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ECOTIN

Ecografia em Terapia Intensiva


DIRETORIA EXECUTIVA
ECOTIN
Ecografia em Terapia Intensiva
BIÊNIO – 2012/2013
Presidente
Dr. José Mário Meira Teles (BA) Sumário
Vice-Presidente
Dr. Arnaldo Prata Barbosa (RJ) A Importância de Ecografia na UTI e na Emergência_______________________________ 1
Secretário Geral
Dr. Ricardo Antônio Correia Lima (RJ)
Tesoureira Conceitos Básicos de Ecografia_____________________________________________ 9
Dra. Mirella Cristine de Oliveira (PR)
Diretor Executivo do Fundo AMIB Cortes Anatômicos da Ecocardiografia Transtorácica_____________________________ 31
Dr. José Otávio Auler Júnior (SP)
Presidente Futuro
Dr. Fernando Suparregui Dias (RS) Avaliação Global da Função Sistólica Ventricular Esquerda _ ______________________ 43
Presidente Passado
Dr. Ederlon Rezende (SP) Ecocardiograma e Avaliação de Câmaras Direitas________________________________ 51

Avaliação do Tamponamento Cardíaco Pelo Ecocardiograma_________________________ 61

Ecocardiograma e Peri-Ressuscitação________________________________________ 72

Estimativa do Débito Cardíaco por Meio da Ecocardiografia _ _______________________ 80

Avaliação da Dependência de Pré-Carga e da


Resposta a Fluidos por Meio da Ecocardiografia_________________________________ 90

Uso do Ecocardiograma no Choque Circulatório_ ______________________________ 106

Ultrassonografia Pulmonar_ ____________________________________________ 120

Punção Venosa e Arterial Guiadas por Ultrassonografia__________________________ 140

AMIB
Associação Medicina Intensiva Brasileira
Rua Arminda, 93 – 7º andar – Vila Olímpia
CEP 04545-100 – São Paulo – SP
(11) 5089 - 2642
www.amib.org.br
Capítulo 1

A Importância de Ecografia na UTI e na Emergência


Ricado Cordioli

A ultrassonografia na beira do leito se tornou uma ferramenta indispensável na condução dos


pacientes em UTI e mesmo na avaliação inicial dos pacientes instáveis que dão entrada no
Pronto-Socorro, havendo autores que já defendem o seu uso, quando realizada com aparelhos
portáteis, como parte integrante do exame físico inicial.
Este tipo de monitorizaçao apresenta a possibilidade de se avaliar a função cardíaca e informações
que podem ser mais úteis que dados obtidos com aparelhos de monitorização invasiva.

Indicações do Ecocardiograma na UTI/PS:


o Instabilidade hemodinâmica (figura 1)
Ø Avaliação da pré-carga
Ø Avaliação da pós-carga
Ø Avaliação da bomba cardíaca
o Diagnóstico diferencial de causas de choque
Ø Insuficiência cardíaca
• Disfunção sistólica de VE
• Disfunção diastólica de VE
• Disfunção de VD
Ø Cor Pulmonale Agudo
Ø Hipovolemia
Ø Tromboembolismo Pulmonar
Ø Infarto do Miocárdio
Ø Tamponamento Cardíaco
o Patologias Valvares
o Complicações pós-cirurgias cardíacas
o Suspeita de endocardite
o Diagnóstico diferencial de dor torácica no PS
o Diagnóstico diferencial de hipoxemia
o Suspeita de dissecção de aorta
o Fonte de êmbolos
Ø Vegetação valvar

1
Ø Tumor intracardíaco
Ø Trombo intracardíaco
o Diagnóstico diferencial de causas de PCR
o Auxiliar procedimentos como pericardiocentese
o Trauma torácico

Paciente em Choque

Função e
Interdependência Responsividade a Alterações pericárdicas
ventricular volume

Dimensões Pressões
modo 2D
FE VCI

DC ΔVTI VSVE Doppler


Figura 1 – Avaliação hemodinâmica de paciente instável na UTI com o uso do Ecocardiograma

2
Indicações de ultrassonografia em UTI/PS:
o Avaliação inicial do paciente politraumatizado – FAST – sonography for trauma, fazendo parte
do atendimento do ATLS.
o Auxílio na passagem de acesso venoso profundo – diminuição de complicações e de tentativas
sem sucesso.
o Avaliação pleuro-pulmonar: derrame pleural, atelectasia, pneumotórax – melhor acurácia
diagnóstica quando comparado com a radiografia de tórax.
o Auxilio na toracocentese ou paracentese – maior segurança
o Avaliação de possível “bexigoma” – potencial de diminuição de passagem desnecessária de
sondagem vesical.

A ultrassonografia apresenta a vantagem de ser um exame que pode ser feito à beira do leito,
evitando o transporte do doente crítico, é de rápida realização, portátil, não precisa colher exames
para calibrar, não invasivo, sem efeitos colaterais, não necessita injeção de contraste.
Entretanto, quem realiza e solicita este exame deve ter em mente os limites do método, sobretudo
em ambiente de PS/UTI:

2
o Falta de cooperação do paciente – agitação ou sedação profunda
o Presença de drenos, tubos, bandagens, curativos
o Enfisema de subcutâneo
o Ventilação mecânica
o Extremamente examinador dependente
o Não realiza mensurações contínuas, como por exemplo, o cateter de artéria pulmonar, ao
menos que se repita diversas vezes o exame.

O médico que pretende utilizar a ultrassonografia em UTI/PS, como ferramenta de monitorização


e apoio diagnóstico deve ter em mente que jamais ele substituirá o papel do ecocardiografista
ou radiologista, pois ambos apresentam um conhecimento da técnica e experiência muito maior.
Em contrapartida, a proposta do exame realizado pelo intensivista ou emergencista é diferente
do exame feito a nível ambulatorial pelo ecocardiografista/radiologista, e alia-se ao fato de quem
está realizando o exame normalmente é quem está cuidando do paciente, tendo informações
clínicas importantes e questões que têm que ser rapidamente respondidas e resolvidas.
Há várias propostas, na literatura, em relação ao tipo e duração de treinamento do intensi-
vista ou emergencista no aprendizado da ecografia em UTI, desde escolas como a francesa
que apresenta uma formação de 02 anos para o uso do ecocardiograma em UTI, até diversos
trabalhos mostrando a possibilidade de aquisição de conhecimento em cursos de imersão de 01
a 02 dias. Obviamente, quanto mais treinamento for realizado, maiores serão as possibilidades
de utilização e maior será a acurácia do exame, com menor probabilidade de serem feitas
interpretações erradas, as quais poderão ter efeito negativo na condução do paciente crítico.
Em ambiente de UTI, é de extrema importância, em diversas situações, a avaliação da função
cardíaca, sendo que através do uso do ecocardiograma transtorácico consegue-se avaliar o
débito cardiaco em torno de 60-90% dos casos, conforme dados na literatura.

VD

Aorta

VE

AE

Figura 2 – Ecocardiograma de um paciente chagásico com disfunção


importante de VE, em fila de transplante.

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Figura 3 – Avaliação da Veia Cava Inferior (VCI) em paciente em choque responsivo a volume

Certamente o uso da ecografia em UTI/PS irá aumentar progressivamente, haja vista o crescente
número de publicações de artigos científicos, cursos, congressos, que vêm ocorrendo nos últimos
anos, que abordam este tema.

Leituras sugeridas:
1. Beaulieu Y, Marik PE. Bedside Ultrasonography in the ICU: part 1. Chest 2005; 128;881-895.
2. Beaulieu Y, Marik PE. Bedside Ultrasonography in the ICU: part 2. Chest 2005; 128;1766-1781.
3. Manasia AR, Nagaraj HM, Kodali RB, et col. Feasibility and Potential Clinical Utility of Goal-Directed
Transthoracic Echocardiography Performed by Noncardiologist Intensivists Using a Small Hand-Car-
ried Device (SonoHeart) in Critically Ill Patients. J Cardiot Vasc Anest 2005; 19: 155-159.
4. Price S, Via G, Sloth E, et col. Echocardiography practice, training and accreditation in the intensive
care: document for the World Interactive Network Focused on Critical Ultrasound (WINFOCUS). Car-
diovascular Ultrasound 2008; 49:1476-71.
5. Vieillard-Baron A, Slama M, Cholley B, et col. Echocardiography in the intensive care unit: from evolu-
tion to revolution? Intensive Care Med 2008; 34:243–249.

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Capítulo 2

Conceitos Básicos de Ecografia


Ciro Mendes

OBJETIVOS DO CAPÍTULO

Ao final da leitura, você sera capaz de:


a. Estar familiarizado com os principais conceitos físicos envolvidos com a geração e captação
das imagens ecográficas, bem como suas aplicações práticas;
b. Entender o funcionamento de um transdutor ecográfico;
c. Entender o princípio de Doppler e sua aplicabilidade;
d. Compreender os controles que podem ser manuseados no equipamento de ecografia, com o
intuito de aprimorar a imagem;
e. Poder identificar os diversos artefatos relacionados com a obtenção da imagem ecográfica no
paciente gravemente enfermo.

INTRODUÇÃO

Os conceitos apresentados nesse capítulo são uma volta às aulas de acústica que muitos de
nós costumávamos negligenciar, durante o estudo intermediário, por ser uma “disciplina muito
chata e sem aplicação, a não ser para quem vai fazer área I”. Pois muito bem, chegou a hora
de pagarmos a nossa dívida. Isso por que o entendimento dos conceitos físicos envolvidos
com a geração e captação do ultrassom são essenciais não só para que o médico possa obter
as melhores imagens e os melhores dados possíveis, como também para saber diferenciar
os artefatos gerados pela relação do ultrassom com os tecidos corporais dos reais achados
anômalos. Tentaremos, então, correlacionar as noções apresentadas com aplicações práticas
claramente definidas, o que poderá facilitar sua apreensão e tornar o aprendizado menos árduo.

PRINCÍPIOS BÁSICOS

Propriedades físicas do ultrassom


O ultrassom nada mais é do que som com uma frequência acima da capacidade auditiva humana.
O som é produzido por compressões e rarefações consecutivas das móleculas de um meio
que se transmitem para longe da fonte sonora. Normalmente, costumamos representar essas
variações cíclicas como um gráfico sinusoidal que mostra as compressões das moleculas do
meio como ondas positivas e as rarefações, como ondas negativas (figura 1).

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Figura 1: Representação gráfica das ondas sonoras:

A frequência do som é a quantidade de ciclos compressão-rarefação por segundo e é medida em


Hertz (ciclos por segundo). Humanos podem ouvir sons com frequências de 20 a 20.000 Hertz.
Ultrassons com aplicabilidade clínica têm frequências muito acima do limite auditivo humano,
geralmente começando na faixa de 1 milhão de Hertz (1 Megahertz, ou 1 MHz). As ondas de
ultrassom compartilham as mesmas propriedades das ondas sonoras: frequência (f, número de
ciclos por segundo), que é similar ao tom de uma nota musical, como por exemplo, a nota Dó -
uma nota Dó emitida por um violão, por um violoncelo ou por uma flauta terá sempre a mesma
frequência (figura 2); comprimento de onda (λ, a distância entre as ondas sonoras) ( figura 3); e
amplitude (figura 4), que é o equivalente ao volume de uma nota musical. Para entender, imagine
ferir uma corda Dó de um violão com mais ou menos força, o que fará variar a amplitude do som.
Entretanto, a nota será sempre um Dó (ou seja, terá sempre a mesma frequência). Além desses,
existe o conceito de velocidade de propagação (c), que é a velocidade com a qual a onda sonora
trafega em um determinado meio. Essa velocidade varia de acordo com o meio e é de aprooxi-
madamente 1540 m/s na maioria dos tecidos corporais.

Figura 2: Frequência Sonora

Figura 3: Comprimento de onda

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Figura 4: Amplitude de onda sonora

A relação entre essas variáveis é estabelecida pela equação:


c=λxf
onde: c = comprimento de onda; λ = distância entre as ondas sonoras; e f = frequência da onda
sonora.

Ou seja, num mesmo meio, quanto maior a frequência, menor o comprimento de onda e vice-
-versa. A importância prática dessa relação reside no fato de que quanto maior a frequência
do ultrassom, menor o comprimento de onda e, consequentemente, maior a resolução obtida.
Dessa forma, quanto maior a frequência de um transdutor ultrassônico, maior será seu poder
de resolução ou sua capacidade de “distinguir” pequenos objetos entre si. Ocorre que ondas
de mais alta frequência perdem muita energia ultrassônica durante o trajeto e têm poder de
penetração inversamente proporcional, o que implica numa menor capacidade de vizualização
de estruturas em tecidos mais profundos. Por outro lado, uma onda com um comprimento maior
terá menos dissipação de energia durante o seu trajeto, o que lhe confere uma maior capacidade
de penetração no meio, mas, em contrapartida, uma resolução menor. Os transdutores ultras-
sônicos variam, entre outros aspectos, de acordo com sua frequência ultrassônica. Exames nos
quais existe a necessidade de discriminação de estruturas pequenas, como no caso da ecocardio-
grafia, mas cujo objeto de vizualização (no caso, o coração) é relativamente próximo à superfície
corporal, exigem transdutores com uma frequência ultrassônica maior (acima de 5,0 MHz),
enquanto aqueles com necessidade de vizualização de estruturas localizadas profundamente,
como no caso de órgãos abdominais, que geralmente têm maiores dimensōes, utilizam transdu-
tores com frequências menores (menos de 3,0 MHz) e resolução mais pobre.
As relações do ultrasssom com os tecidos são semelhantes aos fenômenos que ocorrem quando
um feixe de luz incide sobre superfícies como a da água ou de uma lente. O ultrassom sofre
reflexão (figura 5), ou seja, uma parte da energia ultrassônica retorna ao ponto de onde foi emitida
(no caso, o transdutor), sempre que o feixe ultrassônico atravessa uma interface entre dois meios
com densidades diferentes. Essa diferença é denominada “impedância acústica” e quanto maior
for a diferença de densidade entre os dois tecidos, tanto maior será a quantidade de energia
refletida. Outro fator que interfere com a quantidade de energia ultrassônica refletida é o ângulo
de incidência do feixe ultrassônico em relação ao tecido: quanto mais perpendicular, maior a
reflexão. Por causa disso, com o objetivo de obter imagens geradas por ultrassom, quanto mais
perpendicular o feixe ultrassônico estiver em relação à superfície que se quer observar, melhor a
qualidade da imagem gerada.

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Figura 5: Reflexão

A refração (figura 6) é outra propriedade do ultrassom que o assemelha a um feixe luminoso.


A luz, ao incidir sobre uma superfície como a de uma lente, sofre uma mudança no seu trajeto,
também a depender do ângulo de incidência. Essa propriedade é utilizada para focar o feixe
luminoso e também pode ser aplicada ao ultrassom, quando se deseja aumentar a resolução
da imagem gerada, aplicando uma “lente” acústica ao transdutor, tal qual se faz com uma lente
ocular de grau. Entretanto, essa mesma propriedade pode prejudicar a formação da imagem
gerada pelo ultrassom, já que pode ocasionar mudanças de trajeto no feixe ultrassônico não
planejadas e a consequente perda de energia, que ao invés de ser refletida, sofre refração e não
retorna ao seu ponto de origem.

Figura 6: Refração

Por fim, em objetos com superfícies ou unidades estruturais muito pequenas, como as hemácias
ou em alguns tecidos como o miocárdio, o feixe de ultrassom pode sofrer dispersão, que como
o nome já indica, é a disssipação da energia ultrassônica após o contato com a superfície da
estrutura, em inúmeras direções. Essa propriedade permite a geração das diferentes “texturas”
e a apreciação das diferentes densidades tissulares.
A energia ultrassônica também sofre o que se chama de atenuação, que é a gradual perda de
energia à medida que o feixe atravessa estruturas com diferentes impedânicas acústicas, seja por
reflexão, dispersão ou conversão a calor. O grau de atenuação depende de vários fatores, mas um
dos principais é o coeficiente de atenuação dos tecidos. O ar, por exemplo, tem um coeficiente de
atenuação bastante elevado e por conta disso, os pulmões, normalmente cheios de ar, provocam
uma substancial atenuação do sinal ultrassônico. Isso se traduz por uma sombra acústica que
eventualmente pode prejudicar ou mesmo impedir a vizualização de estruturas além do ar. O uso do
gel hidrossolúvel serve justamente para evitar a interposição de ar entre a superfície do transdutor
e as estruturas de interesse. O ar interposto entre o ultrassom e a pele do paciente pode provocar
atenuação da energia ultrassônica em mais de 99%, o que virtualmente impede a vizualização de
estruturas além do obstáculo imposto pela camada de ar. Por conta disso, deve-se ser generoso na
utilização de gel por ocasião da realização do exame. A procura por uma janela acústica adequada
na superfície torácica pode ser especialmente desafiadora no paciente gravemente enfermo sob

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ventilação pulmonar artificial, no qual os pulmões mais expandidos podem provocar atenuações do
sinal que por vezes impedem a vizualização das estruturas cardíacas. A mobilização do paciente
eventualmente ajuda a melhorar a imagem, na medida que, em determinadas posições, tal qual o
decúbito lateral esquerdo, o coração se aproxima da parede torácica e desvia os pulmões, permitindo
um melhor acesso acústico às estruturas cardíacas. Esse tipo de mobilização muitas vezes não
pode ser realizada no paciente gravemente enfermo. Além disso, a presença de feridas cirúrgicas
e curativos aumenta ainda mais a dificuldade para se obter uma janela acústica adequada e essa
talvez seja a principal limitação da ecocardiografia transtorácica como ferramenta diagnóstica e de
monitorização em UTI.

Transdutores Piezoelétricos

O transdutor de ultrassonografia e ecocardiografia é provavelmente o principal componente


desses equipamentos. Ele possui um material que tem uma propriedade física peculiar de
converter pulsos de eletricidade em vibrações mecânicas e vice-versa (figura 7).

Figura 7: Resposta do material piezoelétrico à deformação mecânica e à corrente elétrica:

O elemento ativo (geralmente cerâmica de titanato ou quartzo) é o centro do transdutor e quando


submetido a uma corrente elétrica, suas moléculas alinham-se com o campo elétrico, o que
altera as dimensões do material. Os ciclos de expansão e retração do material ocorrem muito
rapidamente e geram as ondas de ultrassom. Quando as ondas ultrassônicas são refletidas,
colidem com o material piezoelétrico e são transformadas em energia elétrica novamente. O
transdutor gera um pulso rápido de ultrassom (1 a 6 milissegundos) e logo em seguida “silencia”
e se põe em estado de repouso, ou de “escuta”, aguardando o retorno da onda ultrassônica.
Esse período de “escuta” é muito mais longo do que o tempo gasto para gerar o ultrassom. A
formação da imagem baseia-se essencialmente no tempo que o ultrassom leva para ir até a
superfície refletora e retornar ao transdutor. Quanto mais profunda a estrutura, mais tempo será
gasto para que a onda de ultrassom retorne ao transdutor e a distância pode ser calculada com
base na velocidade do som através dos tecidos e no intervalo de tempo gasto entre a emissão
e a recepção do ultrassom.
O tipo de transdutor mais simples é baseado em um único cristal piezoelétrico que permite a
amostragem repetitiva de uma única linha com o tempo de amostragem limitado apenas ao

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retorno do ultrassom a partir da estrutura de interesse. O uso clínico desse tipo de transdutor hoje
se resume ao modo M, no qual um registro unidimensional das diversas estruturas cardíacas,
com diferentes impedâncias acústicas, é feito ao longo do tempo (figura 8). Cada superfície de
impedância acústica é vista como uma linha que é apresentada em função do tempo:

Figura 8: No modo M, uma única linha de ultrassom é utilizada

No modo B (bidimensional), várias unidades piezoelétricas são dispostas lado a lado no transdutor
e são ativadas sucessivamente, de modo a realizar uma “varredura” tomográfica das estruturas,
o que resulta em uma imagem bidimensional (figura 9).

Cristal Sinal Ecográfico


Piezoelétrico Ângulo Tomográfico

Ângulo Tomográfico

Tela de Imagem
!
Figura 9: A imagem bidimensional é obtida pela varredura de diversas linhas de
ultrassom sequenciais. Até bem pouco tempo, essa varredura era feita mecanicamente,
por meio da rotação da estrutura piezoelétrica. Hoje em dia, diversos elementos
piezoelétricos são dispostos lado a lado (arranjo de fase) e sua ativação consecutiva
proporciona o rastreamento tomográfico necessário à formação da imagem.

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A ativação sequencial das unidades piezoelétricas é denominada de arranjo de fase e gera uma
imagem como se uma única unidade piezoelétrica fosse movimentada mecanicamente de uma lado
para o outro (de fato, era assim que os transdutores produziam imagens bidimensionais há alguns
anos). Para o exame ecocardiográfico, os feixes de ultrassom divergem logo após se afastarem
do transdutor e formam um “leque” que se amplia à medida que se distancia da origem. A grande
vantagem dessa formatação é que ela permite que a superfície do transdutor seja pequena o
suficiente para ser acomodada nos espaços intercostais, evitando a sombra acústica das costelas.
Atualmente, praticamente todos os transdutores são capazes de fazer os registros em modo M,
modo B (bidimensional) e também sobrepor o modo B com os registros de Doppler (ver adiante).
Na prática clínica, existem diversos tipos de transdutores (figura 10), cada um deles com formatos
diferentes, configurados para emitir frequências ultrassônicas variáveis e com usos clínicos
diversos e específicos.

Figura 10: Diversos tipos de transdutores, com características e aplicações distintas.

O transdutor que se utiliza para a realização de ultrassonografia abdominal é do tipo “arranjo de


fase” curvilinear que produz uma frequência ultrassônica baixa (maior penetração com resolução
baixa) (figura 11 A). Aquele aplicado para vizualização de estruturas vasculares e nervosas é do
tipo “arranjo de fase” linear com grande frequência ultrassônica, geralmente acima de 5,0 MHz
(maior resolução com baixa penetração) (figura 11 B) e o utilizado para a realização de ecocar-
diografia transtorácica é do tipo arranjo de fase, convexo e utiliza uma frequência ultrassônica
em torno de 3,0 a 5,0 MHz. (figura 11 C).

Figura 11: Transdutores para: ultrassonografia geral (abdominal) –


A; ultrassonografia vascular e nervosa – B; e para ecocardiografia – C.

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Princípio Doppler e suas aplicações

O efeito Doppler tem esse nome em homenagem ao seu descobridor, o físico austríaco Jo-
hann Christian Andreas Doppler, que em 1842 o descreveu teoricamente. Em 1845, um cientista
alemão, Christoph B. Ballot, em experimento com ondas sonoras, comprovou o efeito pela
primeira vez. O princípio consiste na propriedade dos fenômenos ondulatórios, como a luz e o
som, que quando emitidas por um objeto em movimento relativo a um observador (ou receptor)
têm suas frequências de onda alteradas no processo. Assim, quando um objeto produtor de som
se aproxima de um receptor, a frequência da onda sonora emitida aumenta, enquanto se o objeto
se afasta, a frequência da onda sonora diminui. Para entender melhor o fenômeno, imagine o
som emitido por um automóvel que muda seu timbre à medida que se aproxima e se afasta de
um observador à beira de uma rodovia (figura 12).

Figura 12: Princípio de Doppler: a frequência sonora varia de acordo com


a aproximação ou afastamento da fonte sonora em relação ao receptor.

Os equipamentos de ultrassom utilizam esse princípio da seguinte forma: como a frequência


do ultrassom emitido é conhecida, se a onda emitida se chocar com um objeto em movimento,
será capaz de avaliar a direção e a velocidade com que o objeto se move calculando a diferença
entre as frequências das ondas sonoras emitida e recebida. Essa diferença de frequência é
denominada desvio Doppler (dD). As hemácias em movimento dentro dos vasos, ao encontrarem
uma onda sonora, comportam-se como corpos refletores. Quando o sentido do fluxo sanguíneo
ocorre na direção do transdutor, o dD será positivo, isto é, o eco do ultrassom que retorna terá
uma freqüência de onda mais alta. Em contrapartida, se a direção do fluxo sangüíneo for no
sentido contrário ao do transdutor, então o dD será negativo (isto é, a freqüência do ultrassom
refletido é mais baixa do que aquela transmitida). No caso das velocidades intracardíacas e ao
se usar transdutores com frequências diagnósticas, os desvios Doppler estão em uma faixa
audível (0 a 20 kHz). A relação entre o dD e a velocidade do fluxo de sangue é estabelecida pela
equação Doppler (figura 13):

V = c(Fr-F0)/[2F0(cosΘ)]

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Figura 13: Variáveis envolvidas no cálculo da velocidade do fluxo sanguíneo.
O ângulo de interceptação é importantíssimo para a obtenção de
uma velocidade a mais próxima do real possível.

onde c é igual a velocidade do som no sangue (1540 m/s), Θ é o ângulo de interceptação entre o
feixe de ultrassom e a direção do fluxo sanguíneo e 2 é um fator de correção da distância de ida
e volta do ultrassom. Dessas variáveis, o ângulo de interceptação tem uma importância crucial
no cálculo da velocidade do fluxo sanguíneo, tendo em vista que o cosseno de um ângulo de 0o e
180o (quando o feixe de ultrassom encontra-se paralelo ao fluxo) é igual a 1 e, consequentemen-
te, a velocidade calculada pela equação Doppler nessa condição vai ser igual à velocidade real
do fluxo sanguíneo. Por outro lado, se o ângulo é de 90o, ou seja, quando o transdutor encontra-
-se perpendicular ao fluxo sanguíneo, o cosseno é 0, e a consequência disso é que nenhum
desvio Doppler de fluxo pode ser calculado. O ângulo máximo até o qual pode-se calcular com
relativa precisão o desvio Doppler é de 60o, cujo cosseno é de 0,5, o que representa um cálculo
de uma velocidade que é apenas metade da velocidade real. Ou seja, em termos práticos, o
transdutor deve estar o mais paralelamente possível ao fluxo sanguíneo, de modo que possamos
atribuir um cosseno Θ o mais próximo de 1 e uma velocidade o mais próxima do real possa ser
calculada.
Os formatos Doppler disponíveis para uso clínico são o Doppler de onda contínua, o Doppler
pulsado, o Doppler colorido, o Doppler tecidual e a varredura duplex. Discutiremos aqui apenas
os formatos pulsado, contínuo e color. O formato de Doppler mais utilizado no contexto da
Medicina Intensiva é o formato pulsado, com o qual obtem-se a integral velocidade-tempo que
serve para calcular o débito cardíaco (ver adiante). A aquisição das imagens de Doppler pulsado
é semelhante à ultrassonografia bidimensional, nos quais pulsos curtos e intermitentes de ultras-
som são emitidos e o equipamento só “ouve” os ecos transmitidos de um ponto específico pré-
-determinado pelo examinador (figura 14).

Figura 14: Exemplo da obtenção do Doppler Pulsado a nível


da válvula aórtica em um corte apical de cinco câmaras

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Esses pontos são escolhidos pelo examinador sobrepondo imagens bidimensionais do coração
ou dos vasos. Um aspecto que limita a utilização do Doppler pulsado é a velocidade máxima de
fluxo que pode ser precisamente avaliado: velocidades muito elevadas provocam o aparecimento
do fenômeno da ambiguidade (figura 15), que pode ser comparado ao fenômeno óptico dos
antigos filmes de faroeste, nos quais as rodas das diligências, depois que o veículo atingia uma
determinada velocidade, pareciam girar ao contrário.

Figura 15: Registro de Doppler pulsado com ambiguidade:


impossível avaliar a velocidade do fluxo.
No Doppler com onda contínua o equipamente transmite e recebe sinais ultrassônicos de
maneira contínua e simultânea. Nessa forma, como o sinal não é emitido por pulsos, os sinais
refletidos ao longo de todos os pontos do feixe ultrassônico serão registrados simultaneamente.
Dessa forma, torna-se impossível saber a origem do sinal, ao longo do feixe ultrassônico e
localizar especificamente o local onde o fluxo está sendo registrado. Entretanto, tanto o espectro
da velocidade do fluxo quanto a sua direção podem ser registrados, mesmo a velocidades muito
elevadas, pois não ocorre o fenômeno da ambiguidade. Esse formato é principalmente utilizado
para calcular gradientes de pressão valvulares por meio da equação de Bernouille e o seu uso
no contexto da Medicina Intensiva é limitado.
O Doppler colorido utiliza emissão de ondas pulsadas que são sobrepostas a imagens em modo
M ou bidimensionais e criam um padrão que propicia informações a respeito da direção do fluxo.
O fluxo que se aproxima do transdutor é representado em vermelho e o que se afasta, em azul.
(figura 16). Os fluxos turbulentos são codificados em verde, amarelo ou, geralmente, como um
mosaico de cores (figura 17).

Figura 16: Fluxo transvalvar mitral normal em vermelho: o fluxo se


aproxima do transdutor, que está posicionado no ápice cardíaco

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Figura 17: Fluxo turbulento de uma insuficência mitral representado por um mosaico de cores

Controles do equipamento

Apesar de os equipamentos de ultrassonografia e ecocardiografia modernos terem uma grande


capacidade de armazenamento e processamento e poderem gerar imagens de altíssima
qualidade como uma verdadeira “caixa preta”, ou seja, sem a necessidade de manipulação ou
intervenção dos controles, algumas vezes se faz necessário o ajuste de alguns das funções do
equipamento para se obter uma imagem mais aperfeiçoada. Os mais importantes são resumida-
mente descritos a seguir e o ideal é que se façam os ajustes na sequência apresentada:
1. Profundidade: como o próprio nome sugere, é possível aprofundar o alcance do ultras-
som por meio de um controle de profundidade, o que porssibilita a vizualização de estruturas
localizadas a distâncias maiores em relação ao trandutor (figuras 18A, 18B e 18C). Dessa forma,
as recomendações em relação ao uso da profundidade podem ser resumidos da seguinte forma:
a. Sempre comece o exame com a maior profundidade possível;
b. Diminua a profundidade para deixar a área de interesse a ¾ da tela;
c. Deixe uma pequena área atrás da área de interesse para detectar artefatos como “sombras”
ou “reforços”.

Figura 18A: Profundidade ajustada em excesso

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Figura 18B: Pouca profundidade

Figura 18C: Profundidade adequada

2. Foco: Como já comentado anteriormente, o feixe de ultrassom pode ser focalizado com uma
lente acústica, da mesma forma que focalizamos ondas luminosas para melhorar a imagem.
O princípio é semelhante ao que fazemos ao focalizar uma imagem para tirar uma fotografia.
(figuras 19 A e 19 B)

Foco

Figura 19 A: Imagem fora de foco

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Foco

Figura 19 B: Foco adequado

3. Compensação de ganho de tempo: O que se deve ter em mente é que a energia ultrassônica se
atenua à medida que avança e retorna através dos tecidos no seu caminho de ida e volta ao trans-
dutor. Assim, os ecos provenientes da estruturas mais profundas tendem a ser mais atenuados do
que os que provêm das mais superficiais, o que pode prejudicar a vizualização de tais estruturas.
É possível aumentar a sensibilidade do equipamento aos ecos mais profundos, compensando a
atenuação sofrida e melhorando a qualidade das imagens correspondentes. O objetivo é ajustar a
compensação para obter uma imagem homogênea em escala de cinza (figura 20)

Figura 20: À esquerda imagem com a compensação


de ganho de tempo e à direita, sem esse recurso.

4. Zoom: esse recurso é útil para a apreciação de detalhes de estruturas menores e para mensu-
ração de determinados parâmetros, como por exemplo, o diâmetro da via de saída do ventrículo
esquerdo, usado para calcular o débito cardíaco. (figura 21)

Figura 21: O zoom é um recurso interessante


para apreciar detalhes das estruturas vizualizadas

21
5. Ganho: esse controle ajusta a intensidade dos sinais recebidos pelo transdutor. Quanto maior
o ganho, maior será a intensidade dos sinais e mais “saturada” parecerá a imagem (figura 22).

Figura 22: Na imagem da esquerda, o ganho foi ajustado adequadamente,


o que permite uma vizualização consistente das estruturas.
À direita, muito ganho foi utilizado, o que “saturou” a imagem.

Artefatos

A obtenção da imagem de órgãos e estruturas corporais por meio do ultrassom é um processo


complexo que envolve diversas etapas de aquisição e processamento as quais podem gerar vários
artefatos que precisam ser devidamente reconhecidos para evitar dúvidas, falsos diagnósticos e
suas consequências. Os artefatos de maior importância serão resumidamente descritos:
1. Sombras: O principal causador do aparecimento de sombras acústicas, particularmente no
paciente gravemente enfermo sob ventilação mecânica é o ar. Como o ar transmite muito mal a
energia ultrassônica, as estruturas além da camada de ar não serão adequadamente vizualisadas
(figura 23). Muitas vezes, o aparecimento das sombras acústicas é intermitente e isso permite,
apesar da precariedade das imagens, uma avaliação qualitativa satisfatória às necessidades do
intensivista. Ocasionalmente, entretanto, o ar presente nos pulmões impede completamente a
aquisição de quaisquer imagens minimamente interpretáveis.

A B
Figura 23 A e B: Sombra acústica ocasionada pela interposição intermitente dos pulmões

Outras estruturas que podem ocasionar sombras acústicas são as costelas e geralmente
essas sombras são vizualizadas como faixas negras que “deslizam” de um lado para o outro,
dependendo da fase do ciclo respiratório (figura 24).

22
Figura 24: Sombras acústicas das costelas

2. Reforço: O reforço ocorre quando o ultrassom atravessa um meio pouco reflexivo, como o
líquido. Como o ultrassom sofre pouca ou nenhuma atenuação nesses meios, as estruturas além
da camada de líquido receberão uma maior energia ultrassônica e consequentemente gerarão
ecos mais fortes (figura 25)

Figura 25: Imagem longitudinal da vesícula biliar: as sobras acústicas são


provocadas por cálculos biliares e nota-se o reforço das estruturas
localizadas atrás da vesícula, que se encontra preenchida por líquido (bile).

3. Artefatos de lobos laterais: esses artefatos ocorrem porque nem toda a energia produzida pelo
transdutor permanece em um feixe único central (figura 26). Parte da energia ultrassônica irá se
projetar radialmente ao feixe principal, o que gera um fenômeno denominado efeito de borda. O
artefato é tridimensional e ocorre porque o transdutor “lê” os sinais de retorno como se todos ti-
vessem origem no feixe ultrassônico central. Dessa forma, um eco de pouca intensidade, gerado
por uma estrutura localizada lateralmente ao alvo principal será mostrada como se estivesse
localizada ao longo do eixo central do ultrassom (figura 27).

23
Lobos Laterais

Feixe Principal

Figura 26: Lobos laterais de energia ultrassônica

!
Figura 27: Artefato de lobo lateral visto como uma massa dentro do átrio esquerdo (setas)

4. Artefatos de reverberação: ocorrem quando o feixe ultrassônico encontra estruturas muito


ecorreflexivas com retorno de grande energia ultrassônica ao transdutor (figura 28).

Transdutor

Estrutura Original

Eco de Reverberação

Eco de Reverberação

Esses ecos reflexivos, por sua vez, ao chegarem ao transdutor, são novamente refletidos e mais
uma vez encontram a estrutura, retornando uma vez mais ao transdutor. Obviamente, a cada
retorno a energia sofre atenuação, mas se ainda estiver na faixa de detecção do transdutor,
provocará o aparecimento de imagens repetidas, idênticas àquela correspondente à estrutura
reflexiva original, com a diferença que a distância dessas imagens artificialmente geradas será
sempre o dobro da original, em relação ao transdutor (figura 28 e 29).

24
!
Figura 28: Eco de reverberação provocado pelo pericárdio, que é uma
estrutura muito reflexiva. Notar que a distância do eco de reverberação
ao pericárdio é a mesma daquela entre o transdutor e a estrutura original.

Figura 29: Eco de reverberação em interior da bexiga

Leituras Sugeridas:

1. Levitov A, Mayo P, Slonim A. Critical Care Ultrasonography. 2009. The McGraw-Hill Companie.
2. http://www.criticalecho.com/content/tutorial-1-basic-physics-ultrasound-and-doppler-phenomenon;
3. Solomon SD, Instrumentação ecocardiográfica e princípios físicos de ecocarddiografia doppler. In
Solomon SD, Ecocardiografia - Manual Prático. 2010. Revinter.
4. Capítulo 2 - Física e Instrumentação. In: Feigenbaum - Ecocardiografia - Sexta Edição 2007. Editora
Guanabara Koogan SA. Rio de Janeiro.

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Capítulo 3

Cortes Anatômicos da Ecocardiografia Transtorácica

Fátima Negri

O ecocardiograma (ECO) é um exame complementar em cardiologia que utiliza o ultra-som


(US), gerado e captado através de transdutores, para obter imagens tomográficas que fornecem
informações estruturais e funcionais do coração como também, através da utilização do efeito
Doppler, realiza a aquisição e análise do fluxo sanguíneo.
As principais formas de abordagem para a realização do estudo ecocardiográfico são a transto-
rácica, que é o objeto deste capítulo, e a transesofágica.
As primeiras descrições sobre a anatomia ecocardiográfica bidimensional do coração foram
feitas por Tajik e colaboradores, da Clínica Mayo, em 1978. A partir daí, as nomenclaturas foram
sendo introduzidas e em 1980, a Sociedade Americana de Ecocardiografia padronizou as janelas
acústicas que compõem o estudo ecocardiográfico.
As imagens bidimensionais analisadas ao ecocardiograma transtorácico (ETT), também são
obtidas de forma padronizada, através do adequado posicionamento do paciente e do trans-
dutor em locais específicos do tórax, denominados de janelas ecocardiográficas (figura 1), com
direcionamento do feixe de US, para a obtenção dos cortes do coração nos diferentes planos:
longitudinal, transversal e apical (figura 2). O examinador pode se posicionar do lado direito
ou esquerdo do paciente, obtendo as imagens segurando o transdutor com a mão direita ou
esquerda, respectivamente, sendo que o posicionamento e consequente uso da mão esquerda
para a apreensão do transdutor e aquisição das imagens é mais ergonômico, principalmente
quando se trata do paciente em ambiente de terapia intensiva.

Figura 1: Janelas Ecocardiográgicas. Solomon, 2007.

31
Figura 2: Planos dos Cortes Ecocardiográficos. Circulation, 1980.

O estudo do fluxo sanguíneo pode ser obtido a partir das imagens bidimensionais, com o uso
do Doppler pulsado, contínuo e/ou do mapeamento de fluxo em cores, como visto no capítulo
anterior.
A seguir, serão abordados os cortes ecocardiográficos de interesse para a medicina intensiva.

I – Janela Paraesternal Esquerda:

1. Plano Longitudinal:
O principal corte ecocardiográfico desse plano é o corte paraesternal longitudinal do ventrículo
esquerdo (PLVE), que é mais facilmente obtido com o paciente em decúbito lateral esquerdo,
sempre que possível, visando uma maior aproximação do coração ao gradil costal e uma menor
interferência do ar dos pulmões na qualidade da imagem. O transdutor deve ser posicionado no
terceiro ou quarto espaço intercostal esquerdo, próximo ao esterno, com o apontador (ou índex)
direcionado para o ombro direito do paciente (figura 3), porém ele pode e deve ser deslocado,
em movimentos circulares pequenos, para um espaço intercostal acima ou abaixo ou mais late-
ralmente, a depender o biótipo do paciente, em busca da melhor imagem.
Nesse corte (figuras 4 e 5), são visualizados o ventrículo direito (VD), o septo interventricular
(SIV), a raiz da aorta (Ao), o ventrículo esquerdo (VE), a parede ínfero-lateral do VE, o átrio
esquerdo (AE), a artéria pulmonar direita (APd), a aorta torácica descendente (AoDesc), além
das valvas mitral (VM) e aórtica (VAo).

32
Figura 3: Posicionamento do paciente e do transdutor
para obtenção do corte PLVE. Solomon, 2007.

Figura 4: Representação esquemática do corte PLVE. Clínica Mayo, 1978.

Figura 5: Estruturas visualizadas no corte PLVE. Wilson Mathias Jr, 2009.

2. Plano Transversal:
O principal corte ecocardiográfico desse plano é o corte paraesternal transversal do VE
(PTVE), que é obtido também com o paciente e o transdutor na mesma posição que no corte
PLVE, porém com o “índex” apontando para o ombro esquerdo do paciente. Nesse corte (figuras
6 e 7), são visualizados o VD, o SIV, o VE e os músculos papilares. Ao inclinar-se o transdutor
discretamente na direção cranial, a valva mitral poderá ser visualizada no interior da cavidade do
VE, consistindo no corte paraesternal transversal da valva mitral (PTVM) (figura 8).

33
Figura 6: Posicionamento do transdutor e representação
esquemática do corte PTVE. Clínica Mayo, 1978.

Figura 7: Estruturas visualizadas no corte PTVE. Wilson Mathias Jr, 2009.

Figura 8: Estruturas visualizadas no corte PTVM. Wilson Mathias Jr, 2009.

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II – Janela Apical:
1- Plano Apical:
O principal corte ecocardiográfico desse plano é o corte apical de quatro câmaras (A4C), que
é obtido também com o paciente em decúbito lateral esquerdo e o transdutor sobre o ictus do
VE, em geral no quinto espaço intercostal, a partir da linha hemiclavicular esquerda, podendo
deslocar-se mais ou menos para a esquerda ou para baixo, dependendo do biótipo do paciente
e do tamanho das cavidades ventriculares, com o apontador direcionado para o ombro esquerdo
do mesmo.
Nesse corte (figuras 9 e 10), são visualizados o VD, com sua banda moderadora (BM), o SIV,
o VE, a parede lateral do VE, o átrio direito (AD), o AE, a veia cava superior (VCS) e as veias
pulmonares (VP), além das VM e VT.

Figura 9: Posicionamento do paciente, do transdutor e representação


esquemática do corte A4C. Clínica Mayo, 1978.

Figura 10: Estruturas visualizadas no corte A4C. Wilson Mathias Jr, 2009.

A partir do corte A4C, pode-se obter o corte apical cinco câmaras (A5C), apenas direcionando-
-se o transdutor discretamente no sentido anterior. Nesse corte (figura 11), além das estruturas
visualizadas no corte A4C, observa-se o surgimento da raiz da aorta e da valva aórtica no meio
da imagem.

35
Figura 11: Representação esquemática e estruturas
visualizadas no corte A5C. Feigenbaum, 2005.

III – Janela Subcostal:


O principal corte ecocardiográfico desse plano é o corte subcostal de quatro câmaras (SC4C),
que é obtido com o paciente em decúbito dorsal e o transdutor na região epigástrica, posicionado
em direção à nuca, de modo que o feixe de US fique quase paralelo ao plano do tórax, com o
apontador voltado para o lado esquerdo do paciente. Algumas manobras como a manutenção
dos joelhos flexionados, para relaxar a musculatura do abdômen superior e realização de ap-
néia inspiratória, favorecendo o deslocamento do coração na direção do trandutor, melhoram a
qualidade das imagens obtidas através dessa janela.
Nesse corte (figuras 12 e 13), são visualizados o VD, o SIV, o VE, o AD, o AE, além das VM e VT.

Figura 12: Posicionamento do paciente e do transdutor


e representação esquemática do corte SC4C. Solomon, 2007.

36
Figura 13: Estruturas visualizadas no corte SC4C. Wilson Mathias Jr, 2009.

Através da janela subcostal, mantendo-se o transdutor na região epigástrica, perpendicular à


parede abdominal e com o apontador voltado para a fúrcula esternal pode-se obter a visualização
da veia cava inferior (VCI).

Figure 14: VCI normal, à esquerda e dilatada, à direita. Feigenbaum, 2005.

LEITURAS SUGERIDAS:
1- Henry WL, DeMaria A, Gramiak R, King DL et al. Report of the American Society of Echocardiography
Committee on Nomenclature and Standards in Two-dimensional Echocardiography. Circulation 62,
No. 2, 1980.
2- Tajik AJ, Deward JB, Oh JK. The Echo Manual. 3th Edition, 2007, Lippincott, Williams & Wilkins.
3- Wilson Mathias Jr. Manual de Ecocardiografia, 2009. 2ª. Ed. Editora Manole Ltda.
4- Feigenbaum H, Armstrong WF, Ryan T. Feigenbaum’s Echocardiography, 6th Edition, 2005, Lippin-
cott Williams & Wilkins.
5- Solomon SD. Essential echocardiography: a practical handbook with DVD, 2007, Humana Press Inc.

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42
Capítulo 4

Avaliação Global da Função Sistólica Ventricular Esquerda

Fátima Negri

A avaliação da função sistólica ventricular é a aplicação mais importante da ecocardiografia e, no


ambiente de terapia intensiva, tem como objetivo principal a detecção de uma possível alteração
da contratilidade miocárdica como determinante ou agravante da condição crítica do paciente
em questão.
Pode ser realizada de modo qualitativo, através da estimativa visual do tamanho do VE, análise
da sua movimentação e do espessamento das suas paredes ou de modo quantitativo, através
do uso do ECO bidimensional e do Modo M, que permitem quantificar mudanças no tamanho e
volume ventriculares, calculando assim a sua fração de ejeção (FE), como também do Doppler,
através da estimativa do volume sistólico e do débito cardíaco, que serão abordados em outro
capítulo dessa apostila, além de outras medidas tais como a dP/dT do VE medida pelo jato de
insuficiência mitral e o índice de performance miocárdica (IPM) do VE ou índice de Tei, que são
realizadas pelos ecocardiografistas especialistas e não são objetos desse curso.

I – Avaliação Qualitativa:
Avaliação subjetiva da função sistólica global do VE deve ser analisada no maior número possível
de cortes ecocardiográficos e tem sua utilidade nas situações onde a janela ecocardiográfica
é inadequada, gerando dificuldade de visualização da borda endocárdica e entre operadores
experientes, onde há uma boa correlação da fração de ejeção estimada subjetivamente com a
mensurada.
Por outro lado, um estudo recente, publicado na revista Chest, em 2009, que avaliou a estimativa
subjetiva da função ventricular entre intensivistas, após um período de treinamento de 6 horas,
demonstrou que a função ventricular foi classificada corretamente como normal em 92% dos
casos e corretamente como anormal em 80% dos casos e nenhum dos pacientes com disfunção
grave do VE foi classificado erroneamente como tendo uma função normal, mostrando que esse
método pode ser útil mesmo após um breve período de experiência.

II – Avaliação Quantitativa:
1 – Modo M:
O cálculo da FE do VE pelo método unidimensional é o mais utilizado na prática clínica, onde
são realizadas medidas lineares da cavidade do VE, ao final da sístole e da diástole, que são
aplicadas em fórmulas (usualmente a fórmula de Teichholz), pelo menu da cálculos do próprio
aparelho, que calcula os volumes ventriculares, fornecendo, então, a FE, em percentual, cujo
valor normal é > 55%. A disfunção ventricular é considerada discreta quando a FE do VE en-
contra-se entre 45 e 54%, moderada entre 30 e 44% e importante quando < 30%. Quando a FE
excede 70%, o VE é considerado hiperdinâmico e quando é maior que 75%, geralmente associa-
-se com obliteração da cavidade ventricular que pode estar presente nos casos de hipovolemia
e cardiomiopatia hipertrófica.
A avaliação do tamanho do VE é um dos mais importantes componentes da quantificação da

43
função ventricular. Recomenda-se realizar uma média de três medidas para o cálculo de FE do
VE, usualmente através do Modo M guiado pelo ECO2D, a partir do corte PTVE, ao nível dos
músculos papilares (figura 1), ou também, a partir do corte PLVE, sempre com o traçado do modo
M perpendicular às paredes do VE, imediatamente distal a ponta dos folhetos da VM (figura 2).

Figura 1: Medidas dos diâmetros do VE através do Modo M, a partir do corte PTVM. Tajik, 2006.

Figura 2: Medidas dos diâmetros do VE através do Modo M,


a partir do corte PLVE. Solomon, 2007.

O uso dessa técnica pode gerar erros quando a linha do modo M não incide perpendicularmente
às paredes do VE, como também em pacientes com disfunção segmentar e/ou grandes dilatações
ventriculares.

2 – ECO Bidimensional:
O cálculo dos volumes ventriculares através do ECO bidimensional é menos sujeito a erros
quando há deformação geométrica do VE, porém é dependente de uma boa resolução e
adequada visualização da borda endocárdica. O método de Simpson modificado ou método
de discos (figuras 3 e 4) é o mais preciso e está indicado quando existem alterações da contra-
tilidade segmentar ou da geometria do VE. A partir do corte A4C e/ou apical de duas câmaras

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(A2C) realizam-se manualmente o traçado da borda endocárdica do VE ao final da sístole e da
diástole e automaticamente a cavidade ventricular é dividida em vários discos empilhados, com
espessura conhecida. A soma dos volumes desses discos, realizada pelo próprio aparelho de
ecocardiografia, confere uma estimativa dos volumes ventriculares finais, tanto sistólicos quanto
diastólicos, sendo então calculada a FE. Na maioria das situações clínicas, a utilização desse
método apenas sobre o corte A4C é suficiente.

Figura 3: Método de Simpson modificado. Solomon, 2007.

Figura 4: Cálculo dos volumes ventriculares pelo método de Simpson modificado,


no corte A4C, em paciente com disfunção segmentar do VE. Solomon, 2007.

A medida da fração de diminuição de superfície (FDS) (figura 5) é um parâmetro de função


sistólica que também utiliza o ECO bidimensional. Consiste na obtenção das áreas diastólica
final (ADF) e sistólica final (ASF) do VE a partir do corte PTVE e realização do contorno manual
da borda endocárdica, com a inclusão dos músculos papilares dentro da cavidade ventricular. A
FDS é dada pela fórmula, ADF-ASF/ ADF, cujo resultado é expresso em porcentagem, onde o
valor normal varia de 36 a 64%.

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Figura 5: Medida da fração de diminuição de superfície.
Current Opinion in Critical Care 2006, 12:241–248.

Medidas lineares da cavidade do VE, ao final da sístole e da diástole, também podem ser
realizadas diretamente na imagem bidimensional, geralmente a partir do corte PLVE, caso haja
uma boa qualidade da imagem, e quando aplicadas no menu de cálculos do aparelho de ecocar-
diografia, também fornece a FE do VE.

LEITURAS SUGERIDAS:
1- Lang RM, Bierig M, Devereaux RB, et al. Chamber Quantification Writing Group, American Society
of Echocardiography’s Guidelines and Standards Committee, European Association of Echocardiog-
raphy. Recommendations for chamber quantification: A report from the American Society of Echocar-
diography’s Guidelines and Standards Committee and the Chamber Quantification Writing Group, de-
veloped in conjunction with the European Association of Echocardiography, a branch of the European
Society of Cardiology. Journal of the American Society of Echocardiography, 2005;18:1440-1463.
2- Melamed R, Sprenkle M, Ulstad VK, Herzog CA, Leatherman JW. Assessment of left ventricular func-
tion by intensivists using hand-held echocardiography. Chest 2009; 135: 1416 – 20.
3- Tajik AJ, Deward JB, Oh JK. The Echo Manual. 3th Edition, 2007, Lippincott, Williams & Wilkins.
4- Solomon SD. Essential echocardiography: a practical handbook with DVD, 2007, Humana Press Inc.
5- Slama M and Maizel J. Echocardiographic measurement of ventricular function. Current Opinion in
Critical Care 2006, 12:241–248.

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Capítulo 5

Ecocardiograma e Avaliação de Câmaras Direitas


Ricardo Cordioli

A avaliação da função quantitativa de ventrículo direito, devido sua forma geométrica, é difícil de
ser realizada com o ecocardiograma, sobretudo, quando feito por médico não ecocardiografista.
Na imagem abaixo (figura 1), observa-se que em um coração normal, o VD apresenta uma forma
geométrica triangular, difícil de ser avaliado quando comparado com a avaliação do VE.

Figura 1 – Corte Apical – 4 câmaras.

Em ambiente de UTI, no que concerne ao uso do ECO como ferramenta de monitorização he-
modinâmica, acreditamos que a avaliação do tamanho das cavidades direitas do coração, da
relação entre o tamanho destas em comparação com as câmaras esquerdas, associado a uma
avaliação global e qualitativa de VD, já é muito importante e representa aquilo que o médico in-
tensivista/emergencista precisa saber avaliar. Soma-se a isto, a possibilidade de poder avaliar a
pressão sistólica da artéria pulmonar através do uso do ecocardiograma, avaliando a velocidade
da regurgitação em valvar tricúspide.
Existem, em ambiente de UTI, 2 situações nas quais a avaliação do VD se torna indispensável:
síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA) e tromboembolismo pulmonar (TEP).
Durante a SDRA, ocorre hipertensão pulmonar (HP) devido à vasoconstrição arterial pulmonar
induzida por mediadores inflamatórios e pela hipoxemia, compressão vascular por edema ou
fibrose, fenômeno tromboembólico no leito pulmonar e remodelação vascular.
Esta situação de HP durante SDRA acaba levando a aumento da pós-carga ao ventrículo direito
(VD), ventrículo que não se adapta bem a sobrecarga pressórica como se adapta o ventrículo
esquerdo (VE), podendo culminar com cor pulmonale agudo (CPA).

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O padrão ecocardiográfico de CPA consiste em:
o dilatação de VD, devido a sobrecarga diastólica
o movimento paradoxal do septo interventricular, indicando sobrecarga sistólica

Podemos usar a relação entre a área final do VD na diástole/ área final de VE na diástole (RE-
VDA/LEVDA), para avaliar se há ou não dilatação de VD:
• sem dilatação: REVDA/LEVDA < 0,6,
• dilatação moderada REVDA/LEVDA entre 0,6-1,
• dilatação severa REVDA/LEVDA > 1.
Durante a situação de dilatação aguda do VD e desvio paradoxal do septo interventricular, ocorrerá
restrição ao enchimento do VE, o que culminará com diminuição da sua pré-carga com consequen-
te diminuição do débito cardíaco, estado de choque circulatório, podendo culminar com óbito.
Na figura 2, observamos uma imagem ecocardiográfica onde nota-se aumento do ventrículo
direito e desvio do septo interventricular, caracterizando uma situação de cor pulmonale agudo.

Figura 2. Paciente com síndrome de desconforto respiratório agudo

No passado, quando se ventilava com altos volumes correntes, e altas pressões de platô nas
vias aéreas, a mortalidade dos pacientes com SDRA era extremamente alta quando comparada
com os níveis de mortalidade atuais.
Atualmente, defende-se uma ventilação com baixo volumes correntes (VT = 6 mL/kg, de peso
ideal) e pressão de platô limitada (Pplat < 27-32 mmHg) nas vias aéreas. Ainda, na literatura se
discute muito os riscos e benefícios do uso de altos valores de pressão no final da expiração (alto
PeeP) devido ao possível comprometimento hemodinâmico versus ao efeito de recrutamento
alveolar que esta prática pode levar.

52
Há trabalhos que mostram incidência entre 22-25% de CPA, mesmo quando se adota uma
ventilação mecânica protetora. A ocorrência de CPA, levando a disfunção de VD acarreta maior
morbidade e provavelmente maior mortalidade.
O uso do ECO na beira do leito pode auxiliar no método de ventilação adotado e seus ajustes,
pois cada paciente vai ter uma resposta diferente em relação aos níveis de pressão e volume
ajustados na ventilação mecânica (VM), onde haverá pacientes que desenvolverão CPA com Pplat
> 32 mmHg e outros que apresentarão CPA mesmo com Pplat entre 26-30 mmHg. Em alguns
pacientes, o uso de PeePs mais altas levará ao recrutamento alveolar à pouca alteração na
pressão transpulmonar devido à melhora da complacência pulmonar à poucos efeitos hemodinâ-
micos no VD, entretanto, em outras situações o mesmos valores de PeeP podem levar a hiperdis-
tensão pulmonar à aumento importante da pressão transpulmonar à disfunção do VD devido à
sobrecarga pressórica.
Podemos ainda utilizar esta ferramenta de monitorização, o ECO na beira do leito, durante manobras
de recrutamento alveolar, que podem igualmente causar deteriorização hemodinâmica.
Trabalhos na literatura, como dos autores Jardin F. e Vieillard-Baron A., demonstraram uma estreita
e direta relação entre altas pressões de platô com incidência de cor pulmonale agudo e mortalidade,
em pacientes com SDRA, e para avaliar o risco de ocorrência de CPA, esses autores utilizaram o
ecocardiograma para monitorizar o VD, durante os dias de ventilação mecânica.
Nota-se a importância do uso do ECO na beira do leito, realizado por intensivistas, para integrar
o suporte ventilatório escolhido à função do VD, durante SDRA, com o objetivo de se adotar uma
estratégia de VM protetora para o VD, sem esta causar importante comprometimento hemodinâmico.
Conclui-se, que o ecocardiograma constitui uma ferramenta de fundamental importância para
monitorização da ventilação mecânica nos pacientes com SDRA, pois estes já apresentam uma
pressão arterial pulmonar elevada, e, se associada a uma ventilação inadequada, aumenta-se a
chance de ocorrência de cor pulmonale agudo, levando à insuficiência de VD e inclusive de VE,
comprometendo assim o prognóstico destes pacientes.
O ecocardiograma também apresenta importância na avaliação dos pacientes com suspeita de
tromboembolismo pulmonar (TEP).
Além de poder comprovar o diagnóstico, quando se visualiza o trombo, o ECO pode ser útil para
descartar outras hipóteses diagnósticas que podem inicialmente ter quadro clínico similar ao TEP,
porém tratamento extremamente diferente, como tamponamento cardíaco e dissecção de aorta.
O ECO ainda tem função importante na avaliação da gravidade do TEP, com valor prognóstico e
inclusive podendo auxiliar na decisão terapêutica.
Durante esta situação, devido à obstrução importante da circulação pulmonar, pode ocorrer hipertensão
pulmonar acentuada, com consequente disfunção aguda do VD – cor pulmonale agudo (CPA).
Pode haver também um aumento da pressão do AD, que dificulta o retorno venoso. Todos esses
fatores podem culminar com disfunção do VE, e óbito.

Sinais sugestivos de TEP, no ECO:


o Relação telediastólica VD/VE > 0,6
o Movimento Paradoxal do Septo Interventricular
o Insuficiência Tricúspide
o Hipocinesia do segmento basal e medial da parede livre do VD e ↑ da cinética do segmento
apical

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Observa-se na figura 3 uma dilatação de ventrículo direito, que ocorreu em um paciente com
TEP, que deu entrada na UTI hipotenso e extremamente dispnéico, evidenciando disfunção do
VD – cor pulmonale agudo.

Relação VD/VE = 0,74

Figura 3 – Paciente com tromboembolismo pulmonar e choque hemodinâmico

Na avaliação do prognóstico:
o TEP maciço à insuficiência circulatória (choque),
o TEP sub-maciço à estado hemodinâmico estável, porém com disfunção de VD,
o TEP periférico à sem disfunção de VD.

Sabemos que quando há o quadro de TEP maciço, está indicado o uso da trombólise, caso não
acha contra-indicações. Porém, ainda se debate muito na literatura se devemos ou não tratar
com trombolíticos os pacientes com TEP sub-maciço.
Entretanto, devemos ter em mente, que muitos quadros de TEP, podem cursar com exame eco-
cardiográfico normal, ou seja, o valor preditivo negativo do ECO para excluir TEP é pequeno.
Podemos ainda estimar a pressão sistólica de artéria pulmonar (sPAP) através da avaliação da
velocidade do refluxo tricúspide somada ao valor da pressão venosa central, como mostram a
tabela 1 e a figura 4 e também estimar a pressão média de artéria pulmonar (mPAP), conforme
a equação abaixo:
mPAP = 0.61 x sPAP + 2

Para estimar a pressão venosa central deve-se avaliar o tamanho da veia cava inferior e sua
variação com a inspiração, conforme a tabela 1 (validada para paciente em ventilação espontânea).

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Tabela 1 – Relação entre tamanho da veia cava inferior e estimativa da pressão venosa central
(PVC)

Diâmetro da veia cava Variação do diâmetro da veia cava Valor estimado da PVC
inferior (mm) inferior com a respiração (%)
< 15 Colapso (100%) 0-5
15-25 > 50 6-10
15-25 < 50 11-15
> 25 < 50 16-20
> 25 Ausente > 20

Figura 4 – Refluxo tricúspide

LEITURAS SUGERIDAS:
1. Baron, AV. Assessment of right ventricular function. Curr Opin Crit Care 2009; 15:254–260.
2. Bouferrache, K, Baron, AV. Acute respiratory distress syndrome, mechanical ventilation, and right ven-
tricular function. Curr Opin Crit Care 2011; 17:30–35.
3. Baron, AV, Prin S, Chergui K, Dubourg O, Jardin F. Echo–Doppler Demonstration of Acute Cor Pulmona-
le at the Bedside in the Medical Intensive Care Unit. Am J Respir Crit Care Med 2002; 166:310–1319.
4. Baron, AV. Is right ventricular function the one that matters in ARDS patients? Definitely yes. Intensive
Care Med 2009; 35:4–6.
5. Jardin F, Baron, AV. Is there a safe plateau pressure in ARDS? The right heart only knows. Intensive
Care Med 2007 33:444–447.
6. Jardin F, Baron, AV. Monitoring of right-sided heart function. Curr Opin Crit Care 2005; 11:271—279.
7. Mekontso-Dessap A, Boissier F, Leon R, et al. Prevalence and prognosis of shunting across patent
foramen ovale during acute respiratory distress syndrome. Crit Care Med 2010; 38:1786–1792.
8. Osman D, Monnet X, Castelain V, et al. Incidence and prognostic value of right ventricular failure in
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9. Mansencal N, Vieillard-Baron A, Beauchet A, Farcot JC, El Hajjam M, Dufaitre G Brun-Ney D, La-
combe P, Jardin F, Dubourg O. Triage patients with suspected pulmonary embolism in the emergency
department using a portable ultrasound device. Echocardiography 2008; 25:451-6.

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Capítulo 6

Avaliação do Tamponamento Cardíaco Pelo Ecocardiograma

Dalton Barros

A utilização do ecocardiograma transtorácico na beira do leito permite um diagnóstico rápido de


tamponamento cardíaco, assim como pode ser utilizado para auxiliar na pericardiocentese.

São objetivos deste capítulo:


• Entender o mecanismo fisiológico do tamponamento cardíaco;
• Descrever o quadro clínico de tamponamento cardíaco;
• Identificar sinais de derrame pericárdico e tamponamento cardíaco ao ecocardiograma;
• Descrever a técnica de pericardiocentese guiada pelo ecocardiograma.
Nem sempre os sinais clássicos de tamponamento (hipofonese de bulhas cardíacas, estase ju-
gular e hipotensão) estão presentes. Existem didaticamente quatro tipos de tamponamento:
– Tamponamento agudo: tem início súbito, normalmente acompanhado de choque circulatório,
taquipnéia, estase jugular, hipotensão, oligúria, pulso paradoxal. Geralmente provocado pelo
acúmulo rápido de pequenas quantidades de líquido no espaço pericárdico.
– Tamponamento subagudo: trata-se de um quadro menos marcante, em que maiores
quantidades de líquido são acumuladas progressivamente no espaço pericárdico. Pode não
estar acompanhado dos sinais típicos de tamponamento agudo.
– Tamponamento de baixa pressão: ocorre quando além do tamponamento cardíaco existe um
quadro de hipovolemia acentuada, resultando em baixas pressões diastólicas no espaço pericár-
dico (6 a 12mmHg), portanto normalmente sem a presença de estase jugular significativa.
– Tamponamento regional: usualmente ocorre após cirurgia cardíaca, com acúmulo de hematoma
localizado na face posterior do espaço pericárdico, frequentemente com ausência dos sinais tí-
picos de tamponamento agudo, necessitando do auxílio do ecocardiograma transesofágico para
o diagnóstico.

Fisiopatologia do tamponamento cardíaco

No indivíduo normal, existe uma quantidade mínima de líquido no espaço pericárdico,


aproximadamente 25 ml, entre os folhetos parietal e visceral, que possui propriedade de distensi-
bilidade, evitando que o aumento das pressões em determinada câmara cardíaca seja transferido
às outras câmaras através do espaço pericárdico.
O tamponamento decorre do acúmulo exagerado de líquido no espaço pericárdico que tem como
consequência um impedimento no enchimento das câmaras cardíacas, associado a uma equa-
lização das pressões diastólicas das câmaras direitas e esquerdas, prejudicando, consequente-
mente, a função sistólica.

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Durante a inspiração em ventilação espontânea, no indivíduo normal, a atividade dos músculos in-
tercostais e do diafragma aumentam o volume da caixa torácica, reduzindo a pressão intratorácica.
Tal efeito aumenta o retorno venoso para o átrio direito. Todavia, o aumento do volume da caixa
torácica provoca um represamento do sangue nos vasos pulmonares, reduzindo o retorno venoso
para o átrio esquerdo e, consequentemente, o débito cardíaco pelo ventrículo esquerdo sofre uma
pequena diminuição durante a inspiração em ventilação espontânea em decorrência da redução
do enchimento atrial esquerdo provocado pelo represamento do sangue na caixa torácica.
As câmaras esquerdas trabalham em um nível de pressão muito maiores do que as câmaras
direitas. O septo interventricular normalmente é desviado em direção ao ventrículo direito, que
possui paredes mais finas do que o ventrículo esquerdo.
O derrame pericárdico pode ser quantificado de acordo com a distância que separa o pericárdio
parietal do visceral: leve até 5mm, moderado de 5 a 20 mm e importante acima de 20mm (figura
1). Existem outras estimativas ainda baseadas no diâmetro total da área cardíaca no eco pa-
raesternal eixo longo, que julgamos não ser imprescindível ao conhecimento do intensivista. É
importante, contudo, que seja pesquisada a ocorrência de derrame pericárdio em mais de uma
janela ecocardiográfica. Às vezes, por exemplo, o acúmulo de gordura pericárdica pode parecer
derrame na janela paraesternal, que não se confirma quando é pesquisado numa segunda janela.

Figura 1. Avaliação do derrame pericárdico no plano paraesternal eixo longo.

Pode haver dificuldade ainda na diferenciação entre um derrame pericárdico e derrame pleural.
No plano paraesternal eixo longo o derrame pericárdico limita-se ao plano da aorta descendente,
ao passo que o derrame pleural consiste numa imagem de hipoecogenicidade que estende-se
ao plano posterior da aorta descendente (figura 2).

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Figura 2. Derrame pericárdico e pleural no plano paraesternal. Observar
diferença de derrame pleural e derrame pericárdico quanto à posição da
aorta descendente (Ao) entre átrio esquerdo (LA) e ventrículo esquerdo (LV).

Quando o acúmulo de líquido no espaço pericárdico aumenta ao nível em que a pressão do


espaço pericárdico atinge as pressões das câmaras cardíacas, começa a haver sinais de tam-
ponamento cardíaco.
No tamponamento cardíaco, a inspiração espontânea e o consequente aumento do enchimento
das câmaras direitas provoca um aumento da pressão no espaço pericárdico, assim como
um deslocamento do septo interventricular, gerando uma redução significativa do enchimento
ventricular esquerdo e consequente queda do fluxo aórtico (>25%) com a inspiração espontânea.
O pulso paradoxal, constitui-se na verdade apenas em uma intensificação da redução inspirató-
ria da pressão arterial sistólica maior do que 10 a 13%.
Pode haver tamponamento cardíaco, contudo, sem haver pulso paradoxal em condições com
pressões de enchimento ventricular esquerda muito elevadas, como sobrecarga hídrica, assim
como taquiarritmias, comunicação inter-atrial, insuficiência aórtica severa e tamponamento
regional.
Por outro lado, em outras condições como hipovolemia acentuada, asma, doença pulmonar
obstrutiva crônica e embolia pulmonar, pode haver pulso paradoxal sem haver tamponamento
cardíaco.

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Figura 3. A. Medida do pulso paradoxal. Através da desinsuflação do
esfigmomanômetro, ocorre um intervalo de 20mmHg em que a pressão arterial
sistólica é auscultada apenas na fase da expiração em ventilação espontânea.
B. Mecanismo de interdependência ventricular. Observar desvio acentuado
do septo interventricular no tamponamento cardíaco na fase inspiratória.

Sinais de tamponamento cardíaco

Existem sinais eletrocardiográficos (ECG), radiológicos, hemodinâmicos (equalização das


pressões diastólicas das câmaras cardíacas) e ecocardiográficos de tamponamento cardíaco.
No ECG pode haver alternância elétrica, baixa voltagem e sinais de pericardite. Na alternância
elétrica (2/1 ou 3/1) ocorre variação do QRS (e algumas vezes da onda P) em relação ao
eixo, morfologia e/ou amplitude. Afirmamos haver sinais de baixa voltagem quando o QRS é
normalmente menor ou igual a 5mm (0,5mV) nas derivações do plano frontal, acompanhado ou
não de QRS menor ou igual a 10mm de V1 a V6.
Quanto à radiografia de tórax, pode haver tamponamento cardíaco sem que haja uma cardiome-
galia significativa identificada, especialmente em quadros agudos, onde ocorre rápido acúmulo
de líquido no espaço pericárdico.
No ecocardiograma, o derrame pericárdico é identificado como um espaço hipoecóico entre as
câmaras cardíacas e o pericárdio. O líquido coleta-se principalmente nas zonas de maior declive
no espaço pericárdico, ou seja, nas porções inferior e posterior do coração. É importante procurar
identificar o derrame pericárdico em mais de uma janela ecocardiográfica. Às vezes o acúmulo
de gordura no pericárdio visceral pode ser confundido com derrame pericárdico, quando visto
na janela para-esternal no eixo longo; contudo ao se pesquisar em outra janela, percebe-se que
não há derrame. A janela subcostal é bastante útil para a identificação de derrame pericárdico.
Ao ecocardiograma, podem ser identificados alguns sinais de tamponamento cardíaco:

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1.Colapso diastólico de câmaras cardíacas

1.1. Colapso do átrio direito (figura 4): sensibilidade de 55% e especificidade de 88% para detectar
tamponamento (principalmente se durar mais do que um terço do ciclo cardíaco).

Figura 4. Colapso do AD no plano apical 4 câmaras.

1.2. Colapso do ventrículo direito (figura 5): sensibilidade de 48% e especificidade de 88% para
detectar tamponamento cardíaco. Colapso do VD indica maior gravidade do que do AD.

Figura 5. Colapso do VD no plano subcostal.

1.3. Colapso do AE: sensibilidade de 25% e especificidade > 95% para detectar tamponamento
cardíaco. Colapso do AE, menos frequentemente visto, indica maior gravidade ainda do que em
relação ao do VD.

2. Variação respiratória dos fluxos mitral e tricúspide: redução dos fluxos mitral e aórtico >
25% durante a inspiração espontânea.

3. Dilatação e/ou redução < 50% da variação inspiratória do diâmetro da veia cava inferior

4.”Swing heart”: visualização de movimentação importante de todo o coração, principalmente


da porção apical, no interior do derrame pericárdico. Ocorre em derrame moderado a extenso.

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Tais sinais ecocardiográficos de tamponamento são válidos principalmente nos pacientes sob
ventilação espontânea. Nos pacientes sob ventilação mecânica, os sinais descritos acima,
principalmente a variação do fluxo mitral e aórtico, são mais difíceis de serem identificados.
A janela subcostal é a melhor incidência para a pesquisa de compressão diastólica das cavidades
direitas.

Pericardiocentese guiada pelo ecocardiograma

O ecocardiograma pode ser utilizado para guiar a pericardiocentese, tornando o procedimento


bastante seguro. Existe uma série na literatura de 1120 pericardiocenteses guiadas, com índice
muito baixo de complicações.
A melhor janela para punção é aquela em que o derrame está mais evidente. As janelas sub-
-xifóide e apical são as mais utilizadas. O acúmulo de líquido na janela subxifóide é melhor
visualizado com o paciente sentado com o tórax inclinado para diante, ao passo que o líquido se
acumula mais na janela apical na posição de decúbito lateral esquerdo.
Para uma punção segura, recomenda-se haver pelo menos 10mm de distância entre os folhetos
visceral e parietal. Segue abaixo a técnica de punção:
1. Preparo e posicionamento do paciente
2. Analgesia / sedação
3. Monitorização da PVC (recomendado)
4. Utilização do ecocardiograma na identificação do local exato de líquido pericárdico para facilitar
a drenagem
5. Punção subxifóidea:
– mais comum
– incisão na pele alguns milímetros inferior e à esquerda do apêndice xifóide
– passagem da agulha abaixo das costelas e esterno
– a agulha deve ser direcionada para a face posterior do ombro esquerdo
– Inclinação da agulha: 30 graus
6. Utilização do ecocardiograma para acompanhar a entrada da agulha no saco pericárdico até
retorno de líquido pericárdico pela seringa de 20 ml
7. Conexão da agulha a um sistema de pressão através de três torneiras
8. A injeção de contraste ou salina pode ser usada para confirmar a entrada no espaço pericárdico

A pericardiocentese guiada pelo ecocardiograma constitui-se uma técnica bastante segura e


eficaz, com sucesso de cerca de 97% e taxa de complicações de 2%. Recomenda-se proceder
a cobertura do transdutor com material estéril. Lembrar que a pericardiocentese está contra-
-indicada em casos de derrame pericárdico provocado por dissecção de aorta.

66
LEITURAS SUGERIDAS:

1. De Backer, D et al. Hemodynamical monitoring using echocardiography in the critical ill. Spring-
er-Verlag, 2011.
2. Hoit, Brian. Pericardial disease and pericardial tamponade. Critical Care Medicine.  Echocardiog-
raphy in Intensive Care Medicine. 35(8) Suppl:S355-S364, August 2007.
3. Imazio et al. Triage and management of pericardial effusion. Journal of Cardiovascular Medicine
2010.
4. Khandaker MH et al. Pericardial disease: diagnosis and management. Mayo Clin Proc. 2010
Jun;85(6):572-93.
5. MayoClinicExperience, 1979–1998. Clinical and Echocardiographic Characteristics of Signifi-
cant Pericardial Effusions Following Cardiothoracic Surgery and Outcomes of Echo-Guided
Pericardiocentesis for Management. Chest 1999.
6. P. Vignon et al. Échocardiographie doppler chez le patient en état critique. Echo-in-ICU Group.
Elsevier 2008.
7. Spodick, David H . Current Concepts: Acute Cardiac Tamponade. New England Journal of Medi-
cine. 349(7):684-690, August 14, 2003.
8. Spodick DH. Pathophysiology of cardiac tamponade. Chest 1998; 113:1372–1378.

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71
Capítulo 6

Ecocardiograma e Peri-Ressuscitação
Ricardo Cordioli

O ecocardiograma (ECO) pode ser muito útil na sala de emergência, durante a parada cardiorres­
piratória (PCR) ou na fase da peri-ressuscitação, sendo que o uso do ECO na avaliação inicial
de pacientes com hipotensão aumenta o potencial e a rapidez de percepção entre possíveis
diagnósticos diferenciais, podendo auxiliar na escolha terapêutica mais adequada e assim
resultar em melhores resultados.
O ECO já é considerado como classe I para avaliação de pacientes que desenvolvem ou persistem
com instabilidade hemodinâmica, e o último guideline da American Heart Association colocou o
ECO como classe IIb, para avaliação inicial dos pacientes com PCR.
Sabe-se da importância do fator tempo para diagnosticar e tratar a causa da PCR o mais rápido
possível, com o objetivo de atingir os melhores resultados prognósticos.
Na PCR, quando a causa primária é um distúrbio elétrico – fibrilação ventricular/taquicardia ventricular
sem pulso (FV/TV sem pulso), o diagnóstico muitas vezes é simples, através da visualização ele-
trocardiográfica, tornando o tratamento, desfibrilação, uma medida rápida a ser adotada.
Em contrapartida, quando a causa da PCR não se trata de um distúrbio elétrico, seu diagnóstico
se torna mais difícil, sobretudo, quando utilizamos apenas exame físico, sendo a história clínica
muitas vezes pobre e não elucidativa.
São múltiplas as possíveis causas de PCR, entretanto, apenas hipóxia, hipotermia, hipocale-
mia ou hipercalemia podem ser rapidamente reconhecidas através da monitorizaçao habitual
realizada na beira do leito como saturação de oxigênio e traçado eletrocardiográfico contínuo.
Por outro lado, o uso do ECO pode diagnosticar ou excluir potencias causas reversíveis de PCR,
além de poder guiar possíveis medidas terapêuticas como pericardiocentese.
Além de avaliar as possíveis causas de PCR, o ECO pode ir além: mostrar se realmente o
paciente encontra-se em PCR ou não. Há dados na literatura médica que mostram que 45%
dos profissionais de saúde tem avaliação inapropriada do pulso central na PCR, o que leva,
em algumas situações, a período prolongado sem realização de manobras de ressuscitação ou
diagnóstico de pseudo-PCR, sobretudo pseudo atividade elétrica sem pulso (pseudo-AESP),
uma vez que o ECO é capaz de demonstrar a presença ou não de movimentação cardíaca e,
inclusive, de visualizar movimentos cardíacos caóticos (FV de baixa amplitude) em casos onde
se achava tratar-se de assistolia, devido à presença de baixo ganho de amplitude no monitor ou
alguma falha na monitorização.
A avaliação da função cardíaca, durante o atendimento do paciente em PCR, é algo de extrema
importância, que acaba sendo negligenciada, sendo que possíveis causas reversíveis de PCR
podem ser suspeitadas com o uso do ECO, tais como:
o Tamponamento cardiaco (figura 1)
o Hipovolemia
o Tromboembolismo pulmonar
o Infarto Agudo do Miocárdio

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o Choque Cardiogênico
o Pneumotórax

Derrame pericárdico

Derrame pericárdico

Figura 1 – Derrama pericárdico volumoso – tamponamento cardíaco

Existe na literatura, o protocolo FEER - Focused echocardiographic evaluation in resuscitation


management, que foi proposto no intuito de organizar e padronizar o uso do ECO no atendimento
da PCR. Este protocolo é composto por 4 fases principais, que englobam 10 passos

1° fase: Preparação paralela à Reanimação Cardiopulmonar (RCP), a qual deve ser realizada
com maior qualidade possível:
o Manter RCP, 5 ciclos ou 02 minutos
o Preparar o aparelho adequadamente (gel, cabos)
o Avisar à equipe que está preparado para fazer o ECO
o Arrumar o ambiente – melhor posição do paciente e examinador, retirar roupas do paciente

2° fase: Obter um exame de ECO em +/- 5 seg:


o Indicar alguém para contar 10 segundos enquanto se realiza o ECO e outra pessoa tenta
checar pulso
o Posicionar o transdutor do aparelho na região sub-xifóide, enquanto ainda ocorre RCP e deixar
claro que após este ciclo de RCP, será realizado o exame
o Tentar janela subcostal +/- 3 segundos, se insucesso, retornar RCP ou tentar janela paraester-
nal e por fim apical, mas nunca atrasando o reinício da RCP

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3° fase: Avaliar dados do ECO, enquanto continua RCP:
o Imediatamente ordenar o reinício de RCP
o Analisar os resultados
4° fase: Resultados, seguimento e consequências:
o Comunicar os achados à equipe

Tabela 1 - Possíveis achados com o ECO durante o atendimento de uma possível parada car-
diorrespiratória:
Possíveis achados no ECO Diagnóstico
Movimento de câmara cardíaca Circulação presente
Importante deficiência da bomba cardíaca Insuficiência Cardíaca (ICO?)
Ausência de movimento cardíaco e sem ritmo detectado no ECG Assistolia
Ausência de movimento cardíaco e com ritmo regular detectado no ECG Verdadeira-AESP
Presença de movimento cardíaco, e ritmo regular em ECG Pseudo-AESP
Hipercontratilidade ventricular, sinal do “beijo” Hipovolemia
Aumento de VD, sinal do D Suspeita de TEP
Liquido no pericárdio Tamponamento Cardíaco
Déficit Segmentar Infarto Agudo do Miocárdio
Sem dados conclusivos Sem diagnóstico

O ECO ainda terá papel importante na fase pós-PCR, auxiliando na avaliação do status volêmico
do paciente, além de possíveis complicações relacionadas à causa inicial da PCR, monitorização
da função cardíaca e auxílio no manuseio de drogas vasoativas escolhidas para terapia.
Conclui-se que apesar de ainda nenhum estudo ter demonstrado que o uso do ECO durante a
avaliação inicial do paciente em PCR tenha diminuído a mortalidade, seu uso apresenta diversos
possíveis benefícios. Entretanto, devemos sempre ter em mente que a utilização do ECO jamais
deve retardar o início e nem interferir na qualidade da RCP durante o atendimento do paciente em
parada cardiorrespiratória.

Hipotenso, dispnéia severa, cianose, sem pulso, arresponsivo, suspeita de AESP, pós-parada

Integração do ECO, protocolo FEER com RCP (se suspeita de PCR)

1° Corte sub-costal
2° Corte paraesternal, eixo curto e longo
3° Corte apical 4 câmaras

Sem movimentação de parede cardíaca? Com movimentação de parede cardíaca?

Considerar:
Ef usão Pericárdica?
VD > VE ? limitada normal

VD que enche pouco associado


a hipercontratilidade de VE?
Alguma implicação terapêutica? Extremamente Moderamente
comprometido comprometido

Figura 2 – Algoritmo da integração do ECO na fase de peri-ressuscitação

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Arresponsivo?

Abrir vias aéreas, procurar sinais de vida

RCP: 30:2

Desfibrilador/Monitor

Visualizar Ritmo

Chocável Não Chocável


FV/TV sem pulso AESP/Assistolia???

1 choque

Reiniciar imediatamente Reiniciar imediatamente


RCP por 02 minutos 30:2 RCP por 02 minutos 30:2

Depois de 5 ciclos de RCP


FEER à Pseudo-AESP ???
Checar pulso?C apnografia?

Figura 3 – Algoritmo da integração entre o ECO (protocolo FEER) e RCP

LEITURAS SUGERIDAS:
1. Randazzo MR, Snoey ER, Levitt MA, Binder K. Accuracy of emergency physician assessment of left
ventricular ejection fraction and central venous pressure using echocardiography. Acad Emerg Med.
2003; 10:973-7.
2. Mandavia DP, Aragona J, Chan L, Chan D, Henderson SO. Ultrasound training for emergency physi-
cians—a prospective study. Acad Emerg Med. 2000; 7:1008-14.
3. Levitt MA, Jan BA. The effect of real time 2-D-echocardiography on medical decision-making in the
emergency department. J Emerg Med. 2002; 22:229-33.
4. Breitkreutz R, Walcher F, Seeger FH. Focused echocardiographic evaluation in resuscitation manage-
ment: Concept of an advanced life support–conformed algorithm. Crit Care Med 2007; 5:S150-S161.
5. Moore C. Current issues with emergency cardiac ultrasound probe and image conventions. Acad
Emerg Med. 2008;15:278-84.
6. Jensen MB, Sloth E, Larsen KM, Schmidt MB. Transthoracic echocardiography for cardiopulmonary
monitoring in intensive care. Europ J Anaesth 2004; 21:700–707
7. Mandavia DP, Hoffner RJ, Mahaney K, Henderson SO. Bedside echocardiography by emergency
physicians. Ann Emerg Med. 2001; 38:377-82.
8. Jones AE, Tayal VS, Kline JA: Focused training of emergency medicine residents in goal-directed
echocardiography: A prospective study. Acad Emerg Med 2003; 10:1054–1058.
9. Price S, Uddin S, Quinn T. Echocardiography in cardiac arrest. Curr Opin Crit Care 2010; 16:211–215.
10. Moore CL, Rose GA, Tayal VS, Sullivan DM, Arrowood JA, Kline JA. Determination of left ventricular
function by emergency physician echocardiography of hypotensive patients. Acad Emerg Med. 2002;
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11. Tayal VS, Kline JA. Emergency echocardiography to detect pericardial effusion in patients in PEA and
near-PEA states. Resuscitation. 2003; 59:315-8.

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Capítulo 8

Estimativa do Débito Cardíaco por Meio da Ecocardiografia

Fátima Negri

A otimização da perfusão tecidual e consequente oferta de oxigênio aos tecidos constitui-se


um dos objetivos básicos no tratamento do paciente gravemente enfermo, sendo a avaliação,
obtenção e manutenção de um adequado débito cardíaco pedra angular para o alcance desse
objetivo.
A ecocardiografia na beira do leito é um instrumento de extrema utilidade para esse fim, pois
através de medidas relativamente simples pode estimar o volume sistólico e, consequentemente,
permitir os cálculos do débito e do índice cardíaco. Além disso, medidas sequenciais podem ser
realizadas tornando possível a análise da resposta evolutiva do paciente às medidas terapêuticas
tomadas, traduzindo-se como excelente ferramenta de monitorização não invasiva.
Baseando-se no princípio de conservação da massa, onde o fluxo sanguíneo que passa através
de um orifício fixo é igual ao produto da área seccional transversa (AST) desse orifício (usualmente
assumida como sendo a área de um círculo) pela integral velocidade-tempo (IVT) do fluxo que
passa através dele, é que o fluxo sanguíneo, teoricamente, pode ser estimado em vários locais
do coração e grandes vasos, tanto na sístole, através da via de saída de ventrículo esquerdo
(VSVE), aorta descendente, via de saída do ventrículo direito e da artéria pulmonar, como também
na diástole, através do anel mitral ou tricúspide. No entanto, a VSVE é a mais utilizada, pois a
sua geometria é a que mais se aproxima daquela de um círculo, quando comparada à do anel
mitral, que mais se assemelha a um elipsóide e, também, tecnicamente mais fácil de medir que o
diâmetro da artéria pulmonar. Já a geometria do anel tricúspide é complexa e este quase nunca
é utilizado para o cálculo do volume sistólico.
Por essas razões, o local mais preciso e reprodutível para a realização desse cálculo é a VSVE,
que será o foco desse capítulo.

Cálculo do Volume Sistólico através


da Via de Saída do Ventrículo Esquerdo
Débito cardíaco (DC) pode ser definido como o produto da frequência cardíaca (FC) pelo volume
sistólico (VS), isto é o volume de sangue ejetado a cada batimento.
A FC é um dado facilmente obtido. Como calcular, então, o volume sistólico? Sabe-se, como
mencionado acima, que o fluxo através de um orifício fixo é igual ao produto da sua área seccio-
nal transversa pela velocidade do fluxo através do mesmo. Essa é a fórmula do orifício hidráulico,
a qual é utilizada em todos os cálculos hemodinâmicos de fluxo, volume sistólico e área de um
orifício, onde:

Fluxo = área seccional do orifício x velocidade do fluxo.

Vamos então ao cálculo, passo a passo.

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PASSO 1: CÁLCULO DA ÁREA DA VSVE
Como vimos, a área seccional transversa da VSVE é usualmente assumida como sendo a de um
círculo. Portanto, ela pode ser calculada da seguinte forma: π x RAIO2.
Como, nesse contexto, a medida do raio não é tecnicamente possível, utilizamos a medida do
diâmetro da VSVE e a dividimos por 2.
Portanto,

ÁREA VSVE = π x (D/2)2.

O diâmetro da VSVE é medido ao nível da inserção dos folhetos da valva aórtica, no corte PLVE,
na sístole máxima. Deve-se, inicialmente obter o referido corte e, em seguida, parar a imagem na
sístole, na máxima abertura dos folhetos da valva aórtica, ampliar a área a ser medida (através
do zoom do aparelho) e depois realizar a medida, posicionando o marcador na base dos folhetos,
como mostra a figura 1, não se esquecendo de armazená-la no pacote de dados para que seja
realizado o cálculo da área. Essa medida deve ser realizada com o maior rigor técnico possível,
pois uma informação equivocada do diâmetro é elevada ao quadrado (vide fórmula da área da
VSVE).
Por essa razão, múltiplas medidas devem ser realizadas. Geralmente o maior diâmetro obtido
é o utilizado, pois é o que mais provavelmente representa o verdadeiro diâmetro e a menor
medida, provavelmente representa um corte tangencial através da VSVE.

Figura 1: Medida do diâmetro da VSVE.

PASSO 2: MEDIDA DA INTEGRAL DA VELOCIDADE DO FLUXO ATRAVÉS DA VSVE


Como o sistema circulatório é pulsátil, não podemos utilizar simplesmente a velocidade do fluxo
através da VSVE e sim o somatório das velocidades individuais do espectro do Doppler, isto
é, essas velocidades precisam ser integradas à medida do total do volume do fluxo durante
um dado período de ejeção. A soma das velocidades é chamada de integral velocidade-tempo
(IVT) que é igual à distância sistólica (i.e, a distância média que o sangue percorre a cada
batimento cardíaco). Ou seja, a IVT corresponde ao deslocamento da coluna de sangue a cada
batimento cardíaco e é dada em unidade de distância (milímetros ou centímetros).
Inicialmente, obtém-se o corte A5C (Figura 2a), coloca-se o fluxo colorido e, em seguida a amostra
do Doppler pulsado na VSVE (Figura 2b), próximo a valva aórtica (mesmo local onde se realizou a
medida do diâmetro da VSVE). Nessa etapa, deve-se ter o cuidado de alinhar o traçado do Doppler

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com a direção do fluxo na VSVE, de modo que esse fique o mais paralelo possível, para que a
maior velocidade possa ser obtida, de acordo com a Equação Doppler (vide capítulo 2 – Conceitos
Básicos). Outro fator que poderá afetar a precisão dessa medida é o padrão do fluxo sanguíneo.
Se a amostra do Doppler estiver posicionada no local correto, será obtido um fluxo característico,
com padrão laminar e o Doppler irá registrar um sinal claro e de velocidade uniforme.
O traçado da onda de Doppler é então visualizado e a IVT pode ser obtida rapidamente através
do pacote de dados de cálculo do equipamento de ecocardiografia bastando, para tal, realizar a
planimetria da curva Doppler da velocidade do fluxo da VSVE, como mostra a figura 2c.

Figura 2a: Corte A5C

Figura 2b: Fluxo colorido na VSVE, com amostra Doppler pulsado (em vermelho).

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Figura 2c: Planimetria do fluxo da VSVE, com medida da IVT

CÁLCULO DO VOLUME SISTÓLICO:


Após a IVT ser determinada, o volume sistólico (VS) é calculado multiplicando-se o seu resultado
pela área seccional transversa da VSVE. O débito cardíaco (DC) resulta da multiplicação do VS
pela frequência cardíaca (FC) do paciente e o índice cardíaco (IC) da divisão do DC pela sua
superfície corporal (SC).
Vejamos o exemplo ilustrado nas figuras 3a e 3b:

Figura 3a: Diâmetro da VSVE= 2,2 cm e Área da VSVE calculada = 38 cm2.

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Figura 3b: Obtenção da IVT= 19,8 cm e cálculos do VS= 74ml,
VS indexado = 42,92 ml/m2, DC = 5,22 L/min e IC = 3,02 L/ min2.

Apesar das fontes de erros em potencial, tanto no cálculo da área, quanto no da obtenção de
um fluxo adequado para a medida da IVT, vários autores já demonstraram a precisão dessa
abordagem para a medida do fluxo sanguíneo e, consequentemente, para a estimativa do débito
cardíaco, nas mais variadas situações clínicas, desde que os cuidados técnicos sejam seguidos.

LEITURAS SUGERIDAS:
1- Tajik AJ, Deward JB, Oh JK. The Echo Manual. 3th Edition, 2007, Lippincott, Williams & Wilkins.
2- Solomon SD. Essential echocardiography: a practical handbook with DVD, 2007, Humana Press Inc.
3- Wilson Mathias Jr. Manual de Ecocardiografia, 2009. 2ª. Ed. Editora Manole Ltda.
4- Feigenbaum H, Armstrong WF, Ryan T. Feigenbaum’s Echocardiography, 6th Edition, 2005, Lippin-
cott Williams & Wilkins.

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Capítulo 7

Avaliação da Dependência de Pré-Carga e da


Resposta a Fluidos por Meio da Ecocardiografia

OBJETIVOS DO CAPÍTULO
Ao final da leitura, você será capaz de:
a. Entender a fisiologia da relação entre pré-carga e débito cardíaco;
b. Entender os princípios fisiológicos envolvidos na dependência da pré-carga e na previsão à
oferta de líquidos intravenosos;
c. Entender os princípios fisiológicos envolvidos na interação coração-pulmões durante a
ventilação espontânea e artificial e as suas influências hemodinâmicas;
d. Saber utilizar os parâmetros estáticos e dinâmicos de pré-carga e de previsão de resposta a
fluidos fornecidos pela ecocardiografia Doppler transtorácica;
e. Saber utilizar a manobra de elevação passiva das pernas para prever a resposta a infusão de fluidos;
f. Utilizar um algoritmo para tomada de decisão com os parâmetros de avaliação de pré-carga e
de previsão de resposta a fluidos fornecidos pela ecocardiografia Doppler transtorácica.

INTRODUÇÃO
Um dos principais desafios do intensivista no seu quotidiano é avaliar com segurança a possibili-
dade de pacientes gravemente enfermos responderem a uma oferta de fluidos intravenosos com
aumento do volume sistólico e consequentemente da oferta de oxigênio sistêmica. Esse desafio
não é simples, pois as ferramentas costumeiramente disponíveis para a avaliação de pré-carga e
de resposta a fluido ora padecem de pouca confiabilidade, ora de restrições a um uso abrangen-
temente útil. As formas tradicionais de avaliação indireta da pré-carga por meio da mensuração
das pressões de átrio direito ou venosa central (PVC) e de oclusão da artéria pulmonar (POAP)
fundamentam-se em pressupostos fisiológicos frequentemente corrompidos nas situações he-
modinâmicas lábeis que caracterizam os estados de doença grave e por diversas ocasiões têm
sido apontadas, na literatura médica, como parâmetros marginalmente confiáveis, se tanto, para
poderem ser utilizados com segurança.
Por outro lado, a avaliação da resposta a fluidos por meio de variáveis dinâmicas baseada na
inter-relação entre coração e pulmões, apesar de mais consistente, tem seu uso restrito pela
necessidade de vários pré-requisitos difíceis de serem preenchidos na maioria dos pacientes in-
ternados em unidades de terapia intensiva. Apesar das limitações, essas duas vertentes de ava-
liação são as únicas disponíveis para esse fim e continuam a ser utilizadas, global e diariamente,
para guiar as estratégias de oferta de líquidos intravenosos em pacientes graves. É nesse ce-
nário que a ecografia, notadamente a ecocardiografia transtorácica, tem-se tornado, nos últimos
anos, uma alternativa segura, confiável, rápida e polivalente para a avaliação da pré-carga e da
capacidade de resposta a fluidos. De forma não invasiva, a ecocardiografia condensa uma gama
de possibilidades de avaliação da pré-carga de ambos os ventrículos e de diversos indicadores
estáticos e dinâmicos de resposta a fluidos, tanto na forma quantitativa quanto qualitativamente,
que as demais ferramentas atualmente disponíveis não oferecem. Esse capítulo irá discorrer
sobre essas possibilidades de avaliação.

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VOLEMIA, PRÉ-CARGA E RESPOSTA A FLUIDOS – BASES FISIOLÓGICAS
A massa sanguínea total, ou volemia, é o principal determinante do retorno venoso e, conse-
quentemente, do débito cardíaco. A pré-carga, por sua vez, define a propriedade do microapara-
to contrátil (o sarcômero) da fibra miocárdica de aumentar a sua força de contração em respos-
ta a estiramentos progressivos. Esse comportamento é essencial para que a bomba cardíaca
atenda de imediato às variações momentâneas no retorno venoso e possa ejetar todo o sangue
que chega de volta ao coração. Essa resposta, entretanto, não é ilimitada: quando o sarcômero
atinge dois micrômetros de comprimento, não pode mais aumentar seu poder contrátil quando
submetido a distensões maiores. Essa característica é quem determina a relação peculiar entre
as variações da pré-carga e o volume sistólico ventricular (vide Figura 1): numa fase inicial (fase
A), o ventrículo é capaz de aumentar o volume sistólico em resposta a elevação da pré-carga:
microscopicamente, o sarcômero consegue aumentar a contratilidade em resposta a estiramen-
tos incrementais. Essa fase é denominada de “pré-carga dependente”. Posteriormente, quando o
sarcômero atinge o comprimento máximo a partir do qual é incapaz de aumentar a contratilidade
para corresponder a maiores graus de distensão, o ventrículo não poderá aumentar o volume
sistólico para corresponder a incrementos posteriores da pré-carga. Essa fase em platô do grá-
fico (fase B) é denominada “não dependente da pré-carga”. Do ponto de vista prático, as duas
fases dividem os pacientes nos quais a oferta de líquidos intravenosos será útil em aumentar o
débito cardíaco e a oferta de oxigênio sistêmica daqueles nos quais infundir fluidos, além de não
melhorar o débito cardíaco, poderá ter efeitos deletérios sérios sobre a oferta de oxigênio, visto
que aumenta as pressões hidrostáticas e determina o surgimento de edema. É preciso também
lembrar que diferentes pacientes têm diferentes curvas de Frank-Starling e o mesmo paciente
pode apresentar diversas curvas no decorrer do tempo. Assim, uma determinada pré-carga pode
corresponder a uma porção ascendente da curva em um paciente e à fase de platô em outro.
Consequentemente, a resposta a fluidos não pode ser prevista com base em um valor absoluto
de pré-carga. Para avaliar tal relação, o coração deverá ser testado frente a modificações indu-
zidas na pré-carga por um desafio volumétrico. Outra forma é prever a resposta a fluidos por
meio dos efeitos da ventilação pulmonar, espontânea ou artificial, no retorno venoso. Além disso,
deve-se notar que apenas 50% dos pacientes gravemente enfermos internados em unidades
de terapia intensiva respondem com aumentos do débito cardíaco à oferta de líquidos. Dessa
forma, saber distinguir entre esses dois grupos de pacientes é fundamental para estabelecer
uma adequada estratégia de reposição de fluidos e essa é uma questão de grande interesse aos
intensivistas e objeto de atenção dos pesquisadores.

Figura 1: Curva de Frank Starling. Na Fase A o ventrículo responde a aumento


de pré-carga com aumentos significativos de volume sistólico e débito cardíaco.
Na Fase B, o volume sistólico não se eleva em resposta a aumento da pré-carga.

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As variações cíclicas das pressões intratorácicas interferem com o retorno venoso e consequen-
temente com a pré-carga ventricular, bem como influenciam a pós-carga dos ventrículos, ora au-
mentando-as, ora diminuindo-as. Para simplificar o entendimento, iremos nos atentar à influência
da respiração no retorno venoso e na pré-carga. Na respiração espontânea, durante a inspiração, a
pressão intratorácica cai, o que aumenta o retorno venoso ao ventrículo direito (VD) e diminui aquele
do ventrículo esquerdo (VE). Em seguida, durante a expiração, as pressões intratorácicas mais ele-
vadas dificultam o retorno venoso ao VD, enquanto comprimem a rede capilar pulmonar e facilitam o
retorno venoso ao VE. A ventilação artificial com pressão positiva intermitente exerce efeito contrário:
durante a inspiração, a pressão intratorácica positiva diminui o retorno venoso ao VD e aumenta o do
VE e, na expiração, as pressões menores facilitam o retorno ao VD e diminuem o do VE. Em outras
palavras, as variações do retorno venoso fazem também variar a pré-carga dos ventrículos. Tais mu-
danças na pré-carga influenciam o volume sistólico ventricular, que irá também variar ciclicamente.
Essa variação será tão mais acentuada quanto maior for a influência da pré-carga no volume sistóli-
co. Depreende-se que se o paciente for dependente de pré-carga, seu volume sistólico deverá variar
acentuadamente sob influência das mudanças das pressões intratorácicas relacionadas às fases
respiratórias, à medida que a pré-carga do ventrículo também variar. A utilidade dessas variações no
volume sistólico, bem como de seus sucedâneos, tais quais as mudanças da Pressão Sistólica (ΔPS)
e da Pressão de Pulso (ΔPP), como previsoras de resposta positiva a fluidos, foi testada em diversos
estudos clínicos, particularmente em pacientes sob ventilação com pressão positiva intermitente, nos
quais se mostraram bastante confiáveis e com valores de corte bem delimitados para separar os
pacientes respondedores daqueles não respondedores à infusão de fluidos.
Por outro lado, a avaliação da pré-carga dos ventrículos tradicionalmente feita por meio da medida
das pressões venosa central e de oclusão de artéria pulmonar tem grandes limitações, principalmen-
te nos pacientes gravemente enfermos e naqueles sob ventilação pulmonar artificial com pressão po-
sitiva. Tais condições geralmente cursam com alterações na complacência e contratilidade de ambos
os ventrículos, além das modificações cíclicas nas pressões intratorácicas já descritas que interferem
na correlação entre essas medidas e as reais condições de pré-carga dos ventrículos. Tanto a POAP
quanto a PVC se mostraram, à luz dos estudos clínicos realizados, maus previsores de resposta à
expansão volêmica. Além disso, não se conseguiu estabelecer valores de corte precisos que discri-
minassem os pacientes respondedores daqueles não respondedores à oferta de fluidos.

BENEFÍCIO DA INFUSÃO DE LÍQUIDOS: DESAFIO


VOLUMÉTRIC VERSUS PREVISÃO DE RESPOSTA A FLUIDOS
Há duas formas de avaliar a resposta a fluidos: a primeira consiste em infundir uma determina-
da quantidade de líquidos de maneira padronizada, em um intervalo de tempo estabelecido, de
curta duração, com o intuito de corrigir alterações como hipotensão e hipoperfusão e guiando-se
por parâmetros pré-estabelecidos, como débito cardíaco ou um de seus substitutos, o que se
denomina comumente “desafio volumétrico” (na maioria dos estudos feitos em humanos, consi-
derou-se que o paciente seria respondedor a fluidos quando apresentasse um aumento superior
a 15% no débito cardíaco em resposta a infusão de fluidos e que não seria respondedor se o
aumento fosse menor que 15%); a segunda forma consiste em submeter o ventrículo a variações
na pré-carga e observar a resposta do volume sistólico ou de algum dos seus substitutos, como
a pressão arterial, em relação a essas variações, com o objetivo de determinar se a câmara está
na fase de dependência ou não da pré-carga na curva de Frank-Starling.

O Papel da Ecocardiografia
A ecocardiografia pode ser utilizada de diversas maneiras para realizar a avaliação da pré-carga
e da resposta a infusão de fluidos, seja por meio de parâmetros ditos estáticos, nos quais a

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avaliação quantitativa ou qualitativa da variável é feita sob uma única condição de enchimento
ventricular, seja por meio de parâmetros dinâmicos, quando se utiliza diferentes condições de
pré-carga para avaliar as variações de volume sistólico.

Parâmetros Estáticos:
A PVC e a POAP são as variáveis mais utilizadas pelo intensivista com o objetivo de avaliar
pré-carga e a ecocardiografia é capaz de estimar esses dois parâmetros de maneira confiável.
A PVC pode ser avaliada por meio da medida do diâmetro da veia cava inferior (VCI) à ecocar-
diografia transtorácica, mas essa medida, assim como a própria PVC, é uma má previsora de
resposta à oferta de líquidos em pacientes sob ventilação pulmonar artificial. Entretanto, um diâ-
metro de VCI menor que 10 milímetros pode prever uma resposta adequada a fluidos. A POAP,
por sua vez, pode ser avaliada pela ecocardiografia por meio de índices derivados do fluxo mitral
(relação E/A), fluxo venoso pulmonar, Doppler tissular (relação E/Ea) e Doppler color (relação
E/Vp). A POAP, assim como a PVC, também não é um previsor confiável de resposta a fluidos,
com exceção dos valores muito baixos (menores que 5 mmHg), o que é um evento relativamente
raro em pacientes de UTI.

Figura 2: em Modo M: Notar que a VCI está quase comletamente colapsada durante a inspiração.

Naqueles pacientes em respiração espontânea, o diâmetro da VCI tem boa correlação com a
PVC. Variações de mais de 50% no diâmetro da VCI correspondem a PVC menores que 10
mmHg. Apesar disso, todos os parâmetros estáticos de estimativa da pré-carga, como PVC,
POAP, volume diastólico final do VE (VDFVE) e volume diastólico final do VD (VDFVD) não con-
seguem prever adequadamente a capacidade de resposta a líquidos.
A medida do diâmetro do ventrículo esquerdo (VE) por meio da ecocardiografia pode ser utilizado
como um previsor útil de resposta a fluidos em pacientes sob ventilação pulmonar artificial, prin-
cipalmente se o VE apresenta-se pequeno e hipercinético, o que corresponde a uma pré-carga
baixa e prevê melhora do volume sistólico com infusão de fluidos.

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Figura 3: Ventrículo esquerdo em corte paraesternal eixo curto.
Esquerda: diástole. Direita: sístole. Ventrículo pequeno e hipercinético.

Em pacientes que respiram espontaneamente, há uma relação entre o diâmetro da veia cava
inferior e a PVC. Além disso, a variação respiratória do diâmetro dessa veia acima de 50% cor-
responde a uma PVC menor que 10 mmHg. Apesar disso, PVC, POAP, e volumes diastólicos
finais do ventrículo esquerdo e do ventrículo direito não conseguiram se mostrar bons previsores
de resposta positiva a infusão de fluidos.
Com o exposto, pode-se concluir que os parâmetros estáticos de pré-carga (independentemente
da ferramenta utilizada para mensurá-los, e a ecocardiografia não é exceção) não são bons pre-
visores de resposta positiva a fluidos, a não ser em pacientes com valores muito baixos, o que é
um achado relativamente raro.

Parâmetros Dinâmicos
Os parâmetros dinâmicos são utilizados para determinar se a curva de Frank Starling do pacien-
te encontra-se na sua fase ascendente (a elevação da pré-carga por meio de infusão de fluido
determina elevação do volume sistólico - dependência da pré-carga) ou na fase de platô (o au-
mento da pré-carga com fluidos não determina aumento do volume sistólico - independência da
pré-carga). Algumas abordagens podem ser usadas para determinar em que posição na curva
o ventrículo está funcionando para estabelecer a dependência ou não da pré-carga. Os efeitos
da ventilação pulmonar artificial com pressão positiva intermitente nas pressões intratorácicas e
no volume sistólico têm sido utilizados como base para muitas dessas mensurações dinâmicas,
conforme a fisiologia da interação coração e pulmões já descrita anteriormente. Essa fisiologia
é a base sob a utilização das variações da pressão arterial induzidas pela ventilação pulmonar
artificial para prever a resposta a fluidos, já que a pressão arterial é reflexo do volume sistólico. A
ecocardiografia pode estimar diretamente diversos parâmetros que refletem o volume sistólico e
consequentemente pode ser usado para esse fim de uma maneira bastante versátil.
Antes de mais nada, é preciso ressaltar que a dependência de pré-carga é um estado fisiológico
que só deve ser lembrado e pesquisado na vigência de instabilidade hemodinâmica e que os
índices aqui descritos não devem der “normalizados” por si. Além disso, a maioria das variáveis
dinâmicas previsoras de resposta positiva à infusão de fluidos foi validada apenas em pacientes
ventilados artificialmente, perfeitamente adaptados ao ventilador, sem esforços inspiratórios, que
eram ventilados com volumes correntes superiores a 7 ml/Kg e que não apresentavam arritmias
cardíacas.
As ecocardiografias transtorácica e transesofágica permitem medir as velocidades Doppler ao
nível da via de saída do ventrículo esquerdo e, consequentemente, o volume de ejeção sistólico.
A dimensão da via de saída do ventrículo esquerdo não varia durante o ciclo respiratório e pode

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ser considerada como constante. Em consequência, pode-se analisar exclusivamente a variação
da integral velocidade-tempo (IVT) ou da velocidade máxima do fluxo aórtico (VMáx) quando se
pretende avaliar as mudanças no volume sistólico e especificar a magnitude de tais variações.
Na análise batimento a batimento, se for detectada uma grande variação respiratória nas variá-
veis anteriormente descritas, pode-se concluir que o paciente encontra-se na fase de dependên-
cia da pré-carga e que a oferta de fluidos intravenosa irá determinar aumento no volume sistólico.
Quanto maior a variação, maior será o aumento do volume sistólico em resposta à oferta de
fluidos.
Há duas situações, entretanto, em que a variação do volume sistólico não reflete dependência
de pré-carga: pacientes com insuficiência ventricular esquerda e cardiopatia dilatada, nos quais
a pressão positiva cíclica imposta pela ventilação pulmonar artificial diminui a pós-carga do ven-
trículo esquerdo e permite o aumento do volume sistólico de forma repetitiva e aqueles nos quais
o ventrículo direito entra em insuficiência, por exemplo, quando há um aumento considerável da
resistência vascular pulmonar, como durante a utilização de ventilação pulmonar artificial com
altas pressões sustentadas nas vias aéreas. Apesar de as variações respiratórias do volume
sistólico do VE traduzirem efetivamente uma dependência de pré-carga deste ventrículo, o ven-
trículo direito encontra-se em um estado de independência de pré-carga, o que limita a eficiência
de uma eventual expansão volêmica.

Tabela 1: Variáveis dinâmicas em ecocardiografia Doppler (transtorácica) para avaliação de de-


pendência de pré-carga em pacientes sob ventilação com pressão positiva intermitente

Variabilidade respiratória do volume sistólico do ventrículo esquerdo:


Usar a equação:
•ΔVpic Aórtica
ΔVpic = [(Vmáx - Vmín)/(Vmáx + Vmín/2)] x 100
Usar a equação:
•ΔiVT Aórtico
ΔiVT = [(iVTmáx - iVTmín)/(iVTmáx + iVTmín/2)] x 100
Condições de utilização: ritmo cardíaco sinusal regular; paciente
sob ventilação pulmonar artificial perfeitamente adaptado; VC >
7 ml/Kg.
Variabilidade respiratória do diâmetro da veia cava inferior (VCI)
Medir o diâmetro da VCI durante a insuflação do ventilador
(diâmetro máximo) e durante a expiração (diâmetro mínimo) e
•Índice de distensibilidade utilizar uma das duas equações a seguir:
da VCI ΔVCI = [(VCImáx - mín)/(VCImáx + mín)/2] x 100
ou
dVCI = [(Dmáx - Dmín)/Dmín] x 100
Estudo de Doppler
Obter as iVT no corte apical de 5 câmaras
transtorácico das variações
Condições de utilização: sob arritmias cardíacas, realizar o
do volume sistólico do
cálculo das variações do volume sistólico do ventrículo esquerdo
ventrículo esquerdo após
nos ciclos que tiverem uma duração diastólica precedente
uma prova de elevação
comparável ou usar a média de pelo menos 10 medidas.
passiva das pernas
ΔVpic = Variação do pico de velocidade Doppler; ΔiVT = Variação da integral Velocidade-
Tempo do registro Doppler; iVTmáx = integral Velocidade-Tempo máxima durante o ciclo
respiratório (inspiração); iVTmín = integral Velocidade-Tempo mínima durante o ciclo
respiratório (expiração); Vmáx = velocidade Doppler máxima durante o clclo respiratório
(inspiração); Vmín = velocidade Doppler mínima durante o ciclo respiratório (expiração).

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Figura 3: Variações respiratórias na velocidade máxima e na iVT do fluxo
sanguíneo aórtico gravados Doppler pulsado obtido com ecocardiografia
transtorácica em um paciente sob ventilação pulmonar artificial com pressão positiva
intermitente. Em A e C, há presença de variação respiratória significativa na Vmáx (Vmax
− Vmin/[Vmax + Vmin/2]; 1,29 − 1,09/1,19 = 17%) e na iVT (iVTmax − iVTmin/[iVTmax +
iVT min/2]; 20,7 − 17,3/19 = 18%). Em B e D, o mesmo paciente, após ter sido submetido a
expansão volêmica Vmáx (1,37 − 1,32/1,34 = 4%), iVT (23,5 − 22,3/22,9 = 5%).

Variações respiratórias do diâmetro da veia cava inferior (VCI)

Considerações anatômicas e fisiológicas


O trajeto da VCI é essencialmente intra-abdominal e esse vaso é responsável por 75% do re-
torno venoso ao átrio direito. A ETT permite facilmente a visualização dessa estrutura pelo corte
subcostal e a análise do vaso é realizada no modo M após ter sido visualizada em corte longitudi-
nal. A VCI apresenta uma dilatação antes da sua desembocadura no átrio direito e o diâmetro da
veia deve ser medido anteriormente a essa dilatação, próximo à desembocadura da veia supra-
-hepática média. A análise estática do diâmetro expiratório final da CCI reflete a pressão atrial
direita no indivíduo sob ventilação espontânea, mas não no paciente sob ventilação com pressão
positiva. Na ventilação espontânea, a variabilidade respiratória do diâmetro da VCI depende das
variações cíclicas da pressão pleural transmitidas ao átrio direito, as quais fazem variar periodi-
camente o retorno venoso. Durante a inspiração, o sangue é literalmente “aspirado” para o átrio
direito, o que ocasiona uma diminuição do diâmetro da VCI. Em contrapartida, a ausência de
variação respiratória no diâmetro da VCI indica, geralmente, que a pressão venosa está elevada.
Na vigência da ventilação com pressão positiva, as variações respiratórias no diâmetro da VCI
ocorrem de maneira inversa ao que ocorre na ventilação espontânea. O aumento da pressão
intratorácica durante a inspiração eleva a pressão do átrio direito, que diminui o retorno venoso.
Quando se observa um aumento no diâmetro da VCI nessa fase, há uma grande probabilidade
de dependência de pré-carga e resposta positiva a infusão de fluidos. De fato, existe uma corre-

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lação bastante consistente entre a variabilidade respiratória no diâmetro da VCI e a probabilida-
de de elevação do débito cardíaco em resposta à infusão de volume. As situações que cursam
com aumento da pressão intra-abdominal prejudicam, entretanto, tal correlação.

ELEVAÇÃO DAS PERNAS: UMA PROVA DE VOLUME INTRÍNSECA E REVERSÍVEL

A elevação passiva das pernas (EP) a partir de uma posição horizontal ganhou destaque nos
últimos anos como um teste para avaliar a resposta a fluidos, tendo em vista que é uma maneira
simples de induzir uma transferência gravitacional do sangue coletado na parte inferior do corpo
para as veias mais centrais e às cavidades cardíacas. Há evidência de que a quantidade de
sangue transferida dessa forma seja de aproximadamente 150 ml e que é capaz de aumentar
significativamente o retorno venoso e a pré-carga ventricular, inclusive do ventrículo esquerdo.
Um outro aspecto importante é que o aumento da pré-carga induzido pela EP desaparece
completamente quando as pernas são colocadas novamente na posição horizontal, o que
caracteriza essa manobra como uma “auto-infusão de líquidos” completamente reversível. Em
alguns pacientes, principalmente naqueles com permeabilidade capilar aumentada, os efeitos
da EP podem ser muito transitórios e recomenda-se avaliá-los nos primeiros 30 a 90 segundos
após o início do teste.

Aspectos práticos da EP:


Uma maneira simples de realizar a EP é mudar o decúbito do paciente da posição semirrecum-
bente de 45º para a posição de EP (vide figura 4). As medidas ecocardiográficas do volume sistó-
lico preenchem os requisitos básicos para avaliar o efeito da EP, porque conseguem estimar em
tempo real as mudanças hemodinâmicas provocadas pela manobra, além de o limite de precisão
fornecido pela técnica para avaliar a resposta do débito cardíaco induzida pela manobra de EP
ser bem abaixo do valor de corte de 10 a 15%.

Figura 4: Mudança postural durante a elevação passiva das pernas (EP).

Um outro requerimento é o de se certificar de que houve efetivamente uma mudança na pré-car-


ga induzida pela EP antes de tentar demonstrar se haverá alteração no volume sistólico. Quando
houver aumento na pré-carga com a EP e não houver elevação no volume sistólico, o paciente
não é pré-carga dependente. Por outro lado, se não houver aumento suficiente da pré-carga com
a EP, a ausência de elevação do volume sistólico em resposta à EP não poderá ser interpretada.
Em tais casos, a EP não poderá ser utilizada para prever a resposta a fluidos.
Dessa forma, recomenda-se seguir as variações em algum marcador de pré-carga como pré-
-requisito a uma interpretação correta ao teste de EP. Para esse fim, podem-se utilizar a PVC ou
a dimensão diastólica final do VE pela ecocardiografia.

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Por fim, a EP tem a grande vantagem de evitar os problemas encontrados com os parâmetros
dinâmicos medidos durante a ventilação pulmonar e não expor o paciente aos riscos de uma
reposição volêmica inapropriada.

ALGORITMO DE DECISÃO
Para ajudar a decidir quais parâmetros disponíveis para avaliação de dependência de pré-carga
utilizar, sugerimos o seguinte algoritmo:

CONCLUSÕES
A ecocardiografia fornece diversos meios para o intensivista avaliar a dependência de pré-carga
e a resposta a infusão de fluidos. Os médicos com um treinamento básico em ecocardiografia
poderão utilizar a variação respiratória do diâmetro da veia cava inferior, um diâmetro pequeno
desse vaso ou um ventrículo esquerdo hiperdinâmico para identificar os pacientes dependentes
de pré-carga. Os intensivistas com um treinamento mais avançado em ecocardiografia podem
usar as variações respiratórias ou aquelas determinadas pela elevação passiva das pernas no
volume sistólico para identificar a dependência de pré-carga. De uma maneira geral, os parâ-
metros dinâmicos de avaliação de dependência de pré-carga determinados pela ecocardiografia
são superiores às variáveis estáticas de pré-carga para prever a resposta a infusão de fluidos.

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Leituras Sugeridas:
1. Slama M, Maizel J, Mayo PH. Echocardiographic evaluation of preload responsiveness. In Levitov A,
Mayo P, Slonim A. Critical Care Ultrasonography. 2009. The McGraw-Hill Companie.
2. Feissel M, Michard F, Faller JP, et al. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a gui-
de to fluid therapy. Intensive Care Med. 2004;30:1834–1837.
3. Lamia B, Ochagavia A, Monnet X, et al. Echocardiographic prediction of volume responsiveness in
critically ill pa- tients with spontaneously breathing activity. Intensive Care Med. 2007;33:1125–1132.
4. Maizel J, Airapetian N, Lorne E, et al. Diagnosis of central hypovolemia by using passive leg raising.
Intensive Care Med. 2007;33:1133–1138.

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Capítulo 10

Uso do Ecocardiograma no Choque Circulatório


Dalton Barros

São objetivos a serem atingidos ao longo da leitura deste capítulo:
– compreender a importância da utilização do ecocardiograma no manejo do paciente com
choque circulatório
– reconhecer os principais sinais ecocardiográficos dos diferentes tipos de choque circulatório
– compreender as indicações e limitações dos diferentes parâmetros de avaliação de pré-carga
pelo ecocardiograma
– conduzir de forma racional e sistematizada o manejo do paciente com choque circulatório

A utilização do ecocardiograma (ECO) à beira do leito constitui-se uma ferramenta útil de monito-
rização hemodinâmica, não invasiva, que pode permitir um diagnóstico rápido da situação clínica
do paciente na emergência ou unidade de terapia intensiva. Auxilia ainda na elucidação da causa
do choque circulatório, assim como pode ser utilizado para avaliação da eficácia da terapêutica
proposta instituída. Numa série de 100 casos em que o ecocardiograma transtorácico (ETT) foi
utilizado, por exemplo, foi possível detectar a presença de choque cardiogênico em 62 de 63 casos,
assim como foi possível excluir o choque cardiogênico em 35 de 36 pacientes (Hutchison 2004).
Neste mesmo estudo, a utilização do ECO implicou em mudança terapêutica em 51 pacientes,
sendo 29 guiando terapia medicamentosa, 12 para cirurgia e 4 para pericardiocentese.
Existem diversas situações em que o ecocardiograma está indicado:
1. Instabilidade hemodinâmica: suspeita de hipovolemia, embolia pulmonar, falência ventricular,
disfunção valvar aguda, tamponamento cardíaco, complicações após cirurgia cardio-torácica.
2. Endocardite infecciosa.
3. Dissecção de aorta: melhor avaliada pelo eco transesofágico (ETE)
4. Hipoxemia inexplicada: pode identificar sinais de embolia pulmonar ou, através do teste de
microbolhas, auxiliar no diagnóstico de shunt intracardíaco ou intra-pulmonar
5. Pesquisa de êmbolos: maior sensibilidade com o (ETE).
A utilização do ECO pode permitir a obtenção de diversas informações, como os volumes das
câmaras cardíacas, fração de ejeção ventricular, avaliação da função diastólica e do espaço peri-
cárdico, função valvar, medida do débito cardíaco e estimativa das pressões da artéria pulmonar
e das pressões de enchimento do VE.
O objetivo da realização do ecocardiograma pelo intensivista ou emergencista no choque
circulatório, contudo, é responder principalmente às seguintes perguntas:
1. Qual o motivo do choque: hipovolêmico? Cardiogênico? Misto?
2. Existem sinais de hipovolemia ou hipervolemia?
3. Caso seja cardiogênico, existem evidências de tamponamento, disfunção valvar grave, shunt
ou alteração da contratilidade, sobrecarga de câmaras direitas ou esquerdas?

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4. Existe hipertensão pulmonar ou sobrecarga de câmaras direitas?
Uma abordagem detalhada de tamponamento pericárdico, hipertensão pulmonar, avaliação das
câmaras direitas e fluido responsividade será realizada em cada capítulo específico. Segue abaixo,
na tabela 1, os principais achados ecocardiográficos de acordo com cada condição clínica.

Tabela 1. Utilização do ecocardiograma transtorácico na UTI / emergência

Situação clínica Dados obtidos pelo ecocardiograma transtorácico


Choque hipovolêmico Variabilidade do diâmetro da veia cava inferior, enchimento
ventricular direito, esvaziamento sistólico do VE, estimativa de
PVC, POAP, débito cardíaco.
Disfunção ventricular Fração de ejeção, função diastólica, débito cardíaco,
contratilidade segmentar.
Tamponamento cardíaco Colapso diastólico do VD e do AD, movimentação do septo
interventricular, variabilidade respiratória do enchimento
ventricular (direito e esquerdo) e IVT (aórtica e pulmonar).
Embolia pulmonar Dilatação e disfunção de VD, hipertensão arterial pulmonar,
visualização de trombo em VD e/ou tronco pulmonar.
Shunts intracardíacos Ecocardiograma com microbolhas, comunicações interatriais e
interventriculares, persistência do canal arterial.
Parada cardio-respiratória Diferenciação de AESP e pseudo-AESP, diagnóstico diferencial
da PCR, prognóstico da PCR.
Passagem de marcapasso Localização e implante de marcapasso.
Adaptado de Flato, Uri A. P. Guia de ecografia para pronto-socorro e UTI.

Uma abordagem lógica do choque circulatório (figura 1) é procurar inicialmente pela presença
de sinais de derrame pericárdico (vide capítulo de tamponamento), que deverá ser rapidamente
tratado caso haja sinais de derrame pericárdio com repercussão hemodinâmica (tamponamento
pericárdico). Posteriormente deve-se procurar por sinais de hipovolemia. Caso seja confirmado,
deve-se procurar corrigir através da infusão rápida de volume (atentar para a necessidade de
infusão mais lenta em casos de disfunção diastólica, idosos, taquicárdicos ou portadores de
miocardiopatia). Caso não haja sinais de hipovolemia, ou caso tal condição tenha sido corrigida,
deve-se avaliar a presença de disfunção ventricular, normalmente (mas não sempre) corrigida
com inotrópicos. Não havendo mais evidência de hipovolemia nem disfunção cardíaca, devemos
então considerar a infusão de vasopressores. Importante ficar atento para as câmaras direitas,
no intuito de avaliar sinais de cor pulmonale.

107
Figura1. Fluxograma de manejo do choque pelo ecocardiograma

Choque hipovolêmico

Um dos sinais ecocardiográficos facilmente reconhecidos na hipovolemia acentuada é o aspecto


de hipercinesia do ventrículo esquerdo, onde frequentemente encontramos uma fração de eje-
ção > 70% e podemos ver a parede septal e parede livre do VE quase se aproximarem ao final
da sístole (figura 2).

Figura 2. Visualização do ventrículo esquerdo no plano paraesternal transversal ao nível da


musculatura papilar. Observar padrão de hipercinesia com esvaziamento quase completo
do VE ao final da sístole. Adaptado de De Baker, D et al. Hemodynamical Monitoring Using
Echocardiography in the Critical Ill.

Outro sinal de hipovolemia é a medida do diâmetro e variação da veia cava inferior com a res-
piração (índice de colapsabilidade), utilizando o ecocardiograma transtorácico, na janela sub-
-xifóidea (ver capítulo de fluido responsividade). Nos pacientes em ventilação espontânea, este

108
sinal pode ser utilizado como um bom índice preditor de fluido responsividade. Este parâmetro
pode ser utilizado em pacientes com arritmias cardíacas, contudo este sinal perde a acurácia em
situações de hipertensão pulmonar e disfunção de ventrículo direito (figura 3).

Figura 3. Variabilidade do diâmetro da veia cava inferior


com a respiração no modo bidimensional e no modo M

Podemos inferir ainda sobre o valor da pressão venosa central, conforme a tabela 2 abaixo:

Tabela 2. Valores estimados da pressão de átrio direito (PVC)

Diâmetro da VCI Variação respiratória da VCI PVC estimada


< 1,5cm Colabamento total 5 mmHg
1,6 a 2,5 cm Colabamento > 50% 10 mmHg
1,6 a 2,5 cm Colabamento < 50% 15 mmHg
> 2,5cm Colabamento < 50% 20 mmHg
> 2,5cm Sem mudança > 20 mmHg
Adaptado de Otto C.M. Echocardiographic Evaluation of Left and Right Ventricular Systolic Function.

Sabemos, contudo, que os parâmetros dinâmicos possuem melhor acurácia para previsão
de fluido responsividade do que os estáticos. E o fato de uma PVC estimada ser baixa não
implica necessariamente que o paciente deva ser expandido com volume. Assim como uma PVC
estimada alta não implica necessariamente em ausência de resposta a volume.
No paciente em ventilação mecânica, contudo, a avaliação da veia cava inferior não é tão fidedigna
para previsão de fluido responsividade. Nestes pacientes, a veia cava é distendida com a ins-
piração, ao contrário da inspiração espontânea. Contudo, caso o diâmetro máximo respiratório
da veia cava inferior seja menor do que 10mm, mesmo nos pacientes sob ventilação mecânica,
normalmente corresponde a um estado de hipovolemia. Da mesma forma, diâmetros máximos
maiores do que 20mm sugerem ausência de resposta a volume. A presença de hipertensão
pulmonar e disfunção do VD atrapalham a interpretação desta variável.

109
Nos pacientes entubados, a avaliação da variação da veia cava superior com o ecocardiograma
transesofágico tem melhor resultado para previsão de fluido responsividade do que a avaliação
da veia cava inferior com o ecocardiograma transtorácico.
Outro sinal que pode ser obtido com o ecocardiograma é a avaliação da variação dos fluxos
sistólicos do VE, através da integral tempo-velocidade (IVT), volume sistólico (VS) e do débito
cardíaco (DC) na via de saída do VE (VSVE). Lembrar que VS = IVT x área da VSVE e que DC =
VS x frequência cardíaca (FC). Assim, o aumento do IVT implicará no aumento do VS (mantendo
a área da via de saída do VE fixa) e o aumento do VS implicará em aumento no DC (mantendo a
FC inalterada). Tais medidas podem ser obtidas tanto com o ecocardiograma transtorácico como
com o transesofágico.
Nos pacientes entubados, quanto maior a variação do IVT, do VS ou do DC dentro do ciclo
respiratório, mais sugestivo de fluido responsividade é o paciente (ver capítulo de fluido res-
ponsividade). Lembrar que a fidedignidade desta análise é dependente da ausência de esforço
respiratório espontâneo, assim como não deve haver arritmias e hipertensão pulmonar significativa.
A presença de disfunção cardíaca importante também deve prejudicar a interpretação deste
parâmetro.
Pode-se prever ainda a resposta ao volume através da medida do IVT, VS ou DC na via de
saída do VE antes e após a manobra de elevação dos membros inferiores ou mesmo antes e
após a infusão de uma alíquota de volume, seja cristalóide ou colóide. Caso haja um aumento
significativo da IVT, VS ou DC com a elevação dos membros inferiores ou após a infusão de
volume (10-15%), o paciente deve estar na porção pré-carga dependente da curva de Frank-
-Starling. Contudo, lembrar que caso o paciente esteja severamente hipovolêmico, é possível
que não haja aumento significativo do volume sistólico com a manobra ou com a infusão de
volume.
Uma medida estática que pode ser inferida através do ecocardiograma transtorácico é a pressão
de oclusão de artéria pulmonar. Através da relação entre a onda E do Doppler pulsátil mitral
com a onda E’ do Doppler tecidual mitral (relação E/E’), pode-se inferir a medida da POAP
(ver adiante sobre disfunção diastólica). Existem outros métodos que podem ser utilizados para
estimativa da POAP pelo ecocardiograma, contudo o aprofundamento deste tema não é objetivo
deste material.

Choque cardiogênico

O padrão hemodinâmico do choque cardiogênico pressupõe a existência de hipoperfusão


periférica associada à disfunção cardíaca e elevadas pressões de enchimento.
Sinais clássicos de disfunção sistólica incluem baixa fração de ejeção e sobrecarga de câmaras
cardíacas. A redução da função sistólica pode ser em decorrência de um déficit de contratilidade
difuso (mais sugestivo de miocardiopatia, miocardite, sepse, intoxicação, distúrbio metabólico,
etc) ou da alteração da contratilidade segmentar, mais sugestivo de doença isquêmica. Foge ao
objetivo do ecocardiograma do intensivista a classificação detalhada dos déficits de contratilida-
de nas diferentes regiões cardíacas. Um caso interessante é a miocardiopatia de Takotsubo, que
classicamente provoca um déficit de contratilidade nos segmentos médio-apicais, com hipercine-
sia basal (balonamento apical).
Um erro frequente é considerar que a presença de uma disfunção sistólica do ventrículo esquerdo
permite afirmar o diagnóstico de edema pulmonar cardiogênico em um paciente em choque
circulatório. Pode haver disfunção sistólica sem que as pressões de enchimento estejam elevadas,
caso haja uma hipovolemia associada por exemplo. Inversamente, um edema pulmonar cardio-

110
gênico pode acontecer na presença de uma função sistólica do VE preservada, em casos, por
exemplo, de estenose mitral, sobrecarga hídrica importante, disfunção diastólica severa.
O ecocardiograma permite estimar as pressões de enchimento do VE, assim como estabelecer
o diagnóstico etiológico do choque cardiogênico (hipocinesia, disfunção valvar, cor pulmonale,
disfunção diastólica, miocardiopatia, obstrução da via de saída do VE, etc).
Concomitantes disfunção de VE e VD associadas a volume biventricular aumentado sugerem
miocardiopatia antiga.
Sobregarca de câmaras direitas com movimentação paradoxal do septo interventricular e
hipertensão pulmonar sugerem cor pulmonale (ver capítulo de avaliação das câmaras direitas).
Lembrar que em caso de disfunção grave do VD, pode não se encontrar uma hipertensão
pulmonar significativa calculada pelo refluxo tricúspide, uma vez que o VD, neste caso, é inca-
paz de gerar uma contração efetiva para provocar um refluxo tricúspide com velocidade de pico
muito aumentada.

Disfunção diastólica

Toda disfunção sistólica do VE está normalmente associada a algum grau de disfunção diastó-
lica. Contudo pode haver disfunção diastólica, inclusive com sinais e sintomas de insuficiência
cardíaca, com função sistólica preservada.
A disfunção diastólica é decorrente de uma alteração nas propriedades de relaxamento do VE,
frequentemente associada a uma diminuição da sua complacência. A disfunção diastólica provo-
ca redução do enchimento ventricular, aumento da contribuição da contração atrial na telediásto-
le e aumento das pressões de enchimento.
Causas comuns de disfunção diastólica incluem as miocardiopatias hipertensivas, isquêmicas,
estenose aórtica, miocardiopatia hipertrófica e a própria idade avançada. Alguns fatores podem
contribuir para descompensação do quadro clínico, como por exemplo, um pico hipertensivo,
taquicardia, arritmias, expansão volêmica, etc. Nesses pacientes, a reposição volêmica deve ser
feita com maior parcimônia, no intuito de evitar edema pulmonar cardiogênico.
Através da utilização do Doppler pulsátil e do Doppler tecidual, na janela apical quatro câmaras,
podemos fazer uma estimativa da função diastólica e das pressões de enchimento do VE. É ób-
vio que não cabe ao intensivista estabelecer um diagnóstico aprofundado da disfunção diastólica,
uma vez que este tema é bastante complexo. Contudo, considerando que a disfunção diastólica
vem tendo sua importância cada vez mais reconhecida, pode ser bastante útil para o intensivista
estar atento para esta condição como possível fator de descompensação de um paciente.
Com o Doppler pulsátil localizado na extremidade superior da região de abertura dos folhetos da
mitral, no plano apical quatro câmaras, podemos medir a velocidade máxima onda E, resultante
do enchimento ventricular rápido, e da onda A, resultante da contração atrial (figura 4). As medi-
das devem ser efetuadas ao final da expiração. Na ausência de estenose mitral, as velocidades
registradas com o Doppler pulsátil no orifício de enchimento mitral dependem das propriedades
diastólicas do VE e do gradiente de pressão átrio-ventricular, que por sua vez são influenciadas
por outros fatores como frequência cardíaca, estado volêmico, idade, interações com o VD, peri-
cárdio, etc. A relação velocidade da onda E/A normal é cerca de 1 a 1,5.

111
Figura 4. Padrão de enchimento ventricular diastólico (ondas E e A) com o Doppler pulsátil

Existem didaticamente três estados evolutivos da disfunção diastólica do VE: alteração do


relaxamento, padrão pseudo-normal e restritivo (figura 5).

Normal Alt. Relaxamento Pseudonormal Restritivo

Figura 5. Padrões do Doppler pulsátil mitral

Com o agravamento da função diastólica, as pressões de enchimento do VE aumentam, o átrio


esquerdo distende-se e diminui progressivamente sua contribuição ao enchimento ventricular.
Para estabelecer o diagnóstico exato do padrão diastólico, é necessário utilizar outros parâme-
tros, como o tempo de relaxamento isovolumétrico, o tempo de desaceleração, Doppler venoso
pulmonar, manobra de Valsava etc. Ao intensivista, julgamos não ser essencial estabelecer o
diagnóstico preciso da disfunção diastólica, mesmo porque pode haver mudança do padrão de
acordo com oscilação do quadro clínico.
O perfil do Doppler pulsátil é resultante tanto das propriedades diastólicas quanto das pressões
de enchimento do VE. Uma relação E/A < 1 pode ser decorrente de disfunção diastólica do tipo
alteração do relaxamento ou, na ausência de cardiopatia, pode ser resultante de uma condição
de baixas pressões de enchimento do VE (hipovolemia). Já uma relação E/A > 2 pode refletir
uma disfunção diastólica do tipo restritivo ou uma situação com altas pressões de enchimento,
como um estado hipervolêmico. Lembramos que em casos de fibrilação atrial, não é possível
utilizar a relação E/A por conta da ausência de contração atrial efetiva (onda A). Assim, ao inten-
sivista, mais importante do que saber diagnosticar o tipo de disfunção diastólica é saber inferir
sobre as pressões de enchimento. Neste ponto, a análise combinada do Doppler pulsátil com o
Doppler tecidual mitral pode ajudar. (retirar isso è a inferir melhor sobre as pressões de enchi-
mento do VE.
Com o Doppler tecidual situado na junção, respectivamente, das paredes septal e lateral com a
valva mitral, registramos o deslocamento da inserção do anel mitral nestes locais, formando as
ondas E’ (ou Ea), A’ e S, de cada parede (figura 6). A onda E’ reflete as propriedades diastólicas do
VE, ao passo que a onda A’ é decorrente da contração atrial e a onda S reflete a sístole ventricular.

112
A velocidade protodiastólica máxima (onda E’ ou Ea) é um bom indicador do relaxamento do VE.
Os valores normais da onda E’ são > 15cm/s sobre a porção lateral do anel mitral e E’ > 10cm/s
sobre a parede septal. Na disfunção diastólica, usualmente E’ < 8cm/s. Atentar que a presença
de alteração da contratilidade segmentar pode modificar as velocidades do anel mitral.

E’ A’ lateral E’ A’ septal

Figura 6. Padrão de enchimento ventricular diastólico (ondas E e A) com o Doppler pulsátil

Diversos trabalhos demonstraram que a utilização da relação entre as ondas E do Doppler pul-
sátil mitral e a onda E’ (Ea) do Doppler tecidual (relação E/E’) pode refletir as pressões de en-
chimento do VE. Uma razão E/ E’ < 10 pode prever uma POAP < 12mmhg com uma sensibili-
dade de 91% e uma especificidade de 81%. Uma relação E/ E’ > 15 pode prever uma POAP >
18mmhg. Assim, valores intermediários de relação E/E’ (10 a 15) trazem pouca contriuição para
estimativa do estado volêmico.

Choque séptico
O choque séptico pode se apresentar com diferentes padrões hemodinâmicos num mesmo pa-
ciente. A vasoplegia responsável pelo padrão distributivo pode estar associada a uma hipovo-
lemia absoluta ou relativa ou até mesmo a uma disfunção ventricular esquerda. Neste caso,
deve-se optar inicialmente pela expansão volêmica e, posteriormente, pela infusão de inotrópico.
A disfunção ventricular esquerda no choque séptico pode estar inicialmente mascarada pela
baixa resistência periférica. Após introdução de aminas vasoativas, tal disfunção poderá se ma-
nifestar com maior evidência, apontando para necessidade de um inotrópico.
Os princípios ecodardiográficos do choque séptico seguem os mesmos pressupostos abordados
previamente, no que se refere aos choque hipovolêmico e cardiogênico.

Leituras Sugeridas:
1. Beaulieu, Yanick. Bedside echocardiography in the assessment of the critically ill. Critical Care
Medicine. Focused Applications of Ultrasound in Critical Care Medicine. 35(5) Suppl:S235-S249, May
2007.
2. Bouhemad, B et al. Echocardiographic Doppler Assessment of Pulmonary Capillary Wedge
Pressure in Surgical Patients with Postoperative Circulatory Shock and Acute Lung Injury. An-
esthesiology 2003; 98:1091–100.

113
3. Cholley BP, Vieillard-Baron A, Mebazaa A (2006). Echocardiography in the ICU: time for wide-
spread use. Intensive Care Med 32:9–10.
4. Combes A, Arnoult F, Trouillet JL (2004) Tissue Doppler imaging estimation of pulmonary artery
occlusion pressure in ICU patients. Intensive Care Med 30:75–8.
5. De Backer, D et al. Hemodynamical monitoring using echocardiography in the critical ill. Spring-
er-Verlag, 2011.
6. Flato, U.A.P.; Guimarães, H.P. Guia de Ecografia para Pronto-Socorro e UTI. Atheneu 2010.
7. Hutchison M et al. Transthoracic Echocardiography To Identify or Exclude Cardiac Cause of
Shock . Chest 2004;126;1592-1597.
8. Lamia B, Ochagavia A, Monnet X, Chemla D, Richard C, Teboul JL (2007). Echocardiographic pre-
diction of volume responsiveness in critically ill patients with spontaneously breathing activ-
ity. Intensive Care Med 33:1125–32.
9. Mahjoub Y, Pila C, Friggeri A, Zogheib E, Lobjoie E, Tinturier F, Galy C, Slama M, Dupont H (2009) As-
sessing fluid responsiveness in critically ill patients: false-positive pulse pressure variation is
detected by Doppler echocardiographic evaluation of right ventricle. Crit Care Med 37:2570–5.
10. P. Vignon et al. Échocardiographie doppler chez le patient en état critique. Echo-in-ICU Group.
Elsevier 2008.
11. Pirracchio, R.; Cholley, B. et al. Diastolic heart failure in anaesthesia and critical care. Br. J. An-
aesth. 2007;98:707-721.
12. Salem, Reda; Vallee, Fabrice; Rusca, Marco; Mebazaa, Alexandre. Hemodynamic monitoring by
echocardiography in the ICU: the role of the new echo techniques. Current Opinion in Critical
Care. 14(5):561-568, October 2008.

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119
Capítulo 11

Ultrassonografia Pulmonar
Ciro Mendes

INTRODUÇÃO

Tanto a radiografia de tórax (Rx) quanto a tomografia computadorizada de tórax (TC) têm limita-
ções para o diagnóstico de patologias pleuropulmonares no paciente gravemente enfermo[1]. O
pneumotórax, uma condição para a qual frequentemente se utiliza a radiografia de tórax como
método de diagnóstico, pode não ser adequadamente detectado, bem como diversas outras si-
tuações que exigem um diagnóstico rápido e preciso.
A TC, por sua vez, apesar de poder adicionar mais informação diagnóstica do que a radiografia
de tórax[2], pode estar associada a um custo mais elevado e a maiores riscos para o paciente,
notadamente aqueles relacionados à radiação[3] e ao transporte[4].
Durante muito tempo, a ultrassonografia torácica foi considerada um método inútil para avaliar
as patologias pulmonares. Entretanto, o estudo e a classificação de determinados padrões de
imagens adquiridos com a ultrassonografia pulmonar permitiu que esse exame se transformasse
em uma opção diagnóstica e de monitorização muito promissora.

PERSPECTIVA

Até há algum tempo, a ultrassonografia torácica, quando usada, restringia-se a objetivos muito
específicos de diagnosticar e quantificar efusões pleurais e ocasionalmente orientar a realização
de punções para retirada de líquido pleural. Considerava-se que a ultrassonografia para avaliar
outras patologias respiratórias era inútil, pois os pulmões cheios de ar impediam a propagação
das ondas ultrassônicas e impossibilitavam a criação de imagens clinicamente úteis. Entretanto,
o campo da ultrassonografia pulmonar se desenvolveu nos últimos anos com a possibilidade de
sistematizar a análise de diversas imagens que anteriormente eram consideradas anárquicas
e impossíveis de interpretar. Assim, tais imagens, que sempre foram tidas como um empecilho
em outros campos da ultrassonografia, transformaram-se, mediante sua decifração e correlação
com achados radiográficos, notadamente da tomografia de tórax, em sinais bastante sensíveis e
específicos da presença de diversas síndromes pleuropulmonares, encontradiças em pacientes
gravemente enfermos.
Princípios Básicos: O ultrassom não consegue atravessar o ar e em decorrência disso não
penetra os pulmões normais. O líquido e a maioria das substâncias corporais isentas de ar con-
seguem transmitir muito bem o som. É essencial ter-se em mente que a interpretação da ultras-
sonografia pulmonar não se dá pela visualização do parênquima desses órgãos, na maioria das
vezes, mas sim, pela análise das pleuras, que podem ser apreciadas ao ultrassom, ou do que
ocorre quando há líquido ou outras estruturas interagindo com o ar dos pulmões, logo abaixo da
superfície pleural.

120
Metodologia:
Diversos artefatos foram analisados e correlacionados com estados de normalidade ou de doen-
ça. É essencial saber identificar os achados ultrassonográficos normais dos pulmões, seguindo
uma metodologia que será aqui apresentada:
Equipamento: Recomenda-se a utilização de um aparelho de ultrassonografia bidimensional e
qualquer transdutor com pelo menos 5,0 MHz de frequência pode ser utilizado, seja ele linear ou
curvilinear em arranjo de fase. Um menor comprimento da onda de ultra-som é preferível, pois
permite apreciar de maneira mais nítida o “deslizamento pulmonar”, que é uma imagem bastante
delicada e pode não ser adequadamente visualizada quando se usam transdutores com frequên-
cias mais baixas.
Obtenção das imagens: Recomenda-se que o transdutor seja colocado na posição perpendi-
cular em relação ao tórax do paciente, nos espaços intercostais. O examinador deverá então
identificar “o sinal do morcego” que é composto pelas sombras acústicas (imagens anecóicas)
da costela superior e inferior e da “linha pleural”, que é uma imagem linear horizontalizada, hipe-
recóica, detectável a aproximadamente 0,5 cm da superfície superior das duas costelas (figura 1
e figura 2). O registro de imagens em modo M é opcional na maioria das vezes e recomendado
meramente para facilitar a documentação do exame em prontuário médico e também porque
disponibiliza a identificação do deslizamento pulmonar, o qual pode ser uma imagem um pouco
mais difícil de ser reconhecida pelos iniciantes no método.

Figura 1: A ilustração evidencia as principais estruturas a serem identificadas por


ocasião do estudo ultrassonográfico pulmonar e a correspondência com uma exame real:
observam-se as sombras das duas costelas e, 0,5 mm abaixo, a linha pleural. A análise dessa
linha é essencial para a detecção do deslizamento pulmonar (adaptado da referência [5]).

Figura 2: Sinal do morcego. As parte mais superior das asas do morcego corresponde às bor-
das das costelas próximas ao transdutor; a parte interna das asas corresponde à junção das
bordas das sombras acústicas das duas costelas com a linha pleural.

121
Imagens normais:
O primeiro passo para o aprendizado da ultrassonografia pulmonar é a identificação dos padrões
de normalidade e descreve-se em seguida as principais imagens relacionadas com tais padrões:
Linhas A: São artefatos produzidos por reverberação das ondas ultrassônicas ocasionados pela
interação entre a superfície pleural e o ar existente nos alvéolos. Como o equipamento de ultras-
som processa a profundidade da imagem de acordo com o tempo em que a onda ultrassônica
leva para regressar até o transdutor (cerca de 1.540 m/s nos tecidos moles), o que se produz são
diversas imagens horizontais, repetidas e imóveis, que vão ter a mesma distância uma da outra
(figura 3) e que são visualizadas em até 2/3 dos pulmões normais.

Figura 3: Linhas A. Observam-se diversas linhas paralelas à linha pleural.


Notar que as distâncias entre as linhas A são sempre as mesmas e correspondem
à distância entre o transdutor e a linha pleural, cuja impedância acústica
elevada provoca diversas reverberações da energia ultrassônica (referência [6]).

Deslizamento pulmonar: Corresponde à imagem dinâmica do deslizamento entre as duas pleu-


ras e também é associado à normalidade. Sua presença afasta pneumotórax no ponto onde o
transdutor está sendo colocado. O deslizamento pulmonar indica que as duas superfícies pleu-
rais (parietal e visceral) estão justapostas e que são funcionalmente adequadas. A ausência de
deslizamento pode indicar que falta de aposição entre as pleuras (como no pneumotórax ou no
derrame pleural) ou que as duas superfícies, apesar de contíguas, não conseguem deslizar uma
sobre a outra (por inflamação ou por fibrose). Dessa forma, a ausência de deslizamento não é
exclusiva de pneumotórax. A imagem em modo M correspondente ao deslizamento pulmonar é
denominada de Sinal da “Praia” (figura 4).

Figura 4: Sinal da “Praia”. A pele, os tecidos moles e as costelas, imóveis,


localizados na parte superior da imagem em modo M, lembra o mar, enquanto
os artefatos produzidos abaixo da linha pleural tem um aspecto “arenoso”.
O conjunto forma uma imagem que faz lembrar a beira do mar. (referência [6])

122
Imagens patológicas:
Algumas imagens ultrassonográficas definem diversos dos principais achados patológicos pul-
monares de interesse ao intensivista. Essas imagens serão adiante descritas:
Linhas B: Esses artefatos são produzidos pelo espessamento dos septos interlobulares sub-
pleurais produzindo uma imagem bastante distinta, observada na figura 5. Essas linhas são
originadas tanto pela presença de líquido quanto fibrose subpleural, o que faz com que surjam
na grande maioria das síndromes intersticiais agudas de interesse ao intensivista, principalmente
nos edemas pulmonares hemodinâmicos e inflamatórios.

Figura 5: Características obrigatórias das linhas B: a) surgem da linha pleural;


b) são bem definidas, semelhantes a um “raio laser”; c) são hiperecogênicas;
d) são longas e se estendem, sem interrupção, até a borda inferior da tela;
e) apagam as linhas A; f) deslocam-se juntamente com o deslizamento
pulmonar (quando há deslizamento); g) têm o aspecto de uma “calda de
cometa”, quando um transdutor setorial curvilíneo é utilizado.(referência [7])

Quando três ou mais linhas B são visualizadas em um mesmo espaço intercostal isso é indicativo
de patologia. Em até 28% dos indivíduos normais é possível detectar uma ou até duas linhas B
por espaço intercostal. A presença de três ou mais linhas B no mesmo espaço intercostal tem
sido denominada de “rastro de foguete”. As lesões em “vidro fosco” observadas à TC de tórax
nas síndromes intersticiais mais graves têm correlação com a presença de linhas B separadas
entre elas por três milímetros ou menos (por causa disso denominadas também linhas B3), o que
corresponde a sete linhas B ou mais por cada espaço intercostal. Independentemente da termi-
nologia utilizada, quanto mais linhas B presentes por espaço intercostal tanto maior o número de
septos interlobulares subpleurais espessados por líquido ou fibrose. Essa correlação fica óbvia
pela observação da figura 6.

123
Figura 6: Acima, nas imagens ultrassonográficas, evidenciam-se, em
1) uma linha B isolada, sem significado patológico, em um indivíduo saudável;
em 2) diversas linhas B, separadas por 7 mm de distância (e por isso denominadas
B7) e que correspondem a preenchimento dos septos interlobulares subpleurais
por líquido; em 3) sete ou oito linhas B são visíveis, separadas por aproximadamente 3
mm (B3) que correspondem a lesões em “vidro fosco” subpleurais. Abaixo, as imagens
tomográficas correspondentes às imagens ultra-sonográficas dos três indivíduos mostradas
acima: em 1) não se evidencia qualquer elemento na parede torácica anterior (apenas
algumas fissuras isoladas mostradas pelas setas); em 2) os septos interlobulares subpleurais
estão espessados e são visíveis na TC de tórax (setas); em 3) lesões de “vidro fosco” são
visíveis na parede anterior do pulmão esquerdo (setas) (adaptado da referência [8]).

Lichtenstein e cols encontraram uma correlação positiva entre as alterações radiográficas e a


presença de linhas B patológicas com uma sensibilidade e especificidade muito boas, ambas de
93%. Quando utilizaram a tomografia computadorizada de tórax como referência, a correlação
foi completa. Em princípio, nenhuma outra entidade, além da síndrome intersticial, é capaz de
gerar os “foguetes pleurais”.
A presença assimétrica de linhas B patológicas ou a ausência desses artefatos nas regiões
anteriores favorece o diagnóstico de edema pulmonar inflamatório, enquanto a identificação de
uma única linha B é suficiente para afastar pneumotórax, particularmente quando o deslizamento
pulmonar está presente.
Em relação à quantificação de água pulmonar extravascular, existem evidências que correlacio-
nam positivamente a presença e quantidade de linhas B patológicas à ultrassonografia pulmonar
com as linhas B de Kerley e o escore de água pulmonar à radiografia de tórax[9]; com a água
pulmonar extravascular medida de forma invasiva pela termodiluição, com os níveis de pressão
de oclusão da artéria pulmonar[8, 10] e de BNP[11]; e com a classificação de insuficiência car-
díaca da NYHA[12]. Além disso, as linhas B patológicas mostraram-se úteis no prognóstico de
pacientes com insuficiência cardíaca[13] e insuficiência coronariana[14].
Nos casos da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), os achados da ultrassono-
grafia pulmonar são semelhantes aos do edema pulmonar cardiogênico (EP), destacando-se a
presença das linhas B patológicas, cujo mecanismo de formação é idêntico nos dois casos. No

124
entanto, existem algumas peculiaridades que podem ajudar a diferenciar essas duas condições.
Um estudo italiano[15] evidenciou os seguintes achados: linhas B patológicas foram encontradas
em todos os pacientes com SDRA e EP (p=NS); anormalidades da linha pleural foram detectadas
em todos os pacientes com SDRA e em apenas 25% dos pacientes com EP (p < 0.0001). Au-
sência ou redução de deslizamento pulmonar foi observada em 100% dos pacientes com SDRA
e em nenhum dos pacientes com EP (p < 0.0001). Consolidações foram detectadas em 83,3%
dos pacientes com SDRA e em nenhum dos pacientes com EP (p < 0.0001). Derrame pleural foi
encontrado em 66,6% dos pacientes com SDRA e em 95% dos pacientes com EP (p < 0.004).
Além disso, nos casos de edema inflamatório, puderam ser identificadas alterações pleurais de-
correntes de pequenas consolidações subpleurais (figura 7), áreas “poupadas”, definidas como
regiões pulmonares com aspecto ultrassonográfico normal cercadas por áreas com a presença
de múltiplas linhas B (figura 8), além de diversas consolidações de tamanhos variados (figura 9).

Figura 7: Linha pleural alterada na SDRA (imagem A)


e normal no EP (imagem B) (adaptado da referência [15]).

Figura 8: Aspecto ultrassonográfico de área poupada (imagem A) na SDRA e presença


de múltiplas linhas B coalescentes no EP (imagem B) (adaptado da referência [15])

125
Figura 9: Consolidações subpleurais de tamanhos variados na SDRA (imagem A) em
comparação à ausência de consolidações (imagem B) (adaptado da referência [15]).

Em pacientes com contusão pulmonar, a presença de síndrome intersticial representada pelo


achado de linhas B patológicas apresentou sensibilidade e especificidade muito boas (94,6% e
96%, respectivamente)[16].

Ponto Pulmonar:
Ainda em 2000[17], foi descrito um achado ultrassonográfico caracterizado pelo aparecimento
de deslizamento pulmonar ou de linhas B sendo substituídos alternadamente por ausência de
deslizamento ou aparecimento exclusivo de linhas A em uma localização específica do tórax.
Esse achado foi batizado de “ponto pulmonar”, que é um sinal patognomônico de pneumotórax.
O “ponto pulmonar” teve, nessa série, uma sensibilidade de 66% (75% no caso de pneumotórax
oculto à radiografia convencional) e uma especificidade de 100%. O equivalente à ausência de
deslizamento no modo M foi batizado de “sinal da estratosfera” (figuras 10, 11 e 12).

Figura 10: Sinal da estratosfera: o equivalente da ausência


de deslizamento pulmonar ao Modo M (referência [18]).

126
Figura 11: Justificativa para o aparecimento do “ponto pulmonar”. À esquerda, na expiração, o
pneumotórax tem um tamanho definido na TC de tórax. Um transdutor colocado em um ponto
discretamente superior ao nível do pulmão demonstra um padrão de pneumotórax. À direita,
na inspiração, o volume pulmonar aumenta discretamente, como também a superfície do
pulmão em contato com a parede torácica. Se o transdutor permanece imóvel, irá evidenciar o
aparecimento alternado de deslizamento pulmonar e linhas B (adaptado da referência[6]).

Figura 12: Evidência do “ponto pulmonar”. À esquerda, acima: expiração. Ausência de


deslizamento pulmonar e presença de linhas A. À esquerda, abaixo: inspiração. Aparecimento
de deslizamento pulmonar com linhas B. Direita: Modo M. Evidencia-se claramente a mudança
de padrão de “estratosfera” para o padrão “da praia” (seta) (adaptado da referência [17])

Sinal do sustenido:
A utilização da ultrassonografia para o diagnóstico e quantificação das efusões pleurais é sugerida há
muito tempo[19, 20]. A grande vantagem dessa técnica é a de poder demonstrar pequenas quantida-
des de fluido, inclusive de até 3 a 5 ml, as quais são indetectáveis pela radiografia convencional, que
só consegue diagnosticar efusões acima de 50 ml[21]. Além dessa vantagem, o ultrassom diferencia
com facilidade o líquido e o espessamento pleural e serve para definir com precisão o melhor local
para realizar a toracocentese, mesmo de pequenas efusões, o que auxilia a evitar as complicações
decorrentes da punção pleural, como pneumotóraces, hemotóraces, hematomas e lacerações de
órgãos subdiafragmáticos[22]. Tradicionalmente, os radiologistas avaliavam as efusões pleurais por
meio da ultrassonografia abdominal. Propõe-se, entretanto, a avaliação diretamente na parede torá-
cica[23], já que a abordagem abdominal pode causar erros de interpretação, principalmente para o
iniciante. No paciente em decúbito dorsal, a aplicação da sonda na região posterior do tórax (ao nível
da linha axilar posterior) permitiria detectar mesmo efusões muito pequenas. O principal sinal estático
é o “sinal do sustenido”, derivado do símbolo musical (♯), detalhado na figura 13.

127
Figura 13: “Sinal do sustenido”. À esquerda, evidencia-se a linha pulmonar (setas). Notar
a presença de linhas B abaixo da pleura visceral, que é o que delimita a linha pulmonar. À
direita, as quarto bordas do “sinal do sustenido”: 1) linha pleural; 2) sombra acústica da costela
superior; 3) sombra acústica da costela inferior; 4) linha pulmonar (referência [23]).

A principal manifestação ultrassonográfica dinâmica da efusão pleural é decorrente da variação


respiratória da distância entre as pleuras. Durante a inspiração, em consequência do aumento do
volume pulmonar, o líquido é rechaçado e ocorre a aproximação das duas pleuras. Na expiração,
o contrário acontece. Isso provoca, no modo M, o aparecimento de um achado característico, em
forma de onda, batizado por Daniel Lichtenstein de sinal do “sinusóide” (figura 14). Esse sinal é
bastante específico para a presença de efusão pleural (97% quando o padrão ouro é a obtenção
de líquido pleural à punção)[24] e indica baixa viscosidade do líquido.

Figura 14: O sinal do “sinusóide”. No modo bidimensional, a espessura da coleção (E) irá variar
de acordo com o ciclo respiratório. A borda mais profunda (seta clara) move-se em direção à
parede torácica, definindo o sinal em forma de onda (sinusóide), enquanto a borda superficial
(seta escura) permanece imóvel. Esse achado é específico de efusão pleural (referência[25]).

A ultrassonografia também se mostrou um ótimo método para diferenciar a natureza do líquido


pleural (figura 15). Yang et al. conseguiram distinguir entre transudato e exsudato a partir das
características ultrassonográficas[26]. Dessa forma, os transudatos são invariavelmente ane-

128
cóicos, mas as efusões anecóicas podem representar tanto transudatos quanto exsudatos. As
efusões pleurais com e sem septações complexas ou padrões homogeneamente ecogênicos
são sempre exsudatos (p < 0,01). Evidência ultrassonográfica de pleura espessada e lesões
parenquimatosas no pulmão são também indicativas de exsudato (p < 0,01) e efusões homoge-
neamente ecogênicas relacionam-se a hemorragias ou empiemas.

Figura 15: Exemplo da utilidade da ultrassonografia para a diferenciação da natureza


da efusão pleural. À esquerda, a ultrassonografia evidencia espessamento das pleuras
e espaço pleural preenchido por fluido septado. À direita, a tomografia computadorizada de
tórax do mesmo dia não conseguiu demonstrar a natureza multiloculada da efusão[27].

A ultrassonografia também é capaz de quantificar o derrame pleural com razoável precisão e


para isso são descritas algumas maneiras na literatura. Uma dessas formas [23] é baseada na
colocação do transdutor perpendicularmente à parede torácica ao nível da linha axilar poste-
rior. Sugere-se que se meça a distância da linha pleural à linha pulmonar, ao fim da expiração
(quando a distância entre as linhas seria máximo). A estimativa é de que uma distância de 3 mm
corresponderia a um volume de efusão pleural entre 15 a 30 ml; 10 mm equivaleriam entre 75 a
150 ml; 20 mm, entre 300 a 600 m; e 35 mm, a um volume entre 1.500 a 2.500 ml.
A punção torácica guiada por ultrassonografia mostrou-se bastante segura, mesmo quando re-
alizada por médicos intensivistas com pouco treinamento e em pacientes submetidos a PEEPs
elevadas [28]. A incidência de pneumotórax, em uma série, foi de apenas 1,3%.

Sinal pseudo-tissular
Em diversas patologias pulmonares agudas ocorre consolidação dos pulmões que toca a su-
perfície pleural em pelo menos 98,5% das vezes[29], o que permite a exploração confiável por
meio da ultrassonografia. O pulmão consolidado apresenta um aspecto ecogênico, com uma
aparência ultrassonográfica que lembra a do fígado (figura 16). Tal aspecto permanece cons-
tante durante o ciclo respiratório e não ocorre, portanto, o sinal do sinusóide quando se aplica a
ultrassonografia em modo M.

129
Figura 16: a) consolidação alveolar significativa do lobo inferior direito.
O padrão pseudo-tissular encontra-se claramente localizado no pulmão, ou
seja, acima do diafragma (D) e do fígado (F) e localizado abaixo da linha pleural
(setas). b) imagem correspondente da tomografia de tórax (referência [28]).

Sinal do retalho de pano


Em um corte longitudinal, o limite superior dessa imagem é a linha pleural, ou quando há uma
efusão pleural, a linha pulmonar. O limite profundo terá um aspecto “picotado”, irregular, seme-
lhante a um “retalho de pano” (figura 17). A sensibilidade e a especificidade desses dois sinais
ultrassonográficos de consolidação conjuntamente são muito boas (90% e 98%, respectivamen-
te), tomando-se a tomografia computadorizada como “padrão ouro”[29].

Figura 17: O sinal do “retalho de pano” (do inglês: “schred” sign). Consolidação alveolar
típica com um padrão pseudo-tissular a partir da linha pleural, de caráter irregular, o que
lhe confere o aspecto de “retalho” limitado pelas setas. (adaptado da referência [30])

Sinal do aerobroncograma
No interior da consolidação podem ser visualizadas uma, algumas ou diversas opacidades hi-
perecogênicas, que correspondem a aerobroncogramas (figura 18), que podem ser puntiformes
ou lineares. Tais imagens podem ser dinâmicas em relação ao ciclo respiratório e nesse caso
encontram-se sob a influência do fluxo aéreo nas vias aéreas, o que sugere uma consolidação
não retrátil, e assim, uma atelectasia de reabsorção pode ser afastada[31]. Quando o aerobron-

130
cograma não apresenta qualquer movimentação, isso significa que o ar encontra-se isolado do
fluxo aéreo e sugere uma consolidação retrátil, como atelectasia.
Na grande maioria das vezes (90%, aproximadamente), as consolidações são visualizadas ao
nível da linha axilar posterior[29].

Figura 18: Importante consolidação pulmonar, à esquerda. Notar que o padrão é


muito parecido com o fígado, separado do pulmão, à direita, pelo diafragma (setas
pontilhadas). Visualiza-se, no interior da consolidação, uma imagem hiperecogênica
que corresponde ao broncograma aéreo (seta contínua). (referência [30])

Protocolo “Blue” (Bedside Lung Ultrasound in Emergency)


Como pode ser visto anteriormente, todas as principais emergências pulmonares podem ser
diagnosticadas por sinais bastante específicos detectados à ultrassonografia pulmonar. A inte-
gração desses sinais em um algoritmo de diagnóstico guiado pela ultrassonografia foi sugerido
por Lichtenstein[32]. O protocolo foi concebido para que o exame ultrassonográfico pudesse ser
realizado de forma eficiente com base na aplicação do transdutor em alguns poucos pontos da
superfície torácica, conferindo rapidez sem grande perda na sensibilidade. Essa abordagem foi
testada em um estudo prospectivo e a investigação ultrassonográfica era feita em 3 zonas, con-
forme a figura 19.

Figura 19: As três zonas de investigação do protocolo Blue. A primeira zona situa-se
na parede anterior do tórax, é delimitada medialmente pelo esterno e lateralmente
pela linha axilar anterior; a segunda zona é delimitada pelas linhas axilar anterior e
posterior; e a terceira, anteriormente, pela linha axilar posterior. Cada uma dessas
zonas é por sua vez pesquisada superior e inferiormente. (referência [32]).

131
Para uniformizar a nomenclatura, foram definidos padrões com combinações de sinais, denomi-
nadas como “perfis”. A correlação dos perfis com as diferentes causas de insuficiência aguda e
a sua precisão são apresentadas na tabela 1.
Tabela 1: Perfis definidos no Protocolo Blue e as patologias associadas.
Valor Preditivo Valor Preditivo
Doença Sinais utilizados Sensibilidade (%) Especificidade (%)
Positivo (%) Negativo (%)
Edema Pulmonar
Perfil B 97 95 87 99
Cardiogênico
Perfil normal ou
DPOC ou Asma deslizamento sem 89 97 93 95
ponto pulmonar
Embolia Perfil A com trombose
81 99 94 98
Pulmonar venosa profunda
Ausência de
deslizamento pulmonar
Pneumotórax anterior, ausência de 88 100 100 99
linhas B anteriores e
ponto pulmonar
Perfil B’ 11 100 100 70
Perfil A/B 14,5 100 100 71,5
Perfil C 21,5 99 90 73
Pneumonia
Perfil A com PLAPS 42 96 83 78
Perfil A com perfil
89 94 88 95
PLAPS, B’ A/B ou C

(Adaptada da referência [32])

O algoritmo de investigação (figura 20) prevê, inicialmente, a pesquisa de deslizamento pulmonar


na parede anterior do tórax, o que descarta pneumotórax. Em seguida, averigua-se a presença de
linhas B: a presença do perfil B sugere edema pulmonar. Os perfis B’, A/B e C indicam pneumonia.
O perfil A, em um paciente dispnéico, exige a pesquisa de trombose venosa profunda, dada a
suspeita de embolia pulmonar a ser descartada. Se essa hipótese não for confirmada, deve-se
pesquisar o perfil PLAPS e sua presença (Perfil A + PLAPS) sugere pneumonia. Caso tal perfil
não se confirme (perfil Normal), o diagnóstico, por exclusão, é DPOC ou Asma exacerbada.

Figura 20: Algoritmo de Investigação do protocolo Blue.

132
Como pode ser observado pelos resultados apresentados na tabela 1, tanto a sensibilidade
quanto a especificidade, bem como os valores preditivo positivo e negativo dos diversos padrões
utilizados no protocolo “Blue” são bastante satisfatórios para um exame que pode ser realizado de
maneira rápida (bem mais rápida do que a própria radiografia de tórax) e que fornece informações
cruciais, com óbvias implicações na terapêutica e no desfecho desse tipo de paciente.

Conclusões

A utilização da ultrassonografia para a detecção de doenças respiratórias em pacientes gra-


vemente enfermos é um campo de perspectivas amplas e apenas inicialmente delimitado.
Apesar disso, ainda há problemas a contornar: mesmo com o acúmulo crescente de evidências
científicas convalidando os achados ultrassonográficos com o exame padrão ouro disponível,
a tomografia computadorizada, a nomenclatura ainda está longe de ser uniforme e os estudos
futuros precisam comprovar o que se espera que a ultrassonografia pulmonar seja: um exame
de fácil interpretação e que possa ser realizado por médicos não especialistas com o mínimo de
treinamento. As circunstâncias conspiram para a incorporação desse exame em nossa prática
clínica: a disseminação dos equipamentos de ultrassonografia, principalmente em decorrência
de seu barateamento e miniaturização é uma questão de tempo; a integração do exame ultrasso-
nográfico pulmonar com os dados fornecidos pela ecocardiografia tem o potencial de multiplicar
as aplicações e melhorar a sensibilidade e especificidade das informações; e as evidências
científicas corroborando sua conveniência e confiabilidade estão apenas começando a se
acumular.

Leituras sugeridas:

1. Henschke, C.I., et al., Accuracy and efficacy of chest radiography in the intensive care unit. Radiol Clin
North Am, 1996. 34(1): p. 21-31.
2. Mirvis, S.E., et al., Thoracic CT in detecting occult disease in critically ill patients. AJR Am J Roentge-
nol, 1987. 148(4): p. 685-9.
3. Picano, E., Sustainability of medical imaging. BMJ, 2004. 328(7439): p. 578-80.
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Care, 2006. 10(1): p. R6.
5. Ueda, K., W. Ahmed, and A.F. Ross, Intraoperative pneumothorax identified with transthoracic ultra-
sound. Anesthesiology, 2011. 115(3): p. 653-5.
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nating cardiogenic causes of acute dyspnea in the Emergency Department. Intern Emerg Med, 2011.
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9. Jambrik Z, et al., Usefulness of ultrasound lung comets as a nonradiologic sign of extravascular lung
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30. Marthis, G., Thoraxsonography - Part II: Peripheral Pulmonary Consolidation. Ultrasound in Medicine
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échographique de consolidation alvéolaire non rétractile. Réanimation, 2002. 11(Suppl 3): p. 98.
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tory failure: the BLUE protocol. Chest, 2008. 134(1): p. 117-25.

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Capítulo 12

Punção Venosa e Arterial Guiadas por Ultrassonografia


Ciro Mendes

OBJETIVOS DO CAPÍTULO:

Ao final da leitura, você sera capaz de:


a. Entender as limitações da técnica de punção venosa e arterial guiadas por pontos de referên-
cia anatômicos;
b. Saber escolher o transdutor, as vizualizações e os cortes adequados para guiar os procedi-
mentos;
c. Entender a relação entre o transdutor, o feixe ultrassônico e as estruturas de interesse, bem
como a apresentação na tela do equipamento de ultrassom;
d. Saber as diferenças e limitações das técnicas estática e dinâmica (transversal e longitudinal);
e. Entender como fazer a punção guiada por ultrassonografia da veia jugular interna e da veia
femoral;
f. Entender como fazer a punção guiada por ultrassonografia das artérias radial e femoral;

INTRODUÇÃO

A inserção de cateteres venosos centrais (CVC) por meio de punção venosa central ou periféri-
ca é um procedimento extremamente comum, realizado não só em pacientes de UTI, mas nos
departamentos de emergência, centros cirúrgicos e mesmo em enfermarias. Suas indicações
mais frequentes envolvem a necessidade de medida das pressão e saturação venosas centrais;
administração de drogas vasoativas ou irritantes da parede vascular; e de nutrição parenteral,
entre outras. Além dessa frequente necessidade, o paciente gravemente enfermo também pode
demandar a inserção de cateter arterial, tanto para a monitorização contínua da pressão arterial
média quanto para, em casos selecionados, acompanhamento da variação da curva de pressão
para estimativa da capacidade de resposta a fluidos.
Apesar da sua pequena taxa relativa de complicações, a inserção de cateteres vasculares, em
decorrência da grande quantidade de procedimentos realizados, pode determinar um número
elevado de eventos adversos, principalmente frente ao fato de que tais ocorrências são poten-
cialmente evitáveis com o auxílio da ultrassonografia.
As complicações mais comuns da inserção de CVC incluem a punção acidental de artérias,
falência na punção da veia e na inserção do cateter, posicionamento inadequado da ponta do
cateter, hematomas, pneumotórax, hemotórax ou ambos. A colocação de cateteres arteriais tam-
bém pode ser complicada por punção e inserção inadvertida em veias, múltiplas punções e con-
sequente dano à artéria, hematomas significativos e falência na punção e na inserção.

140
Essas complicações podem ser associadas a custos elevados decorrentes de aumento no tempo
de internação em UTI ou hospitalar e da realização de procedimentos adicionais eventualmente
necessários para tratá-las (um pneumotórax, por exemplo, pode determinar um aumento médio
no tempo de internação de 3 a 4 dias). Além disso, e principalmente, o sofrimento causado e o
risco dessas complicações poderem tomar um contorno de grande gravidade e colocar a vida do
paciente em risco também devem ser pesadamente considerados.
Já existem evidências suficientemente consistentes demonstrando que a utilização de ultrasso-
nografia para guiar a punção e a inserção do CVC diminui de maneira significativa o número de
complicações, a quantidade de tentativas de punção, o número de falências e o tempo necessário
para o procedimento, quando comparada à punção guiada por pontos de referência anatômicos.

ESCOLHA DO TRANSDUTOR

O transdutor ideal para guiar a punção vascular é aquele que tenha uma grande resolução (o
que corresponde a um pequeno comprimento de onda e consequentemente uma grande fre-
quência sonora) para que possa distinguir as pequenas estruturas representadas pelos vasos.
Obviamente, como já ressaltado, tal transdutor tem necessariamente uma pequena capacidade
de penetração em decorrência da maior dispersão da energia à medida que o ultrassom penetra
nos tecidos. Esses transdutores são do tipo arranjo de fase linear e a frequência é geralmente
acima de 7 a 10 MHz (Figura 1). Sua capacidade de penetração não vai além de 10 a 15 mm,
mas como as estruturas vasculares de interesse são superficiais, essa particularidade não tem
importância prática. O modo a ser utilizado é o bidimensional, mas o modo color poderá também
ser aplicado para verificar as características do fluxo do vaso de interesse (Figura 2).

Figura 1: Transdutor do tipo arranjo de fase linear de alta


frequência: ideal para vizualização de estruturas vasculares.

141
Figura 2: Modo Doppler Color aplicado sobre vasos (no caso artéria e veia femoral) e que
evidencia a diferença na coloração do fluxo entre eles. Além desse parâmetro, quando o fluxo
arterial é adequado, pode-se evidenciar o padrão pulsátil da artéria e o contínuo, na veia.

TÉCNICAS DE PUNÇÃO GUIADAS POR ULTRASSOM

As técnicas de punção guiada podem ser classificadas como estática e dinâmica. A técnica está-
tica consiste em localizar e identificar as estruturas vasculares com o ultrassom Doppler e marcar
a pele do paciente com marcações semi-indeléveis sobre a localização do vaso que se pretende
puncionar posteriormente. A passagem do fio-guia e do próprio cateter não é realizada, dessa
forma, sob ultrassonografia. A técnica dinâmica exige a utilização do ultrassom não só antes da
punção, para localização e identificação do vaso de interesse, mas também concomitantemente a
todo o procedimento, inclusive durante a passagem do fio guia e do cateter. Para isso, o transdutor
deve ser aplicado à pele do paciente após a assepsia e portanto deve ser mantido em condições
estéreis, geralmente sob um invólucro de material plástico estéril. A técnica estática é inferior à
dinâmica, mas ainda assim é melhor do que a técnica tradicional guiada por pontos de referência
anatômica. A técnica dinâmica pode ainda ser classificada em transversal e longitudinal.

Técnica dinâmica transversal:


A técnica dinâmica transversal consiste em posicionar o transdutor transversalmente ao vaso
de interesse. Nessa técnica, o plano do ultrassom deve ser imaginado como uma «lâmina» que
«corta» o vaso (Figura 3) no seu sentido transversal. Assim, se quisermos visualizar o exato
local em que a ponta da agulha encontra-se no interior do vaso, teremos que posicioná-la em
um plano mais perpendicular à pele do que aquele usado na técnica convencional ou na técnica
dinâmica (Figura 4). Isso porque teremos que criar uma interseção concomitante entre o plano
ultrassonográfico, a ponta da agulha e o vaso. Se o plano de ultrassom estiver posicionado an-
tes da ponta da agulha, ainda assim poderemos ver sua imagem transversal, mas nada garante
que o vaso já não tenha sido trespassado (Figura 5). Da mesma forma, se o plano do ultrassom
estiver adiante da ponta da agulha, não poderemos visualizar a penetração no vaso e não há ga-
rantia de que a ponta da agulha esteja no seu interior. A técnica de punção dinâmica transversal é
de mais fáceis aprendizado e realização do que a dinâmica longitudinal, e deve ser a preferência
para os iniciantes da técnica de punção guiada por ultrassom. A desvantagem dessa técnica,

142
como já ressaltada, é a de não permitir a visualização da passagem do fio guia ou do cateter no
interior do vaso, o que pode estar associada a complicações como perfuração do vaso ou mal
posicionamento do cateter. A técnica dinâmica transversal de punção da veia jugular interna será
descrita passo a passo mais adiante.

Figura 3: O feixe de ultrassom funciona como uma «lâmina» que


corta os vasos (aqui, no sentido transversal).

Figura 4: O ângulo entre a agulha e a pele do paciente, na técnica de punção transversal,


tem que ser o mais obtuso possível, para permitir a vizualização da ponta da agulha
exatamente abaixo do plano ultrassonográfico, no momento em que penetra no vaso.

Eixo Cur to

Figura 5: Nesta situação, a agulha já trespassou o vaso, mas dependendo


do local onde se aplica o transdutor, a visão transversal pode dar a impressão
de que a agulha ainda está fora do vaso (A) ou dentro dele (B).

143
Técnica dinâmica longitudinal:
Nessa técnica, o plano ultrassonográfico «corta» o vaso no seu sentido longitudinal e a estrutura
vascular é vista como um «tubo» (Figura 6). Isso permite visualizar em sua total extensão a agu-
lha penetrando na pele e tecidos acima do vaso, bem como o exato ponto no qual ela penetra a
parede da veia, além de fornecer, em seguida, a visualização da inserção tanto do fio guia metá-
lico quanto do cateter. Para que isso ocorra, é necessário garantir que a «lâmina» do ultrassom
cruze o vaso, a agulha, o fio guia e o cateter durante a passagem de cada um deles, ao mesmo
tempo (Figuras 7 e 8). Isso requer alguma habilidade e familiaridade com a técnica e por conta
disso, essa técnica é recomendável para operadores mais experientes com a técnica de punção
guiada por ultrassom. Essa técnica também será descrita passo a passo mais adiante.

Figura 6: Na técnica longitudinal dinâmica o transdutor é posicionado longitudinalmente


aos vasos (à esquerda), que vão aparecer como «tubos» na tela (à direita).

Figura 7: Visão longitudinal da veia jugular com fio guia e cateter em seu interior. O
posicionamento do transdutor para essa visualização exige alguma destreza do operador.

Figura 8: Visão longitudinal da veia jugular com o cateter em seu interior.


Note que o corte permite visualizar a luz do cateter.

144
ESCOLHA DO SÍTIO DE PUNÇÃO

Para os que se iniciam na técnica de punção venosa central guiada por ultrassom, a veia prefe-
rencial, por ser a de mais fácil aprendizado, é a jugular interna, puncionada a partir da face an-
terior do pescoço. As referências anatômicas a serem utilizadas para orientar o posicionamento
do transdutor não diferem da técnica tradicional às cegas: deve-se rastrear o pescoço com o
transdutor ao nível da pulsação da artéria carótida começando na parte inferior do trígono for-
mado pelos dois ramos do músculo esternocleidomastóideo (Figura 9). O transdutor deve então
ser deslizado sobre toda a superfície do pescoço, seguindo o trajeto dos vasos, para encontrar o
local onde a carótida e a jugular estejam o mais lateralizadas possível. Sobre esse ponto deverá
ser realizada a punção. Isso evita que a carótida seja puncionada acidentalmente, caso a veia
esteja localizada superiormente à artéria.

Figura 9: O transdutor deverá rastrear o pescoço do paciente por sobre o trígono formado pelo
esternocleidomastóideo, abaixo do qual encontram-se a veia jugular e a artéria carótida.

ORIENTAÇÃO ESPACIAL

Para os que estão se iniciando na técnica, é importante que tudo o que seja visto na tela do
ultrassonógrafo corresponda ao posicionamento real das estruturas. Para que isso ocorra, é
necessário se certificar de que as estruturas no lado direito do transdutor estejam sendo visu-
alizadas no lado direito da tela e vice-versa. Como os equipamentos de ultrassom utilizam fre-
quentemente um sistema de localização de indicador diferente daquele utilizado na ecocardio-
grafia, isso pode ser fonte de confusão para o iniciante. Assim, aconselha-se que, após aplicar
gel ao transdutor, o operador passe o dedo indicador (o que irá ser visualizado na tela como
uma interferência) em cada um dos lados do transdutor e verifique se o lado que está sendo
tocado corresponde ao mesmo apresentado na tela. Caso isso não seja observado, deve-se
girar o transdutor no sentido lateral e posicioná-lo de acordo. Além disso, é preciso garantir
que o operador, o transdutor e a tela estejam alinhados, para facilitar a orientação espacial.
Ou seja, o lado direito do transdutor, o lado direito do paciente e o lado direito da tela devem
estar alinhados.

145
DIFERENCIAÇÃO DAS ESTRUTURAS

Uma vez definidos o sítio de punção e a orientação adequada, o operador deve ser capaz de
identificar as estruturas visualizadas. No caso da punção da veia jugular interna, é necessário
diferenciar entre a veia jugular e a artéria carótida. Isso pode ser feito de diversas maneiras e a
mais simples é a caracterização anatômica de cada uma delas: a artéria, na visualização trans-
versal, é uma estrutura localizada medialmente (se a orientação adequada tiver sido utilizada),
mais arredondada, com paredes mais espessas e que não é facilmente compressível; a veia,
localizada mais lateralmente, tem as paredes mais finas, a forma mais elipsóide e é facilmente
compressível. Para avaliar a compressibilidade dos vasos, o próprio transdutor pode ser utili-
zado e a pressão aplicada para colabar a veia será bem menor do que aquela necessária para
comprimir a artéria. Eventualmente, pode-se apreciar a variação do diâmetro da veia relacionada
aos movimentos respiratórios (principalmente no paciente sob ventilação pulmonar artificial ou
sob manobra de Valsalva). Uma outra maneira é inicialmente visualizar as estruturas no modo
bidimensional transversal e em seguida aplicar o modo Doppler color observando-se o padrão de
fluxo dos vasos, ao inclinar alternadamente o transdutor nos sentidos caudal e cranial.
Quando o transdutor é inclinado caudalmente, o sangue proveniente da artéria carótida, que se
aproxima do transdutor, será apresentado com a cor vermelha e o da veia, com a cor azul. Além
disso, o fluxo arterial será pulsátil e o da veia, contínuo. Ao se inclinar cranialmente o transdutor,
observa-se a inversão do padrão de cores, mas as características pulsátil, do sangue arterial, e
contínua, da veia, são preservadas. Eventualmente, quando o fluxo da veia for suficientemente
lento, poderá ser apreciado mesmo sem a utilização do Doppler colorido.
Em algumas ocasiões, a veia não poderá ser visualizada em decorrência de hipovolemia e se en-
contrará total ou intermitentemente colabada. Nesses casos, deverão ser realizadas manobras
para aumentar o diâmetro da veia, como solicitar, se possível, que o paciente realize manobra de
Valsalva ou colocar o paciente em posição de Trendelemburg. Em outras circunstâncias, o vaso
poderá estar ocluído por trombo e, nesse caso, não deverá ser puncionado. Nessa circunstância,
aconselha-se solicitar um exame formal para o exame do(s) vaso(s) com um ultrassonografista
experientado.
O ideal é que a punção guiada por ultrassonografia seja realizada por um único operador, mas
no início do aprendizado, em decorrência da falta de familiaridade e de destreza com a técnica,
aconselha-se fazer o procedimento com dois operadores: um deles será responsável pela pun-
ção e o outro, pelo preparo e pela manipulação do transdutor.

Passos para realização de punção da veia jugular interna guiada por ultrassonografia
(dois operadores) com a técnica dinâmica transversal:
1. Após os ajustes de ganho e profundidade, os vasos do pescoço (veia jugular e carótida) deve-
rão ser visualizadas e identificadas;
2. Realizar assepsia rigorosa da pele com clorexedina (segundo o protocolo adotado na unidade
para punção venosa convencional);
3. Utilização de campos amplos e proteção estéreis (gorro, máscara, capote e luvas estéreis)
para os dois operadores;
4. Após a colocação dos campos estéreis, o transdutor e o cabo deverão ser recobertos com
invólucro plástico estéril (poderão ser usados os invólucros utilizados para realização de proce-
dimentos cirúrgicos laparoscópicos abdominais, que são facilmente disponíveis na maioria dos
centros cirúrgicos):

146
a. O operador responsável pelo transdutor deverá abrir o invólucro plástico e sanfoná-lo (Figuras
10, 11, 12, 13 e 14) o máximo possível, formando um fundo de saco;

Figura 10 Figura 11 Figura 12

Figura 13 Figura 14

Figuras 10, 11, 12, 13 e 14: O invólucro plástico estéril pode ser o mesmo utilizado nos
procedimentos laparoscópicos abdominais. Esses invólucros são longos mais do que o
suficiente para cobrir o transdutor e o cabo sem permitir contaminação do campo estéril.
Além disso, suas extremidades dispõem de duas pontas que servem para fixá-las com
nós na altura desejada do cabo do transdutor. O invólucro deverá ser então «sanfonado»
até um pouco mais além da sua metade, para formar um «fundo de saco».

b. Deverá ser solicitado que um terceiro indivíduo, com cuidado para não aspergir gel contami-
nado para fora do invólucro, despeje uma quantidade razoavelmente grande de gel no fundo de
saco formado no invólucro plástico (Figura 15);

Figura 15: Um terceiro indivíduo deverá depositar gel não estéril generosamente
no «fundo de saco» formado no invólucro plástico estéril. Deve-se ter cuidado
para não contaminar o invólucro com o gel.

c. O terceiro indivíduo, segurando o transdutor pelo cabo, deverá depositá-lo no «fundo de saco»
(Figura 16), sempre com cuidado para não contaminar o invólucro pelo lado de fora;

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Figura 16: Depositando o transdutor no invólucro.

d. O operador responsável pelo transdutor deverá desdobrar o invólucro até um certo ponto
e entregar as pontas plásticas ao terceiro indivíduo, que deverá concluir o desdobramento do
invólucro e dar um nó nas pontas plásticas em volta do cabo do transdutor, o mais distalmente
possível (Figuras 17 e 18);

Figuras 17 e 18: O terceiro indivíduo segura as pontas do invólucro e o


estica o mais distalmente possível. Em seguida, fixa o invólucro dando
um nó nas pontas em torno do cabo do transdutor.

e. O operador responsável pelo transdutor, com o transdutor mergulhado no gel, deverá fixar a
outra ponta do invólucro ao redor do cabo, proximalmente (Figuras 19, 20, 21 e 22);

Figuras 19, 20, 21 e 22: Fixando a extremidade distal do invólucro


no cabo do transdutor. Um simples nó é o suficiente.

5. O operador responsável pelo transdutor irá então realizar novamente a vizualização e identifi-
cação dos vasos e deverá colocar o transdutor no sentido transversal sobre o ponto onde a veia
jugular estiver localizada o mais lateralmente possível da artéria carótida e posicionar a veia no
meio do transdutor (e consequentemente no meio da tela - Figuras 23 e 24);

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Figuras 23 e 24: Lembrar: o meio do transdutor corresponde ao meio da tela e a
veia deverá ser posicionada no meio de ambos. Isso é importante, pois o operador
deverá utilizar o ponto central do transdutor como referência para inserir a agulha.

6. O operador responsável pela punção deve realizar a anestesia ao mesmo tempo em que já
visualiza a penetração da agulha da anestesia na pele; em seguida, deve posicionar a agulha de
punção no meio e o mais próximo possível do transdutor, formando um ângulo bem mais obtuso
com a pele do que aquele usado na punção convencional (Figura 25);

Figura 25: Posicionamento da agulha na técnica transversal dinâmica: em ângulo


mais obtuso e próximo ao transdutor. No momento da entrada da agulha na veia,
é importante que a ponta seja visualizada no interior do vaso. Caso isso não
ocorra, bascular o transdutor como indicado na foto.

7. O operador acompanha a infusão de anestésico no subcutâneo, o que já serve para orientar a


penetração da agulha na pele, tecido celular subcutâneo e no interior do vaso (Figuras 26, 27 e 28);

Figuras 26, 27 e 28: Sequência da penetração da agulha na veia jugular.

8. O procedimento, a partir daí, não difere do que é feito na punção convencional.

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Passos para realização de punção da veia jugular interna guiada por ultrassonografia
(dois operadores) com a técnica dinâmica longitudinal:
Como os passos de 1 a 4 são idênticos em ambas as técincas (transversal e longitudinal), des-
creveremos aqueles exclusivos para a técnica longitudinal, a partir do quinto passo:
5. O operador responsável pelo transdutor irá então realizar novamente a vizualização e identifi-
cação dos vasos e deverá colocar o transdutor no sentido longitudinal sobre a veia jugular, que
será vizualizada como um «tubo» (Figura 29).

Figura 29: Com o transdutor colocado longitudinalmente em relação


ao pescoço, os vasos (no caso a veia jugular) são vistos como «tubos».

6. O operador responsável pela punção deve realizar a anestesia ao mesmo tempo em que já
visualiza a penetração da agulha da anestesia na pele; em seguida, deve posicionar a agulha de
punção no meio do sentido longitudinal do transdutor, formando um ângulo de aproximadamente
30o com a pele do paciente (Figura 30);

Figura 30: A agulha deve formar um ângulo mais agudo com a pele do
paciente, pois o feixe ultrassônico irá permitir a visualização da
penetração da agulha na pele, subcutâneo e veia, simultaneamente.

7. O operador acompanha a penetração da agulha na pele, tecido celular subcutâneo e no inte-


rior do vaso (Figuras 31, 32, e 33);

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Figuras 31, 32, e 33: Sequência demonstrando a agulha penetrando até a veia.

8. Em seguida, o operador deverá avançar o fio guia, cuja introdução será acompanhada pela
ultrassonografia também. O operador deverá acompanhar a penetração do fio guia através da
agulha no interior do vaso (Figuras 34, 35, 36 e 37). Com o fio guia no interior do vaso, a agulha
deverá ser retirada e o dilatador será então utilizado, sempre sob vizualização ultrassonográfica.

Figuras 34, 35, 36 e 37: Sequência evidenciando a penetração do fio guia na veia.

9. Por fim, retira-se o dilatador e o cateter deverá ser então inserido, também sob vizualização
ultrassonográfica;

PUNÇÃO DA VEIA FEMORAL

Essencialmente, as técnicas de punção guiada por ultrassom para veia femoral são idênticas as
anteriormente descritas para a veia jugular. Entretanto, algumas particularidades devem ser res-
saltadas. A primeira delas é a de que a veia femoral encontra-se localizada medialmente à artéria,
ao contrário do que ocorre com os vasos do pescoço, os quais têm uma disposição inversa (veia
jugular lateral, artéria carótida medial) (Figura 38). Outra consideração importante é a de que, com
o ultrassom, a punção da veia pode ser realizada tanto abaixo quanto acima do ligamento inguinal,
ao contrário da técnica convencional, dependendo exclusivamente da facilidade de visualização.

Espinha Ilíaca Superior e Anterior

Ligamento Inguinal

Local de Punção
Femoral Tradicional
Veia Femoral
(Aproximadamente 1
cm abaixo do
Artéria Femoral
ligamento inguinal)
Nervo Femoral

Figura 38: Disposição anatômica dos vasos femorais e relação com o ligamento inguinal. Local
de punção da veia femoral pela técnica tradicional.

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PUNÇÃO ARTERIAL

Como já ressaltado, a técnica de visualização dos vasos com a ultrassonografia e a realização


da punção guiada não diferem, independentemente do vaso. Dessa forma, a punção guiada por
ultrassom das artérias usualmente utilizadas na prática da Medicina Intensiva, notadamente as
artérias radiais e eventualmente as artérias femorais, seguirão os mesmos princípios e passos
anteriormente descritos, respeitando-se, obviamente, a disposição anatômica de tais vasos, com
os quais o operador deverá se familiarizar, de preferência examinando diversos pacientes antes
de realizar sua primeira punção. Outra vantagem do ultrassom, em relação à punção da artéria
radial, consiste em permitir realizar a avaliação do fluxo do arco palmar por meio de Doppler, sob
realização de manobra de Allen (Figuras 39, 40 e 41).

Figuras 39, 40 e 41: Visualização de fluxo anterógrado em arco palmar e


reversão do fluxo com a oclusão da artéria radial, o que indica
manutenção do fluxo no arco proveniente da artéria ulnar.

Conclusão

Assim, qualquer um dos vasos por nós utilizados no dia a dia das UTIs pode ser puncionado
por meio de visualização com ultrassom e a técnica da punção de cada um desses vasos irá
variar de acordo com a disposição anatômica de cada um deles, como ressaltado anteriormente.
Entretanto, a descrição das técnicas utilizadas para punção de veias subclávias, axilares e das
veias periféricas foge ao escopo desse capítulo e reportamos o leitor interessado às referências
bibliográficas sugeridas.

Leituras Sugeridas:
1. Burtcher C. Chapter 30 - Ultrasound Guidance for Vascular Access in Critical Care Ultrasonography.
2009. The McGraw-Hill Companie.
2. Randolph AG, Cook DJ, Gonzales CA, et al. Ultrasound guidance for placement of central venous
catheters: a meta-analysis of the literature. Crit Care Med. 1996;24: 2053–2058.
3. Hind D, Calvert N, McWilliams SR, et al. Ultrasonic lo- cating devices for central venous cannulation:
meta- analysis. BMJ. 2003;327:361.
4. Feller-Kopman D. Ultrasound-guided internal jugular access. Chest. 2007;132:302–309.
5. Milling T, Holden C, Melniker L, Briggs WM, Birkhahn R, Gaeta T. Randomized controlled trial of
single-operator vs. two-operator ultrasound guidance for internal jugular central venous cannulation.
Acad Emerg Med 2006;13(3):245-7.

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