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Tendências Relatório Especial

20 de maio de 2003

O que divide os economistas brasileiros


Edward Amadeo

No Brasil, os economistas permanecem divididos por enormes barreiras conceituais. A raiz dos dissensos é a crença
no funcionamento do mercado como coordenador de decisões econômicas e seus efeitos sobre a eficiência e bem-
estar social. Pode-se designar um primeiro grupo como liberal-social (LS), pela ênfase no bom funcionamento dos
mercados e na igualdade de oportunidades como fontes do desenvolvimento econômico. Um segundo grupo tem
traços das idéias do economista austríaco Joseph Schumpeter – pioneiro nas discussões sobre o papel do crédito
e das inovações no desenvolvimento – e do economista inglês John Maynard Keynes – que teorizou sobre o papel
dos gastos públicos no ciclo econômico. Há também influência das idéias estruturalistas e cepalinas, cuja tese é que
as distorções no comércio internacional demandam ações estratégicas do Estado para promover a competitividade
das empresas. Este grupo seria, portanto, o defensor da agenda schumpeteriana, keynesiana e cepalina (SKC).

No Brasil pós-FHC, assistimos a um processo governo. Alguns aplaudem a nova equipe


em que, simultaneamente, há uma convergência enquanto outros acusam o ministro da Fazenda,
entre correntes de pensamento econômico, Antônio Palocci, de trair as teses históricas do PT.
enquanto remanescem diferenças relevantes não Um terceiro grupo, indignado com o que reputa
só entre economistas, mas também dentro da ser uma “herança maldita” do governo FHC,
equipe de governo e entre esses e proeminentes resigna-se com a política econômica do governo
políticos do PT. Lula, vista como uma transição rumo a um “novo
As convergências em economia são fruto de modelo econômico”. Fala-se, agora, de uma
experiências históricas e do amadurecimento do “segunda fase” da política econômica.
debate. Ambos têm contribuído para reduzir as Passado momento mais crítico após a eleição
diferenças no Brasil: de um lado a crise argentina do presidente Lula, as divergências têm aflorado
mostrou que há limites ao câmbio administrado e com veemência, quando não com golpes baixos,
à imprudência fiscal e, de outro, os membros do indicando que a fase de convergência está
novo governo entabularam sérias conversações encerrada. No Brasil, os economistas
com economistas fora do PT e com membros da permanecem divididos por enormes barreiras
equipe econômica de FHC. conceituais. Se o governo for refém desse
São duas as convergências hoje no Brasil: conflito, o futuro será marcado por políticas
z A necessidade de reduzir ou, no mínimo, ambíguas e de baixa eficácia.
estabilizar a relação entre dívida pública e PIB;
e Quais as questões?
z O compromisso com inflação baixa. Com o intuito de subsidiar o debate, esta análise
A convergência, entretanto, é superficial e mostra como as duas linhas de pensamento
aparente. Os dissensos permanecem muito vivos, respondem a oito questões básicas:
são irreconciliáveis e ações protelatórias do 1. O que limita o crescimento econômico, a
governo na escolha do modelo só tendem a demanda ou a oferta?
atrasar a melhora dos indicadores 2. Como aumentar os investimentos, política
socioeconômicos do País. industrial ou mercado de capitais?
A prova de que os dissensos continuam é a 3. Na política de comércio exterior, elevar o
reação de diferentes economistas e políticos à superávit comercial ou as importações?
política econômica nos primeiros meses de 4. Como reduzir a vulnerabilidade externa, com

A Tendências Consultoria Integrada preparou este Relatório Especial com base em estudos internos e em informações
de conhecimento público. Empregamos todos os esforços para que as opiniões e dados aqui contidos fossem os mais
atualizados, corretos e precisos. Não nos responsabilizamos, entretanto, pelos resultados de qualquer decisão tomada
com base no conteúdo desta publicação.
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elevado saldo comercial ou aumento da corrente economia. Seja na formação de preços


de comércio? (exemplos: alíquotas de importação, taxa de
5. Expandir exportações com políticas câmbio, taxa de juros e salário mínimo), seja
industriais ou com abertura da economia? através de opções estratégicas de investimento
6. Política cambial, piso para o câmbio ou por meio de agências para-fiscais do governo
flutuação? (bancos federais, fundos setoriais, etc.) ou de
7. O superávit primário de 4,25%, um piso ou políticas seletivas (via elevação do grau de
um teto? nacionalização de produtos, por exemplo). O
8. Redistribuição de renda, crescer ou focar os objetivo dessas ações é induzir, mais que
gastos públicos? crescimento econômico, “saltos de
desenvolvimento” como se viu, por exemplo, nos
Fundamentos períodos de Vargas e Juscelino Kubitschek.
A raiz dos dissensos é a crença no O que fez a diferença entre esses dois grupos
funcionamento do mercado como coordenador de ter diminuído nos últimos anos foi, em primeiro
decisões econômicas e seus efeitos sobre a lugar, o limite fiscal do Estado. Juscelino
eficiência e bem-estar social. O termo eficiência Kubitschek pôde construir Brasília sem um
diz respeito ao uso mais econômico dos recursos orçamento. Hoje isso seria impossível. Por sua
de produção (terra, capital e trabalho) – isto é, a vez, a inflação desenfreada que resultou da
combinação de recursos que maximiza a renda e liberalidade fiscal e monetária deixou de ser
a riqueza. O termo bem-estar social envolve, funcional como forma de financiamento do
simultaneamente, o tamanho da renda per capita Estado. Daí a razão da convergência de que é
e a distribuição da renda. Com base nesse preciso recuperar as finanças do setor público e
critério, as duas vertentes teriam as seguintes manter a inflação sob controle.
posições: Pode-se designar o primeiro grupo como
z O primeiro grupo crê que ao Estado cabe liberal-social (LS), pela ênfase no bom
buscar a igualdade de oportunidades entre os funcionamento dos mercados e na igualdade de
cidadãos e, respeitada essa condição, o bom oportunidades como fontes do desenvolvimento
funcionamento dos mercados (inclusive o econômico. Suas idéias têm três fundamentos:
mercado “globalizado”) é a melhor forma de z No Brasil, há entraves ao funcionamento
maximizar o crescimento da renda per capita. No dos mercados – especialmente no comércio
Brasil, face à desigualdade de oportunidades – o exterior e nos mercados de capital e de trabalho
acesso à educação é o exemplo mais evidente – –, que inibem o uso mais eficiente dos recursos
, esse grupo atribui especial importância à e, assim, emperram o crescimento econômico.
eficácia e eficiência dos gastos sociais como Evidentemente, essa visão não ignora a
forma de reduzir a pobreza e aumentar o bem- necessidade de regular setores com monopólios
estar social. No que se refere ao funcionamento naturais e de impedir a cartelização dos
dos mercados, admite a existência de mercados.
“imperfeições” – casos de monopólio, assimetria z A principal restrição ao crescimento
de informações, externalidades – em que o econômico é a escassez de poupança doméstica
Estado deve intervir regulando e coordenando e a baixa taxa de crescimento da produtividade
ações privadas. Ainda assim, adverte que pode ser dos fatores de produção.
muito difícil identificar o tipo e o grau de z O Brasil não é um país pobre (tem renda
imperfeição de modo a guiar a intervenção. per capita média no conjunto dos países), mas
z O segundo grupo propugna um grau muito tem uma péssima distribuição de renda e um
mais avançado de intervenção do Estado na número muito grande de pobres. Combater a

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pobreza é fundamental e uma função do cidadãos) e a redução da pobreza depende de


Estado. A má distribuição de renda é uma das uma política mais agressiva de salário mínimo,
causas do baixo crescimento econômico. O de mudanças na estrutura tributária que
acesso desigual à educação é o exemplo mais aumente a taxação dos ricos e, acima de tudo,
claro de como a disparidade de oportunidades do crescimento com a geração de empregos.
inibe o crescimento da produtividade e da Mais empregos significa crescimento do
renda. mercado doméstico e inclusão social dos
O segundo grupo tem traços das idéias do pobres.
economista austríaco Joseph Schumpeter – Desses conjuntos de pilares decorrem
pioneiro nas discussões sobre o papel do crédito propostas de políticas públicas muito distintas,
e das inovações no desenvolvimento – e do que remanescem a despeito da convergência
economista inglês John Maynard Keynes – recente.
que teorizou sobre o papel dos gastos públicos
no ciclo econômico. Há também influência das Um dado básico
idéias estruturalistas e cepalinas, cuja tese é O que conta para o crescimento sustentado
que as distorções no comércio internacional da economia é a taxa líquida de formação de
demandam ações estratégicas do Estado. A capital produtivo. A economia não pode
agenda schumpeteriana, keynesiana e cepalina crescer se não há expansão da capacidade
(SKC) também tem três pilares: produtiva. Um dado básico para a discussão é
z O Brasil não pode depender da a baixa taxa de investimento observada no
poupança e da tecnologia externas para Brasil nos últimos 20 anos (figura 1). Como se
desenvolver-se. A poupança externa eleva a vê na figura 2, a taxa de crescimento do
dívida e torna a economia brasileira estoque de máquinas e equipamentos tem
dependente dos humores do mercado e de oscilado em torno de zero desde o início dos
investidores internacionais. Uma visão mais anos 80.
branda diria que a poupança externa não é um Portanto, há um ponto de partida comum na
mal em si, mas pode ser maléfica se não for discussão entre os LSs e os SKCs: por que a
acompanhada da elevação dos investimentos e taxa de investimento é tão baixa no Brasil nos
de exportações que garantam os rendimentos últimos 20 anos? As respostas dos dois grupos
para amortizar a dívida. Por sua vez, a são ilustradas no quadro 1.
transferência de tecnologia não garante seu
domínio ou capacidade de inovação. Portanto,
o Estado deve incentivar os setores intensivos Quadro 1
em tecnologia, com déficits externos crônicos
Baixa taxa de investimento
e produtores de bens cuja demanda global e
doméstica mais crescem, os “setores Baixa taxa de crescimento Crowding-out do
dinâmicos”. da demanda agregada investimento privado (taxa
de juros elevada)
z O Brasil está se afogando em juros
muito elevados, que inibem o crescimento do Taxa de juros elevadas
Baixas taxas de poupança e
investimento do setor
mercado doméstico e da arrecadação público
Vulnerabilidade externa
tributária. A redução dos juros faria deslanchar Estrangulamento fiscal
a economia, produzindo sobras fiscais que
Argumento SKC Argumento LS
poderiam ser aplicadas em programas sociais.
z As políticas sociais devem ser
“universais” (garantindo acesso a todos os Elaboração Tendências

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Essencialmente, segundo os SKCs, a origem do Figura 2: Estoque de máquinas e equipamentos (empresas


problema está na vulnerabilidade externa da e famílias), taxa de variação anual (%).
economia brasileira expressa nas duas crises da
dívida externa, a primeira na década de 80 e a 20

segunda nos últimos anos. A forma encontrada 15


para lidar com a dependência de capitais
10
externos nos últimos anos foi manter juros
elevados, o que inibiu o crescimento da economia 5

e, assim, do estoque de capital. As empresas não


0
investem se a economia não cresce.
Na visão LS, o problema está no -5

1951
1954
1957
1960
1963
1966
1969
1972
1975
1978
1981
1984
1987
1990
1993
1996
1999
estrangulamento fiscal do Estado. O governo
arrecada mais de 35% do PIB, tem um déficit
nominal elevado, praticamente 100% dos gastos Fonte: Ipea
são de custeio e sua taxa de poupança é negativa
– menos 2,2% do PIB entre 1995 e 1998 e menos
0,6% entre 1999 e 2000. (A taxa de poupança do Caso o Brasil não dependesse de poupança
setor público é dada pelo superávit nominal mais externa, não seria vulnerável aos humores dos
os investimentos públicos.) O estrangulamento investidores, poderia reduzir a taxa de juros,
fiscal tem duas conseqüências negativas. expandindo a economia e reduzindo o
Primeiro, o governo não investe e, assim, não estrangulamento fiscal. Como ser menos
contribui para a expansão da capacidade vulnerável, entretanto, é algo que divide os dois
produtiva. Segundo, o governo tem uma dívida grupos.
crescente e, para financiá-la, compete com as Não houvesse estrangulamento fiscal do
empresas privadas pela poupança (chamado Estado, o setor público investiria mais, haveria
efeito crowding-out). Isto significa que o custo menor necessidade de poupança externa e menor
do capital para as empresas é muito elevado, o vulnerabilidade externa. Mas como lidar com o
que explica a baixa taxa de investimento. estrangulamento fiscal é algo que divide os dois
Em princípio, os argumentos podem ser vistos grupos.
como complementares: Portanto, além de oferecer soluções diferentes
para as duas “causas primárias” da baixa taxa de
investimentos, cada um dos grupos enfatiza,
Figura 1: Taxa de investimento (% do PIB). quase exclusivamente, uma ou outra linha de
causalidade, como mostra o quadro 1.
26
24
22
Quais as saídas?
20 1. O que limita o crescimento econômico,
18 a demanda ou a oferta?
16
Na visão SKC, o que limita o crescimento da
14
12
economia e dos empregos é a falta de demanda.
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 Com menor vulnerabilidade externa, o governo
T1 T1 T1 T1 T1 T1 T1 T1 T1 T1 T1 T1
poderia reduzir os juros, a demanda se expandiria,
Taxa de investimento (preços 1980) - Trimestral - (% PIB) e com ela viria a geração de empregos e renda,
Linear (Taxa de investimento (preços 1980) - Trimestral - (% PIB) ) que reforçaria a demanda e assim por diante.
Fonte: Ipea
Repetindo Keynes, “a demanda cria sua própria

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oferta” e “o investimento gera sua própria poderiam cair, induzindo investimentos em


poupança”. Ou seja, na esteira do crescimento da setores dinâmicos e que geram os melhores
demanda, as empresas produzem mais e investem empregos.
mais. Por sua vez, o crescimento da renda A forma de incentivar investimentos, segundo
aumenta a poupança. Para quebrar o círculo os LSs, é estabelecendo regras do jogo muito
vicioso, a sugestão é que a taxa de juros caia mais claras (instituições que reduzam o grau de
rapidamente. incerteza), com regulação transparente e estável
A visão LS é que o limite ao crescimento no nos setores de infra-estrutura, redução do
Brasil é dado pela escassez de poupança e crowding-out do investimento privado pelo setor
oferta. O crescimento da capacidade produtiva público e aprofundando o mercado de capitais.
(isto é, da oferta) tem sido muito baixo, e se as Na ausência de um mercado de capitais
empresas resolvessem investir mais, não haveria desenvolvido, o seu substituto imperfeito no Brasil,
poupança doméstica suficiente. Em o BNDES, deve financiar as empresas mais
conseqüência, a igualdade entre investimento e lucrativas, não importando de que setores ou
poupança se daria via inflação de demanda nacionalidade sejam. Essas empresas, por
(“poupança forçada”) ou via crescimento do definição, terão maior crescimento da
déficit de transações correntes. No período 1995- produtividade, maiores exportações e lucros que,
98, o governo optou por consolidar a queda da reinvestidos, promovem a acumulação de capital.
inflação, mas a forma de financiar o excesso de
demanda sobre oferta domésticos, inclusive 3. Política de comércio exterior, elevar o
devido a uma política fiscal relativamente frouxa, superávit comercial ou as importações?
foi com o crescimento do déficit em transações Segundo os SKCs, a política de comércio
correntes. A sugestão é um processo de ajuste exterior tem por objetivo expandir as exportações
fiscal permanente que eleve a poupança do setor para manter elevados os saldos comerciais,
público. principal barreira contra a vulnerabilidade
externa.
2. Como aumentar os investimento, Para os LSs, a razão para expandir as
política industrial ou mercado de capitais? exportações é permitir a expansão das
A visão dos SKCs é que o mercado não aloca importações, sem necessidade de elevados saldos
investimentos de acordo com as necessidades comerciais. O aumento das importações leva à
estratégicas de um país. No Brasil, acresce que especialização dos produtores sediados no Brasil,
a estrutura tributária e os juros elevados reduzem elevando sua produtividade, fonte de crescimento
a competitividade das empresas. Em das exportações e da renda.
conseqüência, a proteção do mercado nacional e
o investimento estratégico das empresas, através 4. Como reduzir a vulnerabilidade
de agências do Estado, são necessários. externa, com elevado saldo comercial ou
Concretamente, a proposta é que o governo, elevada corrente de comércio?
através do BNDES, dê preferência a empresas Na visão dos SKCs, o escudo da economia
que operam em setores com déficits comerciais contra a volatilidade do mercado financeiro
crônicos e intensivos em inovações tecnológicas internacional é a manutenção de saldos
e de produtos, e promova uma política de comerciais e reservas cambiais elevados ou, dito
substituição de importações. O sucesso dessa de outra forma, com o mínimo de poupança e
estratégia levaria a elevados saldos comerciais, endividamento externos.
de natureza estrutural, reduzindo a A visão dos LSs é muito diferente. Primeiro, os
vulnerabilidade externa. Com isso, os juros LSs não têm por objetivo elevados saldos

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comerciais – até porque isso seria um contra- economia, deveriam ter proteção externa inferior
senso em uma economia que, segundo percebem, à média. Naturalmente, enquanto a mão-de-obra
tem restrição de oferta e poupança. Segundo, por no Brasil for pouco qualificada e os recursos
mais que admitam a necessidade de algumas naturais (terra e minérios, por exemplo)
ações estratégicas, dão mais ênfase à abundantes, haverá um viés a favor de empresas
composição e qualidade dos fatores de produção que se utilizem mais intensivamente desses
(recursos naturais, capital e trabalho) na fatores, maximizando a geração de renda e a
formação da pauta de exportações e importações. melhora na sua distribuição. O exemplo do
Segundo essa visão, ao induzir investimentos em agribussiness, mas também dos setores
setores de alta tecnologia e elevado valor produtores de commodities semi-industrializadas,
agregado em uma economia com abundantes nos últimos anos, ilustram os benefícios da
recursos naturais e cuja maioria de trabalhadores abertura.
é pouquíssimo qualificada, não se maximiza o
crescimento da renda per capita e promove-se 6. Política cambial, piso para o câmbio ou
a concentração da renda. Esse é, inclusive, o flutuação?
julgamento que fazem da estratégia de A preocupação dos SKCs com a manutenção
substituição de importações dos anos 1950-80, de elevados saldos comerciais tem implicações
que volta a ser defendido veementemente por para a política cambial. Vários defensores desse
alguns setores da ala SKC. campo intelectual já manifestaram sua visão de
A redução da vulnerabilidade externa dar-se- que se deve estabelecer um piso para a taxa de
ia com o aumento da corrente de comércio câmbio, acima de R$3,00/US$, e que o Banco
(exportações e importações). Quanto maior a Central deve estar preparado para intervir no
corrente de comércio como proporção da dívida mercado, de modo a preservar saldos comerciais
externa, menor o custo do ajuste (medido pelo elevados.
aumento da inflação ou queda do PIB) associado Os LSs têm visão distinta com base no
a uma queda do fluxo de capitais externos. seguinte argumento. A depreciação cambial da
ordem de 50% entre meados de 2002 e o primeiro
5. Expandir exportações com políticas trimestre de 2003 foi resultado das incertezas
industriais ou com abertura da economia? políticas associadas ao processo eleitoral. Tais
A proposta SKC é a adoção de políticas incertezas vêm se dissipando e o prêmio de risco
industriais que incentivem os setores com país vem se aproximando do nível médio dos
demanda dinâmica, isto é, com inovações países emergentes e da média histórica do Brasil.
tecnológicas e de produtos, ou que tenham Se a depreciação veio acompanhada de
déficits comerciais elevados. Setores como substancial aumento do saldo comercial, também
eletroeletrônicos, químicos, siderúrgicos e bens provocou significativo aumento da inflação,
de capital deveriam ser beneficiados com políticas perdas salariais e substancial redução da
de fomento. demanda doméstica.
A proposta LS é reduzir os entraves ao Na verdade, a diferença de visões quanto ao
comércio, principalmente a elevada distorção da câmbio reflete distintos diagnósticos sobre as
estrutura de tarifas de importações, de modo que restrições estruturais da economia brasileira.
as empresas sediadas no Brasil possam se z Para os SKCs, como há escassez de
aproveitar do mercado globalizado para se tornar demanda, a elevação do saldo comercial reduz a
mais competitivas. Em particular, os setores de vulnerabilidade externa e puxa a economia. Se há
bens de capital e informática, que afetam a restrição de demanda, ao fixar a taxa de câmbio,
produtividade de todos os demais setores da estabelece-se o valor do excedente exportável.

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z Para os LSs, como há limitação de oferta, sinônimo de baixo poder de compra da renda do
o crescimento do saldo provoca uma situação de trabalho e da absorção doméstica. Se, por via
excesso de demanda no setor tradable (bens fiscal ou monetária, houver um impulso
comerciáveis), inflação, redução do poder de expansionista, dado o PIB potencial, o excesso de
compra dos salários e recessão no setor de non- demanda se acirrará, produzindo inércia
tradables (bens não-comerciáveis). Com inflacionária. Sendo assim, melhor é criar as
restrição de oferta, a escolha da taxa de câmbio condições para elevar o PIB potencial e
implica necessariamente arbitrar a relação entre endividar-se no exterior ao menor custo possível
absorção externa e doméstica, tendo a inflação de modo a aumentar a oferta e a poupança e
como variável de ajuste. poder, assim, conciliar aumento da demanda
Na visão SKC, a taxa de câmbio doméstica e inflação baixa. No lugar de intervir
(implicitamente, o câmbio real) está sob controle no câmbio ou comprar reservas, mais vale
do Banco Central. A combinação de câmbio manter forte o ritmo das reformas e a
depreciado e política industrial pode afetar o consolidação das instituições econômicas e
tamanho do saldo comercial. políticas, de modo a aumentar a relação entre
No argumento LS, a taxa de câmbio real e o investimento direto e dívida externa. A redução
saldo comercial são variáveis endógenas (isto é, mais permanente da volatilidade da taxa de
não estão sob o controle do governo) e dependem câmbio está associada à melhora dos
da evolução dos termos de troca e do hiato do fundamentos e não ao estabelecimento de um
produto (diferença entre PIB efetivo e PIB sistema de bandas ou um piso para o câmbio.
potencial). A forma de reduzir o déficit externo
é com medidas que elevem o PIB potencial, isto 7. O superávit primário de 4,25%, um piso
é, maior eficiência do investimento e crescimento ou um teto?
da produtividade. A posição SKC é que o superávit fiscal como
Nesse particular, a divergência entre os dois proporção do PIB dever cair quando a economia
campos é marcante pois, na visão dos LSs, a estiver crescendo pouco sob a justificativa de que
escolha dos setores incentivados pela política o gasto público compensa a queda do gasto
industrial para elevar o saldo comercial não privado e preserva os gastos sociais.
garante, para dizer o mínimo, a maximização da Já a posição LS é que o superávit fiscal como
eficiência do capital e da produtividade. O proporção do PIB deve crescer quando a
argumento é que se a política industrial reduz a economia vai bem com o propósito de aumentar
eficiência dos investimentos e o crescimento do a poupança do setor público (ou torná-la menos
PIB potencial, então seu efeito é tornar maior, e negativa). Como na fase de maior crescimento as
não menor, o conflito entre crescimento empresas estão investindo e o diagnóstico é que
econômico e déficits externos. a escassez de poupança pode abortar a
Visto sob um horizonte mais longo, a posição expansão, a idéia é que a política fiscal deve
SKC é que o piso para o câmbio mantém o apoiar o esforço de acumulação de capital.
incentivo a investimentos no setor tradable, Portanto, as duas vertentes defendem
reduzindo a vulnerabilidade externa no futuro. superávits pró-cíclicos. A diferença é que, entre
Dada a condição periférica da economia os SKCs, há uma preferência por reduzir o
brasileira e a inconversibilidade do real, o País superávit em relação ao nível atual de 4,25% do
não pode se dar ao luxo de endividar-se em moeda PIB na fase de baixo crescimento, enquanto os
forte, razão por que deve preservar uma taxa de LSs têm preferência por elevar o superávit acima
câmbio depreciada. do nível atual na fase de alto crescimento.
A visão LS é que o câmbio depreciado é Portanto, o nível atual é um teto para os SKCs e

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um piso para os LSs. Esta assimetria deve-se a correlação entre crescimento e distribuição da
diferentes ênfases: para uns, a política fiscal deve renda.
compensar a queda da demanda privada, para A fórmula para redistribuir renda, segundo os
outros reforçar o crescimento da oferta privada. LSs, está na mudança da composição dos gastos
Portanto, a política fiscal não é independente da públicos a favor dos pobres. Essa estratégia
visão dos dois grupos sobre os limitantes do implica diminuição da parcela dos gastos e
crescimento econômico. transferências de renda dos grupos menos pobres
(nono e décimo decis da distribuição) para os
8. Redistribuição de renda, crescer ou mais pobres (especialmente os primeiros três
focar os gastos públicos? decis) e redução de subsídios nas operações de
Na concepção SKC, a melhora na distribuição crédito dos bancos federais e fundos regionais e
de renda viria com a redução da taxa de juros, a setoriais. Para fazer isso, o governo teria que
elevação do poder de compra do salário mínimo, enfrentar fortes grupos de interesse, que se
o crescimento da economia e a universalização acham pobres em termos absolutos (ou em
dos serviços sociais. Juros elevados por períodos comparação com seus irmãos em países ricos),
longos não só inibem o crescimento como como é o caso de estudantes de universidades
concentram renda em mãos dos mais ricos, públicas ou beneficiários do seguro-desemprego,
credores do governo. O aumento do salário mas não são pobres em relação à renda per
mínimo eleva os salários e a renda dos idosos, via capita brasileira. A reforma da previdência dos
previdência, fomenta a demanda doméstica, servidores públicos é um primeiro e importante
alivia a pobreza e melhora a distribuição de renda. passo. Mas há uma série enorme de gastos que
O crescimento cria empregos e permite acolher são apropriados pelos 20% a 30% mais ricos da
os pobres no mercado de trabalho formal, com população, o que explica o cobertor curto de um
seus benefícios. A universalização dos serviços Estado pelo qual trafega 40% do PIB em um País
abre as portas da educação, saúde e previdência em que 30% da população é muito pobre.
pública a todos os cidadãos, inclusive os mais
pobres, o que, antes da Constituição de 1988, não Síntese
se verificava. Como se nota, há profundas divergências
Os LSs crêem que os juros são elevados escondidas sob o guarda-chuva da convergência.
porque há escassez de oferta e de poupança, Os quadros 2 e 3 procuram sintetizar os
principalmente do setor público. Também são diferentes diagnósticos e propostas.
favoráveis à sua redução desde que haja A partir desse quadro comparativo, a primeira
condições de fazê-lo sem provocar aumento da pergunta é se essas visões são conciliáveis. A
inflação, que tem efeito distributivo perverso. O resposta parece ser: sim e não. Sim na medida em
aumento do salário mínimo não eleva os salários que a história e o debate já produziram algum
onde predomina o emprego formal (Sul e grau de convergência. Além do compromisso
Sudeste) e não é respeitado onde predomina o com inflação baixa e redução da relação dívida/
emprego informal (Norte e Nordeste). Se é PIB, os LSs admitem que há limites para o
verdade que reduz a pobreza entre os idosos, crescimento do déficit de transações correntes e
como há restrição fiscal, reduz os gastos com as o endividamento externo. Já os SKCs
crianças pobres, onde a incidência de pobreza é implicitamente aceitam que há limites de oferta
muito maior, tanto em termos relativos quanto ao manifestarem preocupação com os efeitos da
absolutos. Evidentemente, os LSs acreditam que volta do crescimento da demanda doméstica
o crescimento reduz a pobreza mas, observando sobre o saldo comercial.
a experiência dos últimos 50 anos, vêem baixa Mas a convergência fica por aqui e é, portanto,

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20 de maio de 2003

Quadro 2: Diagnóstico. solvência do setor público, avanço institucional,


SK C LS regulação dos setores de infra estrutura, etc.).
- Vulnerabilidade - Estrangulamento
Segundo, é preciso aumentar a taxa de poupança
Causa do baixo doméstica e, em particular, a poupança do setor
externa fiscal
crescimento
econômico
- Restrição de - Restrição de público. Essa seria a variável de ajuste para
demanda oferta
combinar os três objetivos. Daí a recomendação
Fonte: Elaboração Tendências de piso de 4,25% para o superávit primário.
Os SKCs diriam que a solução é elevar os
Quadro 3: Propostas.
investimentos e as exportações via política
industrial seletiva. Recomendariam juros mais
SK C LS baixos e câmbio depreciado para expandir a
- Fortaleci-mento economia com crescimento das exportações e
das instituições manutenção do saldo comercial.
- Política industrial - Aprofunda-mento
Para elevar
e tecnológica do mercado de
Esses modelos “puros” são irreconciliáveis.
investimentos Eis as críticas de parte a parte:
-BNDES seletivo capitais
- BNDES não z Os LSs argumentam que a política
seletivo
industrial é inimiga da eficiência do investimento
- Manter elevados e da produtividade, fontes de crescimento do PIB
Para reduz ir - Elevar a corrente
superávits
vulnerabilidade de comércio potencial e, portanto, do crescimento sem
comerciais
- Piso para o
constrangimento externo. E que o superávit
Política cambial - Câmbio flutuante
câmbio primário com teto e saldos comerciais elevados
Para reduz ir limitam o crescimento da taxa de poupança
estrangulamento - Crescimento - Câmbio flutuante (poupança/PIB) na fase de expansão, tendendo
fiscal
a abortá-la.
Política fiscal
- Teto para o - Piso para o z Os SKCs argumentam que com juros
superávit superávit
elevados, devido à vulnerabilidade externa, não
- Redução da taxa há quadro institucional que incentive os
- Mudança na
de juros
- Elevação do
composição do investimentos. Cabe então ao Estado incentivar
Para redistribuir gasto público,
renda
salário mínimo
focalizando os o setor privado a investir e, como há escassez de
- Universaliza-ção
dos serviços
grupos mais recursos, deve fazê-lo seletivamente. O câmbio
pobres depreciado é um incentivo ao investimento em
so ci a i s
Fonte: Elaboração Tendências
setores tradable e os juros baixos um incentivo
ao crescimento da demanda. As sobras fiscais
(teto para o superávit) devem ser usadas para
muito superficial. manter o crescimento elevado e apoiar a
A divergência fundamental pode ser ilustrada redistribuição de renda e o investimento privado.
com base nas seguintes metas: maior taxa de
crescimento econômico (digamos 4 a 5%), Opinião
inflação baixa (digamos 5%) e déficit em Se chegou até aqui, o leitor talvez esteja
transações correntes limitado (a 2% do PIB). É interessado em saber de que lado se encontra o
uma combinação difícil. Com que instrumentos os autor.
dois grupos propõem atingir essas metas?
Os LSs diriam essencialmente que, primeiro, é Macroeconomia
preciso manter um ambiente propício para o Tomando por base a tríade de objetivos
investimento privado (inflação sob controle, mencionados acima (crescimento, inflação baixa

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e déficit externo limitado), parece-me desprovida Figura 3: Utilização da Capacidade Produtiva (%).
de lógica a proposta de reduzir juros e estabelecer 90

um piso para a taxa de câmbio. Ou como querem 88


86
alguns, ter “câmbio depreciado e juros baixos”. 84

O resultado seria a aceleração da inflação,


82
80

simplesmente porque haveria forte excesso de 78


76
demanda dos bens tradables. 74

Nos próximos meses, havendo recuperação da 72


70

demanda doméstica, ver-se-á uma redução do

1995 T1

1995 T3

1996 T1

1996 T3

1997 T1

1997 T3

1998 T1

1998 T3

1999 T1

1999 T3

2000 T1

2000 T3

2001 T1

2001 T3

2002 T1

2002 T3

2003 T1
superávit comercial, em especial no setor de bens
primários e intermediários que compõem 60% das Transformação de Utilização da capacidade instalada - indústria - bens de capital

pautas de exportações e importações. Ao Transformação de Utilização da capacidade instalada - indústria - bens de consumo
Transformação de Utilização da capacidade instalada - indústria - bens intermediários
contrário do consumo doméstico, deprimido
devido à elevação da inflação (que resultou da Fonte: FGV

depreciação cambial e da redução da oferta


doméstica), a produção do setor exportador e, em Figura 4: Índice de produção (quantum), média móvel 12
meses.
particular, de intermediários, está próxima do
nível máximo e da plena utilização da capacidade. 140,0

A figura 3 mostra que o nível de utilização da 135,0

capacidade do setor de bens intermediários 130,0

mantém-se nos mesmos patamares de períodos 125,0

de elevado crescimento (1994-96). Na figura 4, 120,0

vê-se que o nível de produção daqueles setores, 115,0

assim como da indústria de transformação como 110,0

um todo, é o mais elevado da história. Esses são 105,0

os retratos mais concretos da limitação de oferta. 100,0


1995 01

1995 07

1996 01

1996 07

1997 01

1997 07

1998 01

1998 07

1999 01

1999 07

2000 01

2000 07

2001 01

2001 07

2002 01

2002 07

2003 01
A figura 5 corrobora a visão de que há uma
substituição entre demanda externa e demanda Prod. industrial - bens de consumo - quantum - índice (média 1991 = 100)

doméstica de bens tradables em resposta à Prod. industrial - bens intermediários - quantum - índice (média 1991 = 100)
Prod. industrial - indústria de transformação - quantum - índice (média 1991 = 100) - Mensal

depreciação cambial. A produção cresceu nos Fonte: IBGE


últimos meses entre 3% e 6% ao ano, enquanto
a demanda externa cresceu entre 6% e 12% e a Figura 5: Produção de tradables e composição de deman-
doméstica caiu entre 3% e 6%. A apreciação da, % em 12 meses.
cambial tende a inverter essa tendência, levando
ao crescimento da absorção doméstica e queda 12,0%

da externa. 9,0%
Var % mês t / t-12

A conclusão a que se chega é que, devido à 6,0%

escassez de oferta, existe: 3,0%

z um trade-off entre crescimento 0,0%

-3,0%
econômico e inflação, dado um limite para o
-6,0%
déficit em transações correntes, ou
-9,0%
z entre absorção doméstica e externa, dado
fev/02

fev/03
nov/02

dez/02
out/02
jan/02

abr/02

jun/02

jul/02

ago/02

jan/03
set/02
mar/02

mai/02

um limite para a taxa de inflação.


Passando da análise de curto prazo (em que é Produção Absorção Doméstica Absorção Externa

usual se discutir a relação entre demanda e oferta Fonte: IBGE. Elaboração Tendências

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agregada) para a de longo prazo (cujos conceitos período. O que ocorreu após a depreciação de
básicos são as taxas de poupança e investimento 1999, e principalmente a mais recente de 2002, foi
em relação ao PIB), parece claro que, à medida uma redução do déficit da conta de transações
que se recupere a demanda doméstica, a correntes devido à geração de um superávit da
economia encontrará um limite na escassez de conta de não-fatores (balança comercial e
poupança. A figura 6 mostra que a taxa de rendas), o que significa que a poupança externa
poupança doméstica no Brasil é muito baixa, caiu.
cerca de 17%, metade da taxa encontrada nos Mantido o atual nível de déficit da conta de
países asiáticos de alto crescimento. transações correntes como proporção do PIB
A figura 6 revela ainda alguns pontos (em torno de 1%) e a taxa de poupança
interessantes. A taxa de poupança privada não doméstica em torno de 17%, a taxa de
apresenta padrão cíclico. Aliás, se tem algum, ao crescimento não-inflacionária ou potencial da
contrário do que supõem os SKCs, tem diso anti- economia brasileira não ultrapassa 3% ao ano.
cíclico, isto é, ela cai quando a economia cresce Portanto, a tese de que o limite do crescimento
(1995-97 e 2000) e cresce quando a economia da economia brasileira deve-se à escassez de
estagna (1998-99). No primeiro período demanda não resiste a um teste empírico mais
contribuiu para a redução da taxa de poupança rigoroso.
privada a expansão do crédito resultante da
estabilização. A taxa de poupança doméstica Políticas estruturais
total cai entre 1995 e 1999 devido ao crescimento No que se refere à política industrial, o grande
da poupança negativa do setor público. Fosse nula problema é assegurar que os objetivos de elevar as
a poupança do setor público, o déficit em exportações e substituir importações de setores
transações correntes e o endividamento externo deficitários não sejam conflitantes com o
teriam crescido bem menos que o observado no crescimento do produto potencial. Entretanto, ao
período. subsidiar e proteger setores em que o país não tem
Devido ao crescimento da demanda entre 1994 vantagens competitivas, reduz-se a expansão do
e 1997 e, dada a redução da taxa de poupança produto potencial, o que significa conviver com
doméstica, a variável de ajuste foi o crescimento déficits externos à medida que cresça a demanda
da poupança externa. De fato, o déficit em doméstica. Dito de outra forma, a expansão do
transações correntes cresceu continuamente no mercado doméstico somente é compatível com
déficits externos limitados se acompanhada de
Figura 6: Taxa de poupança. elevada eficiência do investimento e crescente
produtividade dos fatores. A política industrial, tal
25,00 25,00
como proposta no Brasil pelos SKCs, não visa
20,00
20,00 esses objetivos, mas sim garantir saldos
15,00
15,00
comerciais.
10,00
Em países em que a política industrial teve
5,00 10,00
melhores resultados, a forma de conciliá-la com o
0,00
5,00 aumento da eficiência do investimento foi através
-5,00
da abertura da economia. As economias asiáticas,
-10,00 0,00
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 conhecidas por adotarem políticas de intervenção,
são muito mais abertas e integradas à economia
Poupança do setor privado (% PIB)
internacional que a brasileira, sendo muitas de suas
Poupança do setor prúblico (% do PIB)
Poupança doméstica (% PIB)
empresas participantes do network de empresas
transnacionais que exportam para os países
Fonte: IBGE, Ipeadata

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desenvolvidos. Isso lhes oferece acesso contínuo Figura 7: Saldo Comercial na Coréia do Sul (1967-87).
a novas tecnologias e a novos produtos. O fato de 50000000
exportarem produtos cuja demanda tem elevada 40000000
elasticidade-renda deve-se à sua integração ao
30000000
comércio internacional. Já os países latino-
20000000
americanos, com exceção do Chile e do México,
10000000
optaram por se manter voltados para dentro, com
um nível de abertura e integração internacional, 0

ainda hoje, expressivamente menor. Com isso, -10000000

1967.12
1969.03
1970.06
1971.09
1972.12
1974.03
1975.06
1976.09
1977.12
1979.03
1980.06

1981.09
1982.12
1984.03
1985.06
1986.09
1987.12
perdem contato com as redes de produção,
distribuição e consumo internacional, aportes
tecnológicos e corrente de comércio. The amount of export The amount of import Trade account (X-M)
Ainda que a literatura teórica justifique a Fonte: Banco Central da Coréia do Sul
utilização de políticas industriais em algumas
circunstâncias, ela não destaca a geração de Figura 8: Saldo Comercial na Coréia do Sul (1988-2001).
superávits comerciais como um de seus objetivos. 175000000
Nenhum dos países que as adotou e abriu sua 150000000
economia, isto é, países asiáticos e México e Chile 125000000

na América Latina, o fizeram com o objetivo de 100000000


75000000
gerar elevados superávits comerciais.
50000000
O caso da Coréia do Sul é interessante na 25000000
medida em que os SKCs o citam como experiência 0

de sucesso de ações estratégicas do Estado e -25000000


1988.01
1988.12
1989.11
1990.10
1991.09
1992.08
1993.07
1994.06

1995.05
1996.04
1997.03
1998.02
1999.01
1999.12
2000.11
2001.10
políticas industriais. Os LSs, por sua vez,
apontariam como ponto forte da Coréia, seja como
política de desenvolvimento, seja como capacidade The amount of export The amount of import Trade account (X-M)
de absorver choques, o elevado grau de abertura Fonte: Banco Central da Coréia do Sul
da economia.
É inegável que houve forte intervenção do
Estado coreano na formação de preços e alocação distorcida, como mostra o quadro 4.
de recursos, via política industrial. Mas é verdade Esses argumentos levam à conclusão de que a
também que a economia coreana tornou-se adoção de políticas industriais seletivas no Brasil,
imensamente mais aberta que a brasileira: a se viesse a acontecer, deveria ser acompanhada
corrente de comércio aqui cresceu 50% desde de maior abertura da economia e menor distorção
1980 e lá, 600%, doze vezes mais. da estrutura de proteção tarifária. Quanto ao
As figuras 7 e 8 mostram que na grande maioria objetivo de reduzir déficits setoriais, é difícil
dos anos desde 1967, as importações superaram as encontrar argumentos convincentes a favor na
exportações na Coréia. Os saldos foram literatura sobre desenvolvimento econômico.
ininterruptamente negativos entre 1967 e 1985 e,
depois, entre 1989 e 1998. Somente em momentos Política social
de crise a economia gerou superávits. Por último, uma palavra sobre a política social.
A despeito da abertura da economia brasileira Ainda que o crescimento econômico seja visto
no início dos anos 90, ela não só permanece como a mais importante meta das políticas
fechada em comparação à economia coreana, públicas, e por alguns defensores das teses SKCs
como sua estrutura tarifária é muito mais como principal alavanca para melhorar os

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Quadro 4: Medidas de proteção tarifária.

Proporção de Tarifas acima


Média Simples Média Ponderada Desvio Padrão
d e 15%
1989 1999 1989 1999 1989 1999 1989 1999
Brasil 42,2 13,6 32,0 12,6 17,2 7,8 92,4 54,0
Coréia 18,8 8,7 13,8 5,9 8,1 5,9 72,8 4,8

Fonte: Organização Mundial do Comércio.

indicadores sociais, o fato é que a correlação entre A estrutura da distribuição de renda no Brasil,
evolução do PIB, de um lado, e redução do número como se sabe, muito desigual. A figura 11 mostra
de pobres e melhora da distribuição de renda, de a renda média quando distribuímos a população em
outro, no Brasil, não é evidente. As figuras 9 e 10 10 grupos, cada um representando 10% das
mostram tênue relação, se há alguma, entre famílias. A renda inclui salários, transferências do
crescimento, pobreza e distribuição desde 1977. governo, inclusive aposentadorias, aluguéis e
retorno patrimonial. Como se vê, a renda familiar
Figura 9: Crescimento do PIB e pobreza. média das famílias do primeiro decil de distribuição
é R$ 96 (cerca de R$ 25 per capita), do segundo
12
10
R$ 226, do terceiro R$ 337 e assim por diante. A
8 renda média do primeiro ao oitavo decis é R$ 585
6
4
(60% de um salário mínimo per capita). Já a
2 renda média do nono decil é R$ 2.077 e do décimo,
0
R$ 6.408.
-2
-4 Com base nessas informações, é importante ter
-6 claro que a redução da pobreza e a melhora na
1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

distribuição não resultarão automaticamente do


PIB (preços 2002) - Taxa de variação anual
desempenho macroeconômico. Políticas
Pobreza - número de pessoas abaixo da linha de indigência Pessoas (dezenas de
específicas para esses fins são necessárias.
milhões)
Recentemente, veio à baila uma discussão sobre
Fonte: IBGE e Ipea. qual deve ser a abordagem das políticas sociais.
Embora um tanto à margem do debate econômico,
existem aqui também visões opostas dos SKCs e
Figura 10: Crescimento do PIB e distribuição da renda. LSs. Os primeiros são favoráveis a políticas
12 “universais” e os segundos, a políticas
10
“focalizadas”.
8
As chamadas “políticas universais”, defendidas
6

4
pelos SKCs, garantem acesso igualitário de todos
2 os cidadãos às políticas sociais. Assim, no Brasil,
0 todos têm direito a saúde e educação pública
-2 gratuitos. Um princípio correto em uma sociedade
-4
cuja renda, a riqueza, os gastos sociais e subsídios
-6
fossem melhor distribuídos. Mas esse não é o caso
1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

no Brasil e, por isso, há enormes distorções na


PIB (preços 2002) - Taxa de variação anual
Renda - desigualdade - (Gini * 10) - Anual
estrutura do gasto do setor público.
Os menos pobres (do nono e décimo decis) e os
Fontes: IBGE e Ipea.

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Tendências Relatório Especial
20 de maio de 2003

Figura 9: Renda média das famílias (em R$ de 2000). Figura 12: Distribuição das transferêncais e dos tributos
2.077
por grupo de renda no Brasil
6.408

1400 1.310 1317 10.000


1200 8.000
6.000
1000 950
4.000
800 735 751 2.000
580 585 -

R$ por Ano
600
447 482 (2 .0 0 0 )
404
400 337 337 (4 .0 0 0 )
226 277
220 (6 .0 0 0 )
200 96 96 161
(8 .0 0 0 )
0 (1 0 . 0 0 0 )
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º (1 2 . 0 0 0 )
Decil Decil Decil Decil Decil Decil Decil Decil Decil Decil
(1 4 . 0 0 0 )
Renda familiar média Renda média acumulada (1 6 . 0 0 0 )
G r u p o s d e R e n d a (D e c is )
Fonte: IBGE (Contas Nacionais, Censo Sócio-Econômico de
T ra n s fe r ê n c i a s T ri b u t o s
2000, PNAD e POF). Elaboração Tendências
Fonte: Siqueira, R., Nogeuira, J. & Levy, H (20o2). Política
social e política tributária no Brasil. Rio de Janeiro: mimeo.
ricos vão a hospitais públicos, freqüentam Citado no documento “Política Econômica e Reformas
universidades públicas, deduzem gastos médios e Estruturais “, da SPE; Ministério da Fazenda.
com educação de seus filhos do imposto de renda
e, sendo funcionários públicos, recebem maior dos gastos sociais. Mas, como mostra a
aposentadorias e pensões que custam muito mais ao figura 12, as políticas de transferências (LOAS,
Tesouro que a soma de suas contribuições para o previdência, seguro-desemprego, abono de PIS,
sistema. A outra face da moeda é que as crianças bolsa-escola, etc. são concentradas entre os decis
pobres recebem cuidado médico e ensino básico de mais elevados da distrubição de renda, e
baixa qualidade, e os médicos e professores principalmente nas 10% menos pobres da
primários do setor público são mal pagos. população.
Há poucas justificativas para que as políticas O setor público no Brasil arrecada 36% do PIB
públicas não focalizem os pobres. Talvez a mais em impostos e contribuições e, ainda assim, é
importante refira-se a situações em que haja incapaz de combater a pobreza. O principal motivo
externalidades positivas que indiretamente para isso é que os gastos sociais e mesmo os
favoreçam os pobres mais que uma ação direta. compensatórios estão direcionados para os 30% a
Bons exemplos são a prevenção de epidemias e 40% menos pobres da população. Não há forma
investimentos em ciência e tecnologia. No caso de mais eficaz de redistribuir renda senão através de
políticas de transferências, entretanto, é mais difícil políticas compensatórias, isto é, políticas que
justificar outras prioridades. Parece evidente que, transfiram renda para os pobres. O objetivo da
dada a distribuição da renda no Brasil, a redução focalização das políticas é reduzir a pobreza
da pobreza requer um grau de focalização muito invertendo a composição do gasto público.

SÓCIOS: Mailson da Nóbrega, Gustavo Loyola, Nathan Blanche, Denise de Pasqual, Edward
Amadeo, Ernesto Moreira Guedes Filho, Gesner Oliveira, José Márcio Camargo, Roberto Padovani

EDIÇÃO: Luciana Dias de Moraes

VENDAS: Vilma Rangel Garcia (vilma@tendencias.com.br)

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