Anda di halaman 1dari 33

Max Weber – Vida e Obra

Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de Maquiavel


(1469-1527) e Montesquieu (1689-1755), o estudo científico dos fatos humanos
somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época,
assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais, concretizadas nas
radicais transformações da vida material do homem; operadas pela Revolução
Industrial. Diante dessa comprovação inequívoca da fecundidade do caminho
metodológico apontado por Galileu (1564-1642) e outros, alguns pensadores
que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a
abordá-los segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao
contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano e a conseqüente
necessidade de uma metodologia própria. Essa metodologia deveria levar em
consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais e um
conhecimento de algo externo ao próprio homem, enquanto nas ciências
sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana. De acordo
com a distinção entre experiência externa e experiência interna, poder-se-ia
distinguir uma série de contrastes metodológicos entre os dois grupos de
ciências. As ciências exatas partiriam da observação sensível e seriam
experimentais, procurando obter dados mensuráveis e regularidades
estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter matemático.
As ciências humanas, ao contrário, dizendo respeito à própria
experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta dos
fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter matemático, mas
descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito.
Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade
fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas
origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon
(1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos
utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha metodológica de abordagem
dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile
Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da
sociologia como disciplina científica. Os antipositivistas, adeptos da distinção
entre ciências humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães,
vinculados ao idealismo dos filósofos da época do Romantismo, principalmente
Hegel (1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes
dessa orientação foram os neokantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm
Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu
uma distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão
(verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que
procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o
modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que
possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos
permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu
sentido (Sinn). Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na
própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente
apreendidos na experiência dos outros.
Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo filósofo e
historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a expressão
ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao estudo
de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas
compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber.

Uma educação humanista apurada


Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que
as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a
surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da
alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera
intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde
cedo orientou-o no sentido das humanidades. Weber recebeu excelente
educação secundária em línguas, história e literatura clássica. Em 1882,
começou os estudos superiores em Heidelberg; continuando-os em Göttingen e
Berlim, em cujas universidades dedicou-se simultaneamente à economia, à
história, à filosofia e ao direito. Concluído o curso, trabalhou na Universidade
de Berlim, na qual idade de livre-docente, ao mesmo tempo em que servia
como assessor do governo. Em 1893, casou-se e; no ano seguinte, tornou-se
professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para
a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações
nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade
em 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Ciências Sociais (Archiv tür
Sozialwissenschatt), publicação extremamente importante no desenvolvimento
dos estudos sociológicas na Alemanha. A partir dessa época, Weber somente
deu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu
conferências nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam
sua morte, em 1920.

Compreensão e explicação
Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação
das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber
concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captação da
relação de sentido" da ação humana. Em outras palavras, conhecer um
fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o
configuram. Por ação, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo
sujeito jeito ou sujeitos jeitos é referido ao comportamento dos outros;
orientando-se por ele o seu comportamento". Tal colocação do problema de
como se abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo
como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das
ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é,
como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais
poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.
O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o
sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior
dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de
papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente
quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de
saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de
um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O
fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo
de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas
atribuem ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou
pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior
de pessoas.
Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações
humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos
procedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa
observação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o
cientista social. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois
grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fenômenos
obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo
esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas.
Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se
poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos
dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relações
causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a
determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente.,
outros. Essas leis referem-se a construções de “comportamento com sentido” e
servem para explicar processos particulares. Para que isso seja possível;
Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que representam o
primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e, correspondendo às
exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à realidade concreta
particular.

O legal e o típico
O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento weberiano, a um
processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o que existe de
particular, constituindo assim um conceito individualizante ou, nas palavras do
próprio Weber, um “conceito histórico concreto”. A ênfase na caracterização
sistemática dos padrões individuais concretos (característica das ciências
humanas) opõe a conceituação típico-ideal à conceituação generalizadora, tal
como esta é conhecida nas ciências naturais.
A conceituação generalizadora, como revela a própria expressão, retira
do fenômeno concreto aquilo que ele tem de geral, isto é, as uniformidades e
regularidades observadas em diferentes fenômenos constitutivos de uma
mesma classe. A relação entre o conceito genérico e o fenômeno concreto é de
natureza tal que permite classificar cada fenômeno particular de acordo com os
traços gerais apresentados pelo mesmo, considerando como acidental tudo o
que não se enquadre dentro da generalidade. Além disso, a conceituação
generalizadora considera o fenômeno particular como um caso cujas
características gerais podem ser deduzidas de uma lei.
A conceituação típico-ideal chega a resultados diferentes da
conceituação generalizadora. O tipo ideal, segundo Weber, expõe como se
desenvolveria uma forma particular de ação social se o fizesse racionalmente
em direção a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um
fim. Assim, o tipo ideal não descreveria um curso concreto de ação, mas um
desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um curso de ação
“objetivamente possível”. O tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real: ele
depura as propriedades dos fenômenos reais desencarnando-os pela análise,
para depois reconstruí-los. Quando se trata de tipos complexos (formados por
várias propriedades), essa reconstrução assume a forma de síntese, que não
recupera os fenômenos em sua real concreção, mas que os idealiza em uma
articulação significativa de abstrações. Desse modo, se constitui uma “pauta de
contrastação”, que permite situar os fenômenos reais em sua relatividade. Por
conseguinte, o tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem uma proposição
e, assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de
acordo com sua utilidade para a compreensão significativa dos acontecimentos
estudados pelo investigador.
No que se refere à aplicação do tipo ideal no tratamento da realidade,
ela se dá de dois modos. O primeiro é um processo de contrastação conceituai
que permite simplesmente apreender os fatos segundo sua maior ou menor
aproximação ao tipo ideal. O segundo consiste na formulação de hipóteses
explicativas. Por exemplo: para a explicação de um pânico na bolsa de valores,
seria possível, em primeiro lugar, supor como se desenvolveria o fenômeno na
ausência de quaisquer sentimentos irracionais; somente depois se poderia
introduzir tais sentimentos como fatores de perturbação. Da mesma forma se
poderia proceder para a explicação de uma ação militar ou política. Primeiro se
fixaria, hipoteticamente, como se teria desenvolvido a ação se todas as
intenções dos participantes fossem conhecidas e se a escolha dos meios por
parte dos mesmos tivesse sido orientada de maneira rigorosamente racional
em relação a certo fim. Somente assim se poderia atribuir os desvios aos
fatores irracionais.
Nos exemplos acima é patente a dicotomia estabelecida por Weber
entre o racional e o irracional, ambos conceitos fundamentais de sua
metodologia. Para Weber, uma ação é racional quando cumpre duas
condições. Em primeiro lugar, uma ação é racional na medida em que é
orientada para um objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de
valores, também claramente formulados e logicamente consistentes. Em
segundo lugar, uma ação é racional quando os meios escolhidos para se atingir
o objetivo são os mais adequados.
Uma vez de posse desses instrumentos analíticos, formulados para a
explicação da realidade social concreta ou, mais exatamente, de uma porção
dessa realidade, Weber elabora um sistema compreensivo de conceitos,
estabelecendo uma terminologia precisa como tarefa preliminar para a análise
das inter-relações entre os fenômenos sociais. De acordo com o vocabulário
weberiano, são quatro os tipos de ação que cumpre distinguir claramente: ação
racional em relação a fins, ação racional em relação a valores, ação afetiva e
ação tradicional. Esta última, baseada no hábito, está na fronteira do que pode
ser considerado como ação e faz Weber chamar a atenção para o problema de
fluidez dos limites, isto é, para a virtual impossibilidade de se encontrarem
“ações puras”. Em outros termos, segundo Weber, muito raramente a ação
social orienta-se exclusivamente conforme um ou outro dos quatro tipos. Do
mesmo modo, essas formas de orientação não podem ser consideradas como
exaustivas. Seriam tipos puramente conceituais, construídos para fins de
análise sociológica, jamais encontrando-se na realidade em toda a sua pureza;
na maior parte dos casos, os quatro tipos de ação encontram-se misturados.
Somente os resultados que com eles se obtenham na análise da realidade
social podem dar a medida de sua conveniência. Para qualquer um desses
tipos tanto seria possível encontrar fenômenos sociais que poderiam ser
incluídos neles, quanto se poderia também deparar com fatos limítrofes entre
um e outro tipo. Entretanto, observa Weber, essa fluidez só pode ser
claramente percebida quando os próprios conceitos tipológicos não são fluidos
e estabelecem fronteiras rígidas entre um e outro. Um conceito bem definido
estabelece nitidamente propriedades cuja presença nos fenômenos sociais
permite diferenciar um fenômeno de outro; estes, contudo, raramente podem
ser classificados de forma rígida.

O sistema de tipos ideais


Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu
sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo,
feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses
tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme
critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo
termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está
falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que
Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses
conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais
do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos
conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características
concretas.
Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por
um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à perspectiva que
vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as
singularidades históricas resultam de combinações específicas de fatores
gerais que, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos
elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares.
Tudo aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de
sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis
de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação
concreta significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram
conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido
em sua relação”. Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação
típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com
adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado,
pelo menos em algum grau.

O capitalismo é protestante?
As soluções encontradas por Weber para os intrincados problemas
metodológicos que ocuparam a atenção dos cientistas sociais do começo do
século XX permitiram-lhe lançar novas luzes sobre vários problemas sociais e
históricos, e fazer contribuições extremamente importantes para as ciências
sociais. Particularmente relevantes nesse sentido foram seus estudos sobre a
sociologia da religião, mais exatamente suas interpretações sobre as relações
entre as idéias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e organização
econômica correspondentes, por outro.
Esses estudos de Weber, embora incompletos, foram publicados nos
três volumes de sua Sociologia da Religião. A linha mestra dessa obra é
constituída pelo exame dos aspectos mais importantes da ordem social e
econômica do mundo ocidental, nas várias etapas de seu desenvolvimento
histórico. Esse problema já se tinha colocado para outros pensadores
anteriores a Weber, dentre os quais Karl Marx (1818-1883), cuja obra, além de
seu caráter teórico, constituía elemento fundamental para a lufa econômica e
política dos partidos operários; por ele mesmo criados. Por essas razões, a
pergunta que os sociólogos alemães se faziam era se o materialismo histórico
formulado por Marx era ou não o verdadeiro, ao transformar o fator econômico
no elemento determinante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a
religião. Inúmeros trabalhos foram escritos para resolver o problema,
substituindo-se o fator econômico como dominante por outros fatores, tais
como raça, clima, topografia, idéias filosóficas, poder político. Alguns autores,
como Wilhelm Dilthey, Ernst Troeltsch (1865-1923) e Werner Sombart (1863-
1941), já se tinham orientado no sentido de ressaltar a influência das idéias e
das convicções éticas como fatores determinantes, e chegaram à conclusão de
que o moderno capitalismo não poderia ter surgido sem uma mudança
espiritual básica, como aquela que ocorreu nos fins da Idade Média. Contudo,
somente com os trabalhos de Weber foi possível elaborar uma verdadeira
teoria geral capaz de confrontar-se com a de Marx.
A primeira idéia que ocorreu a Weber na elaboração dessa teoria foi a
de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do
capitalismo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias
sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um
tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente,
onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de
exaustivas análises nesse sentido, Weber foi conduzido à tese de que a
explicação para o fato deveria ser encontrada na íntima vinculação do
capitalismo com o protestantismo: “Qualquer observação da estatística
ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável
freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na
imprensa e literatura católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato
de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os
níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnica
e comercialmente especializado das modernas empresas, serem
preponderantemente protestantes”.

A partir dessa afirmação, Weber coloca uma série de hipóteses


referentes a fatores que poderiam explicar o fato. Analisando detidamente
esses fatores, Weber elimina-os, um a um, mediante exemplos históricos, e
chega à conclusão final de que os protestantes, tanto como classe dirigente,
quanto como classe dirigida, seja como maioria, seja como minoria, sempre
teriam demonstrado tendência específica para o racionalismo econômico. A
razão desse fato deveria, portanto, ser buscada no caráter intrínseco e
permanente de suas crenças religiosas e não apenas em suas temporárias
situações externas na história e na política.
Uma vez indicado o papel que as crenças religiosas teriam exercido na
gênese do espírito capitalista, Weber propõe-se a investigar quais os
elementos dessas crenças que atuaram no sentido indicado e procura definir o
que entende por "espírito do capitalismo". Este é entendido por Weber como
constituído fundamentalmente por uma ética peculiar, que pode ser
exemplificada muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin Franklin
(1706 - 1790), um dos líderes da independência dos Estados Unidos. Benjamin
Franklin, representante típico da mentalidade dos colonos americanos e do
espírito pequeno-burguês, afirma em seus discursos que “ganhar dinheiro
dentro da ordem econômica moderna é, enquanto isso for feito legalmente, o
resultado e a expressão da virtude e da eficiência de uma vocação”. Segundo a
interpretação dada por Weber a esse texto, Benjamin Franklin expressa um
utilitarismo, mas um utilitarismo com forte conteúdo ético, na medida em que o
aumento de capital é considerado um fim em si mesmo e, sobretudo, um dever
do indivíduo. O aspecto mais interessante desse utilitarismo residiria no fato de
que a ética de obtenção de mais e mais dinheiro é combinada com o estrito
afastamento de todo gozo espontâneo da vida.
A questão seguinte colocada por Weber diz respeito aos fatores que
teriam levado a transformar-se em vocação uma atividade que, anteriormente
ao advento do capitalismo, era, na melhor das hipóteses, apenas tolerada. O
conceito de vocação como valorização do cumprimento do dever dentro das
profissões seculares Weber encontra expresso nos escritos de Martinho Lutero
(1483-1546), a partir do qual esse conceito se tornou o dogma central de todos
os ramos do protestantismo. Em Lutero, contudo, o conceito de vocação teria
permanecido em sua forma tradicional, isto é, algo aceito como ordem divina à
qual cada indivíduo deveria adaptar-se. Nesse caso, o resultado ético, segundo
Weber, é inteiramente negativo, levando à submissão. O luteranismo, portanto,
não poderia ter sido a razão explicativa do espírito do capitalismo.
Weber volta-se então para outras formas de protestantismo diversas do
luteranismo, em especial para o calvinismo e outras seitas, cujo elemento
básico era o profundo isolamento espiritual do indivíduo em relação a seu
Deus, ó que, na prática, significava a racionalização do mundo e a eliminação
do pensamento mágico como meio de salvação. Segundo o calvinismo,
somente uma vida guiada pela reflexão contínua poderia obter vitória sobre o
estado natural, e foi essa racionalização que deu à fé reformada uma tendência
ascética.
Com o objetivo de relacionar as idéias religiosas fundamentais do
protestantismo com as máximas da vida econômica capitalista, Weber analisa
alguns pontos fundamentais da ética calvinista, como a afirmação de que “o
trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida”. Outra idéia
no mesmo sentido estaria contida na máxima dos puritanos, segundo a qual “a
vida profissional do homem é que lhe dá uma prova de seu estado de graça
para sua consciência, que se expressa no zelo e no método, fazendo com que
ele consiga cumprir sua vocação”. Por meio desses exemplos, Weber mostra
que o ascetismo secular do protestantismo “libertava psicologicamente a
aquisição de bens da ética tradicional, rompendo os grilhões da ânsia de lucro,
com o que não apenas a legalizou, como também a considerou como
diretamente desejada por Deus”. E m síntese, a tese de Weber afirma que a
consideração dó trabalho (entendido como vocação constante e sistemática)
como o mais alto instrumento de ascese e o mais seguro meio de preservação
da redenção da fé e do homem deve ter sido a mais poderosa alavanca da
expressão dessa concepção de vida constituída pelo espírito do capitalismo.
É necessário, contudo, salientar que Weber, em nenhum momento
considera o espírito do capitalismo como pura conseqüência da Reforma
protestante. O sentido que norteia sua análise é antes uma proposta de
investigarem que medida as influências religiosas participaram da moldagem
qualitativa do espírito do capitalismo. Percorrendo o caminho inverso, Weber
propõe-se também a compreender melhor o sentido do protestantismo,
mediante o estudo dos aspectos fundamentais do sistema econômica
capitalista. Tendo em vista a grande confusão existente no campo das
influências entre as bases materiais, as formas de organização social e política
e os conteúdos espirituais da Reforma, Weber salientou que essas influências
só poderiam ser. confirmadas por meio de exaustivas investigações dos pontos
em que realmente teriam ocorrido correlações entre o movimento religioso e a
ética vocacional, Com isso “se poderá avaliar” - diz o próprio Weber – “em que
medida os fenômenos culturais contemporâneos se originam historicamente
em motivos religiosos e em que medida podem ser relacionados com eles”.

Autoridade e legitimidade
A aplicação da metodologia compreensiva à análise dos fenômenos
históricos e sociais, por parte dê Weber, não sê limitou às relações entre o
protestantismo ê o sistema capitalista. Inúmeros foram seus trabalhos dê
investigação empírica sobre assuntos econômicos ê políticos. Entre os
primeiros, salientam-se A Situação dos Trabalhadores Agrícolas no Elba ê A
Psicofisiologia do Trabalho Industrial. Entre os segundos, devem ser
ressaltadas suas análises críticas da seleção burocrática dos líderes políticos
na Alemanha dos Kaiser Guilherme I e II ê da despolitização levada a cabo
com a hegemonia dos burocratas. Para a teoria política em geral, contudo,
foram mais importantes os conceitos ê categorias interpretativas que formulou
e que se tornaram clássicos nas ciências sociais.
Weber distingue no conceito de política duas acepções, uma geral e
outra restrita. No sentido mais amplo, política é entendida por ele como
“qualquer tipo dê liderança independente em ação”. No sentido restrito, política
seria liderança dê um tipo dê associação específica; em outras palavras, tratar-
se-ia da liderança do Estado. Este, por sua vez, é defendido por Weber como
“uma comunidade humana que pretende o monopólio do uso legítimo da força
física dentro de determinado território". Definidos esses conceitos básicos,
Weber é conduzido a desdobrar a natureza dos elementos essenciais quê
constituem o Estado ê assim chega ao conceito dê autoridade ê dê
legitimidade. Para quê um Estado exista, diz Weber, é necessário quê um
conjunto dê pessoas (toda a sua população) obedeça à autoridade alegada
pêlos detentores do poder no referido Estado. Por outro lado, para quê os
dominados obedeçam é necessário quê os detentores do poder possuam uma
autoridade reconhecida como legítima.
A autoridade pode ser distinguida segundo três tipos básicos: a racional-legal,
a tradicional e a carismática. Esses três tipos dê autoridade correspondem a
três tipos dê legitimidade: a racional, a puramente afetiva e a utilitarista. O tipo
racional-legal tem como fundamento a dominação em virtude da crença na
validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada, por sua vez,
em regras racionalmente criadas. A autoridade desse tipo mantém-se, assim,
segundo uma ordem impessoal e universalista, e os limites de seus poderes
são determinados pelas esferas de competência, defendidas pela própria
ordem. Quando a autoridade racional-legal envolve um corpo administrativo
organizado, toma a forma dê estrutura burocrática, amplamente analisada por
Weber.
A autoridade tradicional é imposta por procedimentos considerados
legítimos porquê sempre teria existido, e é aceita em nome de uma tradição
reconhecida como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse tipo é
definido por um sistema dê status, cujos poderes são determinados, em
primeiro lugar, por prescrições concretas da ordem tradicional ê, em segundo
lugar, pela autoridade dê outras pessoas que estão acima dê um status
particular no sistema hierárquico estabelecido. Os poderes são também
determinados pela existência dê uma esfera arbitrária de graça, aberta a
critérios variados, como os de razão de Estado, justiça substantiva,
considerações dê utilidade e outros. Ponto importante é a inexistência de
separação nítida entre a esfera da autoridade e a competência privada do
indivíduo, fora de sua autoridade. Seu status é total, na medida em que seus
vários papéis estão muito mais integrados do que no caso de um ofício no
Estado racional-legal.
Em relação ao tipo de autoridade tradicional, Weber apresenta uma
subclassificação em termos do desenvolvimento e do papel do corpo
administrativo: gerontocracia e patriarcalismo. Ambos são tipos em que nem
um indivíduo, nem um grupo, segundo o caso, ocupam posição de autoridade
independentemente do controle de um corpo administrativo, cujo status e cujas
funções são tradicionalmente fixados. No tipo patrimonialista de autoridade, as
prerrogativas pessoais do "chefe" são muito mais extensas e parte
considerável da estrutura da autoridade tende a se emancipar do controle da
tradição.
A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às bases de
legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder carismático, em
certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em
oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua.
Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo
do líder seja considerado como legítimo por seus seguidores, os quais
estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Fenômeno excepcional, a
dominação carismática não pode estabilizar-se sem sofrer profundas
mudanças estruturais, tornando-se, de acordo com os padrões de sucessão
que adotar e com a evolução do corpo administrativo, ou racional-legal ou
tradicional, em algumas de suas configurações básicas.

Cronologia:
1864 - Max Weber nasce em Erturt, Turíngia, a 21 de abril.
1869 - Muda-se para Berlim com a família.
1882 - Conclui seus estudos pré-universitários e matricula-se na
Faculdade Direito de Heidelberg.
1883 - Transfere-se para Estrasburgo, onde presta um ano de serviço
militar.
1884 - Reinicia os estudos universitários.
1888 - Conclui seus estudos e começa a trabalhar nos tribunais de
Berlim.
1889 - Escreve sua tese de doutoramento sobre a história das
companhias comércio durante a Idade Média.
1891 - Escreve uma tese, H História das Instituições Agrárias.
1893 - Casa-se com Marianne Schnitger.
1894 - Exerce a cátedra de economia na Universidade de Freiburg.
1896 - Aceita uma cátedra em Heidelberg.
1898 - Consegue uma licença remunerada na universidade, por
motivo de saúde.
1899 - É internado numa casa de saúde para doentes mentais, onde
permanece algumas semanas.
1903 - Participa, junto com Sombart, da direção de uma das mais
destacadas publicações de ciências sociais da Alemanha.
1904 - Publica ensaios sobre os problemas econômicos das
propriedades dos Junker, sobre a objetividade nas ciências sociais e a
primeira parte de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
1905 - Parte para os Estados Unidos, onde pronuncia conferências e
recolhe material para a continuação de A Ética Protestante e o Espírito
do Capitalismo.
1906 - Redige dois ensaios sobre a Rússia: A Situação da Democracia
Burguesa na Rússia e A Transição da Rússia para o
Constitucionalismo de Fachada.
1914 - Início da Primeira Guerra Mundial. Weber, no posto de capitão,
é encarregado de organizar e administrar nove hospitais em
Heidelberg.
1918 - Transfere-se para Viena, onde dá um curso sob o título de Uma
Crítica Positiva da Concepção Materialista da História.
1919 - Pronuncia conferências em Munique, que serão publicadas sob
o título de História Econômica Geral.
1920 - Falece em conseqüência de uma pneumonia aguda.
Bibliografia:

Weber, Os Pensadores, Ed. Abril

Weber, Grandes Cientistas Sociais, Ed. Ática

CONSIDERAÇÕES SOBRE A

SOCIOLOGIA DE MAX WEBER

Cláudio Marques Martins Nogueira

• Mestre em Sociologia pela

Fafich/UFMG. Professor Assistente


de Sociologia da Educação da

Fae/UFMG.
Resumo: O artigo analisa a concepção weberiana de Ciência Social. Numa primeira parte,

discuti-se o modelo epistemológico mais amplo de Weber e são considerados seus

argumentos relativos ao problema da objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais.

Na segunda parte, realiza-se uma reflexão sobre o que, essencialmente, seria o projeto

sociológico weberiano. Na parte final, são considerados certos limites do paradigma

weberiano, associados à sua definição da Ciência Social como “Ciência da Realidade”.

Weber ( 1993, pág. 124 ) afirma que a Ciência Social que ele pretende exercitar

é uma “Ciência da Realidade”, voltada para a compreensão da significação cultural

atual dos fenômenos e para o entendimento de sua origem histórica.

Essa não é uma afirmação trivial. O termo “Ciência da Realidade”, tal como

utilizado por Weber, aponta, na verdade, para um concepção específica do objeto e do

método das Ciências Sociais.

Esse artigo pretende discutir, justamente, essa especificidade. O que significa

esse compromisso enfático com o estudo da realidade? Que objetos são definidos como

pertinentes e quais são excluídos do âmbito dessas ciências?

O artigo está dividido em três partes. Numa primeira, são discutidos alguns

pontos mais gerais do modelo epistemológico weberiano e, especificamente, suas

considerações sobre a possibilidade de um conhecimento objetivo nas chamadas

Ciências da Cultura.

Numa segunda parte, discuti-se propriamenhte o projeto weberiano para as

Ciências Sociais. Como são definidos o objeto e o método dessas ciências?


Servindo-se das reflexões realizadas nas duas primeiras partes, discute-se, na

parte final, certos limites do paradigma weberiano, associados, justamente à sua

definição da Ciência Social como Ciência da Realidade.

A EPISTEMOLOGIA WEBERIANA

A epistemologia weberiana pode ser compreendida como resultando da

articulação de duas premissas com uma afirmação aparentemente antitética. As

premissas são: 1) o conhecimento só é possível a partir da referência a valores e

interesses; 2) valores e interesses não podem ser validados ou hierarquizados segundo

critérios objetivos. A afirmação é a seguinte: é possível alcançar um conhecimento

objetivo, universalmente válido, científico, no sentido mais forte da palavra.

A questão, então, é entender como é possível para Weber, partindo das duas

premissas indicadas, chegar a essa última afirmação. Talvez a melhor estratégia seja

considerar, inicialmente, as próprias premissas.

O que está sendo chamado aqui de premissas da epistemologia weberiana, são,

na verdade, as duas perspectivas básicas que definem a concepção de Weber no que se

refere à relação entre conhecimento, realidade e valores. Seguindo uma orientação

claramente neokantiana, Weber assume, de forma radical e com todas as implicações

daí decorrentes, o postulado da existência de uma separação clara entre os planos do

conhecimento e da realidade, cuja transposição é sempre parcial, provisória e,

sobretudo, mediada por uma série de categorias e construções conceituais definidas

conforme os valores e interesses de quem busca o conhecimento.

A realidade é entendida como algo infinito, que pode ser apreendido a partir de

inúmeros ângulos, mas jamais na sua totalidade ou essência. A conhecimento seria

sempre fruto de um recorte particular, da seleção de um conjunto específico de

problemas e de fenômenos. Essa seleção ou recorte particular seria, necessariamente,


feita a partir das referências pessoais dos sujeitos cognoscentes. Weber nega, assim, a

possibilidade de um conhecimento absoluto, livre de quaisquer pressupostos, capaz de

definir de modo completamente neutro qual a verdade absoluta das coisas. Não existiria,

segundo ele, um ponto privilegiado a partir do qual o investigador pudesse atingir uma

visão isenta e global da realidade. Ao contrário, todo e qualquer conhecimento estaria

referido a valores e interesses subjetivos. Seriam a partir dessas referências que os

sujeitos atribuiriam relevância e selecionariam, dentro da realidade infinita, os

problemas e objetos que, do seu ponto de vista, mereceriam ser investigados.

A primeira premissa do modelo epistemológico weberiano é, portanto, a do

caráter inexorável da referência do conhecimento a valores e interesses. Não existiriam

problemas ou objetos que seriam intrinsicamente relevantes para o conhecimento

humano. De uma forma ou de outra, o sujeito cognoscente sempre partiria de um

conjunto específico de referências e pressupostos culturalmente definidos. É uma

questão secundária, o fato de que se trate de um sistema ético, de um conjunto de

postulados metafísicos, de um modelo teórico ou de um conjunto de crenças e interesses

religiosos ou econômicos. Em todos esses casos, a situação seria, basicamente, a

mesma. Tratar-se-ia de conjuntos de perspectivas ou referenciais subjetivos que

orientariam os investigadores nas atividades do conhecimento.

A segunda premissa fundamental seria a de que essas referências não poderiam

jamais ser validadas e nem mesmo hierarquizadas segundo critérios que pudessem ser

chamados de objetivos. A adesão a determinados valores ou a uma visão de mundo

específica seria, em última instância, uma questão de fé ( Weber, 1993 ). Não existiriam

parâmetros objetivos a partir dos quais se pudesse decidir sobre o melhor valor ou a

visão de mundo mais verdadeira. A adesão a qualquer desses pontos de vista seria

sempre dependente de uma convicção pessoal, subjetiva. Todos os valores, as visões de

mundo, os sistemas metafísicos, as normas e princípios éticos que conduzem os homens


em seus assuntos práticos e que são referências do conhecimento seriam

incomensuráveis e teriam, em princípio, que ser tomados como equivalentes.

A associação entre essas duas premissas, ou seja, o reconhecimento de que as

referências valorativas são inevitáveis e de que não é possível selecioná-las segundo

critérios objetivos, poderia ter conduzido Weber a uma postura cética e relativista.

Partindo dessas premissas, a conclusão aparentemente mais lógica seria a que afirmasse

que não é possível um conhecimento objetivamente válido da realidade, sobretudo, no

que se refere aos fenômenos culturais. A conclusão de Weber, no entanto, é exatamente

a contrária. A objetividade do conhecimento é possível, inclusive, nas Ciências da

Cultura.

É importante lembrar que dentro do contexto intelectual alemão do final do

século passado, no qual Weber se inseria, existiam pelo menos duas respostas

disponíveis à questão da validação do conhecimento das Ciências da Cultura. Ambas,

no entanto, foram rejeitadas por Weber. Dilthey, em linhas gerais, acreditava que o

conhecimento dos fenômenos culturais se fundamentava na estratégia da compreensão

introspectiva, método pretensamente capaz de resgatar o mundo tal como

subjetivamente vivido pelos indivíduos. A possibilidade desse resgate estaria, em

princípio, garantida pela identidade humana e histórica que une, nas Ciências da

Cultura, o sujeito e o objeto. Como sujeito humano o observador poderia compreender

de modo relativamente fácil outros universos humanos. Weber rejeita a solução de

Dilthey, fundamentalmente, argumentando que o acesso a esse universo subjetivo não é

nem direto, nem completo e nem imparcial. Tratar-se-ia, além disso, de um método de

difícil controle intersubjetivo, que como tal não poderia ser posto como garantia de

objetividade.

A outra solução para o problema da validade do conhecimento presente no

contexto intelectual de Weber era sustentada principalmente por Rickert e Windelband.


Para estes, existiriam certos valores universais e necessários, supostamente

compartilhados pela humanidade e pelo cientista, que orientariam, de modo unívoco, o

trabalho de seleção dos problemas e objetos nas Ciências da Cultura. A observação

desses valores universais seria a garantia da relevância e pertinência do conhecimento

produzido. Como observa Saint-Pierre a relação com os valores seria, particularmente

para Rickert, não “apenas um princípio de seleção do material de estudo, mas, e

principalmente, constituía o fundamento da validade do conhecimento histórico-social”

( 1994, pág. 24 ). Weber rechaça esse alternativa acentuando, sobretudo, o fato de que

os valores não são universais, mas, ao contrário, múltiplos e contraditórios. Não

existiria um sistema de valores privilegiado, fundado numa base transcendental, com

relação ao qual as Ciências da Cultura pudessem se orientar, mas, apenas, o eterno

confronto histórico entre diversos valores inconciliáveis.

Em contraposição a essas duas alternativas, Weber busca uma solução para o

problema da objetividade do conhecimento que, como observa Saint-Pierre, se situa no

plano metodológico. O conhecimento objetivo é possível desde que os sujeitos

cognoscentes se comprometam a observar certas regras próprias à atividade científica. A

objetividade não seria alcançada pela extirpação de toda e qualquer referência a valores

e pela busca de um olhar imparcial, como talvez sonhassem os positivistas. Weber se

mantém fiel a sua primeira premissa. Também não seria obtida por meio da

hierarquização das várias referências e da escolha, entre essas, daquela mais verdadeira

- talvez, algum sistema teórico ou metafísico ou, ainda, um conjunto de valores

superiores, como queria Rickert - a partir do qual se pudesse proceder a uma abordagem

unívoca da realidade. Weber, também, não abandona a sua segunda premissa; não é

possível selecionar segundo critérios cientificamente válidos qual a referência melhor

ou mais verdadeira.
A objetividade do conhecimento é possível, no entanto, desde que, em primeiro

lugar, sejam claramente separadas as esferas do conhecimento empírico e da ação

prática, particularmente, a de natureza política ou religiosa. Weber se dedica

exaustivamente ( Por ex.: 1982 e 1993 ) ao estabelecimento de uma delimitação clara

entre essas duas esferas. Os objetivos que a ciência deve se colocar e que ela é capaz de

alcançar são radicalmente distintos dos que cabem, por exemplo, à política. Embora se

sirva da relação com valores para selecionar seus objetos e ângulos de investigação, a

ciência não deve, como tal, fazer julgamentos de valor. Ela deve se restringir a fazer

julgamentos científicos sobre a realidade tal como esta é empíricamente, não sobre

como ela supostamene deveria ser. Até mesmo porque a ciência não é capaz de fazer

julgamentos objetivos sobre valores, sobre como as coisas devem ser. Esses

julgamentos são necessariamente subjetivos.

O primeiro passo para se garantir a objetividade do conhecimento científico é,

portanto, separar claramente julgamentos de valor e julgamentos de fato e excluir os

primeiros do âmbito da ciência. Essa, de certa forma, é uma atitude que depende de uma

decisão individual dos pesquisadores, mas que, para Weber ( 1993 ), poderia ser

incentivada e cobrada pelas associações e revistas científicas. É importante observar que

a objetividade do conhecimento é possível, na perspectiva weberiana, na medida exata

em que os cientistas estejam deliberadamente dispostos a se comprometer com a busca

dessa objetividade. Esse compromisso tem como eixo principal a renúncia aos

julgamentos de valor, mas é algo mais amplo. Weber espera, na verdade, que o cientista

esteja disposto a se curvar frente ao imperativo das proposições empíricas, factuais, que

não se apegue às suas referências teóricas e filosóficas de modo dogmático, que esteja

aberto ao diálogo e à crítica e que saiba correr o risco constante da refutação empírica

de suas idéias.
Uma maneira interessante de se interpretar a concepção weberiana do

conhecimento científico é recorrendo à separação entre Contexto da Descoberta e

Contexto da validação. Weber sabe que o interesse pelo conhecimento e a seleção do

problema, do objeto e do ângulo específico das investigações são definidos

necessariamente através de uma relação com valores subjetivos – essa é, justamente,

uma de suas premissas. Essa relação com valores não alcançaria, no entanto, o plano da

verificação empírica das hipóteses. Uma vez proposto, o conhecimento poderia e

deveria ser julgado, objetivamente, do ponto de vista de sua lógica interna e validade

empírica. A relação com os valores dominaria apenas o Contexto da Descoberta. O

Contexto da Validação deveria ser consciente e deliberadamente liberto das influências

subjetivas. Neste contexto deveria imperar o espírito crítico e antidogmático. Os

resultados do conhecimento, para serem considerados cientificamente válidos, teriam

que se submeter ao controle intersubjetivo e ser universalmente aceitos.

Weber nos fala, portanto, particularmente, no caso das Ciências da Cultura, de

duas dimensões claras do trabalho científico. Uma primeira dimensão, em que nenhuma

forma de controle é possível. As referências subjetivas que orientam o conhecimento

são múltiplas, inconciliáveis e não são passíveis de nenhum tipo de julgamento ou

hierarquização segundo critérios objetivos. Partindo de referências variadas, os sujeitos

selecionariam problemas e objetos e construiriam conceitos e hipóteses. Uma vez

formuladas as hipóteses, passaria-se para a segunda dimensão, na qual imperaria o

controle intersubjetivo, tendo na validação empírica seu critério fundamental.

Do ponto de vista deste artigo, o que é mais importante sublinhar é o

compromisso de Weber com a busca da objetividade nas Ciências Sociais. Toda sua

reflexão epistemológica está voltada para a construção de uma estratégia capaz de

conciliar a referência a valores múltiplos e contraditórios com a conquista da


objetividade. Sua afirmação de que a Ciência Social que ele pretende praticar é uma

ciência da realidade só pode ser entendida à luz desse compromisso.

A CONCEPÇÃO DE SOCIOLOGIA DE MAX WEBER

As características do paradigma sociológico weberiano só se definem à luz da

visão de mundo mais ampla de Weber, dentro da qual se articulam uma concepção

específica sobre o que é a realidade sócio-histórica e uma reflexão profunda sobre a

natureza do empreendimento científico.

Talvez o ponto central da perspectiva weberiana seja o reconhecimento de que a

realidade humana não possui um sentido intrínseco e unívoco, dado de modo natural e

definitivo, independentemente das ações humanas concretas. Weber pressupõe que a

realidade é infinita e sem qualquer sentido cognoscível imanente. Seriam os sujeitos

humanos que estabeleceriam recortes na realidade e se posicionariam diante deles

conferindo-lhes sentido.

Weber assume essa perspectiva de modo radical. Orientado por ela, procura

excluir das Ciências Sociais qualquer proposição que busque definir de modo geral e

substantivo qual a lógica da história, qual a dimensão estrutural determinante da

sociedade ou qual o sentido último subjacente às ações individuais. Todas essas

definições suporiam a existência de uma realidade atemporal, naturalmente dada,

subjacente e determinante dos fenômenos empíricos. Weber não apenas não acredita na

existência desses determinantes ahistóricos do comportamento humano, como defende

que não seria possível defini-los de um modo objetivo, verificável segundo as regras da

ciência.

Os únicos objetos legítimos das Ciências Sociais seriam, então, em si mesmas,

as ações sociais. O agente individual seria o único portador real de sentido. A única

coisa que realmente existiria seriam sujeitos humanos agindo de uma forma e com um
sentido específico e produzindo, de modo intencional ou não, uma série de

conseqüências. Cada fenômeno cultural só poderia ser compreendido na sua

significação e ter sua origem explicada a partir da referência a agentes sociais que ao

organizarem significativamente suas ações contribuiriam, de forma mais ou menos

intencional, para determinar essa significação e essa origem.

Como observa Jaspers ( 1977 ), o “eixo” que orienta o trabalho aparentemente

disperso de Weber é, então, seu compromisso com o estudo de “homens reais”, agindo

em condições sociais e diante de processos históricos definidos. Quando Weber afirma

enfaticamente que a Ciência Social que ele pretende praticar é uma “Ciência da

realidade” o que ele esta querendo acentuar é, em grande medida, esse compromisso

com a análise de realidades empíricas concretas, tornadas significativas por agentes

historicamente situados. Não existiria um mundo cognoscível acima, abaixo ou além do

mundo das ações significativas e das conexões entre ações. Todas as categorias

conceituais, incluindo as de natureza coletiva, como Estado, nação ou família, teriam

que ser formuladas de um modo que explicitasse sua relação com as ações sociais

concretas. Nenhum fenômeno seria definido por sua essência ou substância fixa. Seriam

os agentes concretos, historicamente localizados, agindo segundo os valores mais

diversificados e contraditórios, que construiriam, de modo mais ou menos consciente,

tudo o que seria culturalmente significativo.

O compromisso enfático de Weber com a interpretação de fenômenos concretos,

historicamente localizados, não permite, no entanto, que esse seja confundido com um

simples colecionador de fatos históricos ( Jaspers, 1977, pág. 126). Esse, certamente,

não é seu perfil. O interesse de Weber não se restringe ao acúmulo de dados ou mesmo

a uma descrição detalhada de singularidades histórico-sociais. Weber está interessado

em compreender causalmente a realidade empírica, em analisar a importância relativa

de cada elemento presente numa situação para a definição do curso subsequente dos
acontecimentos. Esse tipo de trabalho não pode basear-se, apenas, no conhecimento, por

mais amplo que seja, das características da situação que se deseja compreender. A

imputação causal só pode ser bem sucedida quando feita a partir do conhecimento de

regularidades empíricas. Somente a partir do conhecimento do que é o comportamento

provável em cada tipo de situação é que é possível ao cientista analisar o caso concreto

e definir as causas prováveis.

A solidariedade entre Sociologia e História, de que nos fala Aron ( 1990, pág.

482 ), estaria baseada nessa dependência mútua entre o conhecimento do geral e do

particular nas Ciências Sociais. A sociologia estaria voltada para a formulação das

“regras gerais dos acontecimentos”. A história interessaria-se pela “análise e imputação

causal de ações, formações e personalidades individuais culturalmente importantes”

( Weber, 1991, pág. 12). Uma, no entanto, dependeria imensamente da outra. A

compreensão dos eventos historicamente circunscritos só poderia ser feita por meio do

conhecimento das regularidades sociologicamente definidas e essas só poderiam ser

sustentadas através da demonstração de sua validade em situações historicamente

definidas.

É fundamental perceber que o projeto weberiano para as Ciências Sociais – aí

incluídas a Sociologia e a História - supõe muito mais do que a simples coleta e

descrição de dados definidos em sua singularidade empírica. Sem dúvida, na medida

mesmo em que se afasta das definições fixas dos fenômenos sociais, Weber se aproxima

das manifestações sociais concretas, marcadas por um contexto histórico e cultural

singular. Essa aproximação, no entanto, é mediada por todo um instrumental analítico

que transforma os fenômenos concretos em objetos científicos. Os fenômenos empíricos

são recortados conceitualmente. Seus elementos e conexões internas são comparados

com formas típicas construídas artificialmente


Parte superior do formulário
Faça sua b

Parte inferior do formulário

• Assine

• E-mail

• SAC

• Canais

pelo observador. São avaliadas as várias causas possíveis que explicariam sua
configuração atual e atribuído um peso relativo a cada uma delas.
Uma das preocupações de Weber foi, justamente, com a formulação de certos

instrumentos metodológicos que permitissem que o cientista investigasse os fenômenos

particulares sem se perder na infinidade disforme dos seus aspectos concretos. O

principal desses instrumentos é o tipo ideal. Os tipos ideais cumpririam duas funções

principais: selecionar explicitamente a dimensão do objeto que será analisada e

apresentar essa dimensão de uma forma pura, despida de suas nuanças concretas. Nas

palavras de Weber, a construção de tipos permitiria operar uma espécie de abstração

que converteria a realidade em “objeto categorialmente construído” ( 1993-b, pág. 203

). Os tipos seriam elaborados “mediante acentuação mental de determinados elementos

da realidade”( 1993, pág.137 ) considerados, do ponto de vista do investigador,

relevantes para a pesquisa. O cientista social criaria definições exageradas, unilaterais,

das dimensões da realidade que pretendesse conhecer. Essas definições poderiam então

ser utilizadas, num segundo momento, para uma espécie de comparação com o mundo
real. Elas auxiliariam no trabalho de compreensão e de imputação causal realizado pela

Sociologia e pela História. Cada aspecto concreto da realidade empírica poderia ser

compreendido em função da sua maior ou menor distância em relação à definição típico

ideal.

O tipo ideal mais importante da Sociologia weberiana é o de ação racional com

referencia a fins. Este tipo de ação se caracterizaria pelo fato do ator escolher de modo

ponderado seus fins, considerando as conseqüências previsíveis, e por adequar do modo

que lhe parece mais eficaz, dadas as condições, os meios aos fins. Seria um tipo de ação

social no qual o sujeito agiria desapegado de vínculos afetivos ou tradicionais. O que

prevaleceria seria a análise objetiva da eficiência e da eficácia, dos custos e benefícios

de cada alternativa. A ação racional com referência a valores possuiria, basicamente, as

mesmas características. A diferença é que os fins da ação, neste caso, seriam

perseguidos de modo absoluto, independentemente das conseqüências previsíveis que

possam estar associadas a eles. A idéia de Weber é de que a ação racional, nas suas duas

modalidades, seria a forma mais previsível, compreensível, de comportamento humano.

Quando desapegados de suas tradições e afetos, os homens agiriam diante das situações

de modo muito regular. Suas ponderações sobre os custos e benefícios de cada

alternativa de ação são feitas segundo regras que seriam mais ou menos universais de

raciocínio. Suas decisões, ou seja, os cursos efetivos da ação seriam, portanto, muito

regulares.

Seria, justamente, essa previsibilidade ou compreensividade máxima que faria

com que o tipo ideal de ação racional desempenhasse o papel de um recurso

metodológico tão central na Sociologia weberiana. Os fenômenos poderiam, num

primeiro momento, ser interpretados como baseados em ações racionais. Essa

interpretação seria, num segundo momento, comparada com a realidade concreta. Os


comportamentos divergentes seriam compreendidos como desvios, afetivos ou

tradicionais, em relação às ações racionais previstas.

Servindo-se de tipos que recriam, de modo acentuado, vários aspectos da

realidade empírica e valendo-se do conhecimento de certas regularidades da ação

humana - associadas, principalmente, ao seu caráter racional - Weber pode construir,

para cada situação social analisada, um quadro das possibilidades objetivas de ação.

Este quadro funciona como um recurso metodológico complementar que permite avaliar

a influência de modificações mais ou menos abrangentes dos componentes de uma

situação social sobre a escolha por parte do sujeito do seu curso de ação. Torna-se

possível simular vários cenários, através da modificação virtual de determinado

componente da situação, imaginar, segundo as regras da experiência, como o ator

reagiria às modificações, e, assim, avaliar o peso causal que cada componente da

situação desempenharia – ou efetivamente desempenhou, no caso histórico - na

definição do curso de ação. A avaliação do significado causal de um fato para o curso

subsequente dos acontecimentos seria, assim, realizada considerando-se a probabilidade

maior ou menor, de acordo com as regras da experiência, de que, na ausência desse fato,

o comportamento dos agentes seja modificado. Seria possível simular a ausência do fato

e avaliar, com algum grau de segurança, quais as possibilidades objetivas de que isso se

traduza numa mudança do comportamento dos agentes e, indiretamente, numa alteração

do curso dos acontecimentos.

A reconstrução analítica de elementos da realidade em termos típico ideais e a

simulação das possibilidades objetivas envolvidas num acontecimento ou situação –

simulação baseada, principalmente, na previsão de como seria o curso dos eventos no

caso de ações puramente racionais – seriam os elementos principais que permitiriam a

compreensão causal dos fenômenos sociais. O cientista reconstruiria, em termos típicos,

dimensões específicas da realidade, avaliaria, segundo as regras da experiência, como os


agentes provavelmente agiriam diante dessas dimensões e compararia os cursos de ação

concretos com as previsões realizadas. Essa comparação permitiria definir o grau de

proximidade entre a construção típica e a realidade concreta.

A compreensão causal, no sentido weberiano, ou seja, a explicação dos

fenômenos a partir da interpretação do sentido visado pelas ações dos sujeitos e da

análise das implicações, intencionais ou não, dessas ações supõe a utilização dos três

recursos metodológicos acima discutidos: os tipos ideais, que permitem isolar

artificialmente dimensões da realidade empírica e avaliar a presença dessas, em maior

ou menor grau, em diversas configurações concretas; o tipo ideal de ação racional, que

forneceria uma espécie de padrão previsível de comportamento a partir do qual se

poderia identificar desvios; a noção de possibilidade objetiva, que permite avaliar o

peso relativo de várias causas possíveis na determinação de um acontecimento.

A sociologia weberiana não lida com indivíduos socialmente isolados, mas com

agentes localizados em situações sociais determinadas, nas quais está aberto um campo

definido de possibilidades de ação ( Cohn, 1979 ). A primeira condição que torna

possível a compreensão sociológica seria, justamente, o fato dos sujeitos agirem dentro

desse universo estreito de possibilidades. Os atores lidam com essas possibilidades de

um modo que pode ser compreendido quanto ao sentido – na medida em que adequado

aos “hábitos médios de pensar e sentir” (Weber, 1991, pag. 8 ) - e previsível de acordo

com regras de probabilidade construídas a partir da experiência histórica.

O trabalho do sociólogo seria, basicamente, o de reconstruir de modo típico os

elementos considerados significativos em cada situação. A partir dessa reconstrução o

sociólogo poderia compreender as possibilidades de ação abertas para o sujeito ( as

conexões de sentido possíveis ) e avaliar, a partir da experiência, quais as mais

prováveis. A Sociologia poderia, finalmente, afirmar que diante de situações próximas


ao caso típico, os sujeitos provavelmente agiriam de uma determinada forma e de

acordo com um sentido que poderia ser compreendido.

Num certo sentido, pode-se dizer que a Sociologia weberiana tem como projeto a
reconstrução conceitual do mundo sócio-histórico. Certamente, não se trata de uma
reconstrução exata, completa, definitiva ou imparcial. Weber enfatizou suficientemente
a separação existente entre conhecimento e realidade. O mundo social - na verdade,
fragmentos dele - seria recriado em termos típicos ideais, ou seja, selecionando-se e
exagerando-se algumas de suas dimensões. Seriam explicitadas, ainda, as relações
regulares observadas entre dimensões da realidade. Como a realidade empírica é
definida em termos de agentes com um objetivo, agindo em relação a outros agentes,
servindo-se dos meios disponíveis e das condições dadas pela situação, os elementos
tipificados seriam, justamente, os objetivos ou motivos, os meios, as condições e as
próprias situações. Mesmo as categorias sociológicas mais gerais utilizadas pela
Sociologia, como capitalismo, burocracia ou patrimonialismo, seriam definidas em
função da probabilidade de que se repitam certas ações típicas, do ponto de vista do seu
sentido, que, supostamente, estão envolvidas e, inclusive, são as responsáveis pela
existência desses fenômenos macrossociais.
Weber não pretende e não acha possível ir além dessa reconstrução tipificada dos
elementos do real e do estabelecimento de certas relações, mais ou menos regulares e
compreensíveis, entre esses elementos. Apenas essas seriam tarefas de uma Ciência
Social “da realidade”, no sentido weberiano. É a isso que ele chama de “ordenação
conceitual da realidade”. Qualquer objetivo além desse seria visto como inadequado a
uma ciência empírica e próprio à “metafísica” ou à “filosofia social”.
OS LIMITES DA SOCIOLOGIA WEBERIANA

As considerações realizadas nas seções anteriores, sobre os pressupostos

epistemológicos mais gerais de Max Weber e sobre sua concepção do objeto e do

método das Ciências Sociais, permitem que se proceda, agora, a uma reflexão mais

embasada sobre o significado da afirmação weberiana reproduzida no início deste

artigo. O que significa definir a Ciência Social como uma “Ciência da Realidade”?

Por trás dessa afirmação, certamente, está o compromisso radical de Weber com

a busca da objetividade no campo das Ciências Sociais. Weber busca definir o objeto

dessas ciências de tal modo que esse possa cumprir as exigências do controle

intersubjetivo e da validação empírica. Uma das maiores preocupações de Weber seria,

exatamente, a de afastar certas categorias da análise sociológica, normalmente de

natureza coletiva ou macroestrutural, que não seriam diretamente acessíveis

empiricamente.
A ação social é definida como o objeto elementar das Ciências Sociais,

justamente, pelo seu caráter, num certo sentido, real. Como já foi dito, a única coisa que

realmente existiria no mundo social seriam homens agindo segundo um sentido visado e

tendo como referência os outros agentes. Esse, portanto, seria o único objeto passível de

ser analisado por uma “Ciência da Realidade”.

Nesta terceira seção, pretende-se, primeiramente, considerar os argumentos

utilizados por Weber para restringir o espaço de categorias teóricas e filosóficas gerais –

vale dizer, “não reais” – nas Ciências Sociais. Essa restrição vai estar diretamente

relacionada à definição das ações sociais como o objeto elementar dessas Ciências,

qualquer categoria que não seja passível de redução ao plano das ações passa a ser

rotulada de metafísica. Na parte final da seção considera-se, justamente, as implicações

dessa circunscrição, realizada por Weber, do objeto das Ciências Sociais. Que

dimensões dos fenômenos sociais ficam excluídos, sob o argumento de serem “não

reais”, do âmbito dessas ciências?

Em “A “objetividade” do conhecimento nas Ciência Social e na Ciência

Política” (1993 ), Weber defende a tese segundo a qual é impossível estabelecer um

referencial teórico ( metafísico, no sentido weberiano ) único a partir do qual se pudesse

abordar cientificamente toda a realidade histórico-social. Weber parece utilizar três

argumentos principais na sustentação dessa tese. Primeiro, o de que não existiria um,

mas vários referenciais teóricos, normalmente associados a diferentes sistemas

filosóficos. Cada um deles significaria, na verdade, apenas mais uma perspectiva, mais

um ângulo a partir do qual é possível recortar e analisar o real. O seleção de um entre

esses ângulos como referencial privilegiado seria, num certo sentido, sempre arbitrária.

Nos termos de Weber, “o número e a natureza das causas que determinaram qualquer

acontecimento individual são sempre infinitos, e não existe nas próprias coisas critério
algum que permita escolher dentre elas uma fração que possa entrar isoladamente em

linha de conta”( 1993, pág.129 ).

Weber insiste em afirmar que não compartilha do preconceito, segundo o qual

“as reflexões sobre a vida cultural que pretendem interpretar metafisicamente o mundo,

indo portanto, além da ordenação conceitual dos dados empíricos, não poderiam, por

causa desta sua característica, contribuir, de alguma forma, para o conhecimento” ( pág.

114 ). Sua crítica seria dirigida, assim, apenas, à pretensão, comum a essas

“interpretações metafísicas”, de se firmarem como “método universal”, como

“denominador comum da explicação causal da realidade” (pág. 121 ). Essa pretensão

seria inaceitável, no campo científico, pelo simples fato de que não se teria como se

decidir objetivamente entre as várias alternativas disponíveis. O argumento seria,

basicamente, o mesmo utilizado com relação aos valores da vida prática em geral, como

a política e a religião. As interpretações metafísicas são múltiplas, inconciliáveis e não

podem ser validadas ou hierarquizadas segundo critérios objetivos. Devem permanecer,

portanto, no “contexto não controlado da descoberta”.

O segundo argumento desenvolvido por Weber para rejeitar o estabelecimento

de um referencial teórico abrangente e unificado nas ciências da cultura aponta para o

fato de que os objetos dessas ciências são individualidades históricas concretas que não

podem ser deduzidas de um sistema de leis. Weber se opõe a autores que, segundo ele,

concebem o ideal do conhecimento científico como sendo o estabelecimento de um

“sistema de proposições das quais seria possível “deduzir” a realidade” ( 1993, pág.

125). Argumenta que isso não é válido nem para o caso, por exemplo, da Astronomia.

Mesmo uma Ciência Natural como essa se interessaria por entender o “efeito individual

produzido pela ação das leis sobre uma constelação individual” e por saber a origem

desta como “conseqüência de outra constelação, igualmente individual que a precede”

( pág. 125 ). No caso das Ciências da Cultura, o interesse pela dimensão individual do
fenômeno, incluindo sua significação histórica, seria ainda mais central. Assim, Weber

afirma que mesmo que fosse estabelecida uma “imensa casuística de conceitos e regras

com a validade rigorosa de leis” ( pag. 126 ), isso constituiria apenas um primeiro passo

do conhecimento. O passo seguinte e, talvez, mais importante, seria a análise da

vigência dessas leis em casos concretos e historicamente individualizados.

Este segundo argumento, na verdade, não implica uma rejeição do

estabelecimento de referenciais teóricos abrangentes e mesmo unificados nas Ciências

Sociais. Ele apenas delimita o papel que poderia ser desempenhado por esses

referenciais. Eles poderiam ser instrumentos utilizados na interpretação dos fenômenos

concretos. Não seriam capazes, no entanto, de substituir ou de tornar dispensável a

análise empírica dos próprios fenômenos.

O terceiro argumento utilizado por Weber para restringir a importância dos

pressupostos teóricos mais gerais nas Ciências da Cultura é na verdade um

complemento do argumento anterior. Os objetos das Ciências Sociais seriam definidos

pelo atributo de possuírem uma significação cultural, de estarem relacionados com

idéias de valor de sujeitos concretos. Como tais, esses objetos teriam, logicamente, que

ser tomados como construções históricas individualizadas. A compreensão dessas

construções particulares e a explicação de suas causas não poderia ser feita a despeito

ou em contradição com o seu caráter individual. A proeminência teria que ser dada ao

objeto concreto, com sua significação cultural e origem histórica específica. Nos termos

de Weber, “quando se trata da individualidade de um fenômeno, o problema da

causalidade não incide sobre as leis, mas sobre conexões causais concretas; não se trata

de saber a que fórmula se deve subordinar o fenômeno a título de exemplar, mas sim, a

que constelação deve ser imputado como resultado.” ( pág. 129 ). Os referenciais

teóricos gerais ou o “conhecimento das leis da causalidade” seriam, assim, apenas um

instrumento a ser utilizado no trabalho de imputação causal. Weber observa ainda que
“quanto mais gerais, isto é, abstratas são as leis, menos contribuem para as necessidades

da imputação causal dos fenômenos” ( pág. 129), justamente, por se afastarem

demasiadamente de sua realidade concreta.

Esses três argumentos juntos compõem o essencial da concepção weberiana

relativa ao lugar que deve ser reservado aos pressupostos teóricos ou metafísicos nas

Ciências Sociais. Na verdade, esse lugar seria bastante restrito. Esses pressupostos

poderiam, no máximo – mesmo assim, na medida em que não fossem abstratos demais

– auxiliar o sociólogo ou o historiador no trabalho prévio de formulação dos problemas

e desenvolvimento inicial das hipóteses. De certa forma, essas “filosofias sociais” são

vistas como sendo apenas um componente a mais do conjunto de visões de mundo,

valores e convicções pessoais que constituem as referências do investigador.

Essas ponderações de Weber não implicam, no entanto, uma renúncia à

possibilidade do conhecimento geral nas Ciências Sociais. Como já foi dito nas seções

anteriores, Weber acredita na possibilidade e na relevância do estabelecimento de

regularidades nessas ciências. O conhecimento nomológico, no sentido weberiano, é, no

entanto, algo completamente distinto do que aqui se está chamando de pressupostos

teóricos e filosóficos gerais. Quando Weber fala da importância do conhecimento

nomológico nas Ciências Sociais, refere-se especificamente a conexões regulares entre

elementos típicos da realidade empírica, nada a mais do que isso. Essas conexões

podem ter um caráter mais ou menos abstrato conforme o pesquisador que as formule se

oriente numa perspectiva mais sociológica ou histórica. De qualquer forma, seriam

reconstruções tipificadas – puras e exageradas - de aspectos presentes na realidade

concreta

O que Weber exclui do campo das Ciências Sociais, ou pelo menos relega a uma

posição bastante marginal, é todo tipo de teorização que se refira a dimensões,

processos ou mecanismos sociais puramente abstratos, que não possam ser traduzidos
em termos de conjuntos típicos ou concretos de ações. Não existiria espaço na

Sociologia weberiana para o desenvolvimento de conceitos ou sistemas de teorias que

tenham como objeto dimensões não diretamente empíricas dos fenômenos sociais.

Assim, num plano macrossociológico, Weber, certamente, desestimularia qualquer

esforço no sentido de estabelecer um conhecimento geral e abstrato, válido para

qualquer configuração histórico-social, sobre a natureza dos sistemas sociais e de seus

mecanismos internos de equilíbrio ou mudança. Ao contrário, ele está interessado em

compreender como em diferentes situações históricas, passíveis de serem tipificadas, os

homens orientaram suas ações de um modo que tornou possível o estabelecimento de

relações sociais mais ou menos estáveis. Da mesma forma, no plano microssociológico,

Weber, sem dúvida, não apoiaria iniciativas no sentido de estabelecer os mecanismos

gerais subjacentes aos processos de interação social. Não lhe interessariam teorias

abstratas sobre a universo subjetivo ou sobre os processos inconscientes envolvidos nas

interações. Restringiria-se a compreender, no caso real ou em termos típicos, o sentido

visado pelos atores e as conseqüências intencionais ou não de suas ações.

O ponto fundamental é o compromisso de Weber com o plano da ação social: tudo o


que se encontra num plano analítico subjacente ou transcendente em relação ao da ação
seria excluído do campo específico das Ciências Sociais e reservado ao âmbito
filosófico. A única dimensão dos fenômenos sociais que Weber reconhece como
efetivamente real é a das ações. Qualquer dimensão desses fenômenos que não possa ser
traduzida em termos de ações é afastada do campo científico. Definir a ciência social
como uma ciência da realidade significa, portanto, para Weber, o mesmo que defini-la
como uma ciência da ação social. É claro que Weber não está pensando em ações
isoladas. Partindo da ação social como unidade elementar, Weber ( 1991 ) reconstroi
conceitualmente todo o emaranhado de relações sociais em que cada ação encontra-se,
possivelmente, envolvida. Parsons ( 1968, pág. 653 ) observa que Weber produz um
esquema geral dos “tipos objetivamente possíveis de estrutura social”. São tipificadas as
várias formas, mais ou menos estáveis, de relação social e definidos os modos típicos de
orientação das ações nessas relações.
O conceito fundamental, de qualquer forma, é o de ação social. Esse conceito marca a
especificidade, a força, mas, também, os limites da perspectiva weberiana. Weber se
limita a perguntar como, com que sentido e com quais conseqüências os sujeitos agem
nas situações históricas concretas, em média e no caso típico. Essas seriam as únicas
questões pertinentes no âmbito de uma Ciência Social “da realidade”.
Ficam excluídas questões centrais da teoria social. A maior delas talvez seja a da
determinação do sentido da ação individual. O que faz com que um agente imprima
determinada direção a sua ação? Como são selecionados os fins das ações? Como os
agentes decidem entre cursos alternativos de ação? O que faz com que diante de uma
mesma situação alguns ajam do modo racionalmente mais previsível, enquanto outros se
desviam e se orientam segundo os mais diversos principios normativos? Qual o espaço
de autonomia do sujeito, frente às situações sociais, na definição do sentido de sua
ação?
Weber se recusa a responder questões formuladas nesse nível de abstração. Os
problemas levantados por elas só são tratados na medida em que puderem ser traduzidos
para o plano da análise concreta das ações sociais. Weber não pretende formular uma
teoria abstrata da relação entre agentes e situações, sujeitos e estruturas. A questão do
grau em que a orientação da ação é determinada pelas características objetivas da
situação não é colocada. Weber parte de agentes concretos, perseguindo fins
estabelecidos em situações históricamente dadas. Não está disposto a produzir uma
teoria geral sobre os fundamentos da ordem social.
BIBLIOGRAFIA

ARON, Raymond, As etapas do pensamento sociológico. 3ª ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1990.

COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine, Max Weber e a História. 1ª ed. São Paulo:

Brasiliense, 1995.

COHN, Gabriel, Crítica e Resignação – fundamentos da sociologia de Max Weber. 1ª

ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 1979.

FREUND, Julien, Sociologia de Max Weber. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987

JASPERS, Karl, Método e visão do mundo em Weber. In: COHN, Gabriel. Org.

Sociologia: Para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Livros técnicos e

científicos,1977

PAIVA, Luís Henrique, Filosofia das Ciência Sociais.

mso-ansi-language:EN-US'>1ªed. Piracicaba: Unimep, 1997.


PARSONS, Talcott, The Structure of Social Action. 3ª ed. New York: The Free Press,

1968

SAINT-PIERRE, Héctor, Max Weber – entre a paixão e a razão. 2ª ed. Campinas:

Unicamp, 1994.

WEBER, Max, A Ciência como vocação. In: WRIGHT MILLS, C. E GERTH, H.H.

Org. Ensaios de Sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

____________, A “Objetividade do conhecimento na Ciência Social e na Ciência

Política. In: Metodologia das Ciências Sociais. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1993.

____________, Economia e Sociedade. 1ª ed. Brasília: Unb, 1991. Vol. 1.

____________, Estudos Críticos sobre a lógica das Ciências da Cultura. Em:

Metodologia das Ciências Sociais. 2ª ed.. São Paulo: Cortez, 1993-b.

Anda mungkin juga menyukai