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Leitura e Interpretação de Textos

Sandra de Pádua Castro


Leitura e Interpretação de Textos

Diretora Geral: Débora Cristina Brettas Andrade Guerra

Diretor Acadêmico: Gustavo Hoffmann Leão Coelho

Vice Diretora Acadêmica: Samira Maria Araújo

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Leitura e Interpretação de Textos

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CASTRO, Sandra de Pádua


Leitura e Interpretação de Textos. 1ª ed. Bom Despacho;

FACEB – Cursos de graduação. 120p.

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Leitura e Interpretação de Textos

SUMÁRIO

UNIDADE 1......................................................................................................................7

Módulo 1: A linguagem humana e o código língua............................................................7

Módulo 2: Variação Linguística.........................................................................................13

Módulo 3: Texto e textualidade........................................................................................22

Módulo 4: Coesão............................................................................................................30

UNIDADE 2....................................................................................................................39

Módulo 5: Coerência e Intertextualidade.........................................................................39

Módulo 6: Tipos e gêneros textuais: a construção textual..............................................45

Módulo 7: Tipos e gêneros textuais: a construção textual...............................................48

Módulo 8: Tipos e gêneros textuais: a construção textual..............................................52

UNIDADE 3....................................................................................................................56

Módulo 9: Tipos e gêneros textuais: a construção textual..............................................56

Módulo 10: Estrutura do texto dissertativo argumentativo e o parágrafo padrão............63

Módulo 11: Métodos para leitura e interpretação: sublinhar, resumir e esquematizar....67

Módulo 12: Leitura de implícitos......................................................................................73

UNIDADE 4....................................................................................................................81

Módulo 13: Ambiguidade.................................................................................................81

Módulo 14: Conotação e denotação................................................................................92

Módulo 15: Figuras de Linguagem..................................................................................98

Módulo 16: Interpretando um texto...............................................................................109

Referências..................................................................................................................117

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Leitura e Interpretação de Textos

APRESENTAÇÃO
Todo leitor deve ter como objetivos ler e não somente decodificar, mas

compreender, interpretar e manter uma postura crítica frente a qualquer texto.

Estamos em constante processo de alfabetização, pois a leitura é uma habilidade que

se desenvolve durante toda a vida, na medida em que temos contatos com diferentes

tipos e gêneros textuais.

Somos seres falantes e devemos valorizar esta característica, aumentando

nosso conhecimento sobre a língua. Isso é condição necessária para melhorarmos

nossas práticas profissionais e atendermos à necessidade de comunicação em qualquer

contexto de interlocução. Este conhecimento é adquirido através de muita leitura e,

sobretudo, de muita vontade e de muita afetividade.

A disciplina “Leitura e Interpretação de Textos” foi elaborada em vinte módulos, com

os quais pretendemos favorecer e dinamizar o processo de aquisição da competência

textual. Procuramos, no decorrer da apresentação dos módulos, despertar a reflexão

sobre a língua e as várias possibilidades que ela oferece para a interação.

Priorizamos o texto por entendê-lo, seja visual seja acústico, como concretização

de toda forma de linguagem na comunidade humana. Por reconhecermos a língua

como organismo vivo e em constantes mudanças, uma reflexão sobre as variedades

linguísticas precede o estudo do texto e dos elementos que o constituem.

Ler ou escrever, falar ou ouvir são formas importantes de nos inscrevermos no

mundo, de participarmos dele; são formas de doação para que outro nos leia. Todos

somos livros transitando pela biblioteca vida. Uma vez que a relação leitor / texto é

vivificante para ambas as partes e que os textos se realizam entre os locutores, fica o

convite de participação em “Leitura e Interpretação de Textos”.

Sandra de Pádua Castro1

1 Graduada em Letras pelo Centro Universitário de Patos de Minas; Especialista em Português e Literatura
e Mestre em Letras – Estudos Literários, pela UFMG. Leciona em cursos a distância e presenciais.
Trabalha com tutoria, revisão e elaboração de cursos na área de Português, Literatura e Produção de
Textos.
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Leitura e Interpretação de Textos

UNIDADE 1
MÓDULO 1 - A LINGUAGEM HUMANA E O CÓDIGO LÍNGUA
Convém estabelecermos nosso objeto de estudo, aquele sobre o qual trataremos

no decorrer de toda a disciplina: a língua.

Língua:

Idioma; sistema de códigos; conjunto de sistemas que encerra várias tradições;

fenômeno cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos

contextos de uso.

Lendo estas definições, certamente vamos comprovar que normalmente não

refletimos sobre a língua, sobre os modos que a usamos, nos benefícios que ela nos traz;

não refletimos assim como não pensamos no ar que respiramos: apenas respiramos.

Unidade 1
Normalmente entendemos a língua como algo tão natural e óbvio que, por isso mesmo,

não requer maiores reflexões.

Vamos começar a pensar diferente: vamos pensar este nosso objeto como uma

das faculdades mais ricas que o homem possui; vamos pensar este nosso objeto como

um tesouro hiper, megaprecioso, fonte de todas as possibilidades na comunidade

humana.

Verdade é que a língua (idioma) é apenas um dos códigos utilizados pelo homem

na sua atividade comunicativa; apenas um dos códigos da linguagem. Mas isso não

diminui a sua importância.

Nosso objetivo é uma maior proximidade com a linguagem por meio de

conhecimentos sobre a língua e de sua forma de materialização na comunidade

humana, ou seja, o texto. Falaremos sobre ele mais adiante. Por ora, vamos aprofundar

nos conceitos de língua e linguagem.

Vamos começar pelo termo de significado mais amplo, mais abrangente:

linguagem. Deixemo-nos conduzir a uma reflexão pelas palavras do linguista Marcos


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Leitura e Interpretação de Textos

Bagno:
[...] não existimos fora da linguagem, não conseguimos sequer imaginar
o que é não ter linguagem – nosso acesso à realidade é mediado por
ela de forma tão absoluta que podemos dizer que para nós a realidade
não existe, o que existe é a tradução que dela nos faz a linguagem,
implantada em nós de forma tão intrínseca e essencial quanto nossas
células e nosso código genético. Ser humano é ser linguagem. (BAGNO
in ANTUNES, 2010, p.11)

Poderíamos, em linguagem matemática, traduzir o enunciado de Bagno assim:

Sujeito + linguagem = realidade

Assim como:

Sujeito + linguagem = sujeito transformado pela linguagem +

linguagem transformada pelo sujeito

Ou ainda:

Sujeito menos linguagem = (?) (incógnita!)


Unidade 1

Concordando, portanto, com a importância da linguagem, vamos defini-la.

Segundo Luiz Carlos Travaglia (1997), um estudioso de nossa língua e da forma de

ensiná-la, há três concepções distintas de linguagem:

1. Linguagem como expressão do pensamento.

2. Linguagem como instrumento de comunicação.

3. Linguagem como forma ou processo de interação.

De fato, a linguagem é expressão do pensamento e é instrumento de comunicação.

Mas é mais que isso. Nós nos expressamos e nos comunicamos por meio dela assim

como interagimos, realizamos ações, atuamos sobre o outro e sobre nós mesmos:

A linguagem é pois um lugar de interação humana, de interação


comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores,
em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-
histórico e ideológico. [...] o diálogo em sentido amplo é que caracteriza
a linguagem. (TRAVAGLIA, 1997, p.23)

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Leitura e Interpretação de Textos

Esta forma de expressão, de comunicação e de interação pode ocorrer por meio

da dança, da música, da arte em geral; pode ocorrer por meio de comportamentos, de

olhares, do silêncio, dos gestos, das roupas e do perfume que usamos. São inúmeras

as formas de linguagem que utilizamos para atravessar, a cada instante, o espaço que

nos liga ao outro e a nós mesmos.

Todas as formas são maravilhosas porque têm este fim: interação. Uma

dessas formas de manifestação da linguagem é a língua.

1.1 A língua
A língua é um fator social, pertencente ao social e que serve ao social. Ela é,

portanto, ao mesmo tempo, de uso individual e um bem comum. Pela língua estabelecemos

e mantivemos a comunidade humana.

A língua pode ocorrer por meio da fala ou da escrita. Não há como saber quando

Unidade 1
nossos ancestrais desenvolveram a capacidade de agregar sons às ideias, ou seja,

quando surgiu a fala e a sua relação com a realidade. Também não há como saber

acerca das primeiras línguas faladas. Só sabemos daquelas que já existiam na época

da invenção da escrita, aproximadamente a

4000 a.C.

Talvez devido a essa impossibilidade de conhecer as origens e as primeiras

línguas, haja tanta especulação: o homem não se conforma com os mistérios!

Mistérios a parte e ciência à frente: a língua portuguesa, a espanhola, a francesa

e a italiana derivaram do latim. O latim derivou do itálico e este do Indo-europeu. Fim

da linha? Não. As línguas continuam se transformando porque são vivas. Mais a frente,

quando estudarmos variação linguística, conheceremos melhor esta dinâmica. Por

enquanto, observe, no diagrama a seguir, a variedade de idiomas originários do indo-

europeu:

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Leitura e Interpretação de Textos

Seria ele, o indo-europeu, um idioma falado por todos?

Será que houve um dia em que os homens falavam a mesma e única língua?

As línguas podem se unir e se transformar em única língua?

As línguas podem se subdividir sucessivamente até que cada um possua sua

própria língua?
Unidade 1

Estas são apenas perguntas para aguçar sua curiosidade. Nem tente

respondê-las. Basta sabermos que o universo das possibilidades é infinito.

Figura 1 - A origem da Língua Portuguesa


Fonte: http://www.falemosportugues.com/semana_da_lingua/historia_da_lingua_final/index_historia_da_
lingua.html

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Leitura e Interpretação de Textos

1.2 Língua falada X língua escrita


Retomando: são duas as modalidades da língua: a falada e a escrita; cada uma

tem suas especificidades e servem ao propósito comunicativo em conformidade

com a situação, com a intenção e com os interlocutores. Apesar de ambas se originarem

de um mesmo código, a escrita não é simples transcrição da fala.

Vamos entender as diferenças e semelhanças entre estas modalidades?

Fala:
Produção textual-discursiva oral.
Uso de sons articulados e significativos e de aspectos prosódicos Envolve
outros cursos expressivos tais como gestualidade, movimentos, mímica.

Escrita:
Produção textual-discursiva gráfica
Modalidade complementar à fala
Desenvolvida e utilizada pelo homem em muitas culturas. Línguas
ágrafas: línguas que não possuem escrita

Unidade 1
Fala e escrita diferenciam-se conforme o uso e assemelham-se por

pertencerem ao mesmo sistema linguístico.

Tanto uma quanto a outra se estruturam por meio de uma gramática, são
organizadas e contextualizadas de acordo com a intenção comunicativa
e o contexto de produção, bem como se manifestam por meio de um
determinado gênero textual (aula, palestra, notícia, resenha, artigo,
etc.) (GERALDY, 1997)

Há gêneros escritos que se aproximam da oralidade, por exemplo, um bilhete

para um amigo; outros são orais e, no entanto, resultam de leituras, anotações, como

uma aula expositiva presencial; outros, como os jornais televisos, são falados, mas os

textos pertencem à modalidade escrita.

Portanto, os usos aproximam ou distanciam as duas modalidades. A questão do

uso modificando tanto a fala quanto a escrita, estudaremos em nosso próximo módulo

sobre as Variações Linguísticas.

Escrevendo ou falando, é importante ressaltar que é assim que nos inscrevemos


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Leitura e Interpretação de Textos

no mundo, que participamos dele. Escrever e falar são formas de doação para que outro

nos leia. Todos somos livros transitando pela biblioteca vida.

1.3 Texto 1 - A linguística e a linguagem


Durante o século XIX, o estudo da linguagem ou linguística tinha como preocupação

encontrar a origem da linguagem e das línguas, considerando o estado presente ou

atual de uma língua como resultado ou efeito de causas situadas no passado.

[...]

A partir do século XX, desenvolve-se a linguística, cujas principais ideias

podem ser resumidas:

- a linguagem é constituída por duas dimensões: a língua e a fala ou palavra.


A língua é uma instituição social e um sistema, ou uma estrutura objetiva que
existe com suas regras e princípios próprios, enquanto a fala ou a palavra é
o ato individual de uso da língua, tendo existência subjetiva por ser o modo
como os sujeitos falantes se apropriam da língua e a empregam. Assim, por
Unidade 1

exemplo, temos a língua portuguesa e a palavra ou fala de Camões, Machado


de Assis, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, a do leitor e a minha;
- a língua é uma totalidade ou uma estrutura, isto é, nela o todo não é mera
soma das partes e sim a articulação e organização de partes que são suas e
que só possuem sentido e função por serem partes desse todo;
- numa língua, distinguem-se o significante e o significado: o signo é o
elemento verbal material da língua (r, l, p, b, q, g, por exemplo) e o significante
é uma cadeia ou um grupo organizado de signos (palavras, frases, orações,
proposições, enunciados) que permitem a expressão dos significados e
garantem a comunicação; o significado são os conteúdos ou sentidos imateriais
(afetivos, volitivos, perceptivos, imaginativos, evocativos, literários, científicos,
retóricos, filosóficos, políticos, religiosos, etc.) veiculados pelo signo;
- a necessário para todos os falantes da língua;
- a língua é um código (conjunto de regras que permitem produzir
informação e comunicação) e se realiza por meio de mensagens, isto é, pela
fala/palavra dos sujeitos que veiculam informações e se comunicam de modo
específico e particular (a mensagem possui um emissor, aquele que emite
ou envia a mensagem, e um receptor, aquele que recebe ou decodifica a
mensagem, isto é, entende o que foi emitido.
- o sujeito falante possui duas capacidades: a competência (isto é, saber usar
a língua) e o desempenho (a performance, o jeito pessoal e individual de usar
a língua); a competência é a participação do sujeito em uma comunidade
linguística e o desempenho são os atos de linguagem que ele realiza.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13.ed.
São Paulo: Ática, 2003, p.153-154.

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Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 2 - VARIEDADES LINGUÍSTICAS


Vimos no módulo anterior que a mudança é uma peculiaridade das línguas.

Vamos conhecer um pouco mais desta característica.

As línguas se diferem porque procedem de ramos distintos ou porque, mesmo

precedentes do mesmo ramo, os falantes se localizam em regiões diferentes com

culturas próprias. Há semelhanças e diferenças entre elas e dentro delas. Todas as

línguas do mundo vivem mudanças em seu interior, que podem acontecer, inclusive,

devido ao contato com outras línguas.

Um exemplo: a língua portuguesa, falada por mais de 220 milhões de pessoas,

é língua oficial em oito países e em nenhum deles há igualdade total em relação à fala

e à escrita. Há mudanças na pronúncia (fonológicas), nas palavras (lexicais) e nas

relações entre elas (morfossintática) e nos significados (semânticas).

Interessante notar que, apesar de ser a língua oficial, em países como Cabo Verde,

Unidade 1
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, o português não é utilizado pela população no seu

cotidiano. Eles utilizam, comumente, os crioulos2, de base portuguesa. No entanto, a

língua portuguesa está nos documentos oficiais e administrativos e na zona comercial.

Em São Tomé e Príncipe, o português

está associado à condição sociocultural: é falado pela população culta, pela classe

média e pelos donos de propriedade.3

Mesmo entre o português de Portugal e o do Brasil há diferenças imensas. Isso

acontece porque, apesar de o português brasileiro descender do europeu, a interação

que houve aqui – entre a língua do colonizador, as numerosas línguas indígenas

e africanas e as línguas dos emigrantes – modificou o português de Portugal e resultou

na língua que utilizamos hoje. Também há um dado importante: não há língua que

permaneça a mesma, depois de quinhentos anos de uso!

2 Crioulos: línguas mistas que nasceram do contato entre o idioma europeu e determinada língua nativa,
conservando características das duas línguas. Disponível em http://www.instituto- camoes.pt/cvc/hlp/
index.html
3 informação disponível no Portal do Museu da Língua Portuguesa: http:// www.estacaodaluz.org.br
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Leitura e Interpretação de Textos

É isso! A língua é diferente entre os países, mesmo quando é a mesma língua

falada por eles. Ela se modifica no contato com outras línguas e se modifica no tempo.

E mais: ela se modifica dentro de um mesmo país, em função das pessoas que a usam

e em função do uso que se faz dela. Vejamos estas mudanças um pouco mais de perto.

Variação, mudança é mais que uma característica da língua: é uma condição de

existência. Poderíamos dizer: há muitas variedades na língua portuguesa do Brasil, logo

ela é uma língua viva.

Quando ela varia em função das pessoas que a usam, dizemos que ocorre

variação dialetal; quando varia em função do uso que se faz dela, ocorre variação

estilística, também chamada de variação de registro.

2.1 Variação dialetal: regional, histórica, social, profissional e etária.

2.1.1 Variação regional ou geográfica: o uso conforme o lugar em que nasceu.


Unidade 1

Como exemplo, leia trechos do texto no qual, Kleidir Ramil, músico e escritor

gaúcho, brinca com os diferentes dialetos:

No Rio é “e aí merrmão! CB, sangue bom! Vai rolá umach paradach”. Até
eu entender que merrmão era “meu irmão” levou um tempo. Em São Paulo
eles botam um “i” a mais na frente do “n”: “ôrra meu! Tô por deintro, mas não
12r inteindeindo”. E no interiorrr falam um erre todo enrolado: “a Ferrrnanda
marrrcô a porrrteira”. Dá um nó na língua. A vantagem é que a pronúncia deles
no inglês é ótima.
Em Mins, quer dizer em Minas, eles engolem letras e falam Belzonte,
Nossenhora e qualquer objeto é chamado de trem. Lembrei daquela história
do mineirinho na plataforma da estação. Quando ouviu um apito, falou
apontando as malas: “Muié, pega os trem que o bicho tá vindo”.
No nordeste é tudo meu rei, bichinho, ó xente. Pai é painho, mãe é mainha,
vó é vóinha. E pra você conseguir falar com o acento típico da região, é só
cantar sempre a primeira sílaba de qualquer palavra numa nota mais aguda
que as seguintes. As frases são sempre em escala descendente, ao contrário
do sotaque gaúcho.
Mas o lugar mais interessante de todos é Florianópolis, um paraíso sobre a
terra, abençoado por Nossa Senhora do Desterrro. Os nativos tradicionais,
conhecidos como Manezinnhos da Ilha, têm o linguajar mais simpático
da nossa Língua Brasileira. Chamam lagartixa de crocodilinho de parede.
Helicóptero é avião de rosca (que deve ser lido rôchca). Carne moída é boi
ralado. Se você quiser um pastel de carne precisa pedir um envelope de boi
ralado. Telefone público, o popular orelhão, é conhecido como poste de prosa
e a ficha de telefone é pastilha de prosa. Ovo, eles chamam de semente de
galinha, e motel é lugar de instantinho.”
(Para ler este texto na íntegra,
acesse http://www.cantadoresdolitoral.com.br/k/index.html)
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Leitura e Interpretação de Textos

2.1.2 Variação histórica: são as transformações ocorridas no decorrer do tempo.

Para comprovar este tipo de variação, leia abaixo o fragmento do texto de Carlos

Drummond de Andrade e veja se é possível decodificá-lo.

Antigamente

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas

e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os

janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas

ficavam longos meses debaixo do balaio.[...]

Carlos Drummond de Andrade

2.1.3 Variação Social: conforme o meio social em que foi criada e o nível de escolaridade.

Leia um trecho do poema “Aos poetas clássicos” de Patativa do Assaré, poeta cearense

Unidade 1
que só passou seis meses na escola:

Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,


Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso Filisberto de Carvaio.
[...]

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Leitura e Interpretação de Textos

Vale, pelo encanto da leitura, você ler o restante deste poema que está disponível

em http://www.tanto.com.br/patativa-classicos.htm. Procure também conhecer mais

sobre este poeta.

2.1.4 Variação profissional ou de função certas profissões possuem alguma linguagem

técnica (ou jargões) específica a elas. No entanto, quando os falantes utilizam esta

variedade fora do grupo a que lhe deu origem, pode parecer pedantismo ou forma de

intimidação do interlocutor que não conhece o vocabulário da profissão.

2.1.5 Variação etária: conforme a idade do falante. A gíria é um exemplo típico desta

variação. Veja como este texto de Mário Quintana também explica e exemplifica bem a

relação entre a idade e a forma de uso da língua pelo falante:

Há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram nos


Unidade 1

dicionários como velhas caducas num asilo. Às vezes uma que outra se
escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração
de paraninfo. Pobres velhinhas...
Pobre velhinho!
QUINTANA, Mário. Triste História, em Porta Giratória.
São Paulo: Globo, 1988, p. 20.

Vimos anteriormente que existem duas formas de variação da língua: em função

das pessoas que a usam – variação dialetal; e em função do uso que se faz dela –

variação estilística, também chamada de variação de registro. Estudaremos agora esta

segunda forma de variação.

2.2 Variação estilística ou de registro

São variedades que ocorrem em função do uso que se faz da língua

(dependem do emissor, do receptor, da mensagem ou da situação). São de três tipos:

• grau de formalismo (com gradações entre o formal e o informal);

• modalidade (língua falada ou escrita);

• sintonia (de acordo com o status, a cortesia e a norma).


16
Leitura e Interpretação de Textos

2.1.1 Grau de formalismo: a maior formalidade decorre de um maior cuidado e apuro no

uso e na variedade dos recursos da língua, “aproximando-se cada vez mais da língua

padrão e culta em seus usos mais ‘sofisticados’ (literários, obras científicas, etc.)”.

(TRAVAGLIA, 1997, p.51)

Os recursos da língua são aqueles do nível fonológico, sintático, lexical e estilístico.

2.1.2 Modalidade: são os modos – falado ou escrito – de expressão linguística.

Já vimos um pouco desses modos em aulas anteriores. Vamos recapitular

algumas diferenças entre eles:

Língua falada Língua escrita


A comunicação se dá, normalmente, na
Intercâmbio entre falante e ouvinte.
ausência de um dos participantes.
A produção e a execução acontecem A produção acontece antes da interação.

Unidade 1
simultaneamente, por isso é pontilhada Houve tempo para a elaboração, por isso,

de marcações tais como pausas, normalmente, são desnecessárias as

interrupções, retomadas, correções. mesmas marcações da fala.

Grau de formalidade nos modos falado e escrito: em ambos podem-se empregar

diferentes graus de formalidade. Logo, não podemos associar língua falada à

informalidade nem língua escrita à formalidade.

O grau de formalidade, em qualquer modo, irá variar de acordo com o falante /

escritor, com o ouvinte / leitor, com o grau de intimidade entre os interlocutores e com o

contexto gerador da comunicação.

Bowen, citado por Travaglia (1997, p.53) considera que são cinco os graus de

formalismo distintos, tanto na língua oral quanto na escrita e propõe o seguinte quadro:

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Leitura e Interpretação de Textos

VARIEDADES DE MODO
Língua falada Língua escrita
Oratório Hiperformal
VARIANTES DE GRAU DE Formal (deliberativo) Formal
FORMALISMO Coloquial Semiformal
Coloquial distenso Informal
Familiar Pessoal

De oratório (discurso muito elaborado) a familiar (fala particular, íntima), assim

como de hiperformal (equivalente escrito de oratório) a pessoal (notas para uso próprio,

bilhetes para conhecidos), a língua nos oferece inúmeros recursos. O que temos de

fazer é aplicar estes recursos adequadamente ao contexto e ao nosso interlocutor. (Leia

Texto 2, página 27: “Variedades de modo e de grau de formalismo”)

Seria inadequado, por exemplo, enviar um bilhete para o diretor de sua faculdade

com o grau de formalismo pessoal; ou utilizar uma escrita hiperformal em uma

carta a um amigo. Adequação é a palavra-chave para abrir as portas de uma eficiente


Unidade 1

comunicação.

2.1.3 Sintonia: “é o ajustamento na estruturação de seus textos que o falante faz, com

base em informações específicas que tem sobre o ouvinte”. (TRAVAGLIA, 1997, 56).

Este ajustamento, segundo Travaglia (1997), ocorre em função:

• do status do interlocutor;

• do volume de informações ou conhecimentos que o falante supõe ter o

ouvinte sobre o assunto;

• da cortesia: variação que ocorre devido à dignidade que o falante

considera apropriada ao ouvinte ou à ocasião;

• da norma: ocorre quando se dirige a determinado ouvinte considerando

o que ele julga bom em termos de linguagem.

Deste estudo sobre variações linguísticas, podemos concluir que tanto

podemos conhecer a língua pelo uso que as pessoas fazem dela, como conhecer as

culturas das pessoas pelo uso que estas fazem da língua. Podemos também concluir
18
Leitura e Interpretação de Textos

que não podemos considerar certo ou errado o uso de uma variedade distinta da

nossa. Tudo é uma questão de adequação, ou seja, do melhor uso dos recursos em

conformidade com a situação e com os interlocutores.

No entanto, é comum em nosso meio, devido ao prestígio da norma padrão culta,

o preconceito contra o uso de outras variedades não padrão. O próprio fato de nomear

a variedade como Norma Culta traz o pressuposto de que a outra variedade é inculta.

E isso não é uma verdade. É importante sabermos que toda variedade configura-se em

regras e possui sua complexidade.

Não se trata de desprestigiar a norma padrão ou de transformar a não padrão em

padrão (inclusive estamos aqui para aprender e exercitar a variedade padrão): trata-se

de defender os vários usos da língua e de promover o respeito aos usuários de

qualquer variedade.

Voltemos ao poema de Patativa do Assaré: este poeta não conheceu os bancos

Unidade 1
de uma faculdade, no entanto escreveu poemas como uma roseira produz rosas. Se

fôssemos desprezar seus versos porque não estão de acordo com a norma culta, não

sentiríamos o perfume de suas palavras. Perde cada um que, pelo preconceito, não

escuta o outro ou não permite que ele fale e, consequentemente, perde a comunidade

humana, que se forma e se sustenta na linguagem.

2.2 Texto 2 - Os graus de formalismo nas variedades de modo

A) Língua Falada

1. Oratório: elaborado, intrincado, enfeitado, inteiramente composto de períodos

equilibrados e construções paralelas. É usado quase exclusivamente por especialistas,

tais como: advogados, sacerdotes e outros oradores religiosos, políticos, etc. e é

sempre reconhecido como apropriado para uma situação muito formal. Poder-se-ia

citar exemplos tirados de nossa literatura, tais como os sermões do Padre Antônio

Vieira e as orações de Rui Barbosa.

2. Deliberativo: usado quando se fala a grupos grandes ou médios, em que se


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Leitura e Interpretação de Textos

excluem as respostas informais. É preparado previamente e mantém de propósito

uma distância entre falantes e ouvintes. Diferenciando-se do grau de formalismo

Coloquial, o deliberativo se caracteriza por sentenças que são mais rigorosamente

definidas, por um número mais reduzido de sentenças curtas, por um vocabulário

mais rico, com muito sinônimos ou quase sinônimos, usados para evitar repetições

léxicas desnecessárias, mostrando assim uma preocupação do falante com o estilo

de expressão. Frequentemente é muito difícil para os falantes uma aquisição de uma

performance nesse nível, embora entendam o que ouvem e apreciem as habilidades

reveladas pelos outros. Conferências científicas normalmente são realizadas com

esse nível de formalidade.

3. Coloquial: comumente aparece no diálogo entre duas pessoas, ambas participantes

ativas, alternando-se no papel de falante e emitindo sinais de realimentação, quando

na posição de ouvinte. Sem planejamento prévio, mas continuamente controlado, é


Unidade 1

caracterizado por construções gramaticais soltas, repetições frequentes, frases bem

curtas e conectivos simples, léxico constituído de palavras de uso mais frequentes.

4. Casual (Coloquial distenso): nesse nível percebe-se uma completa integração entre

falante e ouvinte, com o uso frequente de gíria, que é um indicador do relacionamento

próprio de um grupo fechado (linguagem particular ou semiparticular). É caracterizado

pela omissão de palavras e pouco cuidado em sua pronúncia, que pode ocorrer

com mudanças de sons, sem seus finais, etc. Seriam exemplos desse nível as

conversações descosntraídas entre amigos, colegas de trabalho.

5. Íntimo (familiar): inteiramente particular, pessoal, usado na vida familiar privada.

Este grau de formalismo é a língua em que há a intimidade da afeição. Aparecem

portanto muitos elementos da linguagem afetiva com função emotiva.

B) Língua escrita

1. Hiperformal: o equivalente escrito do oratório. Uma composição escrita para efeitos

grandiosos ou sublimes. Uma poesia que segue estritamente os padrões formais,


20
Leitura e Interpretação de Textos

como o soneto, seria um exemplo. Um poema épico, romances de autores como

Machado de Assis e José de Alencar.

2. Formal: apresenta características semelhantes ao deliberativo, numa forma de

linguagem cuidada na variedade culta e padrão, mas dentro do estilo escrito. É o

caso da escrita de bons jornais e revistas, por exemplo, cuidadosamente

editada e elaborada. Correspondências oficiais normalmente se enquadram neste

nível.

3. Semiformal: corresponde na escrita ao coloquial, mas tem um pouco mais de

formalidade que este. É a forma de língua que encontramos, por exemplo, em cartas

comerciais e de recomendação, declarações, reportagens escritas para posterior

leitura pelos locutores nas rádios e televisões, relatórios e projetos.

4. Informal: é o caso de correspondência entre membros de uma família ou amigos

íntimos e caracteriza-se pelo uso de formas abreviadas, abreviações padronizadas,

Unidade 1
ortografia simplificada, construções simples, sentenças fragmentadas.

5. Pessoal: quase sempre notas para uso próprio. Como exemplos podem-se citar um

recado anotado ao telefone, um bilhete que deixamos para avisar alguém da casa de

algo ou mesmo uma lista de compras de uma dona de casa.

BOWEN apud TRAVAGLIA, Luiz Carlos.


Gramática e Interação: uma proposta para
o ensino de gramática no 1º e 2º graus.
3.ed. São Paulo: Cortez, 1997, p.54-55. (Adaptado)

21
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 3 - TEXTO E TEXTUALIDADE


Texto é a concretização de toda forma de linguagem. A linguagem realizada,

atualizada, ou seja: o que antes era potência materializou-se! A linguagem pode se

materializar, por exemplo, em qualquer imagem, numa música; ou em uma única palavra

ou ainda na junção entre as inúmeras formas de materialização.

Falamos em nossa primeira aula que pretendíamos, com a disciplina de Leitura

e Interpretação de Textos, ‘uma maior proximidade com a linguagem por meio de

conhecimentos sobre a língua e de sua forma de materialização na comunidade humana,

ou seja, o texto.’ Dessa forma, nós delimitamos nosso campo de estudo ao texto como

resultado de materialização da língua. No entanto, o estudo de outras realizações

textuais será importante para ampliarmos nossa capacidade textual, nossa capacidade

de lermos e compreendermos qualquer tipo de texto.

Portanto, com a finalidade de favorecer nossos estudos, dividiremos os textos em


Unidade 1

verbais e não verbais. Os verbais podem ser oral (sonoro) ou escrito (visuais, táteis – no

caso do braille); os não verbais podem ser visuais, sonoros, táteis, olfativos, gustativos.

Resumindo: tudo o que passa pelo filtro dos cinco sentidos será um texto, desde que

exista a construção de um significado.

Faça o seguinte, então, para exercitar a leitura dos textos (não verbais e verbais):

saia por aí lendo a vida explodindo em cores – leia a natureza, as pessoas, o vento,

os sons, o silêncio. Leia tudo e descubra que ler é, antes de tudo, sentir. Esta leitura

da vida a partir do exercício dos cinco sentidos ampliará de tal maneira seu

conhecimento de mundo que lhe permitirá a leitura e o conhecimento dos demais textos.

É claro: esse é o primeiro passo! Vamos seguir nossa jornada.

Uma vez que não conseguimos estudar neste espaço todos os tipos de textos

não verbais, delimitaremos as imagens.

3.1 Textos não verbais: Imagens

Uma imagem é fonte riquíssima de comunicação. Podemos utilizá-la até para


22
Leitura e Interpretação de Textos

construirmos um texto escrito ou falado. Assim como podemos utilizar o escrito para

construir uma imagem. Ambos os casos dependerão da existência da compreensão do

texto original.

Diferenças e semelhanças na leitura de textos verbais e não verbais.

Uma diferença é que é que os textos verbais são lineares. Quando vemos uma

imagem, nossos olhos captam o conjunto, não há necessidade de saber a ordem que

os elementos foram colocados para construir o sentido da imagem. No texto escrito há

uma relação entre as palavras, as frases, os parágrafos. Esta relação é um dos fatores

que determinam a existência de um texto como texto escrito ou falado; é uma relação da

qual depende a construção do seu sentido.

A semelhança entre os textos escritos e falados está nos fatores de construção

do sentido: quanto mais soubermos sobre as circunstâncias e a época em que o texto foi

criado, sobre seu autor e sua intenção com aquele texto, sobre as ideias que defendia ou

Unidade 1
defende, mais saberemos sobre o texto; maior será o sentido que dele construiremos.

De acordo com Roland Barthes,

ler imagens significa classificar seus significados, entender seu sentido,


atentar para o trajeto do olhar, as impressões visuais globais, as rupturas
ou contradições entre o que é percebido e o que é compreendido. Isso
é mais amplo do que uma simples leitura. A imagem não é um texto sem
palavras, e ler imagens é, sobretudo, analisar os signos e sua produção,
desenredar as relações existentes entre os diferentes elementos,
descobrir o latente atrás do aparente, o não visível através do invisível, o
óbvio e o obtuso, o dito e o não- dito. (BARTHES, 1990)

Vamos aceitar o desafio implícito nas palavras de Barthes e ler a seguinte imagem:

23
Unidade 1 Leitura e Interpretação de Textos

Ambiguidade visual.
Disponível em http://www.possibilidades.com.br/possibilimagens/frame_ambiguidades.asp.
Acesso em dezembro de 2012

Conhecendo ou não a pintura, os olhos de seu observador primeiramente se

fixarão em um ponto a partir do qual começará a vagar por todo o resto. A mente fica

na ânsia do significado e começa a tecer hipóteses. O que vemos? Rostos humanos

enfileirados, uns acima outros abaixo, ocupando quase toda a tela e, no fundo, algumas

chaminés, das quais uma com fumaça e, mais ao fundo, prédios e, por trás e acima

deles o céu.

O que isso quer dizer? A resposta ficaria apenas nessa descrição. Porém temos

outros dados que nos permitirão ampliar esta leitura:

Que imagem é esta? Óleo sobre tela; gênero retrato.

Qual o título da tela? Os Operários

Quem é o autor? A artista Tarcila do Amaral.

Em que época e sob quais circunstâncias foi pintado? 1933;


24
Leitura e Interpretação de Textos

modernismo; desenvolvimento industrial brasileiro; chegada dos

emigrantes ao Brasil.

Que ideias a artista defende ou a quais discursos ela se associa?

Discurso de extrema esquerda. A artista defendia os mesmos

ideais socialistas da Rússia.

Agora, de posse dessas informações, podemos fazer a seguinte leitura: os

operários, anônimos, vindos de toda parte do mundo (vejam as diferentes fisionomias)

sustentam as fábricas. Eles é que produzem a riqueza daqueles que sequer aparecem.

Eles são muitos rostos, uma multidão sem individualidade; explorados e oprimidos só

ostentam a tristeza e o vazio em cada face.

Viram? As informações ampliaram nossa visão e permitiram uma leitura mais

apurada. No entanto, essa leitura não esgota todo o significado da tela, pois as imagens

Unidade 1
são formadas de ideias e sentimentos vários, mais que de palavras. Estas podem até falar

sobre a imagem e descrevê-la, mas não podem desvendar todo seu valor significativo.

Apesar disso, como leitores, continuamos nossa busca pelo significado, subvertendo a

lógica e atravessando as fronteiras do óbvio.

3.2 O texto verbal e os fatores de textualidade

O que faz um texto ser um texto? Palavras estruturadas em frases; frases

estruturadas em parágrafo; parágrafos estruturados em...? Claro que não. Um texto é

muito mais que uma fileira de frases!

Segundo estudos linguísticos realizados na década de 80 por Beaugrande e

Dressler e compartilhado pela linguistas brasileiros, existem algumas propriedades que

o texto necessita possuir para se configurar com tal, para possuir textualidade. São elas:

Linguísticas:

Coesão

Coerência
25
Leitura e Interpretação de Textos

Pragmáticas:

Situacionalidade

Intencionalidade

Informatividade

Aceitabilidade

Intertextualidade

Comecemos pelas pragmáticas:

Situacionalidade: todo texto necessita de um contexto. Existe uma situação da

qual ele se origina e se sustenta.

Intencionalidade: todo autor tem a intenção de favorecer a construção de algum

significado. Logo, todo texto, resultado dessa intenção, é passível de construção de

sentido.
Unidade 1

Aceitabilidade: o leitor tem que aceitar o que está sendo dito. E aceitar, neste

caso, é diferente de concordar. É que o leitor tem que fazer uma espécie de pacto

com o autor para que a leitura aconteça. Caso contrário ou a leitura não se inicia ou é

interrompida. Para que o pacto aconteça o texto precisa ser aceitável e “o leitor tem

que fazer todo o esforço necessário para processar os sentidos e as intenções

expressas” (ANTUNES, 2010, p.34)

Informatividade: todo texto se compõe (também) de informações. Elas são

corresponsáveis pela progressão textual. A informação é o novo que é acrescentado ao

texto; é o novo sobre o que está sendo dito.

Intertextualidade: já é lugar comum dizer que todo texto é um intertexto. Mas

é bom que se diga: Roland Barthes foi quem o disse. Isso é que acontece nos

textos: formam-se a partir de outros, mesmo que nem sempre reconheçamos o texto

original. Por exemplo: esta nossa disciplina é um intertexto. Você poderá comprovar as

intertextualidades pelas citações e também pela referência bibliográfica que se encontra

no final dos estudos.


26
Leitura e Interpretação de Textos

Veremos mais detalhadamente a intertextualidade, a coesão e coerência, pois

estes fatores, segundo a linguista Irandê Antunes, pertencem à construção mesma do

texto. No entanto, em suas leituras, fique atento a todas as propriedades, pois elas

colaboram para a construção do significado.

3.3 Texto 3 - Textualidade: Os limites do texto.

Em uma das minhas aulas de português perguntei aos alunos o que eu precisava

para fazer um texto, e eles me falaram “palavras”, “sentidos”, “estrutura”, “caneta”, “papel”,

“computador”. Dando continuidade para a aula, e para que eles pudessem comparar,

perguntei também o que eu precisava para construir uma casa, aí falaram: “pedreiro”,

“tijolos”, “alicerce”, “terreno”, “dinheiro”, “planta”. Surpreendeu-me essas respostas e

disse a eles que construir um texto é como construir uma casa, se para construirmos

uma casa precisamos de um pedreiro, para construir um texto precisaríamos de quê?

Unidade 1
A presença dos sujeitos

Alguém levantou a mão e falou “de um autor”. Isso. E quando eu faço um texto,

eu preciso apenas de um autor? Eles se calaram e depois de um tempo, “e de um

leitor”. Comparar a construção de um texto com uma casa foi eficaz, pois quando

pensamos na casa lembramos-nos do pedreiro, afinal, é um trabalho duro. Agora e o

texto? Por que ninguém se lembra do autor? Ele também constrói o texto, ele também

aplica determinada energia na produção de um texto, mas me dá a impressão de que as

escolas, no ensino de português, se esquecem de falar isso para os alunos, que fazer

um texto é um compromisso e esse compromisso requer uma prática. Eu não preciso

me esconder no texto. Em todos eles há um autor.

Agora, o processo inverso também é verdade. O leitor é tão importante quanto

o autor. Sem o leitor o texto não existiria. É para ele que produzimos o texto. Sempre

devemos ter em mente ao produzir um texto que o leitor deve ler o texto e deve ter

alguma reação ao lê-lo. Ao escrever um texto deve-se ter em mente quem será o leitor
27
Leitura e Interpretação de Textos

do meu texto?

O contexto no texto e o texto no contexto

Também os alunos falaram em terreno para a construção da casa, mas para

o texto não falaram nenhum correspondente. Fica claro para eles que sem terreno

não há casa, e devemos levá-lo em conta, analisar quem está em volta, os vizinhos, se

o terreno aguenta o peso da casa, etc. No texto é a mesma coisa, devemos olhar em

nossa volta, o contexto em que o texto está sendo produzido é extremamente importante

na produção do texto tanto para servir de tema, quando para servir de base teórica. É

o contexto que vai nos indicar o que podemos escrever, o que podemos ler, o como

proceder para transformar o texto, etc. Terreno e o contexto irão sustentar o texto, servir

tanto de tema como base para um bom texto. Sem contexto não há texto, já que esse

existe em determinado espaço-tempo. O texto está inserido na história. E a história


Unidade 1

também servirá de trama para este texto.

A estrutura e o alicerce

Outra questão importante é o alicerce. Ele servirá de esqueleto para a casa da

mesma forma que para o texto realmente é importante a estrutura, cada tipo de texto

terá seu alicerce, ou seja, sua forma. Uma dissertação não se escreve da mesma forma

que uma narração e vice-versa. Isso precisa ficar claro para o aluno. Também, se para

a casa precisamos de uma planta, ou seja, um esboço anterior à construção, para o

produtor de um texto é importante um planejamento. Antes de escreve eu devo pensar

“o que eu vou escrever?”, “para quê?”, “Como eu pretendo escrever?”. Se respondermos

essas perguntas antes de produzir um texto, então ele ficará mais organizado.

A palavra como material interacional

Porém, de todos os elementos que os alunos falaram o mais importante para o

texto é sem dúvida a palavra. É através dela e para ela que escrevemos. A palavra é
28
Leitura e Interpretação de Textos

o momento sublime da linguagem. A ponte entre os sujeitos da comunicação (autor e

leitor), a ponte que passa do sujeito para o contexto (o mundo), a palavra é o trator que

derruba impérios e muros, a ponte que liga a infelicidade da felicidade. É a palavra que

faz com que nos tornemos humanos, demasiadamente humanos. É a palavra o tijolo da

linguagem, é ela o material do texto, a substância, é através dela que vamos nos refugiar

no mundo e do mundo, expressando o que temos em nosso interior, seja ódio, seja o

medo, seja o sonho, seja a vontade de passar uma ideia. Produzir um texto, assim como

ler, é mostrar para o que é externo em nosso corpo, a fúria do eu. A fúria que ronda toda

e qualquer subjetividade. A fúria da libertação de qualquer escravidão. Produzir texto é

respirar. A palavra é o produto material do texto, direcionando o sentido dele.

NAGAI, Eduardo Eide.


Textualidade: os limites do texto.
Disponível em http://meuartigo.brasilescola.com/
portugues/textualidade-os-limites-texto.htm.
Acesso em dezembro de 2012.

Unidade 1

29
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 4 - COESÃO E COERÊNCIA


Coesão é um recurso da língua utilizado para ligar diferentes partes do texto em

diferentes momentos de sua produção.

As palavras e frases de um texto estão relacionadas entre si. [...] A


ligação, a relação, a conexão entre as palavras, expressões ou frases do
texto chama-se coesão textual. Ela é manifestada por elementos
formais, que assinalam o vínculo entre os componentes do texto.
(PLATÃO; FIORIM, 1997, p.370).

Os elementos coesivos estabelecem relações lógicas entre os segmentos do

texto e fazem referência a outros elementos presentes na estrutura textual. Conhecer

estes elementos e seus mecanismos de atuação é importante tanto para o produtor

quanto para o leitor do texto, pois eles favorecem a construção do sentido.

Há duas grandes modalidades de coesão: a referencial (por remissão) e a

sequencial.
Unidade 1

4.1 COESÃO REFERENCIAL

Ocorre quando um elemento faz remissão a outros componentes do texto. A

remissão pode ser feita para trás (anáfora) e para frente (catáfora), por meio de recursos

gramaticais, lexicais (reiteração ou contiguidade) ou por elipse.

- De ordem gramatical:

pronomes pessoais de 3ª pessoa (retos e oblíquos) e os demais

pronomes (possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos,

relativos)

numerais

advérbios pronominais (aqui, aí, lá, ali)

artigos definidos.

Exemplos:

Heitor encontrou uma cachorrinha, pequena e toda branquinha, e deu a ela o

nome de Dela. Todos os dias, Dela ficava junto ao portão esperando Heitor apontar lá
30
Leitura e Interpretação de Textos

na esquina. Ela dava pulos de alegria quando o via.

- De natureza lexical por reiteração:

repetição do mesmo item lexical

A atriz parecia nervosa. A atriz havia sido vítima de um assalto.

sinônimos

Um menino entrou depressa no supermercado. O garoto parecia estar fugindo de

alguém.

hiperônimos / hipônimos

Pardais e maritacas faziam uma algazarra no telhado. Estas aves ficavam

enloquecidas de alegria com o nascer do sol.

Aves: termo mais amplo, hiperônimo de pardais e maritacas.

Pardais e maritacas: termos mais específico em relação a aves; hipônimo de

aves.

Unidade 1
nomes genéricos:

Amor, desilusão, alegrias, sofrimentos... coisas da vida.

epítetos

Ayrton Senna foi um dos maiores esportistas brasileiros. Todo o mundo lamentou

quando o grande campeão da Formula I perdeu a vida em Ímola.

nominalização.

Eles foram testemunhar sobre o caso. O juiz disse, porém, que tal

testemunho não era válido por serem parentes do assassino.

- De natureza lexical por contiguidade: vínculos de significação por associação.

Exemplos:

O banco foi assaltado. Policiais que passavam em uma viatura conseguiram

capturar os bandidos. Eles foram conduzidos à delegacia.

Observe que há entre as palavras destacadas uma proximidade de

significação.

31
Leitura e Interpretação de Textos

- Elipse:

Ocorre quando algum elemento do texto é substituído por zero.

Exemplos:

Heitor encontrou uma cachorrinha; eu { } um pombo azul.

A remissão para frente – catáfora – realiza-se preferencialmente por

pronomes demonstrativos ou indefinidos neutros (isto, isso, aquilo, tudo, nada) ou

por nomes genéricos, mas também por meio das demais espécies de pronomes, de

numerais e de advérbios pronominais.

Exemplos: Tudo colaborou para minha decisão: o atraso, o tempo, a solidão e a saudade.

A coesão por remissão tem também a função de sinalizar o texto através de

orientações ou indicações para cima, para baixo, para a frente e para trás, ou ainda

estabelecendo uma ordenação entre segmentos textuais ou partes do texto.

Exemplo:
Unidade 1

No módulo anterior, estudamos as variedades da língua. Neste, vimos

que a coesão é um dos fatores de textualidade. A seguir, veremos como

realizar a coesão de modo a garantir a coerência de um texto. Depois,

apresentaremos uma lista de elementos coesivos gramaticais com seus

respectivos significados.

4.2 COESÃO SEQUENCIAL

A coesão sequencial faz o texto avançar, garantindo a continuidade do sentido. Ela

se realiza por encadeamentos que podem ser obtidos por justaposição (sem a presença

de conectores) ou por conexão (com a presença de conectores: conjunções, locuções

conjuntivas, prepositivas e adverbiais).

Exemplos:

Justaposição: O barraco desmoronou. As chuvas dessa noite foram muito

violentas

Conexão: “Acho que as escolas terão realizado sua missão se forem capazes de
32
Leitura e Interpretação de Textos

desenvolver nos alunos, o prazer da leitura”

Os elementos coesivos têm a função de direcionar o leitor no texto. Ele funciona

como uma placa de trânsito. Agora, imagine uma placa incorreta enviando as pessoas

para lugares indevidos! Assim acontecerá, caso utilizemos indevidamente os elementos

coesivos: deixaremos nosso leitor perdido e o significado pretendido não poderá transitar

pelo texto. Por isso, devemos conhecer bem estes elementos.

Eis alguns recursos linguísticos que estabelecem relações entre os elementos do texto:

I – Conjunções, locuções conjuntivas, preposições e locuções prepositivas:

1 - Adição – e, nem, também, não só... mas também.

2 - Alternância – ou... ou, quer... quer, seja... seja.

3 - Causa – porque, já que, visto que, graças a, em virtude de, por (+infinitivo)

Unidade 1
4 - Conclusão – logo, portanto, pois.

5 - Condição – se, caso, desde que, a não ser que, a menos que.

6 - Conformidade: conforme, segundo.

7 - Comparação – como, assim, como.

8 - Consequência – tão... que, tanto... que, de modo que, de sorte que, de

forma que de maneira que.

9 - Explicação – pois, porque, porquanto.

10 - Finalidade – para que, afim de que, para (+infinitivo).

11 - Oposição – mas, porém, entretanto, embora, mesmo que, apesar de

(+infinitivo)

12 - Proporção – à medida que, à proporção que, quanto mais, quanto

menos.

13 - Tempo – quando, logo que assim que toda vez que, enquanto, toda vez

que.

33
Leitura e Interpretação de Textos

II – Pronomes relativos: qual, cujo, quanto, que, quem, onde, quando, como

Para empregar um pronome relativo, antes observe:

1 - A palavra a que ele se refere para evitar erros de concordância verbal.

2 - O fragmento de frase de que ele faz parte. Pode ser que haja um verbo

ou um substantivo que exija uma preposição. Nesse caso, ela deve preceder

o relativo.

III – Conectivos de transição: aparecem iniciando frases estabelecendo uma ponte entre

um pensamento e outro, entre um parágrafo e outro. O conhecimento desses termos de

transição possibilita uma maior organização do pensamento e faz o texto progredir mais

facilmente.

1 - Afetividade: felizmente, pudera, oxalá, ainda bem (que).

2 - Afirmação: com certeza, indubitavelmente, por certo, certamente, de


Unidade 1

fato.

3 - Conclusão: em suma, em síntese, em resumo.

4 - Consequência: assim, consequentemente, com efeito.

5 - Continuidade: além de, ainda por cima, bem como, também.

6 - Dúvida: provavelmente, quiçá, talvez.

7 - Ênfase: até, até mesmo, no mínimo, no máximo, só.

8 - Exclusão: apenas, exceto, menos, salvo, só, somente, senão.

9 - Explicação: a saber, isto é, por exemplo.

10 - Inclusão: inclusive, também, mesmo, até.

11 - Oposição: pelo contrário, ao contrário de.

12 - Prioridade: em primeiro lugar, primeiramente, antes de tudo, acima de

tudo.

13 - Restrição: apenas, só, somente, unicamente.

14 - Retificação: aliás, isto é, ou seja.

15 - Tempo: antes, depois, então, já, posteriormente.


34
Leitura e Interpretação de Textos

Coerência
Podemos definir coerência ao compreendermos o oposto (antônimo) desta

palavra: incoerência. Muitas vezes percebemos que uma situação é tão inadequada em

relação a outra, que a chamamos de incoerente: Vejamos alguns exemplos:

Música clássica em festa funk; desperdício de água em tempo de seca; ir a uma

festa para comemorar a tristeza; estudar e não passar de ano; votar em um político

sabendo que ele não fará nada do prometido.

O mundo extratextual está repleto de incoerências e nós convivemos com elas e

nos esforçamos para justificá-las, pois nossa mente sempre busca por coerência. Porém,

no mundo intratextual há algumas regras para evitar a incoerência. Vamos conhecê-las

daqui a pouco. Antes, precisamos saber o que representa a coerência para um texto.

Um texto pode ter uma situação à qual está vinculado. Mas se ele não tem

coerência, ele nada tem. Ele pode ter elementos coesivos, mas se ele não tem coerência,

Unidade 1
ele nada tem. Ele pode ter intertextos, informações, intenções... mas se ele não tem

coerência...

A palavra coerência, da mesma família de aderência e aderente, provém


do latim cohaerentia (formada do prefixo co = junto com + verbo haerere
= estar preso). Significa, pois conexão, união estreita entre várias partes,
relação entre ideias que se harmonizam, ausência de contradição
(PLATÃO & FIORIM, 1997, p.393)

As palavras-chave desta definição são, portanto, união e harmonia. Palavras

imprescindíveis tanto ao mundo intratextual quanto ao extratextual. Por isso nos

esforçamos sempre por coerência! Devido a esse esforço, percebemos que nós, como

leitores, somos corresponsáveis pela coerência de um texto. Para a linguista Maria da

Graça Costa Val (1999),

a coerência não é um mero traço dos textos, mas sim o resultado de


processos cognitivos entre os usuários do texto, ou seja, ela é construída
por operações de inferência; um texto não tem sentido em si mesmo,
mas faz sentido pela interação entre os conhecimentos que apresenta e
o conhecimento de mundo de seus usuários.

35
Leitura e Interpretação de Textos

Recapitulando: a coerência deve existir na elaboração do texto, na relação que

este texto mantém com um contexto (situação externa e anterior a ele) e na relação que

o leitor mantém com o texto. Ou seja: ela deve existir antes, durante e depois do texto.

No texto e na sua construção, quatro regras existem para favorecer a coerência.

São elas a repetição, a progressão, a não-contradição e a relação. Vejamos uma

a uma.

4.3 Repetição

Palavras e ideias pertencentes ao tema devem ser mantidas ao longo do texto. Elas

se repetem utilizando um item lexical ou gramatical (como vimos na coesão referencial).

Nada no texto ocorre por acaso: algo que foi falado deve ser retomado em momentos

diferentes do texto. É como um bordado: se a agulha não volta para retomar um ponto,

o ponto da frente fica solto, comprometendo não só a harmonia como a sustentação dos
Unidade 1

pontos.

Pela repetição garante-se a continuidade do sentido. Ela pode acontecer também

para dar maior expressividade ou para enfatizar uma ideia.

4.4 Progressão

Um texto deve progredir trazendo novas informações para aquele elemento que

foi repetido. Repete, retoma o que foi dito e acrescenta algo novo; repete, retoma o que

foi dito e acrescenta algo novo, e assim sucessivamente no decorrer do texto. Seguindo

a metáfora do bordado, repetindo e progredindo, o desenho se forma.

No poema de Carlos Drummond, a própria repetição do verbo devagar serve ao

propósito da progressão: tudo devagar para caracterizar uma cidadezinha do interior. Ao

final do poema, no desenho da “vida besta”, podemos quase ouvir o zumbido de uma

mosca preguiçosa. Ou seja, o texto, por sua coerência, nos remete, também, para fora

dele.

36
Leitura e Interpretação de Textos

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras


mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

4.5 Não-contradição

Um texto deve retomar, progredir e reafirmar-se, ou seja, não ir contra o que

foi dito. Se um texto é uma dissertação contra a violência, por exemplo, e num dado

momento passar a defender a pena de morte, houve contradição. Mas não podemos

confundir a contradição com o contraste; este é um recurso muito utilizado para reforçar

Unidade 1
a argumentação.

Para um texto ser coerente, não há possibilidades de serem utilizadas expressões

que contradigam o que já foi dito anteriormente. Não se pode, por exemplo, ser contra a

violência e, ao mesmo tempo, defender ferrenhamente a pena de morte. “A contradição

só é tolerada se for intencional, pois, do contrário, afeta a lógica do texto”. É preciso

ficar atento ao significado que as conjunções estabelecem para cair em contradição.

Infelizmente, até mesmo em grandes jornais existem os “escorregões”. O texto a seguir,

por exemplo, foi publicado originalmente no Jornal O Estado de São Paulo, em 3 de

outubro de 1991 e, hoje, vive em manuais de redação como exemplo de incoerência:

“Mas foi a Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial,


que realizou as experiências aterradoras. Só que as cobaias eram
seres humanos. Prisioneiros de guerra, principalmente judeus,
foram submetidos a todos os tipos de crueldades”.

A expressão só que está totalmente inadequada ao contexto. As experiências

mais aterradoras foram as da Alemanha nazista justamente porque as cobaias eram

37
Leitura e Interpretação de Textos

seres humanos.

4.6 Relação

A relação está na raiz da palavra coerência; lembra-se? “_ Relação harmoniosa

entre as partes.” Cada pedacinho do texto deve estar relacionado a outros pedacinhos e

ao texto todo. É um sistema: partes que se associam e agem em conjunto para benefício

próprio e do todo. Não se podem jogar frases soltas, sem relação entre si, pois se não

houver entrelaçamento, não será um texto.

Os versos a seguir servem para exemplificar a relação, pois fazem parte de um

mesmo conjunto: o sentimento de tristeza e saudade do autor em relação às coisas que

deixaram de existir, a sua mais completa nostalgia.

Nostalgias
Há tempos escrevi este decassílabo nostálgico:
Unidade 1

“Acabaram-se os bondes amarelos!”.


Tão nostálgico que até hoje ficou sozinho esperando o resto dos companheiros.

Também, não faz muito tempo, escrevi este outro decassílabo:


“Acabaram-se as tias solteironas...”.
Talvez esses dois solitários se venham um dia a reunir num mesmo poema.

Têm ambos o mesmo ritmo. Causam ambos o mesmo nó na garganta que me impede
de continuar.
Talvez o poema já esteja pronto... e ninguém notou. Nem eu!

Porque ele próprio se completou, cada verso chorando no ombro do outro... E sem
mesmo notar que eram decassílabos!
(Mário Quintana)

Observe como o último verso sintetiza bem a ideia de relação: “cada verso

chorando no ombro do outro”. Cada frase sustentando outra e sustentando- se em outra.

Um texto coerente é pura solidariedade!

38
Leitura e Interpretação de Textos

UNIDADE 2
MÓDULO 5 - INTERTEXTUALIDADE

“Se se considerar toda e qualquer produção humana como texto


a ser lido, reconstruído por nós, a sociedade pode ser vista como
uma grande rede intertextual, em constante movimento”.
(PAULINO; WALTY; CURY.1998)

Intertextualidade é uma propriedade do texto de se constituir a partir de outros

textos; é um dos fatores que faz um texto ser um texto.

Dizemos que ocorre intertextualidade:

quando um texto cita outro, explícita ou implicitamente;

quando um texto mantém um diálogo com outro, mostrando ou não a

voz deste outro.

Sabe quando isso ocorre? Sempre. Segundo Platão e Fiorim (2001), “a linguagem

Unidade 2
é fundamentalmente, constitutivamente heterogênea”. Se a linguagem é heterogênea e

o texto é a materialização desta linguagem, então todo texto é heterogêneo. Isso quer

dizer que ele é formado por diferentes textos, que ele traz para o seu cenário diferentes

vozes; quer dizer que ele se forma a partir de outros textos.

Você poderia perguntar: Então não existe originalidade? Não há nada original?

Sim. Existe. A originalidade está na formação, na junção dos textos, no posicionamento

do falante (escritor) frente a um determinado tema, na escolha dos textos e do tema, no

uso criativo da linguagem.

Contudo, os textos originais existem a partir de textos já existentes. Quando os

textos preexistentes mudam de contexto, ou seja, saem provavelmente de uma época e

de uma situação diferentes com uma intenção autoral diferente, em um texto diferente,

o sentido deste novo texto também será outro. Tudo muda: o que acontece é uma

transformação. No mundo textual nada se perde e tudo se transforma em uma nova

criação.

39
Leitura e Interpretação de Textos

Segundo Platão e Fiorim (2001), um texto cita outro com, basicamente, duas

finalidades distintas:

a) para reafirmar alguns dos sentidos do texto citado;

b) para inverter, contestar e deformar alguns dos sentidos do texto; para

polemizar com ele.

Lendo os poemas Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade Com

licença Poética, de Adélia Prado e a letra da música Até o fim, de Chico Buarque,

podemos notar que, em diálogo com a primeira estrofe do poema de Drummond, Adélia

e Chico realizaram outros poemas.

Adélia Prado contesta Drummond; pede licença (poética) e afirma a distinção

do ser mulher naquela que carrega bandeiras em contraposição ao ser homem que

carrega o estigma de ser gauche (solitário, diferente dos outros, triste). Mulher é

desdobrável; é triste, porém com uma vontade imensa de alegria.


Unidade 2

Chico Buarque elege um anjo safado, “um chato dum querubim” para determinar

as dificuldades da vida. Porém, o eu lírico afirma que, apesar das predições do anjo, ele

vai continuar lutando até o fim.

Adélia e Chico dialogam com Drummond. Este dialoga com o texto bíblico no qual

o anjo Gabriel profetiza a Maria sobre seu filho “Este será grande, e será chamado Filho

do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi. Ele reinará eternamente sobre a

casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim.” (Lucas, 1, 32)

Na quinta estrofe do Poema de Sete Faces, Drummond volta a citar o texto bíblico

“Pai, por que me abandonaste?” para polemizar com este texto. O

poeta contrapõe esta citação à referência da anunciação pelo anjo, como que a afirmar:

“não tive a mesma origem; logo não posso ter o mesmo fim”.

Poema de sete faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
40
Leitura e Interpretação de Textos

A tarde talvez fosse azul,


não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:


pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode


é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do –bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,

Unidade 2
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Com licença poética


(Adélia Prado)
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.
Cumpro a sina. Inauguro linhagens,
fundo reinos — dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Até o fim
(Chico Buarque)
41
Leitura e Interpretação de Textos

Quando nasci veio um anjo safado


O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

“inda” garoto deixei de ir à escola


Cassaram meu boletim
Não sou ladrão , eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso


Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim

Por conta de umas questões paralelas


Quebraram meu bandolim
Unidade 2

Não querem mais ouvir as minhas mazelas


E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim

Não tem cigarro acabou minha renda


Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro “prondé” mesmo que eu vou
Mas vou até o fim

Como já disse era um anjo safado


O chato dum querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

No caso dos três poemas lidos as referências são bastante explícitas. Mas pode

acontecer de um leitor não conhecer o texto com o qual se está travando um diálogo.

Nesse caso, este leitor perde na quantidade e na qualidade do sentido que ele poderia

construir no texto lido.


42
Leitura e Interpretação de Textos

Daí a importância da leitura [...]. Quanto mais se lê, mais se amplia a


competência para apreender o diálogo que os textos travam entre si
por meio de referências, alusões, citações [etc.]. Por isso cada livro que
se lê torna maior a capacidade de apreender, de maneira mais completa,
o sentido dos textos. (PLATÃO & FIORIM, 2001, p.20)

Vejamos alguns tipos de intertextualidade estudados por Paulino, Walty e Cury

(1998): a epígrafe, a citação, a paráfrase e a paródia.

1) Epígrafe: é o recorte de um texto para ser presentificado como uma

escrita introdutória em outro texto. Observe que no início de nossos estudos sobre

intertextualidade, há uma escrita entre aspas, tamanho de letra menor que o restante

do texto e que está alinhado à direita com os nomes dos autores entre parênteses.

Aquela escrita é uma epígrafe. Ela tem a pretensão de carregar uma ideia geral do texto

que introduz.

2) Citação: retomada explícita de um fragmento de texto no corpo de outro texto.

Unidade 2
Uma vez que as fontes de pesquisa devem ficar evidentes para os leitores, marcam-

se com aspas a presença do texto do outro. Há três tipos de citação: direta, indireta e

citação de citação.

2.1 Citação direta: Marcada com aspas e com referência ao autor, ano de

publicação e página em que está o texto.

Exemplo:

“Há diferentes formas de mostrar a presença das múltiplas vozes num texto: deixá-

las, por conta da memória do leitor, ou trazê-las para a cena, demarcando explicitamente

seu lugar e seu limite.” (PLATÃO & FIORIM, 2001, p.39).

2.2 Citação indireta: é a reprodução não literal das ideias de outro autor no

texto. Nesse caso, o texto não virá entre aspas e terá somente o nome do autor da fonte

e o ano de publicação. Para a reprodução não literal, cria- se outro texto com as próprias

palavras ou faz uma síntese das ideias consultadas.

Exemplo:

Várias vozes, de forma explícita ou implícita, atravessam um texto. Quando

43
Leitura e Interpretação de Textos

implícita, poderá ser trazida à tona pela memória do leitor; quando explícita, seu lugar e

limite estarão demarcados no texto (PLATÃO & FIORIM, 2001)

3) Paráfrase: é a reprodução das ideias com palavras próprias. É um tipo de texto

que, juntamente com o resumo, serve ao propósito da citação indireta.

4) Paródia: é uma forma de apropriação que, em lugar de endossar o modelo

retomado, rompe com ele, sutil ou abertamente. Pode ocorrer com a finalidade de uma

sátira, de uma brincadeira ou mesmo para negar as ideias do texto fonte. É realizado

a partir de qualquer linguagem, ou seja, o texto fonte pode ser também uma linguagem

não verbal.

A famosa Mona Lisa de Leonardo da Vinci foi parodiada inúmeras vezes

com diversos objetivos. Veja a seguir como esta obra foi fonte, para a criação de,

respectivamente, uma propaganda para a marca BomBril e para a criação de outras

obras de artistas famosos tais como Marcel Duchamp e Fernando Botero.


Unidade 2

44
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 6 - TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS A CONSTRUÇÃO TEXTUAL


Estudamos até aqui os fatores que fazem um texto ser um texto e não somente

uma fileira de palavras. Considerando que um texto possui todos os fatores de

textualidade, há ainda que considerar que o texto se estrutura de alguma forma para

atender a diferentes fins.

Esta estruturação será diferenciada conforme queiramos defender ou expor uma

ideia, contar uma história, descrever fatos ou objetos, dar ordens ou conselhos. O uso

da língua dependerá de nossa necessidade e criatividade. Para atender a este uso,

as palavras serão escolhidas, combinadas e agrupadas; o resultado desse processo

será a estruturação em tipos narrativos, descritivos, dissertativos (argumentativos ou

expositivos), ou injuntivos.

Cada tipo se diferencia nos aspectos lexicais e sintáticos, nos tempos verbais

e nas relações lógicas (dentro e fora do texto). Cada tipo se configura conforme o

Unidade 2
predomínio dessas sequências linguísticas. Estes tipos são utilizados na elaboração

dos gêneros e sempre como um propósito enunciativo.

Gêneros são todos os textos: crônicas, contos, fábulas, poemas, cartas, avisos,

entrevistas, anúncios, declarações, atestados, atas, editoriais, artigos, notas de

esclarecimentos, bula de remédio, horóscopo, receita, e-mail, quadrinhos etc. Etecetera,

sobretudo, porque os gêneros, além de vários, continuam surgindo

mais e mais devido ao contexto social, às novas tecnologias e ao cruzamento com

outros gêneros.

Conhecer os tipos que formam os gêneros é importante, inclusive, para a

interpretação dos gêneros. Marcuschi, citado por Irandê Antunes, afirma que tipos e

gêneros se complementam, pois “os textos realizam gêneros e todos os gêneros realizam

sequências tipológicas diversificadas”.

Reconhecendo a importância dos tipos, vamos estudá-los primeiramente.

45
Leitura e Interpretação de Textos

6.1 Tipologia narrativa:


Narrar é contar o que aconteceu, o que acontece ou que acontecerá. Um fato

acontece ou existe somente num tempo e num espaço. Nada está fora do tempo e do

espaço. A narrativa é o fato sendo contado.

As principais características do texto narrativo são:

a) Texto figurativo: constrói-se com termos concretos. Possuem

personagens bem determinados, que, em um tempo e um espaço bem demarcados,

realizam uma serie de ações.

b) Comporta uma serie de mudanças de situação, de transformações

de estado. Essas mudanças de estados são realizadas por um dado sujeito.

Apresenta-se uma situação inicial. Em seguida esta situação é perturbada,

problematizada (algo ocorre e muda a situação inicial). A situação é cada vez mais

problematizada e perturbada até o clímax. Nesse instante uma solução para o problema
Unidade 2

é apresentado, a situação volta a se acalmar, mas nada será como antes. A história é

história porque há mudanças.

As mudanças relatadas são organizadas de maneira tal que entre elas existe

sempre uma relação de anterioridade, posterioridade ou concomitância.

c) São comuns os tempos verbais de subsistência do passado: o pretérito

perfeito (bebeu, cantou, chegou) o pretérito mais que perfeito (ouvira, cantara) e o

pretérito imperfeito (era, morava).

Veja a ocorrência desses verbos (e da narrativa!) no poema de Manuel Bandeira:

Poema tirado de uma noticia de jornal


João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia
num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

46
Leitura e Interpretação de Textos

Não importa o tamanho da narrativa, se de três ou de três mil linhas, ela terá os

seguintes elementos: personagem, narrador, espaço, tempo, enredo, e responderá as

perguntas:
O que aconteceu? Com quem? Por que ou para quê?
Como aconteceu? Onde? Quando? Quem é o contador?

Algumas respostas ficarão implícitas, outras virão após um suspense. Algumas

serão dadas pelo contador e outras serão reinventadas pelo ouvinte / leitor, que é aquele

que perpetua a história.

Vamos ler um capítulo do livro Pequenos Amores, de José Roberto Torero (2003,

p.83). Veja como em poucas linhas tudo acontece:

“No Circo de Variedades Oitava Maravilha trabalham Mário e Maria Sanchez,


os únicos trapezistas nacionais que conseguem dar o salto triplo mortal sem
rede.

Unidade 2
Esse é um número que exige total confiança entre os parceiros.
Mário confiava em Maria até descobrir que Maria o traía com Piteco, o palhaço.
Maria, que não sabia que tinha sido descoberta, ainda confiava em Mário na
noite em que ele a deixou cair.”

Gêneros que comumente se utilizam da tipologia narrativa: romance, conto,

fábula, notícia, reportagem, crônica etc.

Outros gêneros, mesmo que a tipologia dominante não seja a narrativa, podem

se utilizar deste tipo com a finalidade também de ensinar ou persuadir. Thomas

Huxley (apud BARBOSA, 1994, p. 135) ao explicar sobre a indução em Método da

Investigação Científica, utiliza-se de uma narrativa. Leia!

“Em um mercado de frutas, você apanha uma maçã e, ao mordê-la, verifica


que ela é ácida; ao observá-la, percebe que a fruta é dura e verde. A seguir,
apanha outra que também é dura, mas antes de mordê-la, você a
examina e constata que ela igualmente é verde e dura. Você diz logo
que não a quer, uma vez que ela deve ser ácida como a anterior. [...] Você
generaliza os fatos e espera encontrar acidez em maçãs verdes e duras,
extraindo daí um princípio geral: todas as maçãs verdes e duras são ácidas.”

47
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 7 - TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS A CONSTRUÇÃO TEXTUAL


7.1 Tipologia descritiva

Descrever é enumerar as características de lugares, pessoas, animais, objetos,

costumes. Para verificar qualquer característica, o elemento imprescindível é o olhar.

Descrever exige o poder da observação. O observado, para ser descrito, paralisa-se sob

nossos olhos assim como quem posa para uma foto.

Ao contrário da narrativa, na descrição não importa o fator tempo: importam o

objeto e a capacidade de observação. Sobre esta capacidade, vamos ler o que

escreve Otto Lara:


Vista cansada
(Otto Lara Resende)
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como
se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro
escritor quem disse. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar
de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway
tenha acabado como acabou.
Unidade 2

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é


só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê
não- vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece
fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O
campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o
que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de
um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório.
Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe
passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia
de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima ideia.
Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu
lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por
sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver.
Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o
espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém
vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso
existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos. É por aí que se instala
no coração o monstro da indiferença.

Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.


Disponível em http://www.releituras.com/olresende_vista.asp.

48
Leitura e Interpretação de Textos

Gêneros que comumente se utilizam da tipologia descritiva: romances, novela,

contos, poemas, artigo de divulgação científica, verbete de enciclopédia, propaganda,

textos jornalísticos, relatórios, etc.

As principais características da tipologia descritiva são:

uso de metáforas, comparações, adjetivos, orações adjetivas, advérbios;

nos textos científicos, as sequências descritivas são objetivas; nos textos

literários, as sequência descritivas buscam traduzir a impressão que os

fatos, paisagens ou objetos causam aos sentidos do escritor.

Os verbos comumente usados são os de ligação (ser, estar,

permanecer, ficar, continuar), pois estes ligam o predicativo ao sujeito,

indicando estado, o modo de ser do sujeito.

Observe no poema “Namorados” de Manuel Bandeira, a presença dos verbos de

Unidade 2
ligação, dos adjetivos e das comparações para construir a figura da namorada:

NAMORADOS
O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
- Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
- Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
- A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
- Antônia, você parece uma lagarta listada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
- Antônia, você é engraçada! Você parece louca.
Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

Normalmente as sequências descritivas procuram responder perguntas como:

O que é isto?

Para que serve?

De que é feito?

49
Leitura e Interpretação de Textos

Se parece com o quê?

A descrição, assim como a narração, serve também ao propósito do

enunciador de ensinar ou de convencer. É bom sempre pensar que quem vê, vê com

os olhos de seu conhecimento e de seu sentimento e vê conforme o local onde está

situado.

O objeto observado será diferentemente descrito de acordo com o sujeito que o

descreve, com o contexto (social, cultural e histórico) do sujeito observador e do objeto,

com as intenções, com o tipo de informação. Logo, o olhar do outro é uma forma de

olhar, é um recorte e, não necessariamente, a verdade inteira.

7.2 Tipologia Injuntiva


A palavra injuntivo significa “que contém injunção; imperativo; obrigatório”.

Injunção significa “ato de ordenar expressamente; ordem precisa e formal”. Logo,

elaborar um texto injuntivo é o mesmo que ordenar, mandar. No entanto, também os


Unidade 2

textos que pretendem apenas indicar como fazer, como realizar uma ação são chamados

de injuntivos.

Reconhecemos um texto injuntivo, sobretudo, pelos verbos no modo

imperativo. A forma nominal do verbo no infinitivo também é muito utilizada por esta

tipologia.

Exemplos de gêneros textuais que se utilizam desta tipologia: propagandas,

receitas, manuais, regras de jogo, artigos de constituições, gramática normativa,

editais, livros de autoajuda.

Alguns textos trazem explicitamente esta tipologia.

Propaganda chocolate Garoto: “compre batom”. Disponível em http://www.


google.com.br/imgres?q=Propaganda+chocolate+Garoto:+compre+ baton&hl.
Acesso em novembro de 2012.
50
Leitura e Interpretação de Textos

Outros textos, a ordem ou o conselho ficam implícitos:

Unidade 2
Outdoor “bebeu e está dirigindo vai ficar lindo com uma coroa de flores”. Disponível
em http://www.google.com.br/imgres?q=Outdoor+“bebeu+e+está+dirigindo+vai+fic
ar+lindo+com+uma+coroa+de+flores”&hl. Acesso em novembro de 2012.

Contudo, o que importa para o enunciador de um texto injuntivo é que seu

interlocutor faça o que foi dito.

51
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 8 - TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS A CONSTRUÇÃO TEXTUAL


8.1 Tipologia Dissertativa

Segundo o dicionário, dissertar é expor algum assunto de modo organizado,

abrangente e profundo.

Platão e Fiorim (2002) enumeram as seguintes características da tipologia

dissertativa:

a) Ao contrário do texto narrativo e do descritivo, ela é temático, ou seja,

não trata de episódios ou seres concretos e particularizados, mas de análise e de

interpretações genéricas válidas para muitos casos concretos e particulares.

b) Como o texto narrativo, ela mostra mudanças de situação.

c) Ao contrário da narração, cuja ordenação é cronológica, ela tem uma

ordenação que obedece às relações lógicas. Enquanto a narração relata mudanças, a

dissertação explica e interpreta as mudanças.


Unidade 2

d) O tempo por excelência da dissertação é o presente no seu valor

atemporal; admite-se nela ainda o uso de outros tempos do sistema do presente: o

presente com valor temporal, o pretérito perfeito e o futuro do presente.

Se você quer expor um assunto ou sua opinião sobre um assunto, primeiramente

deve pensar sobre este assunto. Este é o caminho da dissertação: o pensamento

reflexivo e organizado. Pensar e pensar também sobre seu próprio pensamento.

Dissertar pressupõe questionamentos.

Nosso cotidiano é repleto da exposição de nossos pensamentos. Estamos, com

frequência, querendo comprovar a validade de nossas ideias. Até nas coisas mais banais

como, por exemplo, se uma cadeira deve ficar aqui ou ali, nós entramos com nossa

opinião e com a justificativa sobre a melhor posição da cadeira e, provavelmente, vamos

ficar felizes se a nossa opinião e justificativas forem aceitas.

Para que essa felicidade ocorra mais e mais vezes, o segredo é a organização

do pensamento para a estruturação da dissertação e o conhecimento dos recursos

expositivos e argumentativos. Resumindo: precisamos aprender a


52
Leitura e Interpretação de Textos

1º) organizar o pensamento

2º) estruturar uma dissertação

3º) expor e argumentar.

Podemos dissertar para expor um determinado assunto. Nesse caso, o texto

resultante terá caráter informativo e será chamado de dissertativo expositivo.

Podemos dissertar para expor nossa opinião e defendê-la; para expor uma

hipótese sobre determinado assunto e procurar comprová-la por argumentos. Nesse

caso, o texto resultante terá caráter argumentativo e será chamado de dissertativo

argumentativo.

8.1.1 Dissertativa expositiva

As estruturas expositivas são utilizadas para a apresentação de informações e

para definir e explicar uma determinada temática.

Unidade 2
É comum em sequências expositivas, o uso da 3ª pessoa do discurso para

provocar um distanciamento entre o falante e o objeto sobre o qual se está falando. É

comum, também, o uso de dois pontos ( : ), de travessão ( _ ) e de parênteses ( ) para

iniciar uma explicação.

O autor seleciona um conjunto de dados ou informações para permitir ao leitor o

entendimento de uma determinada discussão que pretende fazer.

Pode acontecer isoladamente, mas, mais frequentemente, costuma manifestar-

se nos parágrafos iniciais de textos que analisam questões específicas.

Gêneros que comumente se utilizam de sequências expositivas: aula

expositiva, verbetes, teorias de livro didático, explicação científica.

Para estabelecer relações lógicas de explicação, alguns recursos expositivos são

utilizados, tais como:

53
Leitura e Interpretação de Textos

1 descrição
“Como uma ilha azul que se avista a distância, pouco a pouco ela ia
ganhando contorno e detalhes, e, já próxima, revelava formas originais
e intrigantes.” (Amir Klink)

2 Definição
“A escuna azul, um veleiro viajante de dois mastros que de tempos em
tempos aparecia no Brasil.” (Amir Klink)

3 enumeração:
Tempos chuvosos ou ensolarados; tempos catastróficos ou tempos de
trégua da natureza; tempos diversos, mas a escuna era a mesma.

4 comparação.
Ela, aparentemente imóvel, parecia um barco em uma garrafa.

5 contraste.
No entanto, trazia movimento, transformação. A escuna era o próprio
movimento.
Unidade 2

Descoberto novo hominídeo


Encontrado recentemente em um sitio queniano, um pequeno crânio causou
rebuliço na comunidade internacional de paleontologia. Muito diferente do crânio de Lucy
– uma Australopitehecus afarensis que ganhou fama por ter o mais completo conjunto de
ossos conhecido (40% do esqueleto), além de ser um dos mais antigos (3,2 milhões
de anos) – o novo fóssil foi batizado de Kenyanthropus platyops, ou “homem do Quênia
de cabeça chata”. Ele tem aproximadamente 3,5 milhões de anos e foi considerado
pelos seus descobridores um novo gênero de hominídeo. Seus dentes menores sugerem
uma dieta de fruta e pequenos insetos, encontrados nas florestas quenianas daquela
época. A representante mais conhecida do grupo, Lucy, pelo contrário, viveu em regiões
desérticas, comendo raízes e folhas. A descoberta mostra que, na verdade, nossa
árvore genealogia tem mais ramos do que teorias anteriores previam [...] deixando no ar
novas questões sobre a linhagem humana.
Revista Planeta. Maio. 2001, p.10.

Observe que o texto “Descoberto novo hominídeo” é predominantemente

dissertativo expositivo e segue os seguintes passos:

1º) contextualiza o fato que será exposto, respondendo às perguntas: o que

aconteceu, onde, quando; perguntas típicas da tipologia narrativa. “Todo relato de fatos

concretos, na dissertação, serve para ilustrar, confirmar ou demonstrar verdades de

54
Leitura e Interpretação de Textos

conteúdo mais genérico, que constituem a essência do texto dissertativo” (PLATÃO &

FIORIM, 2002, p.303)

2º) Define o fato (descoberta do crânio) e, na sequência, descreve e compara o

objeto descoberto.

3º) Procura acrescentar explicações sobre as informações (entre parênteses)

para situar melhor o leitor na ocorrência.

4º) Mostra a importância do fato para a comunidade humana.

Unidade 2

55
Leitura e Interpretação de Textos

UNIDADE 3
MÓDULO 9 - TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS A CONSTRUÇÃO TEXTUAL
9.1 Tipologia Dissertativa
9.1.1 Dissertativa argumentativa

Argumentar é raciocinar para convencer. Antes porém de definirmos a tipologia

argumentativa, convém esclarecer que

Todo texto tem, por trás de si, um produtor que procura persuadir o seu
leitor, usando para tanto vários recursos de natureza lógica e linguística.
(PLATÃO & FIORIM, 2002)

No entanto, na tipologia argumentativa, os pontos de vista de quem elabora o

texto ficam explícitos, enquanto que nas outras tipologias, os pontos de vista ficam

implícitos, mas perceptíveis na seleção de assuntos e nos termos escolhidos pelo autor.
Unidade 3

Os elementos que caracterizam as sequências argumentativas são: exposição de

uma opinião e defesa desta opinião com vistas à persuasão do interlocutor.

Quanto maior o conhecimento dos recursos argumentativos, melhor será a defesa

do ponto de vista e maior a possibilidade de convencer o leitor sobre a validade do

pensamento.

Chamamos procedimentos argumentativos a todos os recursos acionados


pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a crer naquilo que o
texto diz e a fazer aquilo que ele propõe. (PLATÃO & FIORIM. 2002)

Segundo a lógica clássica, existem duas formas de raciocínio, ou seja, duas

formas de se obter conhecimentos novos a partir de conhecimentos já existentes: a

dedução e a indução. Na dedução, conhecimentos particulares são obtidos a partir de

um conhecimento geral; na indução, o conhecimento geral é obtido a partir de dados

particulares. Assim:

a) Dedução: esclarecemos e demonstramos um conhecimento. Exemplo:

Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.


56
Leitura e Interpretação de Textos

Tipos de raciocínio dedutivo:

Argumentação condicional (raciocínio por hipóteses)

Se o amor é a fonte da vida, logo ele deve também governá-la.

Podemos utilizar no lugar de logo qualquer outro elemento com valor

conclusivo para completar a lógica da condicional (iniciada com a conjunção se):

portanto, assim, por conseguinte, consequentemente, decorre daí que, então, segue-se

que. (BARBOSA, 1994)

Demonstração pelo absurdo: consiste em afirmar o oposto do queremos


provar para demonstrar que a afirmação é inaceitável. Por exemplo, se
queremos demonstrar que algo é falso, começamos admitindo que esse
algo é verdadeiro.

Veja como Guiomar de Grammont estrutura seu texto nesse tipo de raciocínio:

Unidade 3
Ler devia ser proibido
Guiomar de Grammont
“A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens
para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo
insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem
do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam
mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado,
de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo
mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal
sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se
esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e
amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto
perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que
tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder
incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria
feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria
mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem
procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não
experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que
conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar
ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos
57
Leitura e Interpretação de Textos

para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a
invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além
do que lhe é devido.
Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia.
Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios
azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que
um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes
para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais
percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos
impede de aceitar nossas realidades cruas.
Não, não deem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus
filhos, pode levá- los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta
que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de
quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem
conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias,
pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou
para a repetição e para o trabalho duro.
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes
demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre
não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível
controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o
que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar
sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista
Unidade 3

de sua liberdade.
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas
leem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de
remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros
da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem
magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E
esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o
homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é
mais subversivo do que a leitura?
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou
para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais
àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em
metrôs, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer
um.
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da
submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias,
tantos outros sentimentos… A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna
coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os
indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os
capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser
proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.”
http://www.leialivro.com.br/ler-devia-ser-proibido/#ixzz246okPKIm

58
Leitura e Interpretação de Textos

b) Indução: nesse tipo de raciocínio nós avançamos de um fato ou de

vários fatos particulares e semelhantes para a construção de uma verdade geral. Ou

seja: ocorre uma generalização. Exemplo: as células necessitam de alimento; os insetos

necessitam de alimento; os homens necessitam de alimento. Então, todos os seres

vivos necessitam de alimento.

Alguns tipos de raciocínio indutivos:

Argumentação por enumeração/estatística

Argumentação por analogia (raciocínio por comparações no qual se tira

conclusões a partir de semelhanças)

Argumento de autoridade (citação direta ou indireta) Raciocínio de

causalidade

Exemplos:

Unidade 3
O setor de produtos e serviços para animais domésticos no Brasil vai muito
bem, obrigado. Não surpreende. Afinal, existem no país hoje quase 98 milhões desses
animais – são cerca de 35 milhões de cães, 5 milhões de peixe, 18 milhões de gatos,
18 milhões de pássaros, entre outros menos cotados. Para você ter uma ideia, 44%
dos lares brasileiros das classes A, B e C possuem um cão ou um gato. Aliás, o Brasil
conta com a segunda maior população de cães e gatos do mundo. Todos esses dados
são da Anfalpet, associação que reúne os fabricantes de produtos para animais
domésticos.
Revista Gol Linhas Aéreas Inteligentes. Luiz Alberto Marinho. Set.2011.

Observe no texto acima como todos os argumentos colaboram para a confirmação

da tese de que “o setor de produtos e serviços para animais domésticos no Brasil” é

muito bom.

Veja agora um bom exemplo citado por Barbosa (1994, p.) de argumento por

analogia, no qual o autor, Leo Huberman, em “A história da riqueza do homem”, faz

uma analogia entre a atitude irracional dos macacos, que os leva a serem capturados,

e a ganância dos capitalistas. Com essa analogia, o autor pretende demonstrar que a

ganância irracional do capitalismo será a causa do seu fim.

59
Leitura e Interpretação de Textos

“Haverá uma moral para os capitalistas na história de como os indianos pegam

macacos, contadas por Arthur Morgan? Segundo a história, tomam de um coco e abrem-

lhe um buraco, do tamanho necessário para que nele o macaco enfie a mão vazia.

Colocam dentro torrões de açúcar e prendem o coco a uma árvore. O macaco mete a

mão no coco e agarra os torrões, tentando puxá-los em seguida. Mas o buraco não é

bastante grande para que nele passe a mão fechada, e o macaco, levado pela ambição

e pela gula, prefere ficar preso a soltar o açúcar.”

Exemplo de raciocínio de causalidade – em que é realizado um levantamento das causas

e das consequências para fundamentação de uma tese.

Fome, miséria e violência imperam nesse artifício que é a comunidade humana.

A origem disso está na ausência de valores. É na ausência, no vazio que deveria ser

ocupado pela solidariedade, pela responsabilidade com o outro, que habitam as


Unidade 3

variadas formas de injustiça.

Tão importante quanto conhecer os recursos argumentativos é reconhecer

os defeitos na argumentação. Ao reconhecê-los, saberemos que a ideia que estão

querendo comprovar não é verdadeira ou que o autor agiu de má fé ou que, no mínimo,

não construiu bem os argumentos. De qualquer forma, nesses casos, a dissertação fica

prejudicada. No caso de ser você o escritor, fique atento para não incorrer nestes erros:

1. Círculo vicioso: uma sucessão de acontecimentos e consequência que

sempre resulta numa situação que parece sem saída e sempre desfavorável.

Exemplo: Eu tenho problema no aprendizado de inglês. Meus pais têm

problema no aprendizado de inglês. Os meus filhos e netos terão dificuldade.

2. Estatística tendenciosa: um determinado tema é pesquisado e a tese é

apoiada em um levantamento apressado dos fatos.

Exemplo:

Portugueses não são bons em matemática. Embora haja oito portugueses em

cada dez alunos do curso, as quatro maiores notas são de brasileiros e as


60
Leitura e Interpretação de Textos

quatro piores de portugueses.

3. Fuga do assunto: desvio da ideia original ou do fato principal.

Exemplo:

O acusado de crime, senhores jurados, é um excelente pai de família,

honrado, bondoso, atencioso com os vizinhos, cidadão exemplar, e não deve

ser colocado na cadeia.

4. Argumento autoritário: quando se apela para uma pessoa famosa ou uma

autoridade, muitas vezes como uma falsa citação como no exemplo abaixo,

para impressionar o leitor

Assim como Cristo disse: “quem com ferro fere com ferro será ferido”, devemos

também nós castigar com a morte os criminosos.

5. Generalização excessiva: considerar a exceção como regra

Os professores são diferentes de qualquer outro tipo de gente do

Unidade 3
planeta, pois parece que nunca se preocupam com o dinheiro que recebem

por seu trabalho.

6. Confusão de causa e efeito: confusão entre causa e consequência.

O estudante será um ótimo advogado, pois seu pai foi um excelente jurista.

7. Estereótipo: conjunto de características presumidamente partilhadas por

todos os membros de uma categoria social. Esquema simplista mantido de

maneira intensa, mas que não se baseia em experiência direta.

Não é conveniente instalarmos uma fábrica na Bahia, pois certamente teremos

problemas com os operários, que são muito preguiçosos e festeiros.

8. Simplificação exagerada: tornar fácil o que é complexo.

Se quisermos melhorar o ensino de língua portuguesa, basta termos mais

cuidados na adoção de livros didáticos.

9. Falsa analogia: Os elementos comparados são diferentes em algum ponto.

Se os estudantes não querem estudar, não há nada que o professor possa

fazer. Afinal de contas, podemos levar o camelo até a água, mas não podemos
61
Leitura e Interpretação de Textos

obrigá-lo a beber.

10. Tautologia: apresentar a tese como argumento, ou seja: o que

queremos provar é apenas repetido:

Certas plantas dormem porque têm faculdade dormitiva.

Para finalizarmos nossos estudos sobre as tipologias textuais, vamos verificar

como um texto dissertativo se organiza em um parágrafo padrão.


Unidade 3

62
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 10 - ESTRUTURA DO TEXTO DISSERTATIVO ARGUMENTATIVO


E O PARÁGRAFO PADRÃO
O parágrafo é uma “unidade de composição” constituída por um ou mais períodos.

Nele se desenvolve uma ideia central ou nuclear à qual se agregam outras, chamadas de

ideias secundárias, que são decorrentes da mesma ideia nuclear. Nuclear e secundárias

são intimamente relacionadas pelo sentido.

Parágrafo padrão é o desenvolvimento de uma ideia central por meio de um

ou mais períodos. Com ele, podem-se construir parágrafos dissertativos, narrativos e

descritivos. Para construir bem um parágrafo, o segredo está na organização das ideias

e na fixação dos objetivos.

Deve-se evitar construir parágrafos com apenas um período. O ideal é que possua

no mínimo três: um para a introdução (tópico frasal); um para desenvolver as ideias

contidas no tópico frasal e outro para apresentar a conclusão.

Unidade 3
O primeiro passo para elaborar um parágrafo é delimitar o assunto. Assunto

delimitado, precisamos estabelecer os objetivos. Assim é que poderemos elaborar a

frase núcleo (ou tópico frasal). Com a frase núcleo elaborada, é só desenvolvê-la para

em seguida concluí-la.

Vamos ao passo a passo?

1) Delimitar o assunto: delimitar quer dizer partir do amplo para o mais específico

possível. Suponhamos que você tenha que escrever sobre “Televisão”. Como há

inúmeras possibilidades de se abordar este assunto, será necessário delimitá-lo.

“Efeitos da Televisão”

Delimitou um pouco, mas continua amplo, pois são vários os efeitos da

televisão e em diferentes públicos. Portanto, você deve continuar delimitando: quais

podem ser estes efeitos e em quem?

“A influência da televisão no comportamento social”.


63
Leitura e Interpretação de Textos

Delimitou um pouco mais, porém ainda está amplo, pois “comportamento

social” pode se referir tanto a homens e mulheres quanto às crianças.

“A influência da televisão sobre as crianças”.

Ótimo! Delimitou bastante. Mas ainda está amplo, pois a televisão possui variados

programas com diferentes temas e formas de enfoque.

“A violência na televisão e seus efeitos no comportamento da criança”.

Agora, sim! O assunto está delimitado e dele obtivemos o tema. O próximo passo

é estabelecer os objetivos.

2) Estabelecer os objetivos: fixar os objetivos é necessário para orientar a escrita:

para quê escrever sobre o assunto televisão? Com qual finalidade?


Unidade 3

Objetivo: mostrar que a violência na televisão influencia o comportamento das

crianças.

Observe que, para estabelecer objetivos, utilizamos o verbo sempre no infinitivo:

mostrar, demonstrar, descrever, apontar, exemplificar, comparar etc. Objetivos fixados,

formule a frase núcleo.

3) Formular a frase núcleo: o resultado da delimitação do assunto e da fixação

dos objetivos será sua frase-núcleo, a frase que contém a ideia principal com todas as

palavras-chave que serão desenvolvidas no decorrer do parágrafo. Agora é só escrevê-

la. A frase-núcleo tem que ser fiel ao objetivo:

“A violência existente em alguns programas de televisão tem interferido no

comportamento das crianças.”

Escrita a frase núcleo, você deverá desenvolver o parágrafo. É aconselhável que


64
Leitura e Interpretação de Textos

a frase núcleo, também chamada de tópico frasal, seja a frase introdutória do parágrafo.

4) Formular o desenvolvimento: em sua frase núcleo, consta a indicação de todas

as ideias que serão desenvolvidas. As ideias são as palavras- chave. Para desenvolver

a frase núcleo, selecione e organize estas palavras / ideias

“Muitos programas infantis têm como tema a rivalidade, a disputa que desconhece

valores e que desemboca em lutas sangrentas. A influência desses programas pode ser

observada nos pátios escolares, onde as crianças já não brincam: só lutam”

5) Concluir: Retomar as ideias e acrescentar algo novo

“Elas consomem o tempo na frente da televisão e esta acaba por privar-lhes de

uma infância saudável, na qual poderiam estar se exercitando na solidariedade e na

conquista de amigos”.

Unidade 3
São inúmeras as formas para desenvolver e estruturar o parágrafo. Vejamos

algumas:

A) Ordenação por tempo e espaço

Embora o reconhecimento do trabalho em prêmios e títulos não seja algo inédito

em sua carreira como matemático, Fernando Codá Marques chamou a atenção ao ser

anunciado, no final de junho, como ganhador da edição 2012 do Prêmio Ramanujan

para Jovens Matemáticos de Países em Desenvolvimento. Uma semana depois, Codá

foi anunciado também como ganhador do prêmio Umalca 2012 de reconhecimento da

União Matemática da América Latina e do Caribe.

http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=3&noticia=753

Ao contrário do que se possa imaginar, mesmo depois de tanto tempo a situação

do cadastro de terras na Amazônia ainda é uma incógnita. Nem estado, nem União sabem

ao certo a quem pertencem os territórios da região. E, para piorar, em razão da extensão

e das características do território densamente permeado por rios e florestas fechadas, a


65
Leitura e Interpretação de Textos

dificuldade de locomoção dificulta a demarcação e a fiscalização dessas terras, já que

as fronteiras são permeáveis e a rede de estradas é praticamente inexistente.

http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=3&noticia=753

B) Ordenação por causa – consequência

Os seres humanos não vivem juntos, não vivem em sociedade, apenas porque

escolhem este modo de vida, mas porque a vida em sociedade é uma necessidade

da natureza humana. Assim, por exemplo, se dependesse apenas da vontade, seria

possível uma pessoa muito rica isolar-se em algum lugar, onde tivesse armazenado

grande quantidade de alimento. Mas essa pessoa estaria, em pouco tempo, sentindo

falta de companhia, sofrendo a tristeza da solidão, precisando de alguém com quem

falar, necessitada de dar e receber afeto. E muito provavelmente ficaria louca se

continuasse sozinha por muito tempo.


Unidade 3

DALARI, Dalmo de Abreu. Viver em Sociedade. São Paulo: Moderna, 1985.

C) Ordenação por contraste.

Não se pode imaginar contraste mais violento do que o existente entre as duas

regiões. De um lado, a terra escura, pegajosa, úmida, cavada de sulcos ou embebida de

água [...]. De outro lado, um caos de pedras cinzentas cravadas em desordem no chão

de argila seca, rachado pelo sol [...]. No litoral, a riqueza da vegetação [...]. No sertão,

a caatinga, como lhe chamavam os índios, com uma vegetação de cactos, de moitas

espinhosas, de árvores esqueléticas [...].

Roger Bastide. Brasil Terra de Contrastes, 1976.

66
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 11 - MÉTODOS DE LEITURA E INTERPRETAÇÃO: SUBLINHAR,


RESUMIR E ESQUEMATIZAR
Ler, como vocês já viram, é muito mais que decodificar signos, que juntar letras

em sílabas, sílabas em palavras, palavras em frases. Ler, além deste conhecimento

básico da decodificação, exige a presença de um sujeito que ativa suas memórias, seus

conhecimentos de mundo; que ativa, inclusive, sua capacidade de relacionar-se com o

outro. Ler é estar em contato com o outro, numa atitude de negociação, de troca. A ponte

que nos possibilita este contato é o texto, o qual temos estudado nesta nossa disciplina.

Há, portanto, três elementos imprescindíveis no ato da leitura: o autor, o texto e

o leitor. Quanto mais íntimo e intenso for o relacionamento entre estes elementos, mais

prazerosa e mais rica será a leitura.

O que queremos de uma leitura? Queremos prazer, compreensão, conhecimento,

informações; divertimento, etc. No entanto, nada disso será alcançado se não

Unidade 3
conseguirmos construir (ou reconstruir) o sentido de um texto. Para a construção do

sentido é necessário considerar que existe a linha e a entrelinha; o dito e o não dito;

a palavra e os inúmeros significados que ela adquire conforme o contexto. O poema

a seguir, de Carlos Drummond de Andrade, ilustra bem esta busca pelo significado,

inerente ao ato da leitura:

(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?
(Carlos Drummond de Andrade)

São chaves que podem abrir possibilidades de uma leitura profícua:

a) Procure saber quem é o autor do texto, qual a ideia que ele defende.

b) Observe no texto os recursos argumentativos utilizados para convencer o leitor

a aceitar as ideias do autor.


67
Leitura e Interpretação de Textos

c) Veja em qual veículo foi publicado o texto e procure entender qual a linha deste

veículo (posições políticas, sociais, culturais)

d) Descubra que tipo de leitor, o texto e o canal (revista, livro, jornal) pressupõem:

se dirigidas a classes sociais diferentes conforme, por exemplo, o grau de escolarização,

etc.; se dirigidas a homens ou mulheres, adultos ou adolescentes.

e) Identifique a intenção do autor pelos tipos e gêneros escolhidos (persuadir,

ensinar, descrever, ordenar, narrar, vender, ludibriar, comover, deleitar)

f) Use seu conhecimento de mundo e seu conhecimento linguístico para

estabelecer relações com as novas informações do texto; para criticá-las e avaliá-las.

g) Interaja com o texto: faça inferências, comparações; duvide, pergunte,

responda, mas também compactue com o autor e, se plausível, aceite o texto. Aceite-o

como mais um acréscimo ao seu conhecimento de mundo.

h) Leia e conheça o maior número possível de gênero textual.


Unidade 3

i) Estabeleça um objetivo de leitura, pois isso determinará o tempo e o tipo de

atenção e interação. Alguns objetivos de leitura:

Buscar informações
Realizar trabalhos acadêmicos
Consultar (significados, localizações, listas etc.)
Cumprir eventuais obrigações: manuais, bula
Sentir prazer, deleite

Caso o objetivo de leitura seja adquirir informações para estudo ou para

elaborações de trabalhados acadêmicos, por exemplo, há alguns aspectos necessários

para uma leitura “proveitosa”, descritos por Marconi e Lakatos (2009, p.20): atenção,

intenção, reflexão, espírito crítico, análise e síntese.

Espírito crítico [...] implica julgamento, comparação, aprovação ou não,


aceitação ou refutação das diferentes colocações e pontos de vista. Ler
com espírito crítico significa fazê-lo com reflexão, não admitindo 62rahma
sem analisar ou ponderar, proposições sem discutir nem raciocínio sem
examinar; consiste em emitir juízo de valor, percebendo no texto o
bom e o verdadeiro, da mesma forma que o fraco, o medíocre ou o falso
(MARCONI; LAKATOS, 2009, p.21).
68
Leitura e Interpretação de Textos

É o espírito crítico que impede o surgimento de um leitor passivo, aquele que não

constrói os sentidos; aquele que, por não possuir uma atitude responsiva de interação,

é facilmente dominado pelas ideias que navegam pelo texto.

Analisar significa dividir o texto em partes e determinar a relação que existe

entre estas partes. Para sintetizar, reconstituem-se as partes decompostas na análise,

utilizando somente os aspectos estritamente essenciais. Analisar e sintetizar são

aspectos fundamentais em uma leitura informativa; por isso, você aprenderá agora as

técnicas de sublinhar, resumir e esquematizar.

A) Sublinhar: esta técnica deve ser utilizada somente em material próprio –

apostila, cópias, anotações em caderno ou mesmo em textos pertencentes aos arquivos

de seu computador; neste último caso, selecione e sublinhe. Sublinhar é muito útil para:

assimilar;

memorizar;

Unidade 3
preparar uma revisão rápida do assunto;

aplicar em citações; resumir; esquematizar;

fichar

Método:

Faça uma leitura integral do texto e esclareça vocabulário, termos técnicos

e outros.

Faça uma releitura para identificar as ideias principais.

Selecione e sublinhe o mais importante, as ideias mestras.

Identifique as ideias secundárias que acompanham as ideias mestras.

As secundárias objetivam esclarecer ou justificar a ideia principal por meio de argumento,

exemplos, analogias etc.

Em textos curtos e para resumir ou fichar, numere, antes de sublinhar,

os parágrafos.

Assinale com linha vertical, à margem do texto, os tópicos mais importantes.

Assinale com um ponto de interrogação, à margem do texto, discordâncias,


69
Leitura e Interpretação de Textos

argumentos discutíveis ou trechos que você não compreendeu.

Leia o que foi sublinhado para verificar se há sentido.

Importante: sublinhe apenas o estritamente necessário e, no final do trabalho,

faça uma leitura comparando o texto original com o texto sublinhado.

Está na hora de a paixão reencontrar sua direção. Se as utopias criadas e


alimentadas pela vida já não entusiasmam, cabe dirigir o ímpeto da paixão e do
entusiasmo à própria vida. Não à vida biológica, reservada aos cuidados dos ecologistas,
mas à vida biográfica, à minha vida, à vida de cada qual. Para viver com plenitude, tenho
que me apaixonar pela minha circunstância e pelo meu destino, tenho que identificar,
passionalmente com minha vocação, única maneira de imprimir à vida toda a
felicidade criadora de que ela é capaz.
KUJAWSKI, Gilberto de Melo. A Crise do Século XX.
São Paulo: Editora Ática, 1988.

Com o texto devidamente assinalado, você pode proceder à elaboração do

esquema.
Unidade 3

B) Esquematizar: esta técnica emerge naturalmente da análise realizada. O que foi

sublinhado, obedecendo à hierarquia do mais para o menos importante, será reescrito

utilizando marcadores alfabéticos ou numéricos, símbolos, chaves ou flechas. O

importante é que estes recursos contribuam para a compreensão do esquema.

A questão é determinar o que é mais importante: as palavras-chave, as frases-

mestra – aquelas que, como vimos, carrega o sentido primordial do texto. Uma vez

localizada estas palavras ou frases, deve-se localizar as outras que estão associadas a

elas e, finalmente, apresentá-las em tópicos.

As mais importantes ficam em uma linha sem recuo para parágrafo. As que lhe

são agregadas ficam sinalizadas nas linhas sequencialmente abaixo em um recuo maior

em relação à margem esquerda.

Paixão: reencontrar direção

Utopias já não entusiasmam.


70
Leitura e Interpretação de Textos

Ímpeto da paixão e do entusiasmo deve ser dirigido à própria vida. vida biológica:

reservada aos cuidados dos ecologistas.

vida biográfica:

minha circunstância

meu destino

minha vocação

felicidade criadora

Observe que no texto sublinhado há um encadeamento das ideias que giram

em torno das palavras-chave paixão e vida. A palavra vida é subdividida em biológica

e biográfica; à vida biográfica são acrescidos significados que a diferenciam da vida

biológica. A um dos agregados de vida biológica – vocação – coube a responsabilidade

pela felicidade criadora.

Unidade 3
Com o texto devidamente decomposto, podemos reconstruí-lo por meio de uma

síntese, tomando por base as ideias essenciais e a ordem entre estas ideias.

C) Resumir: condensar em forma de parágrafo, com sentido completo, os tópicos que

foram apresentados no esquema.

Para que a paixão reencontre sua direção, deve-se apaixonar pela vida;

deve- se apaixonar pelas circunstâncias, pelo destino e pela vocação, a

responsável por imprimir à vida a felicidade criadora.

Na elaboração de um resumo:

A ordem das ideias e a sequência dos fatos não devem ser modificadas.

As opiniões do autor devem ser respeitadas, sem acréscimo de qualquer

comentário ou julgamento pessoal por parte do elaborador do resumo.

Deve-se manter fidelidade ao texto.

Os parágrafos reiterativos deverão ser reduzidos a um apenas.

Para o resumo de textos longos ou de livros, deve-se buscar a síntese do assunto


71
Leitura e Interpretação de Textos

por meio da análise das partes do texto. O exame do índice ou sumário poderá auxiliar

a percepção do conjunto da obra.

A elaboração de um resumo deve obedecer aos seguintes itens:

Apresentar, de maneira sucinta, o assunto da obra. Empregar linguagem clara e

objetiva.

Apontar as conclusões do autor.

Dispensar consulta ao original para a compreensão do texto.


Unidade 3

72
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 12 - LEITURA DE IMPLÍCITOS


Não há como, uma sociedade que faz uso da escrita para a construção e

transmissão de seus conhecimentos adquirir e desenvolver conhecimentos, desprezando

a importância da leitura. Desprezar a leitura é desprezar o próprio conhecimento.

Muitos consideram que basta ler os textos referentes à sua área profissional e

apenas saber escrever os textos que a sua profissão exige. No entanto, essa limitação

só definha a qualidade do profissional. O importante é o desenvolvimento da capacidade

linguística, da capacidade de ler, interpretar e escrever qualquer tipo de texto.

Contudo, compreender determinados textos pode-se tornar um desafio e até

mesmo um tormento para alguns leitores. Isso pode acontecer, como vimos, quando, por

exemplo, a carga informacional do texto é muito maior que o conhecimento de mundo

do leitor (também chamado de conhecimento enciclopédico). Porém, pode acontecer

também porque o leitor se mantém na leitura das linhas, na superfície do texto, sem

Unidade 3
mergulhar nas entrelinhas.

Precisamos ler o dito e o não-dito, pois muitas vezes este carrega mais

informações que o que foi expliciitamente dito. Ao escrever, o autor seleciona palavras e

informações de um conjunto X. As outras palavras e informações não selecionadas, as

excluídas, também aparecem no texto através de sua ausência. E nós vamos ler estas

que não aparecem explicitamente no texto a partir do que foi dito pelo autor e a partir do

entrecruzamento das informações que possuímos com aquelas que o autor nos fornece.

Sim: é uma luta! Mas como afirmou Drummond em seus versos,

(...)
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos,
mal rompe a manhã.

A capa da revista Veja, a seguir, traz o título “O Novo Homem”, apresentando o

artigo principal. Sem ler o artigo, apenas a manchete e o olho (um texto mais explicativo

73
Leitura e Interpretação de Textos

que o título principal para garantir a leitura da reportagem) podemos depreender o não-

dito, mergulhar nas entrelinhas e, assim, criticarmos as escolhas do autor. A consequência

desse tipo de leitura será um leitor que não é conduzido passivamente pelas ideias do

autor.
Unidade 3

REVISTA VEJA. 0 Novo Homem (Capa). Edição 1822.01/10/2003. Disponfvel em http://veja.abril.com.


br/acervodigital/home.aspx. Acesso em outubro de 2012.

O Novo homem é o título da reportagem. Se há um novo é porque houve ou há

um velho que está por acabar. Logo, o título já está determinando um marco. Busca-se

comprovar esta afirmativa apondo características a este “novo homem.” No entanto, a

cada característica do “novo” é apontada (implicitamente) outra do “velho”, desvelando

a visão do (a) autor (a) sobre o “velho homem”. Vamos por partes:

1º) Afirma-se que o novo homem “desenvolveu a sensibilidade”. Se ele desenvolveu

é porque o velho não desenvolvera; logo, os homens eram insensíveis.


74
Leitura e Interpretação de Textos

2º) “interessa-se mais pelos filhos”: o “velho homem” interessava-se pouco pelos

filhos.

3º) “Assume e exibe emoções”: o “velho homem” não assumia nem exibia suas

emoções.

4º) “Preocupa-se com a aparência”: Logo, o “velho homem” era um desleixado.

5º) “Aprecia culinária”: se o “velho homem” não apreciava, então ele nem devia

cozinhar!

6º) “Apurou seu senso estético”: o “velho homem” era rude, grosseiro, não

apreciava a arte.

7º) “É forte, mas tem estilo”. Observe para o (a) autor (a) tanto o velho quanto o

novo possuem a característica força. No entanto, o “velho” é forte sem estilo. E ter estilo

seria mais importante que ser forte. Aliás, ter estilo é o que justifica ser forte. Força sem

estilo não é nada (para o autor!).

Unidade 3
Observe que o (a) autor (a) peca pela generalização excessiva e pela construção

de um estereótipo. Lendo o dito e o não-dito, ao final do texto, o leitor não concordará

com a afirmativa de que “está nascendo o novo macho do século XXI”. Lendo o implícito,

as afirmativas explícitas, nesse caso da capa da revista, perderam o valor argumentativo.

Caso não lêssemos o implícito, seríamos conduzidos por inverdades.

Há duas formas de implícitos: o pressuposto e o subentendido.

O pressuposto decorre do sentido de certas palavras ou expressões da frase.

Já o subentendido são insinuações não marcadas linguisticamente na frase.

12.1 PRESSUPOSTOS

Os pressupostos são um recurso argumentativo que visa a levar o leitor


ou ouvinte a aceitar certas ideias. Ao introduzir um conteúdo sob a forma
de pressuposto, o falante transforma o ouvinte em cúmplice, pois a ideia
implícita não é posta em discussão, é apresentada como se fosse aceita
por todos, e os argumentos explícitos só contribuem para confirmá-la.
O pressuposto aprisiona o ouvinte ao sistema de pensamento montado
pelo falante. (PLATÃO & FIORIM, 2002, p.307)

75
Leitura e Interpretação de Textos

No entanto, como vimos na leitura da capa da revista Veja, o aprisionamento a

que se referem Platão e Fiorim só acontece, quando o leitor não lê o implícito.

É preciso ler o pressuposto para admiti-lo ou não como verdadeiro. Admitindo-o

como verdadeiro, a afirmação explícita também o será. Não o admitindo como verdadeiro,

a informação explícita também não será ou não terá cabimento; será ilógica.

A aceitação do pressuposto estabelecido pelo falante permite levar


adiante o debate; sua negação compromete o diálogo, uma vez que se
destrói a base sobre qual se constroem os argumentos e daí nenhuma
proposição tem mais importância ou razão de ser. Com pressupostos
distintos, o diálogo não é possível ou não tem sentido. (PLATÃO &
FIORIM, 2002, p.307)

Se alguém lhe diz que Sandra parou de fumar, você admite como verdade desde

que concorde que ela fumava. O verbo traz o pressuposto: não há como parar se nunca

começou. No entanto, se chega uma terceira pessoa e lhe diz que Sandra nunca fumou,
Unidade 3

a afirmativa explícita da primeira pessoa torna-se falsa.

Vejamos outros casos de pressupostos que Platão e Fiorim (2002, p.307-309)

elencam:

1) André tornou-se um antitabagista convicto.

Informação explícita: André é um antitabagista convicto. Do sentido do verbo

tornar-se, que significa “vir a ser”, decorre a informação implícita de que anteriormente

André não era um antitabagista convicto. Se André fosse antes um antitabagista convicto,

não se poderia usar o verbo tornar-se.

2) Pedro é o último convidado a chegar à festa.

Informação explícita: Pedro chegou depois de todos os outros convidados. Se ele

foi o último a chegar, está logicamente implícito que todos chegaram antes dele.

3) Todos vieram; até Maria.

Se Maria participasse de todas as festas, não teria o menor sentido dizer até. Até,

no caso, contém o pressuposto de que é inesperada ou inusitada a presença de Maria

na festa.

76
Leitura e Interpretação de Textos

Termos que, segundo Platão e Fiorim (2002, p.309, 310) servem de

marcadores de pressupostos:

1) Adjetivos (ou palavras similares): Nasce o novo macho do século XXI Novo pressupõe:

a) Que existia ou ainda existe o velho macho

b) Que tanto o novo quanto o velho são machos

2) Verbos que indicam mudança ou permanência de estado (por exemplo,

o permanecer, continuar, tornar-se, vir a ser, ficar, passar [a], deixar [de], começar

[a] principiar [a], converter-se, transformar-se, ganhar, perder):

Sandra e Júnior continuam felizes.

O verbo continuar indica que Sandra e Júnior já estavam felizes no momento

anterior ao presente.

Unidade 3
3) Verbos que indicam um ponto de vista sobre o fato expresso pelo seu complemento

(por exemplo, pretender, supor, alegrar, presumir, imaginar):

A professora pretende que todos os alunos aprendam a matéria;

O verbo pretender pressupõe que seu objetivo direto é verdadeiro para o sujeito,

no caso, a professora, e falso para o produtor do texto.

4) certos advérbios:

A produção agropecuária brasileira está totalmente nas mãos dos brasileiros.

O advérbio totalmente pressupõe que não há no Brasil nenhum estrangeiro produtor

agrícola.

5) Certas conjunções:

Frequentei a Universidade, mas aprendi bastante.

O pressuposto é que na universidade não se aprende nada.

6) Orações adjetivas: o produtor do texto escreverá uma oração adjetiva restritiva ou

uma adjetiva explicativa segundo o pressuposto que quiser comunicar.


77
Leitura e Interpretação de Textos

a) Explicativa – com vírgula – pressupõe-se que o que ela expressa se refere à

totalidade dos elementos do conjunto designado pelo antecedente do pronome relativo

Os brasileiros, que não se importam com a coletividade, só se preocupam com seu bem-

estar e, por isso, jogam lixo na rua, fecham o cruzamentos etc.

O pressuposto é que todos brasileiros não se importam com a coletividade.

b) Restritiva – sem vírgulas – pressupõe-se que o que ela diz concerne apenas

a parte dos elementos do conjunto expresso pelo antecedente do pronome relativo.

Os brasileiros que não se importam com a coletividade só se preocupam

com seu bem-estar e, por isso, jogam lixo na rua, fecham os cruzamentos etc.

Nesse caso, o pressuposto é que alguns brasileiros não se importam com a

coletividade e só esses é que “ jogam lixo na rua, fecham os cruzamentos etc.”

12.2 SUBENTENDIDO
Unidade 3

Muitas vezes conseguimos ler o implícito a partir de uma palavra ou expressão

e, neste caso teremos um pressuposto. Porém, há casos em que o não dito só pode ser

inferido a partir de um conhecimento de mundo do leitor e da sua capacidade de analisar

o contexto em que foi proferida a frase (ou todo o texto). No subentendido, o implícito

não está demarcado linguisticamente no texto.

Helga, esposa de Hagar, conta para sua amiga que o marido de Irma havia parado

de beber. A amiga responde:

(BROWNE, 20 /12/2006)
78
Leitura e Interpretação de Textos

Helga não disse que ele havia morrido e sim que tinha parado de beber. Em

“parou de beber”, o pressuposto é que ele bebia. Daí a ter morrido é uma informação

que a amiga só pôde inferir por ter conhecido o esposo da Irma e saber que ele só iria

parar de beber quando morresse. A morte do marido de Ilma foi, portanto, subentendida

pela amiga.

Segundo Platão e Fiorim (2002), existe uma diferença capital entre pressupostos

e subentendidos:

O pressuposto é uma informação estabelecida como indiscutível tanto para o

falante quanto para o ouvinte, uma vez que decorre necessariamente de algum elemento

linguístico colocado na fase. Ele pode ser negado, mas o falante coloca-o de maneira

implícita para que não o seja.

Já subentendido é de responsabilidade do ouvinte. O falante pode esconder-se

atrás do sentido literal das palavras e negar que tenha dito o que o ouvinte depreendeu

Unidade 3
de suas palavras. O subentendido serve, muitas vezes, para o falante proteger-se. Com

ele, transmite a informação que deseja dar conhecer sem se comprometer.

Veja que Hagar, na condição de pai, não deveria responder negativamente à

pergunta de Hamlet, seu filho. Por isso responde afirmativamente. No entanto, o filho

percebe a negativa na possibilidade muito remota de se jantar com o rei da Inglaterra, e

questiona novamente o pai. Este não responde que sim nem que não, ou seja, esconde-

se atrás do enunciado explícito; mas pede que a fala dele não seja contada à mãe.

Certamente porque ela conhece muito bem o enunciador e o contexto para depreender

o subentendido. Dessa forma, Hagar não teria como negar o que disse no não-dito.

79
Unidade 3 Leitura e Interpretação de Textos

Disponível em: http://www.google.com.br/


url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&docid=
aRPZ26ykEPENnM&tbnid=loWpMG2ctJfnvM:&ved=0CAQQjB0&url=
http%3A%2F%2Faescritanasentrelinhas.com.br%2F2008%2F05%2F17%2F
questao-discursiva-em-blog-para-concurseiro%2F&ei=
zJ7qUoyRH5LQkQeEloH4DA&bvm=bv.60444564,d.eW0&
psig=AFQjCNH8knBs7qkw-I2kBa3VW7Jgqqii5g
&ust=1391194167607880.

80
Leitura e Interpretação de Textos

UNIDADE 4
MÓDULO 13 - AMBIGUIDADE
Ambiguidade é a ocorrência de dois ou mais sentidos em uma mesma sentença;

é uma comunicação que possui mais de uma interpretação. Ela pode ser proposital ou

resultado de um equívoco do locutor. Tratar de ambiguidade é caminhar no terreno dos

sentidos, dos significados múltiplos que um texto adquire.

Proposital ou não, é decorrente do jogo com as palavras e sua colocação na

frase. E, como num jogo, o objetivo do ouvinte/leitor é descobrir a intenção do

falante/escritor para desfazer a ambiguidade.

Muitas vezes acontece de o autor de um texto não perceber a ambiguidade por

acreditar que aquilo que quis dizer ter sido bem dito; outras tantas vezes, acontece de o

leitor também não perceber a ambiguidade e construir o sentido conforme esta leitura.

Nesses casos, nem o autor realiza sua intenção nem o leitor constroi o sentido e o jogo

Unidade 4
termina como um jogo da velha, quando nenhum dos jogadores ganha.

Não basta estar atento ao discurso para perceber as ambiguidades. É preciso

conhecer as artimanhas da língua, para poder flagrá-la no uso. É preciso conhecer todos

os geradores da ambiguidade. Só assim, poderemos utilizá-los como recurso estilístico

ou evitá-los, se estiverem comprometendo o sentido. Só assim poderemos, em uma

leitura, perceber se ambiguidade foi ou não proposital e, caso tenha sido, com qual

propósito.

A ambiguidade pode ser gramatical, lexical e também visual. Neste último caso

será, artisticamente, proposital. Estudaremos, prioritariamente, os dois primeiros e, com

o terceiro, apenas ilustraremos algumas ocorrências.

A ambiguidade é lexical quando surge do emprego de palavras que

possuem mais de um significado. É gramatical quando surge de problemas na estrutura

das frases. É visual quando no jogo de cores e do claro/escuro, mais de uma imagem

pode ser visualizada.

81
Leitura e Interpretação de Textos

13.1 Ambiguidade lexical

Vocês já sabem: nossa língua está em constante mudança! Palavras

entram e saem a todo instante. Algumas vão para nunca mais voltar, outras chegam e

se mantêm em uma eterna metamorfose: mudam a forma, o sentido, adaptam-se ao

tempo; outras são palavras jovens que nascem no agora.

Nesta festa das palavras, muitas agregam significados novos sem se desvencilhar

dos antigos – são as chamadas palavras polissêmicas; e muitas adquirem a mesma

forma e som, mas com significados diferentes – são as chamadas palavras homônimas;

outras, ainda, possuem o mesmo som, mas com forma e significados diferentes – são

as chamadas homófonas. Polissêmicas e homônimas e homófonas favorecem o

surgimento da ambiguidade lexical.

Quando em contato com o falante, podemos resolver a ambiguidade no diálogo.

Um simples “o que você quis dizer com isto?” pode levar ao entendimento. Mas, em um
Unidade 4

texto, não dá para fazer esta mesma pergunta ao autor; por isso precisamos de dois

elementos-chave: o conhecimento de mundo (do leitor) e o contexto.

O contexto é depreendido das palavras que estão ao redor da palavra ambígua,

do gênero em que o texto foi escrito, de onde foi publicado, da época da divulgação, dos

fatos que estavam acontecendo na época da publicação. Para sabermos o contexto, é

preciso, portanto, fazer um levantamento dos elementos textuais e dos extratextuais.

Veja o que um grupo de amigos, residentes em Campo Grande, no Mato Grosso

do Sul, publicou em um outdoor:

Outdoor “Faça como o dunga”. Disponível em http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://s.glbimg.


com/es/ge/f/original/2010/05/13/outdoordunga620.jpg&imgrefurl. Acesso em dezembro de 2012.

82
Leitura e Interpretação de Textos

A ambiguidade desse outdoor é visivelmente proposital. Sabemos disso porque

levantamos o contexto:

1º) A disseminação no país da droga crack e o mal que ela exerce sobre o

usuário e todas as pessoas ao seu redor.

2º) Dunga era técnico da seleção brasileira e conhecemos bem a história,

comum em nosso país, de torcedores estarem sempre insatisfeitos com os técnicos,

pois cada torcedor se vê como um técnico.

A intenção do outdoor era, portanto, criticar o técnico e, em segundo plano, dizer

um não às drogas. Para isso, utilizaram-se do jogo das homófonas craque/crack. Os

craques (aqueles que se distinguem em alguma atividade, aqueles que são os melhores),

para os elaboradores do outdoor, eram os que pertenciam à lista que eles mesmos

levantaram, obviamente diferente da lista de Dunga. Fazer como Dunga e não usar

droga é um conselho paralelo depreendido do jogo das palavras.

Unidade 4
Para evitar ou desfazer a ambiguidade lexical é preciso conhecer o contexto de

enunciação. Pode-se, também, substituir o vocábulo por outro de sentido equivalente.

Para isso, tenha sempre um dicionário por perto. Um dicionário é extremamente bom

para aqueles que sempre querem mais significados precisos:

Propaganda dicionário “Aurélio Bom pra burro”. Disponível em http://www.google.com.br/


imgres?q=Propaganda+dicionário+“Aurélio+Bom+pra+burro”&hl. Acesso em dezembro de 2012.

Desfazendo a ambiguidade: a expressão “bom pra burro” significa que é muito

bom e não que se destina aos burros.

83
Leitura e Interpretação de Textos

À propósito: leia os diversos significados da palavra burro extraídos do

dicionário:

Burro (lat burru) 1 Zool Produto híbrido resultante do cruzamento da égua com o jumento; é
menos corpulento que o cavalo e tem orelhas muito grandes e crina curta. 2 Zool V jumento.
Col (acepções 1 e 2): lote, manada, récua, tropa. Voz: azurra, ornea, orneja, rebusna, relincha,
zorna, zuna, zurra. 3 fam Indivíduo estúpido, grosseiro, teimoso ou muito ignorante. 4 Jogo de
cartas próprio para crianças, no qual ganha o parceiro que primeiro se descarta. 5 O parceiro
que perde em cada partida desse jogo. 6 Náut Cabo para dar direção ao extremo da verga da
mezena. 7 Pontalete que sustém horizontalmente carro de boi ou carroça. 8 Cavalete triangular,
de altura regulável, em que se prende a madeira que vai ser serrada. 9 Armação em que os
canteiros lavram as lousas de pedra. 10 Prensa para espremer raspa de mandioca; arataca.
11 Aparelho para torcer o fumo em corda. 12 Náut Pequeno motor auxiliar. 13 Tradução literal
de autor clássico para auxilar os estudantes de línguas antigas. 14 Folc O médium de exu em
quimbanda. B.-burreiro, Reg (Rio Grande do Sul): burro padreador de um lote de burras. B.-
choro, Reg (Rio Grande do Sul): burro padreador de um lote de éguas; hechor. B. de carga:
pessoa que trabalha em demasia. B. montês: espécie de jumento bravo; onagro. B. sem rabo:
carregador que puxa um carrinho de mão. Adj Asnático, estúpido, grosseiro, tolo. Pra burro,
gír: em grande quantidade; muito, em demasia.
Unidade 4

13.2 Ambiguidade gramatical.

Uma peculiaridade da nossa língua é ela admitir a mudança de posição das

palavras na frase. Por exemplo, colocar o advérbio (que modifica o verbo, o adjetivo e o

próprio advérbio) distante do termo que ele está modificando, colocar o adjetivo antes ou

depois do substantivo, colocar o pronome anteposto ou posposto ao substantivo e assim

por diante.

A língua admite essas mudanças, porém, as mudanças deflagram novos

significados e o acúmulo destes pode gerar dúvidas sobre a intenção do falante/ escritor.

Para evitar ou desfazer a ambiguidade gramatical, é preciso, portanto, entender

que as possibilidades de organização da frase podem dar origem a várias interpretações.

Por isso, é preciso conhecer a estrutura normal da frase e suas modificações.

A estrutura da nossa língua é Sujeito – verbo – complemento. A qualquer inversão

destes termos ou dos elementos que se agregam a eles, devemos ficar atentos.

Sobretudo, para resolver as ambiguidades, devemos:

84
Leitura e Interpretação de Textos

Identificar a que palavra se refere um pronome. Observar a posição dos adjuntos

adverbiais.

Observar a posição das palavras nas orações adjetivas.

Vejamos algumas frases comuns utilizadas, didaticamente, para a constatação

da ambiguidade:

Procuro a chave do cofre que estava no quarto.


(o que estava no quarto: a chave ou o cofre?)

Exigi o livro de Pedro.


(o livro pertence a Pedro ou o livro está com Pedro e eu necessito dele?)

Crianças que comem doce frequentemente têm cáries.


(elas têm cáries por que comem doce com frequência ou há mais probabilidade de
ocorrerem cáries em crianças que comem doces?)
Passeando no centro daquela pacata cidade, vimos o traficante.
(quem estava passeando: nós ou o traficante?)

O advogado disse ao réu que suas palavras convenceriam o juiz.

Unidade 4
(as palavras de quem: do advogado ou do réu?)

O Manual de Redação da Presidência da República (2002)4 traz bem explicadinhas

as causas das ambiguidades gramaticais e as formas de resolvê- las. Vamos transcrever

estas ocorrências e suas respectivas correções:

1) pronomes pessoais:

Ambíguo: O Ministro comunicou a seu secretariado que ele seria exonerado.

Claro: O Ministro comunicou exoneração dele a seu secretariado. Ou então, caso

o entendimento seja outro:

Claro: O Ministro comunicou a seu secretariado a exoneração deste.

2) pronomes possessivos e pronomes oblíquos:

Ambíguo: O Deputado saudou o Presidente da República, em seu discurso, e

solicitou sua intervenção no seu Estado, mas isso não o surpreendeu.

Observe-se no exemplo acima a multiplicidade de ambiguidade que torna


4 Disponível em http://www.proec.ufg.br/arquivos/ManualRedPR2aEd.PDF
85
Leitura e Interpretação de Textos

inapreensível o sentido da frase.

Claro: Em seu discurso o Deputado saudou o Presidente da República. No

pronunciamento, solicitou a intervenção federal em seu Estado, o que não surpreendeu

o Presidente da República.

3) pronome relativo:

Ambíguo: Roubaram a mesa do gabinete em que eu costumava trabalhar.

Não fica claro se o pronome relativo da segunda oração se refere a mesa ou a

gabinete, essa ambiguidade se deve ao pronome relativo que, sem marca de gênero.

A solução é recorrer às formas o qual, a qual, os quais, as quais, que marcam gênero e

número.

Claro: Roubaram a mesa do gabinete no qual eu costumava trabalhar. Se o

entendimento é outro, então:


Unidade 4

Claro: Roubaram a mesa do gabinete na qual eu costumava trabalhar.

4) ambiguidade que decorre da dúvida sobre a que se refere a oração reduzida:

Ambíguo: Sendo indisciplinado, o Chefe admoestou o funcionário.

Para evitar o tipo de ambiguidade do exemplo acima, deve-se deixar claro qual o

sujeito da oração reduzida.

Claro: O Chefe admoestou o funcionário por ser este indisciplinado.

Ambíguo: Depois de examinar o paciente, uma senhora chamou o médico.

Claro: Depois que o médico examinou o paciente, foi chamado por uma

senhora.

Defeitos à parte, é preciso nunca se esquecer de que sem a ambiguidade, muito

do nosso riso não existiria, pois muitas piadas se fundamentam no duplo sentido de uma

estrutura gramatical ou do emprego de palavras com mais de um significado.

1) Doutor, já quebrei o braço em vários lugares.


86
Leitura e Interpretação de Textos

- Se eu fosse o senhor, não voltava mais para esses lugares.

2) Não deixe sua cadela entrar na minha casa de novo. Ela está cheia de pulgas.

- Diana, não entre nessa casa de novo. Ela está cheia de pulgas.

3) O bêbado está no consultório e o médico diz:

- Eu não atendo bêbado.

- Quando senhor estiver bom eu volto. – disse o bêbado

Também o texto propagandístico muito perderia sem a ambiguidade:

Unidade 4
Propaganda Nestlê “Encha seu filho de bolacha”. Disponível em http://www.google.com.br/
imgres?q=Propaganda+Nestlê+“Encha+seu+filho+de+bolacha”. Acesso em dezembro de 2012.

Propaganda assistência funerária Sinaf. “Como arrumar uma coroa”. Disponível em http://www.google.
com.br/imgres?q=Propaganda+assistência+funerária+Sinaf. +“Como+arrumar+uma+coroa”.&hl. Acesso
em novembro de 2012.

87
Leitura e Interpretação de Textos

13.3 Ambiguidade visual


Como antecipamos, este tipo de ambiguidade possui um objetivo artístico e é

decorrente do jogo das formas e das cores e seus matizes:

Disponível em: http://www.google.com.br/


url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&docid=KGC-
jy34AYu7nM&tbnid=RloBgqBDQvqkYM:&ved=0CAQQjB0&url=
http%3A%2F%2Fhellengleici.blogspot.com%2F2010%2F12%2Flicao-
10-as-mensagens-subliminares.html&ei=4aPqUuHeLNTJkAe33IDADA&bvm=
bv.60444564,d.eW0&psig=AFQjCNFNfUVn4bpAgS-
siZKsDF7ficgm0A&ust=1391195486037478.
Unidade 4

A moça e a velha

Disponível em: url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&docid=


QUdUTrPQ3RJ6yM&tbnid=TuyyRLAeoLTtAM:&ved=0CAQQjB0&url=
http%3A%2F%2Fwww.possibilidades.com.br%2Fpossibilimagens%
2Fimagem.asp%3Fid%3D17&ei=aaTqUujkKYjqkAedq4CIDg&bvm=
bv.60444564,d.eW0&psig=AFQjCNFO4qafrPNYUoH8Y54F_bXS_42iWw&ust=1391195623104202.

88
Leitura e Interpretação de Textos

Disponível em: http://www.google.com.br/


url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=
images&cd=&cad=rja&docid=7zL_lwFzGAUI0M&tbnid=
Cx3gT_ybkHuGsM:&ved=0CAQQjB0&url=http%3A%2F%2
Fdiletantismos.wordpress.com%2Ftag%2Filusao-otica-compreender-enganar-
busca%2F&ei=6arqUruRGIvSkQeO6oC4CQ&bvm=
bv.60444564,d.eW0&psig=AFQjCNHjGsyxcC4eXdA70f-
LzrxLyiFA8w&ust=1391197286955863.

13.4 Texto 4

Unidade 4
Como ler um texto

O aprendizado da leitura

Interessa a todos saber que procedimento se deve adotar para tirar o

maior rendimento possível da leitura de um texto. Mas não se pode responder a essa

pergunta sem antes destacar que não existe para ela uma solução mágica, o que não

quer dizer que não exista solução alguma. Genericamente, pode-se afirmar que uma

leitura proveitosa pressupõe, além do conhecimento linguístico propriamente dito, um

repertório de informações exteriores ao texto, o que se costuma chamar de conhecimento

de mundo. A título e ilustração, observe a questão seguinte, extraída de um vestibular da

UNICAMP:

Às vezes, quando um texto é ambíguo, é o conhecimento de mundo que o leitor

tem dos fatos que lhe permite fazer uma interpretação adequada do que se lê. Um bom

exemplo é o texto que segue:

89
Leitura e Interpretação de Textos

As videolocadoras de São Carlos estão escondendo suas fitas de sexo explícito.

A decisão atende a uma portaria de dezembro de 1991, do Juizado de Menores, que

proíbe que as casas de vídeo aluguem, exponham e vendam fitas pornográficas a

menores de 18 anos. A portaria proíbe ainda os menores de 18 anos de irem a motéis e

rodeios sem a companhia ou autorização dos pais. (Folha Sudeste, 6/6/92)

É o conhecimento linguístico que nos permite reconhecer a ambiguidade do texto

em questão (pela posição em que se situa, a expressão sem a companhia ou autorização

dos pais permite a interpretação de que com a companhia ou autorização dos pais os

menores podem ir a rodeios ou motéis). Mas o nosso conhecimento de mundo nos

adverte de que essa interpretação é estranha e só pode ter sido produzida por engano

do redator. É muito provável que ele tenha tido a intenção de dizer que os menores estão

proibidos de ir a rodeios sem a companhia ou autorização dos pais e de frequentarem

motéis.
Unidade 4

Como se vê, a compreensão do texto depende também do conhecimento de

mundo, o que nos leva à conclusão de que o aprendizado da leitura depende muito das

aulas de Português, mas também de todas as outras disciplinas sem exceção.

Três questões básicas

Uma boa medida para avaliar se o texto foi bem compreendido é a resposta a três

questões básicas:

I – Qual é a questão de que o texto está tratando? Ao tentar responder a essa

pergunta, o leitor será obrigado a distinguir as questões secundárias da principal, isto

e, aquela em torno da qual gira o texto inteiro. Quando o leitor não sabe dizer do que o

texto está tratando, ou sabe apenas de maneira genérica e confusa, é sinal de que ele

precisa ser lido com mais atenção ou de que o leitor não tem repertório suficiente para

compreender o que está diante de seus olhos.

II – Qual é a opinião do autor sobre a questão posta em discussão? Disseminados

pelo texto, aparecem vários indicadores da opinião de quem escreve. Por isso, uma
90
Leitura e Interpretação de Textos

leitura competente não terá dificuldade em identificá-la. Não saber dar resposta a essa

questão é um sintoma de leitura desatenta e dispersiva.

III – Quais são os argumentos utilizados pelo autor para fundamentar a opinião

dada? Deve-se entender por argumento todo tipo de recurso usado pelo autor

para convencer o leitor de que ele está falando a verdade. Saber reconhecer

os argumentos do autor é também um sintoma de leitura bem feita, um sinal claro de

que o leitor acompanhou o desenvolvimento das ideias. Na verdade, entender um texto

significa acompanhar com atenção o seu percurso argumentativo.

Francisco Platão Savioli. Disponível em


82rah://www.oportaldosestudantes.com.br/dicas/importante/lertexto.asp

Unidade 4

91
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 14 - CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO


Imagine uma língua em que cada palavra corresponde a uma exclusiva coisa; em

que haja uma correspondência inseparável entre objeto e palavra: para cada objeto uma

única e exclusiva palavra. Imaginou? Nem tente, pois esta

língua não existe. O que nós temos, em todas as línguas, é uma infinidade de palavras

que ora significam ora deixam de significar e que servem ora a um ora a vários objetos.

Um caos. Mas é deste caos que emerge a comunicação.

Leia uma excelente definição dada por Adélia Prado, poeta de Divinópolis-MG, a

este terreno movediço, chamado palavra, no qual caminhamos:

Antes do nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira. Quero é o esplêndido caos de onde

emerge a sintaxe, os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”,

o “o”, o “porém” e o “que”, esta incompreensível muleta que me apoia.


Unidade 4

Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.

A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser

calada.

Em momentos de graça, infrequentíssimos,

se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.

Puro susto e terror.

O disfarce da coisa é a palavra. Há uma esperança de acharmos a coisa pela

palavra. Por isso seguimos, neste caos, procurando a palavra. Esta, segundo os

estudiosos da língua, possuem denotação (um significado que corresponde ao objeto

representado) e conotação (um significado que extrapola a correspondência dicionarizada

entre palavra e objeto).

O sonho de todo aquele que espera cem por cento de clareza na comunicação

é que todas as palavras possuíssem apenas denotação. Sonho irrealizável, pois uma

palavra pode ter várias denotações e infindáveis conotações.

92
Leitura e Interpretação de Textos

14.1 Denotação

Denotar é indicar. Indicar é apontar com o dedo indicador. Quem aponta diz com

o dedo: “Olha, ali está!”. Logo, a denotação de uma palavra é o ato de ela apontar para

um objeto e dizer: “eis o objeto!”.

A denotação é aquele significado restrito que está no dicionário. Pertence à

linguagem comum, usual. Por exemplo, veja as denotações da palavra monstro extraída

do dicionário Aurélio:

Monstro: [do latim monstru] S.m. 1. Corpo organizado que apresenta,


em todas as suas partes ou em algumas delas, conformação anômala;
aberração. 2. Ser fantástico, da mitologia ou da lenda, de conformação
extravagante. 3. Animal excessivamente grande ou de aspecto
espantoso:
os monstros da pré-história. [...]

Veja que o significado até o recorte ([...]) está restrito ao animal. No entanto,

Unidade 4
na continuação do dicionário estende-se o significado a pessoas e a comportamentos

humanos. Há uma tênue linha que separa a denotação da conotação. Para identificá-la,

vamos enumerar algumas características da linguagem denotativa, também chamada

de referencial ou literal:

Refere-se ao sentido original da palavra buscando se aproximar da essência do

objeto (o que ele é).

Utiliza o sentido denotativo das palavras, ou seja, aquele retratado pelo dicionário.

É a linguagem utilizada nos textos jornalísticos, científicos, livros didáticos,

entre outros.

O intuito do emissor é possibilitar somente uma interpretação.

Na linguagem denotativa, se você chama alguém de monstro, é porque este

alguém realmente é monstro. Se você diz que estamos devorando um planeta, é porque

realmente, literalmente, estamos comendo um planeta. A denotação quer tudo ao pé da

letra.

93
Leitura e Interpretação de Textos

REVISTA VEJA. Estamos devorando o planeta (Capa). Edição 2143. 16/12/2009. Disponível em http://
veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx. . Acesso em dezembro de 2012.

E há aqueles que realmente aplicam a linguagem denotativa:


Unidade 4

14.2 Conotação

A denotação quer tudo ao pé da letra, mas não é assim que uma comunicação

acontece. É preciso considerar que o que é claro para um leitor pode não ser para

outro; determinados leitores precisam de muitas palavras para o entendimento, outros

de poucas; determinados momentos precisamos ser mais concisos, em outros mais

prolixos; determinadas situações é necessária maior objetividade e, em outras, maior

subjetividade.

Tanto para favorecermos a construção do significado pelo leitor quanto para


94
Leitura e Interpretação de Textos

construirmos o significado durante uma situação de interlocução, é importante

conhecermos as duas formas de linguagem: a denotativa e a conotativa.

A conotação é aquela característica da palavra de significar além do objeto que

representa. Ela se refere ao objeto para buscar uma significação e estendê-la a outro

objeto. Não está tão confuso assim; veja um exemplo comparativo:

1) Há um muro que divide nossas casas.

2) Desde aquela discussão, criou-se um muro intransponível entre nós

dois.

No primeiro exemplo, muro é muro mesmo: aquela divisória de cimento, areia e

tijolo. Logo, no sentido denotativo. Já no segundo, exemplo, muro é uma divisória, só que

não mais de cimento, areia e tijolos. É uma divisória feita de mágoas e ressentimento e

que age como um muro, dividindo os espaços, representando uma barreira entre duas

pessoas. Logo, no sentido conotativo.

Unidade 4
Observe que a conotação possui uma significação mais ampla, mais subjetiva, mais

relacionada ao sentimento de quem a utiliza. A linguagem conotativa, também chamada

de afetiva, é muito comum em textos literários e em propagandas. É uma linguagem

circunstancial, ou seja, criada conforme a circunstância e para a circunstância:

Outro exemplo para ilustrar:

No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
(Carlos Drummond de Andrade)

95
Leitura e Interpretação de Textos

Se a pedra no meio do caminho for uma pedra mesmo, não há muito o que se

pensar e aceitamos o sentido denotativo e pronto. Mas se a palavra pedra não estiver

definindo uma pedra mesmo, à que poderia ela estar se

referindo? Um obstáculo ou um incômodo qualquer ou uma dor ou... Ou várias outras

possibilidades de significado, que serão apreendidos por nós quanto maior for nossa

capacidade de ler o contexto e de ler o mundo.

Adelia Prado, em seu poema Paixão, fala-nos deste momento terrível para o

poeta de olhar pedra e ver, denotativamente, pedra.

Paixão
De vez em quando Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo.
O mundo, cheio de departamentos,
não é a bola bonita caminhando solta no espaço. [...]
Adélia Prado.
Unidade 4

Que tenhamos sempre a possibilidade de ler tanto a pedra quanto as

incontáveis conotações da pedra!

17.3 Texto 5
Generalização e Especificação
A linguagem é tanto mais clara, precisa e pitoresca quanto mais específica e
concreta. Generalizações e abstrações tornam confusas as 87rahma, traduzem conceitos
vagos e imprecisos. Que é que expressamos realmente com o adjetivo ‘belo’, de sentido
geral e abstrato, aplicável a uma infinidade de seres ou coisas, quando dizemos uma
bela mulher, um belo dia, um belo caráter, um belo quadro, um belo filme, uma bela
notícia, um belo exemplo, uma bela cabeleira? É possível que a ideia geral e vaga de
‘beleza’ lhes seja comum, mas não suficiente para distingui-los, para caracterizá-los de
maneira inconfundível. Praticamente quase nada se expressa com esse adjetivo
aplicado indistintamente a coisas ou seres tão díspares. Seria possível assinalar-lhes
traços singularizantes por meio de outros adjetivos mais específicos – mulher atraente,
tentadora, sensual, arrebatadora, elegante, graciosa, meiga...; dia ensolarado, límpido,
luminoso, radiante, festivo...; caráter reto, impoluto, exemplar...; rapaz esbelto,
robusto, guapo, gentil, cordial, educado...
É claro que, ainda assim, o resultado não seria grande coisa, pois muitos dos
adjetivos propostos são ainda bastante vagos e imprecisos, se bem que em menor grau
do que “belo”. No caso, o recurso a metáforas e comparações teria maiores possibilidades
de salientar os traços mais característicos e pitorescos do que a simples adjetivação.
As palavras abstratas apelam menos para os sentidos do que para a inteligência.
96
Leitura e Interpretação de Textos

Por traduzirem ideias ou conceitos dissociados da experiência sensível, seu teor se


nos afigura esmaecido ou impreciso, exigindo do espírito maior esforço para lhes
apreender a integral significação. A sentença de Aristóteles, vulgarizada pela frase de
Locke – nihil est intellectu quod prius fuerit in sensu – é incontestável: realmente, nada
nos chega à inteligência sem passar antes pelos sentidos. Isso não significa,
entretanto, que a linguagem humana deve prescindir de abstrações para se fazer clara
– muitas vezes, mesmo traduzida em termos exclusivamente concretos, ela se torna
também obscura. Portanto, o que se aconselha é uma conjunção dos dois processos.
É o que ocorre, por exemplo, nas ciências experimentais, em que hipótese,
conclusões, generalizações – vale dizer abstrações – se apoiam, se esclarecem, se
fundamentam em especificações – vale dizer, em fatos concretos. Tudo depende da
natureza do assunto, do propósito da comunicação e do nível mental do leitor ou ouvinte.
Mesmo no estilo literário propriamente dito, essa conjunção é ou deve ser frequente.
E os bons escritores sabem disso, e por sabê-lo é que recorrem, em maior ou menor
grau, a comparações e metáforas de teor concretizante. O conceito de vida, por exemplo,
é muito abstrato, ou muito vago para ser facilmente apreendido em toda sua extensão –
traduzido, entretanto, em linguagem concreta, torna-se mais claro. Foi o que fez o padre
Antônio Vieira: “Que coisa é a vida, senão uma lâmpada acesa – vidro e fogo? Vidro,
que com um assopro se faz; fogo, que com um assopro se apaga?” As ideias abstratas
de fragilidade e transitoriedade da vida aparecem aí expressas em termos concretos,
de sentido metafórico (vidro, lâmpada, acesa, assopro, fogo, se faz, se apaga), que nos
lembram sensações físicas, oriundas da experiência do cotidiano; graças a isso, como
que a se materializarem, tornando-se mais familiares, mais conhecidas, mais facilmente

Unidade 4
apreensíveis.
A sabedoria popular traduzida nos provérbios é um exemplo da linguagem
concreta concisa, frequentemente metafórica e pitoresca. A sentença “onde impera a
mediocridade ou a ignorância, os que têm algum merecimento se destacam
facilmente” não tem o mesmo vigor nem a mesma concisão do conhecido provérbio “Em
terra de cego, quem tem olho é rei”.
No gênero descritivo, principalmente, impõe-se a preferência por palavras de
sentido concreto, específico e metafórico. Nenhuma ideia nos daria de determinado
jardim o autor que se limitasse a generalidades, dizendo apenas que é muito bonito,
muito florido, com os seus canteiros cheios de viçosas flores, com algumas plantas
rasteiras, uma grama bem tratada e uma árvore muito frondosa. Flores? Que flores?
Plantas rasteiras? Que plantas rasteiras? Uma árvore muito frondosa? Que árvore? Há
de especificar tudo isso, para que a descrição do jardim se torne inconfundível.

GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em Prosa Moderna.


Rio de Janeiro: FGV, 1976. (Texto Adaptado)

97
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 15 - FIGURAS DE LINGUAGEM


Conforme podemos constatar na parte da gramática que trata de estilística,

“figuras de linguagem, também chamada de figuras de estilo, são recursos especiais de

que se vale quem fala ou escreve, para comunicar à expressão mais força e colorido,

intensidade e beleza.” (CEGALA, p.543)

Muito se fala sobre o uso das figuras de linguagem com o fim de dar maior

expressividade às mensagens. No entanto, mais que expressividade, o objetivo é o

sentido, o significado; é aquela busca da coisa pela palavra, pela palavra que, como

disse Adélia Prado em um de seus versos, “é o disfarce da coisa”.

O bom da língua é que ela nos oferece inúmeros recursos para isso. Um deles

encontra-se nas figuras de linguagem. Com elas, impingimos originalidade, emoção e

poesia ao discurso. Por meio delas, a sensibilidade do produtor navega até os receptores,

despertando emoções, transformando pensamentos, sentimentos.


Unidade 4

As figuras de linguagem são roupagens do sentido figurado, conotativo. Seu

uso indica criatividade e expansão do significado. Elas se subdividem em figuras de

som, figuras de construção, figuras de pensamento e figuras de palavras. Estudaremos

algumas figuras de cada subdivisão com a finalidade do reconhecimento da importância

deste tópico para a construção do sentido. Aproveite para saborear alguns poemas e

permitir que eles cumpram a função de sensibilização. Deixe-se invadir pela criatividade

do uso das figuras.

15.1 Figuras de Som

a) Aliteração: repetição de mesmos sons consonantais.

“Esperando, parada, pregada na pedra do porto


Com seu único velho vestido Cada dia mais curto”
(Chico Buarque)

b) Assonância: repetição de sons vocálicos idênticos. Observe como as vogais se

repetem no poema de Cassiano Ricardo:


98
Leitura e Interpretação de Textos

Serenata sintética
Lua
morta
Rua
torta
Tua
porta
(Cassiano Ricardo)

Também neste haikai de Leminsk:

Amei em cheio
Amei em cheio
meio amei-o
meio não amei-o.
(Paulo Leminski)

c) Paronomásia: aproximação de palavras de sons parecidos, mas de significados

Unidade 4
distintos.
[...]
Não, acho que estás só fazendo de conta
Te dei meus olhos pra tomares conta,
Agora, conta como hei de partir?
(Chico Buarque)

15.2 Figuras de construção

a) Elipse: omissão de um termo facilmente identificável pelo contexto.

“Na sala, apenas quatro ou cinco convidados.”


(omissão de havia)

b) Polissíndeto: repetição de conectivos ligando termos da oração ou elementos

do período.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
99
Leitura e Interpretação de Textos

que não tinha entrado na história.


(Carlos Drummond de Andrade)

c) Zeugma: elipse de um termo que já apareceu antes:

“João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento”


(omissão de foi)

d) Inversão: mudança da ordem natural dos termos na frase. (A ordem natural é

sujeito – verbo – complemento: Um pouco de tudo ficou)

“De tudo ficou um pouco.


Do meu medo.
Do teu asco.”

e) Anacoluto: consiste em deixar um termo solto na frase. Normalmente, isso


Unidade 4

ocorre porque se inicia uma determinada construção sintática e depois se opta por outra.

A vida, não sei realmente se ela vale alguma coisa.

f) Pleonasmo: redundância cuja finalidade é reforçar a mensagem. Veja a

ocorrência de pleonasmo no Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes:

De tudo, ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do meu amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
100
Leitura e Interpretação de Textos

Mas que seja infinito enquanto dure.


(Vinícius de Moraes)

g) Anáfora: repetição de uma mesma palavra no início de versos ou frases.

“ Amor é um fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer”
(Camões)

Extremamente circunspecta...
Extremamente circunspecta
Jazia a perna. Digo-vos que extremamente circunspecta e pálida
Jazia a perna. Digo-vos que extremamente circunspecta, pálida e ambígua
Jazia a perna. Digo-vos que extremamente circunspecta, pálida, ambígua e
superveniente
Jazia a perna. Uma perna jazia extremamente
Entre aparatos. Calçada de sapatos e de meias. Só não trazia
Ligas, nem a parte superior, a que saindo do joelho

Unidade 4
Aprofunda-se como coluna até onde o ser se duplica.
[...]
(Vinícius de Moraes)

15.3 Figuras de pensamento

a) Antítese: consiste na aproximação de termos contrários, de palavras que se

opõem pelo sentido.

“Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.”
(Vinícius de Moraes)

b) Ironia: é a figura que apresenta um termo em sentido oposto ao usual, obtendo-

se, com isso, efeito crítico ou humorístico.

“Marcela me amou durante onze meses e quinze contos de réis”


(Machado de Assis)

101
Leitura e Interpretação de Textos

c) Eufemismo: consiste em substituir uma expressão por outra menos brusca; em

síntese, procura-se suavizar alguma afirmação desagradável.

Ele enriqueceu por meios ilícitos. (em vez de ele roubou)


Passou desta para uma melhor (morreu)
(Manuel Bandeira)

[...]
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo Profundamente.
Unidade 4

(Manuel Bandeira)

d) Hipérbole: trata-se de exagerar uma ideia com finalidade enfática.

Estou morrendo de sede. (em vez de estou com muita sede).

“Pela lente do amor


Vejo tudo crescer
Vejo a vida mil vezes melhor”.
(Gilberto Gil)

“Minha tristeza não tem pedigree,


já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô”.
(Adélia Prado)

e) Prosopopeia ou personificação: atribuição a seres inanimados predicativos

que são próprios de seres animados.

102
Leitura e Interpretação de Textos

A rua onde nasci


A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge
E tem casas baixas que ficam me espiando de noite
Quando a minha angústia passa olhando o alto...
A minha rua tem avenidas escuras e feias
De onde saem papéis velhos correndo com medo do vento
E gemidos de pessoas que estão eternamente à morte. [...]
É uma rua como tantas outras
Com o mesmo ar feliz de dia e o mesmo desencontro de noite
A rua onde eu nasci.
(Vinícius de Moraes)

f) Gradação ou clímax: é a apresentação de ideias em progressão ascendente ou

descendente
O verbo no infinito
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar

Unidade 4
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

crescer, e saber, e ser, e haver


E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor


E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
(Vinícius de Moraes)

g) Apóstrofe: consiste na interpelação enfática a alguém ou algo personificado.

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?


Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?
[...]
(Castro Alves)

103
Leitura e Interpretação de Textos

15.4 Figuras de palavras

a) Metáfora: emprego de um termo com significado diferente do habitual, com base

numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. A metáfora é

uma forma de expressar a compreensão do mundo. Mais que por palavras ela é formada

por ideias e percepções sobre a vida que adquirimos nas nossas experiências cotidianas.

Para a compreensão da metáfora criada por outros, é necessário que haja um

compartilhamento de conceitos. Se eu digo, por exemplo, que “meu pensamento

é um rio subterrâneo”, você só conseguirá definir meu pensamento se tiver uma

definição para “rio subterrâneo”. Quanto mais próximas estiverem as nossas definições

sobre este termo, mais nos aproximaremos da definição do que seja meu pensamento.

Se para você “rio subterrâneo” é rio embaixo da terra, aquele que não vemos,

então meu pensamento será algo que não se vê, mas que existe no fundo de mim mesma.

Agora se você considera que rio subterrâneo é aquele que guarda mais mistérios que
Unidade 4

um rio sobre a terra; é aquele que surpreende ao ser desvendado; é aquele que reserva

belezas e surpresas e encantamentos; se assim considera, então ampliamos o conceito

sobre o que é meu pensamento.

Vamos a um exemplo mais comum: os versos de Camões: “o amor é fogo que

arde sem cessar”.

Fogo é calor, luz, energia, um constante jogo de cores na constante mudança no

tamanho e nas formas das chamas. Logo, o amor é tudo isso e mais, porque Camões

diz que é um fogo que não cessa. Sabemos que findo o elemento da combustão, o fogo

cessa; se é uma madeira, assim que esta é queimada o fogo acaba. No amor não. Nele,

o elemento que dá vida ao fogo não é consumido pelo fogo; por isso o fogo permanece.

Viram? Uma metáfora transporta o significado de um ou mais elementos para outro.

Dessa forma, o significado é enriquecido. O que está sendo definido ganha em sentido,

ampliando, assim, a percepção do sujeito sobre o objeto metaforizado.

Lendo o poema “Os poemas” de Mário Quintana, veja como, sob as graças da

metáfora, amplia-se nossa definição de poesia, da que vem de longe e da que mora em
104
Leitura e Interpretação de Textos

nós:

Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
(Esconderijos do Tempo. Mário Quintana.)

b) Metonímia: consiste numa transposição de significado com base não em traços

de semelhança, como na metáfora, mas na relação lógica entre os termos. Enquanto

na metáfora o significado é levado de um objeto ou termo para outro, na metonímia o

significado já existe entre os dois termos. A função do leitor, neste caso, é identificar o

elo estabelecido pelo sentido comum.

Unidade 4
Se, por exemplo, eu digo que gosto de ler Machado de Assis, você deverá

entender que eu gosto de ler as obras deste autor. Se digo que bebi todo o cálice, você

saberá que ninguém bebe cálice e sim o líquido que nele está. E assim, são várias as

relações lógicas de sentido estabelecidas entre os termos. Vejamos algumas:

1 – Autor pela obra ou Inventor pelo invento:

Gosto de ler Manuel Bandeira.

(Gosto de ler a obra literária de Manuel Bandeira.)

2 – Símbolo pelo objeto simbolizado:

Meu coração é verde e amarelo, branco, azul-anil;

eu te amo, meu Brasil, eu te amo!

(as cores da bandeira como símbolo do amor ao país)

3 – Lugar pelo produto do lugar:

Nada melhor que tomar um porto nas noites frias com os amigos.

(porto é nome do vinho produzido na região do Porto)

105
Leitura e Interpretação de Textos

4 – Causa pelo efeito:

Como o pão com o suor do meu rosto

(Adquiro o alimento com meu trabalho: suor é o efeito;

o trabalho é a causa do suor)

5 – Continente pelo conteúdo:

Bebeu o copo todo.

(Bebeu todo o líquido que estava no copo)

6 – Instrumento pela coisa ou entidade que o utiliza:

A pena vencerá a espada

(a pena é o instrumento da educação

e a espada é o instrumento da opressão, da guerra)

7 – Parte pelo todo:

“O bonde passa cheio de pernas:


Unidade 4

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos não perguntam nada”

(Drummond está dizendo que o bonde passa cheio de gente, mesmo que ele estivesse

olhando somente para as pernas das pessoas que estavam no bonde.)

8 - Específico pelo geral ou geral pelo específico:

O homem foi à Lua.

(Apenas alguns astronautas foram à

Lua e não todos os homens.)

9 - Marca pelo produto:

Que tal uma brahma bem gelada?

(a marca pela cerveja)

c) Catacrese: ocorre quando, por falta de um termo específico para designar

um conceito, tomou-se outro por empréstimo, mas, devido ao uso contínuo, não mais se
106
Leitura e Interpretação de Textos

percebe que ele está sendo empregado em sentido figurado.

Veja alguns exemplos:

Mão de pilão, pé de mesa, asa da xícara, boca do estômago, manga da camisa,

maçã do rosto, cabeça de prego, braço da poltrona, dente de alho, braço do rio, cabeça

de alfinete, pé da página, barriga da perna, cabelo de milho, folha de papel, coroa do

abacaxi.

d) Antonomásia ou perífrase: substituição de um nome por uma expressão que o

identifique com facilidade:

Os quatro rapazes de Liverpool (os Beatles)

O Velho Guerreiro (Chacrinha)

A rainha dos baixinhos (Xuxa)

O rei do futebol (Pelé)

Unidade 4
O Filho de Deus (Jesus Cristo)

A terra da garoa (São Paulo)

Galo (Atlético mineiro)

Apóstolo dos gentios (Paulo)

e) Sinestesia: é a mistura, numa expressão, de sensações percebidas por diferentes

órgãos do sentido: tato, visão, audição, paladar, olfato. Para criar ou compreender a

linguagem sinestésica, é preciso relacionar o campo do sentido às palavras que lhe são

próprias:

TATO VISÃO AUDIÇÃO PALADAR OLFATO


Macio Brilho Música Amargo Aroma
Áspero Azul Melodia doce incenso

Depois, basta misturar estas palavras com algum substantivo. Por exemplo:

107
Leitura e Interpretação de Textos

Sentirei saudades amargas do doce comprometimento de meus alunos; a

presença deles era melodia azul para meu coração.

“Esta chuvinha de água viva esperneando luz e ainda com gosto de mato
longe, meio baunilha, meio manacá, meio alfazema”.
(Mário de Andrade)
Unidade 4

108
Leitura e Interpretação de Textos

MÓDULO 16 - INTERPRETANDO UM TEXTO


Primeiramente vamos distinguir os termos analisar e interpretar. Analisar quer

dizer decompor em partes com o objetivo de conhecer e revelar estas partes e as

ligações que há entre elas. Analisar é, portanto, um caminho para interpretar.

Para Severino Barbosa, “a análise é um instrumento importantíssimo nos processos

de conhecimento da realidade, assim como nos processos de organização de nosso

pensamento e nossa linguagem” (1994, p.94).

Interpretar é captar a intenção geral do texto. Isso acontece na reunião das partes

que foram separadas para a análise. Com a correta análise chega-se à interpretação

e, com esta, a possibilidade de julgamento do texto, o desenvolvimento da criticidade

(capacidade crítica).

A análise é, então, o caminho. Tudo o que estudamos até aqui foi a bagagem para

trilharmos este caminho. Para Irandê Antunes, analisar textos é procurar:

Unidade 4
Descobrir o esquema de composição: qual a orientação temática e

com qual propósito comunicativo.

Identificar suas partes constitutivas e as funções pretendidas para

cada uma delas.

Identificar as relações entre as partes e entre elas e o contexto.

Identificar os efeitos de sentido decorrentes de escolhas lexicais e

de recursos sintáticos.

Descobrir o conjunto de regularidades que caracteriza o texto

como pertencente a um determinado gênero com a predominância

de um determinado tipo.

Para descobrir o conjunto de regularidades de um texto devemos

perguntar:

O que é dito? Como foi dito? Com que recursos lexicais e gramaticais? Quais

as estratégias discursivas? Quando é dito? Por que é dito? Para quem? Que efeitos

pretende provocar? O que está explícito? O que está implícito?


109
Leitura e Interpretação de Textos

Vamos por partes?

1ª) ler o texto para poder dividi-lo e questioná-lo. Vamos, nesta leitura, sublinhar

o tópico frasal e as palavras-chave (como vimos no módulo 13).

Para aprender sem desaprender

Paulo de Camargo free-lance para a Folha de S.Paulo

29/06/2004 – 03h04

O prazer, o interesse e a motivação são decisivos para a aprendizagem. “O cérebro

tem capacidade finita, ainda que muito grande. Mas a capacidade de aprender depende

da motivação. Um péssimo aluno na escola fundamental pode fazer uma excelente pós-

graduação, pois a razão do desempenho ruim poderia ser só uma manifestação de

desinteresse”, considera o neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Rockfeller,

em Nova York.

O resultado da energia despendida no estudo também está ligado a um outro


Unidade 4

perigo dos tempos modernos: a ansiedade. Segundo Ribeiro, existe um nível ótimo

de ansiedade de aprender, além do qual o esforço é contraproducente. “Uma pessoa

desmotivada aprende mal, mas o mesmo acontece com uma pessoa excessivamente

ansiosa. A curva de aprendizado em função de estresse é um U invertido, sendo o

máximo da curva o ponto ótimo, isto é, no meio”, explica o neurocientista.

Mas é preciso lembrar que o aluno não é um vaso a ser preenchido com litros de

informação. De acordo com a educadora Evelise Portilho, professora da PUC do Paraná,

“os caminhos da aprendizagem passam necessariamente pelas características

individuais de cada um: seu gosto, seus interesses e sua maneira de

incorporar novas informações”.

Segundo ela, cada um pode identificar características do próprio estilo, ao observar

como aprende algo nas situações nas quais se envolve por prazer. Por exemplo, se a

pessoa é do tipo que gosta de passar horas debruçada sobre um manual de

instruções até aprender a instalar um novo eletrodoméstico, esse procedimento indica

uma grande capacidade de concentração e persistência, o que vale para outros


110
Leitura e Interpretação de Textos

momentos de aprendizado.

Outra pista importante para conhecer o próprio jeito de aprender, dizem

os educadores, é que todos tendem a repetir dificuldades históricas. Quem sofreu com

a organização das informações, por exemplo, pode continuar sofrendo com isso. Mas

ânimo. “Não há quem não tenha dificuldades, assim como não há dificuldades que não

possam ser superadas”, diz Evelise.

Qualquer que seja o método, porém, é preciso vencer a ideia de que aprender é

decorar. “A aprendizagem é um processo integrado de aspectos conceituais, emocionais

e até físicos”, diz o consultor José Ernesto Bologna.

Para ele, é imediatismo achar que basta comprar o livro e responder às perguntas

no fim do capítulo. “Isso é vício, e não aprendizagem”, conclui.

Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u857.shtml.
Acesso em 21/12/2012.

Unidade 4
Uma vez sublinhado, vamos decompor, analisar:

Título: Aprender sem desaprender

O que se espera de um texto com esse título?

Que ele vá ensinar alguma técnica de aprendizagem para que esta não caia no

esquecimento.

Quem escreveu?

Paulo de Camargo; free-lance, ou seja, escreve sobre temas específicos que ele

mesmo escolhe e envia para o jornal. Ele não tem um vínculo empregatício com o jornal

e recebe pelos artigos que são publicados. Que esperamos de um free-lance? Que ele

irá se empenhar para realizar um bom artigo, pois só assim receberá por ele.

Qual o jornal que publicou o artigo?

Folha de São Paulo: o segundo maior jornal do país com um público em que mais

de 70% pertencem à classe A e B e mais de 90% acreditam na educação como garantia


111
Leitura e Interpretação de Textos

de um futuro melhor. Enfim, um jornal que possui a credibilidade de muitos leitores

brasileiros.

Quando foi publicado?

Em abril de 2004. É relativamente recente, portanto um tema atual, que tem

referência com acontecimentos da nossa contemporaneidade.

Qual a ideia principal apresentada para ser defendida no texto? Ou, no caso deste

texto, qual é o tópico frasal do primeiro parágrafo?

O prazer, o interesse e a motivação são decisivos para a aprendizagem.

Quais as ideias secundárias, aquelas que estão agregadas à principal para lhe dar

sustentação?

Capacidade de aprender depende da motivação; razão do desempenho ruim:


Unidade 4

desinteresse; a forma de aprendizagem depende de cada um; aprender não é decorar.

Como foi dito? Com que recursos lexicais e gramaticais? Quais as estratégias

discursivas?

O autor se utiliza do tipo dissertativo – com introdução, desenvolvimento e

conclusão – predominantemente argumentativo com traços do expositivo para formar o

gênero textual artigo jornalístico, no qual apresenta as defesas para uma aprendizagem

consistente.

Os argumentos são as definições, as citações, o uso de metáfora (“o aluno não

é um vaso a ser preenchido com litros de informação”), de conjunções adversativas,

concessivas, explicativas (mas, porém; ainda que; pois)

As citações, argumentos de autoridade, predominam no texto. São citados: o

neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Rockfeller, em Nova York; a educadora

Evelise Portilho, professora da PUC do Paraná; o consultor José Ernesto Bologna.

Observe que todo o texto é construído a partir de citações diretas e indiretas.


112
Leitura e Interpretação de Textos

Este recurso exime parcialmente o jornalista da responsabilidade sobre a veracidade do

que está escrito: foi outro quem disse e não ele. Ou seja, há um compartilhamento de

opiniões com personagens de renome no assunto. E se o outro é tão importante assim,

o leitor crê no que foi dito.

Para quem é dito, ou seja, a que público o texto se direciona?

No geral, àqueles que se interessam pela educação (90% dos leitores da Folha).

Prioritariamente, aos professores e demais atores da escola, pais de estudantes e aos

estudantes.

Que efeitos pretende provocar?

Conscientizar sobre a importância da motivação do aluno no processo de

aprendizagem. Alterar comportamentos, tanto de alunos quanto de pais e professores.

Unidade 4
O que está implícito?

O Não dito é lido pelo que foi dito: ao afirmar que é necessária motivação

para o aprendizado, o autor, simultaneamente, mostra que há quem diga que não.

Simultaneamente, há uma denúncia de escolas, pais e alunos que ainda se mantêm na

ideia de que o ser humano é “um vaso a ser preenchido com litros de informação”.

Extrapolando o implícito, podemos questionar o que é a motivação e constatarmos

que ela é resultado de um movimento mais interno do que externo. O ser se motiva muito

mais que é motivado. Logo, quem direciona o processo de aprendizagem é o próprio

aluno. E direciona interessando-se, rompendo as barreiras, gostando do que faz.

Gostando do que faz! Fica aqui, no implícito do implícito, meu desejo a vocês: que

tenham amor ao estudo da linguagem. Isso, certamente, é alimento da motivação e,

consequentemente, de uma aprendizagem frutífera.

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Leitura e Interpretação de Textos

16.1 Texto 6

[...]

Os diferentes níveis de leitura

PRIMEIRO NÍVEL é elementar e diz respeito ao período de alfabetização. Ler é

uma capacidade cerebral muito sofisticada e requer experiência: não basta apenas

conhecermos os códigos, a gramática, a semântica – é preciso que tenhamos um bom

domínio da língua.

SEGUNDO NÍVEL é a pré-leitura ou leitura inspecional. Tem duas funções

específicas: primeiro, prevenir para que a leitura posterior não nos surpreenda e, segundo,

para que tenhamos chance de escolher qual material leremos, efetivamente. Trata-se,

na verdade, de nossa primeira impressão sobre o livro. É a leitura que comumente

desenvolvemos “nas livrarias”. Nela, por meio do salteio de partes, respondemos

basicamente às seguintes perguntas:


Unidade 4

Por que ler este livro?

Será uma leitura útil?

Dentro de que contexto ele poderá se enquadrar?

Essas perguntas devem ser revistas durante as etapas que se seguem,

procurando usar de imparcialidade quanto ao ponto de vista do autor e ao assunto,

evitando preconceitos.

Pré-leitura: Nome do livro; Autor; Dados bibliográficos; Prefácio e índice; Prólogo

e introdução

Os passos da pré-leitura

O primeiro passo é memorizar o nome do autor e a edição do livro, fazer um

folheio sistemático: ler o prefácio e o índice (ou sumário), analisar um pouco da história

que deu origem ao livro, ver o número da edição e o ano de publicação. [...] Verifique

detalhes que possam contribuir para a coleta do maior número de informações

possível. Tudo isso vai ser útil quando formos arquivar os dados lidos no nosso arquivo

mental!
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Leitura e Interpretação de Textos

O segundo passo é fazer uma leitura superficial. Pode-se, nesse caso, aplicar as

técnicas da leitura dinâmica.

TERCEIRO NÍVEL é conhecido como analítico. Depois de vasculharmos bem o livro na

pré-leitura, analisamos o livro. Para isso, é imprescindível que saibamos em qual gênero

o livro se enquadra: trata-se de um romance, um tratado, um livro de pesquisa e, neste

caso, existe apenas teoria ou são inseridas práticas e exemplos.

No caso de ser um livro teórico, que requeira memorização, procure criar imagens

mentais sobre o assunto, ou seja, VEJA, realmente, o que está lendo, dando vida e

muita criatividade ao assunto.

Note bem: a leitura efetiva vai acontecer nesta fase, e a primeira coisa a fazer é

ser capaz de resumir o assunto do livro em duas frases. Já temos algum conteúdo para

isso, pois o encadeamento das ideias já é de nosso conhecimento. Procure, agora, ler

bem o livro, do início ao fim. Esta é a leitura efetiva, aproveite bem este momento!

Unidade 4
Não pare a leitura para buscar significados de palavras em dicionários ou sublinhar

textos – isto será feito em outro momento!

QUARTO NÍVEL de leitura é o denominado de controle. Trata-se de uma leitura com a

qual vamos efetivamente acabar com qualquer dúvida que ainda persista. Normalmente,

os termos desconhecidos de um texto são explicitados no próprio texto, à medida que

vamos adiantando a leitura. Um mecanismo psicológico fará com que fiquemos com

aquela dúvida incomodando-nos até que tenhamos a resposta. Caso não haja explicação

no texto, será na etapa do controle que lançaremos mão do dicionário.

Veja bem: a esta altura já conhecemos bem o livro e o ato de interromper a leitura

não vai fragmentar a compreensão do assunto como um todo. Será, também, nessa

etapa que sublinharemos os tópicos importantes, se necessário.

Para ressaltar trechos importantes opte por um sinal discreto próximo a eles,

visando principalmente a marcar o local do texto em que se encontra, obrigando-o a fixar

a cronologia e a sequência deste fato importante, situando-o no livro.

Aproveite bem esta etapa de leitura! Para auxiliar no estudo, é interessante que,
115
Leitura e Interpretação de Textos

ao final da leitura de cada capítulo, você faça um breve resumo com suas próprias

palavras de tudo o que foi lido.

QUINTO NÍVEL pode ser opcional: a etapa da repetição aplicada. Quando lemos,

assimilamos o conteúdo do texto, mas aprendizagem efetiva vai requerer que

tenhamos prática, ou seja, que tenhamos experiência do que foi lido na vida. Você só

pode compreender conceitos que tenha visto em seu cotidiano. Nada como unir a teoria

à prática.

Na leitura, quando não passamos pela etapa da repetição aplicada, ficamos

muitas vezes sujeitos àqueles brancos quando queremos evocar o assunto. Para evitar

isso, faça resumos! Observe agora os trechos sublinhados do livro e os resumos de

cada capítulo, trace um diagrama sobre o livro, esforce-se para traduzi-lo com suas

próprias palavras. Procure associar o assunto lido com alguma experiência já vivida ou

tente exemplificá-lo com algo concreto, como se fosse um professor e o estivesse


Unidade 4

ensinando para uma turma de alunos interessados.

É importante lembrar que esquecemos mais nas próximas 8 horas do que nos

30 dias posteriores. Isto quer dizer que devemos fazer pausas durante a leitura e ao

retornarmos ao livro, consultamos os resumos. Não pense que é um exercício monótono!

Nós somos capazes de realizar diariamente exercícios físicos com o propósito de

melhorar a aparência e a saúde. Pois bem, embora não tenhamos condições de ver

com o que se apresenta nossa mente, somos capazes de senti-la quando melhoramos

nossas aptidões como o raciocínio, a prontidão de informações e, obviamente, nossos

conhecimentos intelectuais. Vale a pena se esforçar no início e criar um método de

leitura eficiente e rápido.


Andréa Machado e Edson Teixeira. Disponível em http://www.
oportaldosestudantes.com.br/dicas/importante/lertexto.asp.
(Texto adaptado)

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Leitura e Interpretação de Textos

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