Anuário Antropológico/95
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996
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significado dos símbolos que muitas mulheres e homens têm vindo a travar
nos movimentos feministas, gay e de novas masculinidades.
Aqui convém esclarecer desde já o seguinte: uma coisa é falar de
masculinidade no sentido acima definido (independentemente de homens e
mulheres), outra é falar, por assim dizer, da "masculinidade dos homens".
Quando recorro a esta últim a opção, faço-o justamente para analisar a com
plexa relação entre homens concretos e masculinidade. Partindo da noção de
que a masculinidade seria um fenómeno do nível discursivo e do discurso
enquanto prática (Foucault 1972: 49) e que constituiria um campo de dispu
ta de valores morais, em que a distância entre o que se diz e o que se faz é
grande, optei por um a estratégia de inserção num grupo de homens em
situações de sociabilidade — o que condicionou o trabalho a aspectos de
homossociabilidade, mais do que sobre relações entre géneros.
A masculinidade hegemônica é um modelo cultural ideal que, não
sendo atingível — na prática e de forma consistente e inalterada — por
nenhum homem, exerce sobre todos os homens e sobre as mulheres um
efeito controlador. Implica um discurso sobre a dominação e a ascendência
social, atribuindo aos homens (categoria social construída a partir de uma
metonimia do dimorfismo sexual) este privilégio potencial. Um paradoxo
deve, desde já , ser elucidado: se masculinidade e feminilidade são, ao nível
da gramática dos símbolos, conceptualizadas como simétricas e complemen
tares, na arena do poder são discursadas como assimétricas. Isto é patente
na ideologia do parentesco e do casamento, em que à ideologia da "comple
mentaridade" de homem e mulher se sobrepõem precedências de autoridade
masculina. Mais: a própria masculinidade é internamente constituída por
assimetrias (como heterossexual/homossexual) e hierarquias (de mais a
menos "masculino"), em que se detectam modelos hegemônicos e variantes
subordinadas (os termos são de Carrigan, Connell e Lee 1985). Isto só pode
significar duas coisas: que a masculinidade não é a mera formulação cultu
ral de um dado natural; e que a sua definição, aquisição e manutenção
constitui um processo social frágil, vigiado, auto-vigiado e disputado.
Os significados circulantes sobre género, herdados do passado, assen
tam num a simbólica de divisão do mundo em masculino e feminino, consti
tuindo-se esta num a dicotomía fundamental e princípio classificatório. Isto é
visível em múltiplos aspectos etnográficos, como seja, por exemplo, a
atribuição de género a actividades, objectos, acções, emoções, espaços da
casa, espaços da aldeia etc. — elementos que não abordarei pormenorizada-
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mente aqui (ver Vale de Almeida 1995a e, para urna excelente sitematização
de outro contexto, Bourdieu 1990). A experiência dos homens (e das mulhe
res) é justam ente um diálogo por vezes difícil entre a complexidade poli
m orfa dos seus sentimentos e o simplismo dos padrões orientadores. Não
me refiro aqui a teorias psicológicas ou psicanalíticas sobre as pulsões, mas
tão somente ao facto de um qualquer ser humano, apesar de localizado
numa determinada identidade pessoal e social, saber que as outras identida
des e comportamentos são potencialmente seus também, mesmo que social
mente isso seja indesejável.
É ao nível da negociação quotidiana, das interacções carregadas de
poder, das reformulações das narrativas de vida, que o género como proces
so e prática pode ser apreendido. Connell (1987), por exemplo, afirma que
tanto o trabalho de Giddens como o de Bourdieu propõem a interconexão
entre estrutura e prática, focando no que as pessoas fazem por via da consti
tuição das relações sociais em que vivem. Uma teoria da prática aponta
também para a historicidade do género ao nível da vida pessoal. Connell
desenvolve um program a teórico para o estudo do género dentro de uma
perspectiva de teoria da prática. Assim, a divisão do trabalho, a estrutura
do poder e a estrutura da cathexis (grosso modo, os sentimentos e as emo
ções) seriam os principais elementos de uma qualquer "ordem do género"
ou "regime do género" (Connell 1987), e como tal deveriam ser ponto de
partida de análise. Em termos antropológicos: deviam ser "etnografados".
A masculinidade hegemônica será, pois, um elemento central de um a
ordem do género. Na minha opinião, "patriarcado" será a definição de uma
ordem de género específica na qual a masculinidade hegemônica define a
inferioridade do feminino e das masculinidades subordinadas. É a lenta
degradação e contestação do patriarcado que tem perm itido pensá-lo — ou
seja, estamos a viver um período de transição histórica, de transformação
da hegemonia, em que os conflitos, "ruídos" e disputas que sempre existi
ram se tom am mais audíveis e perturbadores.
O inventário estrutural a que Connell procede (como forma de delinear
um qualquer momento da política sexual de uma sociedade) baseia-se num
conceito tomado de Jill M athews (1984), o de "ordem de género": "a histo
rically constructed pattern o f power relations between men and women and
definitions o f femininity and masculinity" (Connell 1987: 98-9). Connell usa
este termo para o "inventário estrutural" de um a sociedade no seu todo, e
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deixa o termo "regime de género" para descrever o estado das coisas numa
escala menor, por exemplo um a instituição específica.
Aqui falta, todavia, a questão do corpo e da incorporação. Por uma
razão muito simples, e não por um efeito contemporâneo de moda nos
estudos sobre corpo ou um desejo de descobrir uma nova agência que subs
titua o esvaziado sujeito da sociologia moderna. Antes, porque a caracterís
tica fundamental do género é ter como base metafórica o corpo e este per
m itir, nas nossas circunstâncias históricas e culturais, um processo resistente
de legitimação da ordem social — o essencialismo. Bourdieu tentou mesmo
fazer a ponte entre os processos de incorporação e a "dominação masculi
na":
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o n d e ten h a s a íd a / p ed ra cu rta o u co m p r id a / p ed ra d e to d o o ta m a n h o I e u p o r
sa b e r já n ã o estra n h o / é u m a p ed reira s e g u id a . H á p ed ra a zu l e c o r a d a / h á b ra n
c a e c o r d e ro sa / q u a l é a m a is r e n d o sa / d e p o is d e e la fa b ric a d a / m e s m o b e m
a v a lia d a / n in g u é m s a b e q u an to v a le / p o d e m ir a tribu n al / à fren te d e três j u iz e s
/ lá m o rre m o s in fe liz e s / m u ito s ju n ta m ca p ita l. O ita lia n o é q u e d iz I a p ed ra d o
A le n te jo / en tra e m to d o o c o lé g io / b rilh a e m to d o o p a ís / a rran cad a d a ra iz / d e
o n d e f o i p r o d u z id a / d e p o is d a p ed ra c o lh id a / h á p ed ra e m to d o o la d o / m u ito s
tê m e n r iq u e c id o / o u tro s p e r d e m lá a v id a .
P r im e ir o , o p a trã o , d e p o is o e n g e n h e ir o , e o fis c a l, q u e m e d e e v e n d e ; a
s e g u ir , o e n c a r r e g a d o , q u e p õ e o s h o m e n s a trab alh ar. D e p o is , e n tã o , o s h o m e n s
d o s b a rra n co s: p rim e iro o s m a q u in ista s, e ta m b ém o s d a s g r ú a s , m a s e s t e s g a
n h a m m a is ( 1 2 0 c o n to s ) q u e o s o u tro s (8 5 c o n to s ) . E o s ú ltim o s s ã o o s c a b o u q u e i-
r o s.
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da virilidade é usada por estes para feminizar aqueles, por exemplo com
acusações de falta de virilidade e força física. Assim como, entre "iguais",
tanto a virilidade como a capacidade de obter recursos (pela poupança,
aliança, com padrio, ou clientelismo) podem ser usadas nas disputas internas
por maior prestígio masculino. Ou seja: temos de distinguir e inter-relacio-
nar constantemente, a masculinidade como princípio simbólico e as várias
masculinidades (no sentido de várias identidades de homens).
Para os trabalhadores da sociedade agrária, o lavrador (proprietário)
havia alcançado o ideal egoísta do homem: viver sem trabalhar, sem com
isso perder o prestígio. Cutileiro refere no seu trabalho o surgimento, então
(anos sessenta), de uma nova categoria, a do "operário". Vistos pelos traba
lhadores rurais como tendo necessariamente um padrão de vida superior ao
seu, a actividade dos operários não era considerada "trabalho". Ora, em
Pardais não se passa isto, por razões da H istória recente. Em parte, devido
à interpretação da actividade extractiva como análoga à agrícola. Mas sobre
tudo porque os pardaleiros terão reinterpretado a sua condição social, ho
mologando-a à noção de trabalho antiga. O que está em causa no significado
cultural de "trabalho" é a condição de ter de vender a força de trabalho e a
natureza braçal, física, da actividade em si. O corpo exposto e actuante é,
aliás, um dos aspectos da ideologia de género, por oposição a um corpo
oculto e misterioso das mulheres.
Outro aspecto focado por Cutileiro é o das relações patrão-cliente,
estabelecendo relações pessoais de perm uta de favores que são, em si,
desequilibradas. O que o cliente tem para oferecer é menos valioso que o
benefício que obtém do patrono. Davis (1977), todavia, já chamava a aten
ção para o facto de o patrocinato não ser uma mera extensão da amizade,
do parentesco ou de relações de parentesco espiritual, mas sim o conjunto
de modos como a autocracia dos magnates locais é controlada pelos mais
fracos. Isto era patente num dos meus informantes, que ora trabalhava na
pedreira do patrão, ora fazia serviços vários nas casas e quintas deste. Eles
tinham estabelecido um a relação de patrão-cliente, ambígua por natureza, o
que se notava na forma como ele ora elogiava a astúcia e poder do patrão,
ora o denegria com acusações de desonestidade. Mas dependia dele, em
virtude de ter quatro filhos e grandes necessidades, facto que já não aconte
cia com o seu melhor amigo, o qual, solteiro e disposto a trabalhar em
locais afastados, se vangloriava de "não baixar as calças" a patrão nenhum.
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veis quer com o sentido de competição pelo prestigio masculino, quer com
o sentido de igualdade entre pares.
M as de que masculinidade se fala no café, já que a interacção nesse
espaço-tempo é sobretudo baseada em conversas? Trata-se de uma avaliação
do comportamento de uns e outros quer no trabalho, quer na vida doméstica
(através da circulação informal de informações), quer na própria homosso-
ciabilidade do café, da caça, das touradas e das saídas nocturnas (para des
crições etnográficas destas actividades, ver Vale de Almeida 1995a). Essa
avaliação só é possível ser feita em função de um modelo, e a disputa dos
atributos e da pertença ou não ao modelo provam que este é uma construção
ideal. Só que, como as avaliações se fazem a partir de actos vistos e narra
dos, o comportamento dos homens tende a "mimar" as prescrições do mo
delo. São as contradições deste que geram, depois, os elementos apresen
tados à discussão pública e que perm item subtis transformações no modelo
quando, em circunstâncias históricas ou contextuáis específicas, elementos
das masculinidades subordinadas emergem à superfície. Foi o caso de um
informante que, em virtude de um a estadia longa em Lisboa e um nível de
instrução superior ao comum, e ainda que trabalhando como cabouqueiro,
conseguiu im pôr como legítima uma form a perform ativa e estética de incor
poração da masculinidade baseada em modelos alternativos (blusões de
couro, p in s de bandas de hard rock etc.) emprestados pelos mass media.
Grande parte desta construção de um a cultura da masculinidade faz-se
conversando sobre sexo, as relações entre os sexos e a sexualidade latente
na homossocialidade, ou ainda metaforizando, com a ajuda do tropo sexual,
as relações políticas, sociais, de trabalho, as emoções etc. A ideia prevale-
cente é a de que os homens estão naturalmente carregados de pulsão sexual
("naturalm ente": é comum o recurso à etologia dos machos de certas espé
cies animais — vide a explicação de Blok (1981) sobre os "cornos", por
exemplo — como analogia essencialista legitimadora). Defendem que com
pete às mulheres legítimas controlá-los, sendo as outras insaciáveis. O duplo
padrão Ocidental entre a mãe e a prostituta paradigmáticas vigora, deixando
a esposa no meio termo ambíguo de mãe (dos filhos) e parceira sexual do
hom em (se bem que legítima). O modelo da masculinidade é ainda interna
m ente hierarquizante, incluindo por isso o espectro da feminilidade nas
disputas pela masculinidade. N a competição feminiza-se os outros, na soli
dariedade vangloria-se a sua masculinidade. A homossexualidade é eivada
de sentidos estigmatizadores através de um deslize semântico de várias
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2. H á , e v id e n te m e n te , u m m u n d o im p e n e tr á v e l p ara o a n tr o p ó lo g o : o da v id a d o m é s tic a
p r iv a d a , so b r e tu d o a s o ito h o r a s d e s o n o , s o n h o e se x u a lid a d e . P o d er á m e s m o d a r -s e o
c a s o d e a í s e p o d e r e m d estru ir to d a s as n o s s a s e s p e c u la ç õ e s te ó r ic a s ...
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culpa delas, por não estarem casadas) e por não serem eles a ter os filhos
Os homens culpam as mulheres por os quererem "prender" (a expressão
usada é "pôr a arreata", os arreios que se usam para as bestas de traba
lh o ...), mas auto-culpabilizam também a sua natureza sexualmente impulsi
va e predatória, bem como as mulheres que os seduzem.
O casamento significa para a mulher a possibilidade de gerir uma casa,
não só enquanto espaço físico, mas também o sustento da casa (garantido
idealmente pelo m arido, mas administrado pela mulher), e os filhos. Estes
dois aspectos têm a maior influência na constituição do género das crianças.
O laço m ãe-filha é um laço que perdura mesmo depois de esta se casar, é
uma relação de apoio mútuo. O laço mãe-filho é mais complexo: a separa
ção do homem do mundo feminino, doméstico e maternal, pressionada pelos
grupos masculinos a partir do fim da infância, leva a conflitos que resultam
na criação de um a imagem mitificada da mãe como mulher ideal. Não é
necessário passar um a carta em branco aos psicólogos da escola de object
relations (ver Chodorow 1978) para constatar isto: as poesias masculinas
exprim em muito bem a tristeza da perda do amor maternal e a sua não
substituição pelo amor conjugal.
O constrangimento das mulheres à casa tem o seu reverso na matrifo-
calidade. A m ulher e mãe é muitas vezes vista como a "patroa", e como tal
reconhecida, num misto de ironia e receio, pelos homens. Administra o
salário do m arido, recebe parte do salário dos filhos, tom a decisões sobre o
consumo. Como é ela quem estabelece as redes entre grupos domésticos, a
administração da casa é maximizada com outras casas da parentela, nomea
damente as de sua mãe, irmãs e filhas. De facto, são em número muito
superior os homens de fora da aldeia que se casam com mulheres da aldeia.
As relações de parentesco próxim o entre mulheres compactam ainda rela
ções de amizade. Ao contrário da ideia feita de que a amizade é uma reali-
¡ dade masculina, as amizades femininas são, pelo que atrás se disse, dupla
mente densas.
A capacidade das mulheres para conceber e dar à luz, para amamentar,
para acarinhar: são estes elementos que são utilizados pelas ideias hegemô
nicas para associarem a m ulher à natureza e lhe impedirem intervenção
pública (veja-se, em Lawrence 1982, como o ciclo menstruai, de que só as
mulheres têm conhecimento, pode por elas ser utilizado para influir o quoti
diano, as actividades comensais e as redes). Uma provocação: em vez de
continuarm os a reproduzir a ideia feita de que as mulheres vivem oprimidas
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culturalm ente relativa (ver a este propósito Laqueur 1990). Segundo Corn
wall e Lindisfam e, a posição construcionista apresenta vários problemas:
deixa-nos com as categorias dicotômicas de homens e mulheres; parte do
princípio de que existem indivíduos unitários mas por (con)formar (através
dos papéis de género e da socialização); recusando o sexo, afasta-se de uma
análise da incorporação e da constituição do corpo (e, a meu ver, não abor
dando como o sexo é construído); ao localizar o género na pessoa unitária,
reproduz ideias ocidentais sobre o indivíduo e a lógica mercantil; e, final
mente, as relações entre homens e mulheres são vistas em termos de entida
des polarizadas e fixas. Eu acrescentaria que impede que se perceba a dinâ
mica polifacetada das masculinidades e feminilidades e o próprio uso destes
termos como operadores metafóricos para o poder e a diferenciação mesmo
a níveis que não os do sexo e género.
Poderemos continuar a falar apenas de cultura, sem levar em linha de
conta os aspectos evolutivos e biológicos? Se não, teremos de recorrer à
etologia ou às ciências da vida para estabelecermos pontes? A resposta é
duplamente negativa. No campo das ciências sociais há formas pouco explo
radas de compreender a constituição dos sujeitos incorporados que são
especialmente ricas para elucidar o carácter resistente (porque essencialista)
das categorias de género. Bourdieu, focando em aspectos da prática, e Mer-
leau-Ponty, em aspectos da percepção, são os arautos das duas mais profí
cuas teorias da incorporação. P a ra ,o últim o, no domínio da percepção a
dualidade principal com que o pensamento ocidental tem funcionado é entre
sujeito e objecto, enquanto que para o prim eiro, no domínio da prática, é
entre estrutura e prática. O objectivo epistemológico de um a teoria da incor
poração seria o colapsar dessas dualidades (Csordas 1990: 7).
Para Bourdieu tratar-se-ia de delinear um a terceira ordem de conheci
mento, para lá da fenomenología e para lá de uma ciência das condições
objéctivas da vida social. Como M erleau-Ponty, procura deslocar o estudo
desde a percepção dos objectos para o processo de objectificação. Tal leva
ria ao colapsar das dualidades corpo-mente e signo-significado no conceito
de habitus, não como colecção de práticas mas como princípio inconsciente
e colectivamente inculcado para a geração e estruturação de práticas e re
presentações (1972). Ora, parece-me que o género é precisamente um
processo de objectificação das relações sociais, simplificando a sua comple
xidade e localizando em homens e mulheres características de agência e
poder que não lhes são inerentes. Importa pois identificar esses habitus que,
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