo a
elas são cíclicas ou circulares. O pensamento indígena é um
memória, não é? Quer dizer, é uma forma de se comunicar com
pensamento circular. O que significa isso? Significa que a gente
a sociedade brasileira. Aliás, por falar em comunicação, quero
pensa em forma de espiral. Espiral é aquela mola que dá uma
lembrar que eu tenho um blog:
volta e se encontra novamente no mesmo ponto. A espiral como
danielmunduruku.blogspot.com.br. O nome desse blog é
pensamento é essa volta ao passado necessária – é importante
Mundurukando. Mundurukando é uma palavra que eu inventei,
que a gente faça esse caminho de buscar no passado os sentidos
é uma brincadeira com a palavra filosofando, naturalmente.
da nossa existência para podermos dar valor ao momento em
Quando um ocidental pensa, a gente diz que ele está a filosofar.
que a gente vive. O povo indígena não nega a sua memória, não
E o Munduruku, quando pensa, o que está fazendo?
nega a sua história. O tempo inteiro ele busca no passado os
Mundurukando. O blog é um pouco uma brincadeira com essa
sentidos para atualizar sua existência no presente. Então,
palavra. Nele eu coloco textos e uma porção de dicas. Nós
quando pensamos nas populações indígenas vivendo nos dias de
também criamos um canal no YouTube chamado UkaTV. Uka é
hoje, temos que considerar que elas estão fazendo uma
casa em Munduruku. Estamos fazendo experiências nesse canal,
atualização da própria história. Vocês sabem que a cultura é algo
postando alguns vídeos, algumas dicas de leitura. Uka é o nome
dinâmico. Não existe cultura parada no tempo. Aliás, existe sim,
do instituto que eu criei, instituto Uka, do qual o Cristino
é a cultura morta. Cultura parada no tempo é a cultura de
também faz parte. O objetivo desse instituto é difundir a
museu, já que estamos em um… É uma história que foi
literatura indígena e sugerir materiais de apoio sobre a cultura
congelada por algum motivo e está naquele lugar, porém não
indígena para professores e tal. Então, vão lá, se inscrevam,
existe mais. Porque a cultura, por si só, é muito dinâmica. Ela
ajudem a gente, vai? Vão lá, ajudem a gente a ficar rico. [risos]
precisa se atualizar para ser, para continuar existindo. Quando
pensamos a cultura índigena como uma cultura escrava do
Estamos buscando essa comunicação com a sociedade brasileira exemplo, a política cultural para os povos indígenas foi muito
por meio desses instrumentos, e não vemos nenhum mal nisso. boa. Mas isso nada tem a ver com a demarcação de terra, porque
As pessoas usam nossos colares e a gente usa o YouTube. É uma a demarcação de terra resolveria o problema, e isso ninguém
troca justa. Antigamente eles nos davam espelhos, hoje em dia consegue resolver. Isso é tão impossível de resolver que a gente
nem iPhone a gente não aceita. Essa relação está melhorando, não consegue emplacar um presidente indígena para a Funai.
ficando mais justa. Bom, vamos abrir para questões? O que nos Vocês viram quem foi indicado? Um militar. Para comandar a
mantém como um país do futuro? São os povos indígenas que Funai! Adivinha o que vai acontecer? Não é possível emplacar
garantem o verde da nossa terra, da nossa bandeira. São as um indígena dentro da Funai porque esse indígena vai ter que
populações indígenas que se sacrificam para que o Brasil não mudar muita coisa. E ninguém quer mudar, porque está
perca essa configuração tão bonita que tem. Isso é fato. Nos mexendo com um patrimônio riquíssimo, e não estamos falando
estudos ambientais que são feitos, onde tem a presença só de um patrimônio mineral, mas de biodiversidade rica, de
indígena, está verde; onde não tem, tem gado. Eu ia dizer que conhecimento ancestral em produtos farmacêuticos,
está cagado, mas não... Tem gado, tem cana de açúcar, tem soja, alimentícios e higiênicos. E as pessoas entregaram isso nas mãos
e é esse pessoal que destrói o nosso patrimônio natural, que joga desses infelizes indígenas, que não sabem o que fazer... Essa
o Brasil contra os indígenas, não é? E o cidadão acaba vendo ironia é para pensar: o que está no Congresso hoje? A discussão
tudo isso acontecer, ficamos dando milho aos pombos e é apenas em torno da exploração mineral em terra indígena. É o
aceitando isso de uma maneira muito pacífica. A gente não faz que as pessoas querem. O que está na pauta? Demarcação de
panelaço ou protesto contra isso. Porque na nossa cabeça – e território indígena. Faz pouco tempo eu estive em uma reunião
realmente acho isso – na nossa cabeça temos a impressão de que aqui em São Paulo, no Fórum dos Produtores Rurais Brasileiros.
essas pessoas estão fazendo bem para o Brasil. Porque nós Uma das questões era a demarcação de terras indígenas, o
podemos consumir o Friboi, podemos consumir combustível ou conflito interno em terra indígena. O que eles querem? Eles
ter acesso aos bens industrializados. E esquecemos que não são querem que se pague pelas terras em que os indígenas vivem
os bens que a gente consome que nos tornam humanos. É o para eles poderem sair. Uma terra que foi invadida por eles.
presente que a gente vive. E esse presente está muito poluído. Os Agora, nós brasileiros vamos pagar indenização para eles sairem
nossos rios estão mortos. Vide o Tietê ou o que fizeram em de uma terra que é nossa. Porque vocês sabem que terra
Minas Gerais com o rio Doce. Vide o que vão fazer com a indígena não é do indígena. A terra indígena é patrimônio da
Amazônia, construindo hidrelétricas. Vide tanta sujeira no União, portanto é do brasileiro. Todos nós brasileiros. Os
sistema político, que de fato deu as costas para o povo. E o nosso indígenas são apenas os usuários dessa terra, e a Constituição
povo continua a aplaudir um pouco tudo isso. Então eu vejo garante isso. Então, quando a gente pensa nessa questão maior e
assim: é claro que os povos indígenas vão passar por muitas o que está envolvido, fica evidente que não vamos conseguir
mudanças nos próximos anos porque, apesar de tudo o que emplacar um presidente indígena na Funai. É claro que não
podemos fazer, não vamos conseguir parar nada disso. O vamos conseguir demarcar as mais de quinhentas terras
máximo que a gente vai conseguir é dizer: nós estamos aqui, indígenas que estão em processo de demarcação. Isso representa
vivos, e queremos continuar vivos. Vamos tentar impor um jeito uma porcentagem ínfima dentro do Brasil. Porque alguns
de permanecer vivos, apesar do nosso território ser cada vez fazendeiros têm mais terra do que o povo inteiro. Eles podem ter
menor. Nós enfrentamos uma dificuldade muito grande. terra, os indígenas não. Isso é um assunto muito, muito
delicado. E é a principal pauta do próprio movimento indígena.
Claro que o poder político brasileiro não levou em consideração Vou usar uma frase de efeito, que é usada nessas campanhas:
todo o esforço que os indígenas fizeram, desde a índio é terra, não dá para separar. E não é porque índio é terra
democratização. Por incrível que pareça, quem mais demarcou que ele quer terra. Significa que ele é terra. O espírito dele é a
terra no Brasil foi o Fernando Collor de Mello. É claro que ele fez terra. Então, ele deseja ter grande território simplesmente
isso porque também foi instigado pela opinião pública porque quer ser dono da terra, mas porque ele se sente parte da
internacional. Mas, de lá para cá, todas as políticas públicas para terra. Aquele é um lugar sagrado para ele, onde seus mortos
as populações indígenas foram um fiasco. O PT foi ruim foram enterrados, onde se tem uma relação ritual com a terra,
também, apesar de contar com outros elementos laterais. Por que é a mãe terra do texto que eu li para vocês, é a nossa mãe,
nossa mãe acolhedora, que gera, que nos recebe. Nossa relação foi feita sob medida para vivermos o agora. Amanhã a gente
com a terra não é de produção, de riqueza. Mas essa é outra troca, quando o amanhã virar hoje. E esse avô nos lembrava
conversa, que podemos desenvolver melhor em outra ocasião. disso, que esse é o nosso presente, e temos de vivê-lo como tal. E
Mas diante das questões que vocês colocaram, eu diria: há muito a outra coisa que ele dizia é com relação à felicidade. Meu avô
o que aprender com as populações indígenas. Precisamos apenas sempre lembrava que precisavámos saber duas coisas para
estar, não só com os ouvidos abertos, mas com o alto da cabeça e sermos felizes. A primeira: nunca devemos nos preocupar com
com o coração da gente aberto; precisamos saber qual é o coisas pequenas. E a segunda: todas as coisas são pequenas. É
indígena que está dentro da gente. E se for de fato essa coisa um mole? O velhinho é danado. Todas as coisas são pequenas. Esse
tanto romântica, não se preocupem, os românticos também é um ensinamento que martela na minha cabeça. Sempre que eu
amam, não é tão ruim assim ser romântico. Mas obviamente é encontro os conflitos que a vida me traz, preciso lembrar que
legal ter uma maior compreensão. Existe um mistério por trás somos parte, não somos donos de nada. Somos parte desse
do ser indígena. Algo que é muito difícil de ser traduzido em universo, e é assim que eu quero ser lembrado, como parte,
palavras, é preciso viver um pouco para sentir como é essa poeira desse universo. Muito obrigado. [aplausos]
experiência de ser indígena. Agora, o que eu guardo disso, o que
eu levo disso na minha contemporaneidade, no fato de estar Cristino Wapichana: Obrigado, fico muito feliz em poder
aqui hoje com vocês, qual é o pedaço dessa história que está participar e contribuir de alguma forma. Eu moro aqui em São
dentro de mim? Tudo, pessoal, tudo. Eu simplesmente não me Paulo, perto do Pico do Jaraguá, a gente pode trocar contatos.
coloco fora do mundo. Eu estou no mundo. Sou desse mundo, Eu também afino pianos, ninguém falou sobre afinar pianos
não de outro. Mas também não sou aquele que vai descer do nem sobre profissão.
disco voador, na canção do Caetano. Eu sou um ser desse
mundo. E procuro expressar isso no que falo, no que vivo, no
jeito como vivo, aceitando minhas fraquezas e minhas forças, no
caso, essa ideia de pertencimento. Eu me sinto um brasileiro
completo e procuro viver minha brasilidade, saber que sou um
cidadão Munduruku que vive nesse país chamado Brasil.
Portanto, tenho meus rituais? Tenho, sim. De vez em quando eu
os faço, vou pra minha comunidade para lembrar que tenho um
lugar para voltar. Procuro alimentar meus sonhos, não sonhos
de futuro, mas sonho mesmo, dormir e sonhar, que é como meus
avós me ensinaram a me comunicar com minha ancestralidade.
Tento fazer com que isso não se perca de mim. Manter a minha
calma, já é uma grande dificuldade, mas isso também faz parte
do que aprendi, quando conheci meu avô. Aliás, para terminar
minha participação, eu tive um avô maravilhoso. Inclusive
escrevi um livro em homenagem a ele, Meu avô Apolinário –
um mergulho no rio de minha memória, em que eu conto um
pouco minha trajetória. Quando eu era criança, não gostava de
ser chamado de índio simplesmente porque essa palavra trazia
uma carga de preconceito. Mas meu avô falava duas coisas que
para mim sempre foram muito importantes. Uma delas alimenta
minha passagem nesse mundo e é referente ao tempo. Meu avô
dizia assim: se o momento atual não fosse bom, não se chamaria
presente. E para o povo Munduruku, o presente é isso. Esse é
meu presente, vocês são meu presente, e eu espero ser o
presente de vocês. Por isso eu digo que o hoje é uma roupa que