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A DEMOCRACIA VIRTUAL:

A MÍDIA SEM FREIOS E CONTRAPESOS1

FRANCISCO FONSECA2

Refletir sobre o papel da mídia, notadamente numa era em que as


tecnologias informacionais assumem um significado inédito entre nós, requer a
compreensão de inúmeros fatores. Destacaremos quatro principais neste
trabalho. O primeiro refere-se à – problematicamente clássica – intermediação
entre as esferas pública e privada, realizada pela mídia, pois implica a
atuação de atores privados intermediando seja outros interesses privados, seja
(principalmente) interesses públicos, coletivos, o que, por si só, possui um
caráter ambíguo. Um segundo fator refere-se à, também classicamente
elaborada, necessidade de anteparos aos poderes constituídos, personificada na
(republicana) teoria dos freios e contrapesos, que influenciou decisivamente a
constituição do Estado de Direito e a maneira de se pensar a política moderna.
Um terceiro fator diz respeito às ambigüidades do crescente caráter mercantil
da notícia que, apesar de constituir-se de uma natureza especial, sutil (a
informação), não é controlado como as outras mercadorias. Por fim, o
contemporâneo redimensionamento espaço/temporal, por intermédio das
novas teconologias ligadas à informação, diz respeito ao quarto fator a ser
analisado, pois, ao impelir a compressão de ambos (espaço e tempo) agiliza de
forma inédita decisões político/econômicas e implica fundamentalmente a
expansão da própria esfera pública.

1
Este texto foi publicado na coletânea Desafios da Comunicação, organizada por IANNI, Otavio et alli. São
Paulo, Vozes, 2000. A pesquisa que originou este trabalho contou com o apoio do Núcleo de Pesquisas e
Publicações (NPP) da FGV/SP.
2
Francisco Fonseca é professor de Ciência Política na PUC-SP e FGV/SP.

1
De forma complementar, cada um destes fatores nos alerta sobre a
premente necessidade do estabelecimento de controles democráticos de um
poder cada vez mais sem controle, o poder da mídia, sobretudo o poder da
imprensa.

A RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO E A MÍDIA


A distinção público/privado encontrou um verdadeiro divisor de águas
com as revoluções burguesas, notadamente a maior delas, a grande Revolução
Francesa, na medida em que inaugurou um novo conceito de liberdade, pois
identificado ao mundo privado – através, inicialmente, do mercado – e
politologicamente definido como pertencente ao caráter negativo da idéia de
liberdade. O liberalismo (clássico) do século XIX o afirmou enfaticamente,
encontrando nas figuras de Benjamin Constant, Stuart Mill e Alexis
Tocqueville, entre outros (mesmo que com dissenso), expressões máximas de
seu desenvolvimento3. A liberdade negativa implica, ainda hoje, a existência
de um espaço privado, garantido fundamentalmente por um Estado de Direito,
em que cada indivíduo – universalmente concebido como igual a seus
semelhantes perante a lei – pode fazer tudo o que queira sem ser impedido a
tanto, assim como deixar de fazê-lo sem ser obrigado a agir de uma forma que
não deseje.
A condição essencial que valida ambos os casos refere-se justamente à
linha limítrofe que separa o público do privado, isto é, a existência de direitos
definidos aprioristicamente – porém de forma não estática, na medida em que
cambiáveis historicamente – no sentido de configurar o que é público,

3
Estes autores representam a tradição que melhor expressou os dilemas – de um ponto de vista liberal –
acerca do que conteria ambas as esferas. Já no século XX, autores ultraliberais, como Friedrich Von Hayek,
entre outros, superam este dilema ao associar liberdade a privatismo. Em outras palavras, a esfera privada e,
nesta, o mercado, seriam sinônimos de liberdade.

2
portanto pertencente aos interesses comuns de todos, e o que diz respeito
apenas às individualidades4. Como assevera Bobbio (1986:960), em busca de
uma compreensão da política moderna, cotejada à antiga, à guisa de B.
Constant:

“O tema fundamental da filosofia política


moderna é o tema dos limites, umas vezes mais
restritos, outras vezes mais amplos conforme os
autores e as escolas, do Estado como organização
da esfera política, seja em relação à sociedade
religiosa, seja em relação à sociedade civil
(entendida como sociedade burguesa ou dos
privados).”

No século XIX, Benjamin Constant, em sua famosa obra acerca da


Liberdade dos Antigos comparada à dos Modernos, nos mostrara o sentido
privatista da liberdade para o homem (moderno) pós-revolução burguesa,
privatismo este que, inclusive, faria degenerar a esfera pública se extremado.
Apesar desta ressalva, Constant não só diagnosticou o significado da liberdade
moderna como o defendeu, pois, para ele, ao cidadão caberia rogar: “(...) à
autoridade de permanecer em seus limites. Que ela se limite a ser justa; nós
nos encarregamos de ser felizes.” (1982:24)
Se a separação entre as esferas pública e privada, por um lado, e o
privatismo, por outro, marcam o mundo moderno, resultando na separação
entre os poderes, impedindo com isso a tirania do poder do Estado, autores

4
É interessante observar como o imaginário popular referenda esta distinção conceitual. Refiro-me à
expressão afirmadora de que “o meu direito termina quando começa o seu”.

3
como Stuart Mill e Tocqueville, por seu turno, temeram por um outro tipo de
tirania. Tirania esta que não mais proviria do Estado e sim da própria
sociedade, na medida em que o poder da maioria, sobretudo da opinião
majoritária, igualmente resultaria em tirania, a tirania da maioria, com
efeitos semelhantes à historicamente temida tirania estatal, tão cara ao
pensamento republicano e ao pensamento liberal.
Stuart Mill, em seu clássico Sobre a Liberdade, ao relatar a sanha
persecutória, de caráter moralista, a comportamentos pouco usuais, caso da
poligamia dos mórmons na Inglaterra do século XIX, temia pelos seus efeitos,
pois, para ele:

“(...) a opinião de semelhante maioria, imposta


como lei à minoria, em questões de conduta
estritamente individual, tanto pode ser certa como
errada. Nesses casos, a opinião pública, na melhor
hipótese significa a opinião de algumas pessoas
sobre o que é bom ou mau para outras pessoas.”
(1942:149)

A imprensa, por seu turno, por vezes contribuiria para tal caráter
persecutório, o que seria temerário ao pluralismo, pois haveria uma: “(...)
linguagem de manifesta perseguição usada pela imprensa deste país quando
chamada a noticiar o notável fenômeno dos mormonismo” (1942:161)
Não podemos nos esquecer, por outro lado, da clássica negação da
existência de uma esfera pública – dado o caráter de classes das sociedades
capitalistas – reivindicada pela tradição marxista, tendo em vista a alegada
vinculação inescapável de cada indivíduo aos seus interesses de classe.

4
Ocorre, contudo, que as modernas sociedades de massa homogeneizaram
inclusive a própria cultura, submetida ao mesmo processo – produtivo e de
consumo – das mercadorias de uso palpáveis. Hoje, apesar de uma vasta
literatura, de veio pós-moderno, afirmar o crescente processo de
desmassificação mercantil como um todo, e em particular da cultura, através
da segmentação estética e produtiva, a estrutura social em que vivemos
permanece articulada ainda em termos massificados. Em outras palavras, não
é casual que filmes hollywoodianos, como Titanic, pop stars globais, como
Michel Jackson e Madonna, e mesmo best sellers mundiais, como Stephen
King e John Grisham, entre outros, contabilizem seus lucros em valores
impensáveis à atividade cultural até poucas décadas atrás e, mais ainda,
vendam cópias de seus produtos aos milhões em lugares os mais distantes no
planeta. Estranho que este fenômeno não seja concebido como de “massa”!5 É
claro que os números de uma cultura segmentada também são
proporcionalmente altos, mas nada comparável à velha cultura massificada,
tão criticada pela Escola de Frankfurt.

Tendo em vista as questões retratadas, fundadas sobre temas que a


teoria e a filosofia políticas tomaram como primordial, torna-se possível
refletir sobre o paradoxo da mídia que, apesar de portadora de opiniões e
interesses particulares (em sentido amplo), atua na esfera pública por
excelência, ao se auto-requerer in(formar) a opinião pública, em prol,

5
Os números da indústria cultural cada vez mais se superam. Apenas o faturamento anual de cada um dos 4
grandes best sellers norte-americanos oscila entre 30 e 60 milhões de dólares. A difusão “cultural” tornou-se
um dos grandes negócios deste fim de século. Mais ainda, ao lado do Turismo, o setor cultural – cada vez
mais associado ao entretenimento – é o que mais emprega pessoas em diversos países, movimentando valores
astronômicos.

5
portanto, dos interesses públicos. A simultaneidade público/privado revela, em
verdade, um manancial de tensões, que se constitui em contradição.
Afinal, nas sociedades capitalistas o papel da mídia como
intermediadora tanto dos interesses privados como (especialmente) dos
interesses públicos complexifica-se. Em virtude, antes de tudo, do próprio
caráter privado, majoritariamente, da propriedade das diversas modalidades da
indústria midiática, tais como: periódicos, rádios, tvs (aberta e a cabo),
agências noticiosas, satélites, produção cinematográfica, entre outras.6 Não
bastasse tal caráter privado destas modalidades de informação, há um
crescente movimento que busca concentrá-las em poucas mãos – aliás, um
fenômeno típico do capitalismo contemporâneo e presente em todos os setores
– através de fusões e incorporações, fazendo com que uma elite seleta,
economicamente falando, de empresários privados domine o que o público,
em nível não mais apenas local, deva saber sobre os acontecimentos
cotidianos7.
Especificamente em relação às agências noticiosas, estas distribuem “as
notícias” internacionais para todo o planeta, estabelecendo não apenas a
hierarquia dos acontecimentos noticiáveis como, principalmente, a visão
sobre os mesmos. O fato de haver mais de uma agência noticiosa não parece
suficiente para contrariar esta assertiva, pois fundamentalmente atuam de
forma semelhante, estão estabelecidas nos países capitalistas centrais e

6
A Internet, como uma nova tecnologia informacional, vem sendo considerada uma exceção, pois
supostamente não pertencente a ninguém. Ocorre, no entanto, que tudo o que permite o acesso a esta “rede
mundial de computadores” depende de poderosíssimos empresários privados, caso das indústrias de softwere
e hardwere e mesmo de provedores – privados e públicos. Mais ainda, crescentemente a Internet vai se
tornando um grande balcão de negócios virtuais, mas com lucros bastante concretos, pois dominada por redes
empresariais com enormes recursos financeiros, tecnológicos e políticos.
7
É interessante observar que os jornais brasileiros, por exemplo, normalmente reproduzem fotos, matérias e
artigos internacionais seja das agências noticiosas seja dos grandes jornais norte-americanos e europeus,
equalizando a cobertura dos “acontecimentos internacionais”. O mundo global é, realmente, cada vez mais
parecido!

6
obedecem à lógica privada de seus proprietários. O aspecto principal, contudo,
refere-se à ausência de controle por parte das sociedades (em escala
internacional portanto) acerca da mercadoria notícia comercializada por tais
agências, entre outras modalidades de informação. A inexistência de
mecanismos fiscalizatórios é, aliás, um fator característico do mundo
empresarial midiático8.
Por seu turno, a mídia enquanto fenômeno detentor de poder
(majoritariamente privado, diga-se) é uma realidade detectada desde o século
passado, a ponto de ser considerada um verdadeiro quarto poder. A
referência implícita aos outros três poderes estatais – que representam a
moderna formatação do Estado Constitucional de Direito, inspirado na
tradição republicana de dividir para controlar o, requerido transparente, poder
do Estado – é, por si só, uma demonstração da capacidade de influência
adquirida por este meio. Afinal, se a mídia ocupa o papel de fiscalizar e
controlar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, contribuindo para sua
publicização – uma das características fundamentais do Estado moderno,
notadamente em seu veio republicano, ressalte-se –, ela própria constitui-se
em agente de poder.
É nesse diapasão que podemos compreender a famosa sentença de
Madison (no contexto dos Federalistas como um todo) acerca da natureza
humana, e que certamente pode (e deve) estender-se à mídia:

8
A legislação sobre o controle da mídia pelos Estados nacionais varia conforme o país, pois há os que
proíbem monopólios formais ou informais e os que, como o Brasil, são absolutamente permissíveis quanto ao
controle privado da informação. Seja como for, o busílis do problema diz respeito à ausência de controles
democráticos seja por parte de organismos inter ou transnacionais seja por parte das populações mundiais
“abastecidas” pelas indústrias noticiosas. Trata-se, portanto, de um poder sem controle.

7
“Se os homens fossem anjos, não seria necessário
haver governo. Se os homens fossem governados
por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e
externos do governo. Ao constituir-se um governo
(...), a grande dificuldade está em que se deve,
primeiro, habilitar o governante a controlar o
governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si
mesmo. (...) Essa política de jogar com interesses
opostos e rivais (...) pode ser identificada ao longo
de todo o sistema das relações humanas, tanto
públicas como privadas.” 9

FREIOS E CONTRAPESOS E
A NOTÍCIA COMO MERCADORIA
Esta desconfiança em relação à natureza humana, tão bem desmonstrada
pelo federalista Madison, não é, como se sabe, nova na filosofia e na teoria
políticas. Afinal, desde Maquiavel e, sobretudo Hobbes, o ceticismo quanto à
solidariedade entre os homens tornou-se marca registrada de diversas
correntes de pensamento, culminando naquilo que Montesquieu e os
Federalistas tão bem denominaram como freios e contrapesos para controlar
os homens detentores de poder – seja o poder do Estado (mais visível), seja o
poder da sociedade, através de grupos que se tornam majoritários, sobretudo
por sua opiniões. Em outras palavras, se de um lado dever-se-ia controlar o

9
MADISON, J. Os Federalista, pág. 273, Apud WEFFORT, F.(org.), Os Clássicos da Política. S. Paulo,
Ática, 1990, volume 1.

8
cidadão comum, através das autoridades, de outro (igualmente), as autoridades
deveriam ser controladas, tanto por outros poderes – daí a famosa divisão
entre os três poderes – quanto pelo próprio indivíduo. A isso tudo chamamos,
modernamente, de caráter democrático e republicano de nossas instituições.
Ora, reitere-se que a imprensa, ao constituir-se como um extra-
institucional quarto poder – republicano, portanto –, paulatinamente fora se
afirmando, ao mesmo tempo que reconhecida como uma instituição política, a
ponto da adjetivação “democrática” só ser conferida a sociedades em que a
livre manifestação da opinião, sobretudo por intermédio da imprensa, de fato
exista. Tendo em vista esses pressupostos, cabe a pergunta: quem controla o
“quarto” poder? Enfatize-se que tal indagação é legatária da tradição
republicana, que, a rigor, preocupava-se, como vimos, com “a fiscalização dos
fiscais” e com “o controle dos controladores”. Trata-se, portanto, de um
caminho de mão dupla.
À luz desta discussão é que podemos nos defrontar com o poder da
imprensa, até porque seus proprietários não se cansam de afirmar seu
perfilhamento às teses republicanas (liberais, portanto), assim como à
autorequerida legitimidade do caráter mercantil da notícia. A notícia, portanto,
tomada per se e enquanto processo produtivo, é considerada similar a qualquer
outra mercadoria – tais como os produtos agrícolas, industriais e serviços –,
tornando-se irrelevante o fato de sê-la “imaterial”.
Ocorre, contudo, que a mercadoria notícia possui uma particularidade
ausente nos outros tipos de mercadoria. Sua utilização pode causar danos a
grupos inteiros e mesmo às sociedades, na medida em que tem o poder de: a)
fabricar e distorcer imagens e versões a respeito de acontecimentos, temas,
pessoas, grupos sociais e sociedades; b) mentir; c) propagar boatos; entre
outras possibilidades, paralelamente à sua função de informar. É claro que não

9
se trata de considerar o processo de informar como neutro; afinal, está ele
próprio submetido à visão do espectador/testemunha/fonte/processo produtivo.
Mas, entre esta impossibilidade intrínseca e os interesses políticos,
econômicos e sociais dos proprietários privados dos meios de comunicação e
suas eventuais bases de representação – interesses estes potencializados pela
ausência de controles sociais sobre a mercadoria notícia, enfatize-se –, há um
verdadeiro abismo.
Neste aspecto, é fundamental nos distanciarmos do risco de sucumbir a
uma dupla ingenuidade, pois tanto não é possível uma neutralidade absoluta
que, no limite, seria inumana (reitere-se), como há um claro poder desmedido
e incontrolado sobre a (in)formação da opinião, poder este cada vez mais
concentrado em escala internacional, nunca é demais sublinhar. Uma vez
mais, então, pode-se indagar: quem controla, efetiva e democraticamente, o
(quarto) poder da imprensa. Quais instituições lhe servem como contrapeso?
Dessa forma, se a notícia é, sim, uma mercadoria, o é de um tipo
especial e, como tal, necessita de cuidados também especiais, tendo em vista
suas conseqüências sociais, conseqüências estas cada vez mais planetárias.
Como exemplo da repercussão social que as notícias podem ter – de forma
estrita, ou como boato, versões, insinuações, entre outras modalidades –, basta
citarmos as elevações e quedas das bolsas de valores e das moedas em função
de especulações muitas vezes iniciadas e/ou estimuladas pela imprensa. Mais
ainda, a exposição da vida privada de personagens públicos vem, freqüente e
crescentemente, ocasionando danos morais à imagem dos mesmos, levando,
inclusive, à interrupção de carreiras e ao estigma social10. Trata-se, portanto,
da confusão, muitas vezes propositada, entre o “fato” e a versão, o real e o

10
É interessante observar que a figura dos “papparazzi” é emblemática tanto da invasão da privacidade como
do advento de uma sociedade – neste sentido global – ávida pelo espetáculo

10
imaginário, o acontecimento e a ficção – tão bem retratada pelo “realismo
fantástico” literário –, em prejuízo de algo e/ou alguém (indivíduo ou
coletivo). Portanto, tal “confusão” na mídia é, sob todos os aspectos,
perniciosa à sociedade democrática.
Ora, se estas, entre outras, repercussões da mídia são verdadeiras e,
mais ainda, se todos os outros tipos de mercadoria, seus processos produtivos
e seus proprietários são, de alguma forma, controlados por mecanismos
11
governamentais e da sociedade , por que a mercadoria notícia não deveria
submeter-se a mecanismos semelhantes? É inegável que a preocupação com a
liberdade de expressão deve nortear qualquer mecanismo de controle que
venha a se constituir, tanto em nível nacional como internacional, repelindo-se
qualquer tentativa de censura; ao par disso, o que não se pode tolerar, sob pena
do estabelecimento de um efetivo pensamento único12, é a permissividade dos
meios de comunicação que, em nome da liberdade de expressão atuam como
verdadeiras máquinas de produção do consenso, suprimindo toda e qualquer
possibilidade de pluralismo13.

11
No Brasil, a produção e o comércio de mercadorias e serviços são controlados por órgãos diversos, como os
Procons, a Secretaria de Direito Econômico (SDE), as Agências de Regulação (setoriais, como ANATEL,
ANEEL), entre outros órgãos, além de entidades privadas sem fins lucrativos, como o Instituto de Defesa do
Consumidor (IDEC). Quanto aos meios de comunicação, as recentes iniciativas como a do Observatório de
Imprensa e a Revista Imprensa cumprem um importante papel fiscalizatório que, no entanto, representa ainda
apenas uma condição necessária, não suficiente, seja para o impedimento dos oligopólios, seja para a
responsabilização dos proprietários dos meios de comunicação, seja (especialmente) para o franqueamento ao
dissenso.
12
As proposições neoliberais, tais como privatização, diminuição do papel do Estado, flexibilização do
mercado de trabalho, individualismo, entre outras, constituíram, a partir dos anos 80, o chamado “pensamento
único”, na medida em que tornaram-se programa de reforma de inúmeros Estados nacionais assim como de
agências internacionais, sendo aceitas (tais proposições) pela maioria esmagadora da imprensa em escala
internacional. Aos discordantes coube a pecha de “neolíticos” por estarem dissonantes com os ventos do
neoliberalismo. Trata-se, portanto, de hegemonia, bloqueadora, contudo, de outras formas de pensar e, como
tal, antidemocrática. A unicidade do pensamento contraria, portanto, a tradição pluralista tão bem sintetizada,
no século XIX, pelo liberalismo democrático de John Stuart Mill em seu clássico “On Liberty”, como, aliás,
já havíamos nos referido.
13
Pluralismo que, a rigor, constitui o cerne da preocupação de outro autor liberal clássico do século XIX, A.
Tocqueville, que, em A Democracia na América, notabilizou o temor de que as sociedades, mesmo as

11
É curioso, mas apenas aparentemente paradoxal, que justamente as
empresas de comunicação sejam as menos controladas (falamos em controle
democrático, reitere-se) em relação aos outros tipos de empresa. Afinal, obter
o consenso acerca de certos temas-chave sempre fora o objetivo dos grupos
detentores das diversas formas de poder nas sociedades em que o Estado
tornou-se “ampliado”14. Mais ainda, uma das mais fortes críticas desferidas
aos regimes socialistas dizia respeito justamente à impossibilidade do
dissenso, em função do controle estatal dos meios de comunicação. Em outras
palavras, do pensamento único, na esteira do partido único e do monopólio
produtivo por parte do Estado, supressor das iniciativas particulares, entre as
quais a liberdade de imprensa.
Ora, a situação não seria semelhante em países, como o Brasil, entre
outros, em que há verdadeiros monopólios e oligopólios da comunicação –
formais e informais –, sem que o Estado e a sociedade possuam instrumentos
para contê-los. Apesar do pluralismo partidário, da existência de diversos
proprietários de meios de comunicação e do Estado não ser onisciente e

institucionalmente democráticas, produzissem “tiranias da maioria”. Para Tocqueville, nos EUA, a: “(...)
maioria (...) exerce uma autoridade real prodigiosa, e um poder de opinião quase tão grande; não existem
obstáculos que possam impedir, ou mesmo retardar, o seu progresso, de modo a fazê-lo atender às queixas
daqueles que ela esmaga no seu caminho. Este estado de coisas é em si mesmo prejudicial e perigoso para o
futuro (...)". TOCQUEVILLE, A., A Democracia na América. S. Paulo, Ed. Nacional, 1969, págs. 132 e 133.
Tradução: João M. P. de Albuquerque. Estas palavras nos soam, hoje, proféticas!
Por outro lado, não podemos nos esquecer de que, no século XX, possuir um meio de comunicação com
abrangência razoável requer imensos recursos econômicos, tornando-se proibitivo à maioria absoluta dos
grupos sociais, potencializando, portanto, o temor de Tocqueville.
14
O conceito de “Estado ampliado” fora elaborado por A. Gramsci para caracterizar as sociedades onde a
sociedade civil – isto é, o espaço público, superestrutural, em que os aparelhos privados de hegemonia, tais
como a imprensa, entre outros, buscam obter o consenso através de lutas ideológicas, ocupando espaços
crescentes em relação aos seus adversários – existe e se diferencia do Estado em sentido estrito (como
sinônimo de coerção). O Estado, nas sociedades complexas, passaria, portanto, a contemplar também a esfera
do consenso, da hegemonia, tornando-se a repressão um recurso em última instância. A luta dar-se-ia
fundamentalmente no campo ideológico.

12
onipresente, não haveria aqui, de certa forma, historicamente falando, um
certo consenso forjado por uma sociedade efetivamente não poliárquica 15?
Aqui, uma vez mais a questão se coloca: quais mecanismos controlam o
quarto poder, sobretudo num país como o Brasil, num mundo em que o espaço
e o tempo tornaram-se comprimidos? Vejamos as implicações desta
compressão e como o poder da mídia expande-se em sua decorrência16.

A COMPRESSÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO


A chamada compressão do espaço/tempo configura-se como uma das
características do mundo contemporâneo17. Em outras palavras, as
informações são cada vez mais transmitidas em tempo real – on line –,
encurtando brutalmente o tempo de sua “geração” assim como
(especialmente) de sua propagação (transmissão) em escala planetária. Em
conseqüência desta compressão, que afeta nosso cotidiano, deve-se ressaltar o
volume e poder que o capital financeiro especulativo possui em nossos dias,
expressos na inaudita cifra de um trilhão e trezentos bilhões de dólares (em
valores de 1998), que são negociados por dia nos novos mercados financeiros

15
Segundo Robert Dahl, Poliarquia é um “tipo ideal” que possibilita mensurarmos se um país se aproxima ou
não da democracia. Para tanto, estabelecem-se regras mensuráveis (reitere-se); tais regras possibilitariam uma
efetiva avaliação do caráter democrático de uma dada poliarquia, notadamente de um país. Segundo Dahl, em
Um Prefácio à Teoria Democrática, uma das pré-condições às sociedades que se queiram democráticas seria
que: “Todos os indivíduos devem possuir informações idênticas sobre as alternativas [que disputam o poder,
nos períodos eleitorais, por exemplo].” (1989:73) No Brasil, esta condição certamente é tênue.
16
Como exemplos de controles democráticos poderíamos citar as seguintes iniciativas: a concessão (e mesmo
estímulo governamental) de espaço às rádios e tvs livres (comunitárias); financiamento estatal e privado
subsidiado para a constituição de meios de comunicação alternativos; a instituição de ombudsman públicos,
isto é, pagos pelo poder público e estáveis por um tempo determinado, na grande imprensa; rigoroso
impedimento da concentração acionária dos veículos de comunicação; conselhos comunitários e pluralistas
nas emissoras de tv e rádio; entre inúmeras outras.
17
Entre outros autores, apoiamo-nos aqui fortemente em David Harvey, em seu livro The Condition of
Postmodernity – An Enquiry into the Origins of Cultural Change. London, Oxford, 1989.

13
mundiais criados, estes, a partir dos anos 70, tais como os mercados futuros,
de derivativos, de câmbio, dentre inúmeros outros. A questão crucial aqui
refere-se ao fato de que tal volume transacionado o é em tempo real (on line),
enfatize-se, destruindo economias nacionais em segundos, como o
demonstram os casos paradigmáticos do México, da Ásia, da Rússia e do
Brasil a partir de meados da década de 90 do século XX. O poder deste tipo de
capital – no contexto desta nova estrutura informacional do capitalismo
contemporâneo – vem sendo apontado como fator-chave para o
enfraquecimento dos Estados nacionais, notadamente os periféricos.
Outro exemplo, mais diretamente político/militar, diz respeito à
possibilidade de, no limite, acompanhar-se uma guerra em tempo real, caso da
guerra do golfo – é claro que o poder de censura exercido por parte dos EUA
fez desta guerra um espetáculo pirotécnico norte-americano, sob os olhares
submissos de emissoras “globais”, como a CNN. Seja como for, o poder dos
satélites permite-nos estar “plugados” em ocorrências e fenômenos que se
tornam cada vez mais internacionais.
Há aqui, contudo, duas questões centrais: uma diz respeito, uma vez
mais, à capacidade de propagação planetária instantânea de uma ocorrência; a
outra refere-se ao poder manipulatório e mesmo de veto de determinados
centros de poder sobre a utilização de satélites e, portanto, transmissão de
dados, imagens e informações. Ambas as ressalvas confluem para a
concentração do poder informacional, fazendo com que o chamado “quarto”
poder (em sentido amplo) seja atributo de poucos no palco planetário.
No que tange ao mundo empresarial, a instantaneidade da informação
adquire enorme importância, pois possibilita a tomada de decisões com uma
incrível rapidez no que diz respeito a investimentos e à própria concorrência.

14
Quanto ao mundo político, em sentido lato – isto é, diplomático, militar
e mesmo comercial, relativo a empresas e setores do capital apoiados direta
e/ou indiretamente pelos Estados nacionais –, a compressão espaço/temporal
diz respeito também à tomada de decisões, porém ainda mais complexas, entre
países e blocos comerciais, a respeito de inúmeros temas, de uma forma cada
vez mais ágil, fazendo do sigilo diplomático um valor incalculável.
Os exemplos acima relatados tornaram-se possíveis em razão do
advento de modernas tecnologias informacionais, entre as quais a rede
mundial de computadores – a Internet – ocupa papel destacado. É fundamental
ressaltar, contudo, que o espaço democrático ainda hoje por ela ocupado tem
sido cada vez mais erodido em função dos monopólios e oligopólios que
permitem o acesso à mesma, como evidenciado pelo notório caso de tentativa
de concentração de mercado pela Microsoft.
Em resumo, estes breves exemplos fazem-nos concluir que as ilusões
quanto à existência de um sistema mundial de informação autônomo, sem
controle estatal (e mesmo do capital), estão aos poucos se desvanecendo. Por
mais que esta luta não esteja encerrada, as forças centrípetas são,
ineqüivocamente, mais poderosas do que as centrífugas.

Por outro lado, nesse mundo encurtado por satélites, fibras óticas, tvs a
cabo espraiadas pelo mundo, agências noticiosas, jornais e revistas (em inglês,
língua cada vez mais falada, e mesmo traduzida para as línguas nativas)
impressos simultaneamente em diversos países; neste mundo a mídia vem
crescentemente extrapolando mais ainda sua influência, pois estendida agora
ao planeta. É claro que não falamos de qualquer mídia, isto é, das que
encontram-se na periferia do sistema. A grande mídia, aquela que influencia
suas congêneres nacionais e em conseqüência a população mundial, encontra-

15
se na sede do capitalismo internacional. Mais ainda, como já aludido, se a
esfera pública emergiu e se desenvolveu em perspectiva eminentemente
nacional, a partir da explosão informacional vem tornando-se cada vez mais
planetária, isto é, uma dada informação, acerca por exemplo do mercado
financeiro, pode contribuir para desestruturar inúmeras economias. Exemplos
disso são vistos freqüentemente quando (reitere-se) a simples publicação de
uma declaração de uma alta autoridade monetária do G-7 ou do FED norte-
americano é capaz de derrubar bolsas e moedas no mundo inteiro, com
conseqüências trágicas para as populações locais.
Em outras palavras, se a esfera pública tornou-se cada vez mais global –
a ponto de podermos falar de uma agenda planetária, que envolve temas como
capital financeiro, cadeia produtiva, miséria/migração, meio ambiente, direitos
humanos, armas nucleares, drogas, dentre inúmeras outras – e, se, por outro
lado, a mídia procura, a partir de interesses privados, traduzir e intermediar
relações sociais na esfera pública, qual o controle democrático que os cidadãos
comuns, agora em dimensão internacional, possuem sobre ela? Se a questão
já era complexa numa escala nacional, como procuramos demonstrar ao longo
deste trabalho, torna-se ainda mais problemática quando pensamos que o
“mundo está menor” na medida em que certas fronteiras estão sendo
diluídas18. Portanto, a compressão espaço/temporal implica o alargamento da
esfera pública, pois cada vez menos exclusivamente nacional, devido à
crescente “internacionalização” (em sentido amplo, inclusive no que tange à
cultura).

18
É sempre importante lembrar que a supressão das fronteiras nacionais não contempla o movimento da força
de trabalho, que continua exclusivamente nacional e, mais ainda, cada vez mais impedida de migrar,
sobretudo para os países de capitalismo central. Em outras palavras, as barreiras fronteiriças aos trabalhadores
nacionais intensificaram-se, contrariamente ao movimento geral “transnacionalizante”.

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Aqui, uma vez mais há que se atentar para o significado da expressão
“internacionalização”, que muitos preferem denominar de
“transnacionalização”, pois a mesma não implica democratização, e sim
assimetria entre as sociedades nacionais – tornadas contudo ainda mais
complexas em função da infinitamente maior interdependência dos capitais e
das economias –, das quais a mídia é a expressão fiel.

À GUISA DE CONCLUSÃO:
CONTROLAR E SER CONTROLADO
Por tudo isso, um mundo realmente democrático necessita controlar
(democraticamente, reitere-se, apesar da tautologia) a mídia mundial tendo em
vista atenuar o paradoxo da simultaneidade público/privado que a mesma
contém e vem crescentemente expandindo num mundo tornado único a partir
de um centro irradiador. Esta tarefa pertence, contudo, a todos nós! Afinal, os
modernos clássicos preocuparam-se com razão, teorizando, sobre o tema das
“paixões humanas” que, sem freios e contrapesos, nos levariam à tirania; estas
“paixões” podem ser traduzidas modernamente como interesses que, por sua
vez, estão integralmente presentes no híper poder que a mídia como um
poder de fato vem adquirindo numa escala global.
A contrapartida da compressão espaço/temporal deve ser, portanto, o
alargamento das responsabilidades sociais (planetárias) dos meios que
representam verdadeiros aparelhos privados de hegemonia ao traduzir
interesses privados em públicos, intermediando-os. Só assim, como assevera
Dahl, poderemos falar de uma sociedade que se aproxime da democracia,
circunscrevendo-se a virtualidade desta apenas à imaterialidade da
informação. Com isto, a democracia poderia materializar-se, tornando-se real,

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cumprindo (a mídia) um papel público em meio a um mundo privado e em
franca compressão. Reatualizaria, quem sabe, o sonho dos modernos clássicos,
qual seja o de controlar os controladores e, por seu turno, ser controlada pelos
controlados!

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