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QUILES, Manuel Ignácio, Neuroses – São Paulo: Ed. Ática, 1995.

Qual a diferença entre neurose e psicose? O que significa "ser neurótico"? Quais são os sintomas desse estado?
Este livro, d« caráter didático, apresenta uma classificação dará e simples das neuroses, define e sistematiza o,espectro
de sintomas, traços de caráter e mecanismos de defesa de cada quadro. Ao mesmo tempo, faz uma leitura de Freud no que
se refere à Psicopatoldgia.
Manuel Ignacio Quites é psicólogo clínico, professor universitário na Argentina, tendo lecionado Psicopatologia geral e
especial no ensino superior brasileiro.
Direção
Benjamin Abdala Júnior
Samira Youssef Campedelli
Preparação de texto
Rogério Ramos
Arte
Coordenação e
projeto gráfico (miolo)
António do Amaral Rocha
Arte-final René Etiene Ardanuy
Capa
Ary A. Normanha António U. Domiencio

1995

Todos os direitos reservados pela Editora Ática S.A.


Rua Barão de Iguape, 110 - CEP 01507-900
Tel.: PABX (011) 278-9322 - Fax: (011) 277-4146
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São Paulo (SP)

NEUROSES

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A grande divisão neurose/psicose

A primeira tarefa dos cientistas diante de uma nova área de estudos é a classificação dos fenómenos observados. Para sair
da confusão e chegar à explicação, torna-se necessário que se divida o objeto de estudo em "famílias" abrangentes, tarefa
cumprida na psicopatologia principalmente por Emil Kraepelin e Sigmund Freud no fim do século XIX.
Assim, as chamadas doenças mentais, ou quadros no-sológicos, podem dividir-se em dois grandes grupos, ainda que
se corra o risco da esquematização: o grupo das neuroses e o das psicoses.
É uma divisão clássica, e mesmo com muitas exce-ções — como veremos no final do capítulo —, orienta--nos numa
primeira aproximação. Geralmente, em termos de grau de comprometimento, diz-se que as psicoses configuram os
quadros mentais graves, dos quais fazem parte os "loucos" ou alienados, enquanto que as neuroses constituem os quadros
leves, próximos aos sujeitos "normais". Freud não hesitou em afirmar que todo mundo, inclusive os que gozam de perfeita
saúde mental, apresenta traços neuróticos.
Os psicóticos são frequentemente rejeitados, não compreendidos, muitos deles perturbam o convívio, e são escondidos
pelas famílias, ou até internados em instituições psiquiátricas; os neuróticos levam uma vida relativamente adaptada — às
vezes exageradamente, e tal fato já representa em si mesmo um transtorno —, e comunicam-se sem maiores problemas.
Aproximando-se mais decisivamente, é possível afirmar que nas neuroses há uma predominância de transtornos
subjetivos, como a angústia, a culpa, os conflitos psíquicos e os sintomas corporais, e nas psicoses maior influência de
transtornos com a realidade externa, as alterações da percepção (alucinações) e do juízo (delírios), e, mais claramente, a
falta de controle do comportamento, o que provoca problemas familiares e sociais.
Colocando o exposto nos termos estruturais das Instâncias, do Segundo Modelo de Aparelho Psíquico de Freud, nas
neuroses existe um conflito principal entre o ego e o id: o ego defende-se das pulsões e reprime uma parte da sua vida
instintiva, obedecendo às exigências da realidade externa e do superego — o representante interno dessa realidade. Nas
psicoses, o conflito essencial é entre o ego e a realidade externa: o ego nega a realidade ou retrai-se, obedecendo aos
impulsos do id.
Possíveis exceções apresentar-se-iam nas neuroses, pois às vezes há deturpações e negações perceptivas, e bloqueios
como a cegueira e os desmaios histéricos, especialmente diante de realidades emocionais; contudo, a fórmula ego X id
conserva sua vigência, pois a parte da realidade que é distorcida ou negada sempre está relacionada com os impulsos
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reprimidos, seja como uma possibilidade de "tentação" instintiva ou de castigo.
Assim, nas psicoses, também achamos possíveis exceções à fórmula, pois certamente há defesas contra impulsos
perigosos. No entanto, essas defesas são maciças, com
características de totalidade, como por exemplo a catato-nia, que pode ser considerada como uma negação maciça de
impulsos. Todavia, é justamente isto que traz como consequência uma "perda do juízo ou senso de realidade",
sempre presente nas psicoses.
Desenvolvendo as fórmulas iniciais
neurose — ego x id
psicose = ego x realidade externa,

encontramos as seguintes equações:

conflito neurótico = superego + ego x id


conflito psicótico = id + ego x realidade externa.

No predomínio de transtornos subjetivos das neuroses, vamos destacar a angústia como fenómeno nuclear e de valor
diferencial no diagnóstico. Essa sensação de mal--estar, expressão do conflito inconsciente, está onipre-sente em toda
neurose, seja de forma explícita, como na neurose de angústia ou na neurose fóbica, seja neutralizada pelas defesas como
na histeria ou na neurose obsessiva. Ela aparece como motor das defesas, sinal de perigo da emergência dos impulsos
reprimidos. A presença da angústia, que pressupõe um ego estruturado — pois é o ego quem sente a angústia — , dá uma
outra característica diferencial: o neurótico sofre seus transtornos, sabe que há qualquer coisa errada.
Diz-se que o neurótico tem consciência da doença, e isto faz com que procure sozinho ajuda ou tratamento, enquanto
que o psicótico não percebe nada de errado, faz e fala suas coisas com a maior naturalidade. Quando muito, é levado à
consulta: ele não tem consciência da doença.
Outra diferença fundamental, deduzida dos problemas do psicótico com a realidade externa, reside no ego: o do
neurótico está conservado, é forte e estruturado, e suas funções — como planejar, adiar a resposta, esperar,
julgar, pensar, orientar-se no espaço e no tempo etc. —, ainda que dificultadas pelas tarefas da defesa, não se perderam.
Entretanto, o ego do psicótico é fraco, ou mesmo esfacelado, com pouca ou nenhuma estruturação; houve uma "tomada"
ou uma "derrubada" do ego pêlos impulsos, e só têm vigência, em lugar do princípio de realidade, as leis do princípio do
prazer encontradas no inconsciente, tal como nos sonhos: deslocamento, condensação, simbo-lização. Por isso que o
psicótico delira, pois não consegue julgar bem ou não pode parar de simbolizar; por isso que alucina, pois percebe mal a
realidade. Enfim, com um ego fraco, mistura tudo, não discrimina.

A regressão na neurose e na psicose

Esta fraqueza do ego é decorrente da maior regressão que se observa no psicótico. A regressão psicótica torna-se
profunda, vai aos estágios mais primitivos do desenvolvimento, quando o ego não estava diferenciado do não-ego — a
realidade externa —, e as relações com os objetos libidinais ainda não bem estabelecidas. Assim, paralelamente à fraqueza
do ego, o psicótico não consegue manter relações afetivas com as pessoas, ou estas ficam coloridas por uma ambivalência
— amor e ódio ao mesmo tempo — extrema. Está encerrado em si mesmo, como se pode observar concretamente no
autismo do esquizofrê-nico.
Classicamente, diz-se que o indivíduo regrediu ao narcisismo primitivo do bebé. Nas pessoas normais, os outros
representam sempre uma "ponte" para a relação com a realidade externa; pois bem, esta ponte, na psicose, está quebrada.
Contrariamente, a regressão do neurótico é menor. Ainda que as relações ob j e tais sejam com objetos da vida
infantil — no inconsciente, o neurótico está preso aos pais, daí suas dificuldades em acasalar-se sem conflitos —, ele tem
possibilidades de "transferência" afetiva, de comunicação.
No esquema das etapas de desenvolvimento da libido, os pontos de fixação e consequente regressão são os que
constam no quadro da página seguinte.
Pode-se falar, de um modo muito geral, que as fixações psicóticas estão nas etapas orais, nas quais a relação com a
realidade externa, no bebé, não estava ainda estabelecida, assim como as relações de objeío — com as pessoas —, o que
constitui o narcisismo. Não havia diferenciação ego/não-ego e a linguagem não existia. As fixações neuróticas, por sua
vez, estão nas etapas edipianas — "O núcleo das neuroses é o complexo de Ëdipo", diz Freud —, nas quais já existe uma
adaptação à realidade, linguagem adquirida, e relações objetais, ainda que edipianas.
Este ponto de vista tradicional entra em certa contradição com um outro — adotado como nosso —, que considera
outras neuroses além das clássicas, e que teriam justamente como pontos de fixação os das psicoses. Falamos aqui
especialmente da depressão neurótica e da esquizoi-dia neurótica, quadros que apresentaremos num futuro trabalho com
as psicoses "respectivas". Estes quadros não viriam a converter-se em psicoses por uma série de fatores notadamente
ambientais, e também de economia endopsí-quica, como melhor estruturação do Édipo, possibilidade de delimitação

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ego/não-ego, predomínio do princípio de realidade etc.

Os quadros intermediários e as exceções


Como dissemos anteriormente, há uma série de quadros e síndromes que não se encaixam na grande divisão
neurose/psicose, seja por apresentarem características intermediárias, seja porque fogem completamente a tal ponto de
vista classificatório, e que a seguir apresentamos resumidamente.

ETAPA MODO QUADRO


Oral primária Sugar Esquizofrenia
secundária Morder devorar Psicose maníaco-depressiva Psicoses
Anal primária Expulsar Paranóia
----------------------------------- ----------------------------------- ----------------------------------- Linha divisória

secundária Reter Complexo Neurose obsessiva


Fálica Penetrar Édipo Neurose fóbica/Histeria
Latência Neuroses
Genital adulta Coito, amor Superação Neurose traumática
Édipo Neurose de angústia

A psicopatia ou personalidade psicopática


Será amplamente avaliada em outro estudo, em razão da sua importância em termos estruturais. É o quadro que mais
claramente se encontra na "linha divisória" entre as neuroses e as psicoses, pois apresenta uma cisão básica do ego: uma
parte dele perfeitamente conservada e adaptada à realidade externa, e outra a serviço direto do princípio do prazer, através
da "atuação" (acting-out) dos impulsos do id.

As perversões sexuais
Incluem a homossexualidade, o sado-masoquismo, o fetichismo, o travestismo, o voieurismo e o exibicionismo, entre
outras. Encontram-se numa posição muito singular do ponto de vista nosográfico. Por um lado, não seriam senão
condutas sexuais que se apresentariam numa estrutura subjacente, seja esta normal, neurótica, psicótica ou psicopática.
Constituiriam só neste último caso — estrutura psicopática — as chamadas perversões propriamente ditas, quando estas
condutas sexuais são os sintomas predominantes.
Por outro lado, e como consequência de mudanças sociais e ideológicas recentes, como a chamada revolução sexual
dos anos 60 e 70, muitos dos quadros considerados patológicos foram banidos das classificações médicas oficiais, como é
o caso da homossexualidade em vários países.

A toxicodependência e o alcoolismo
Aqui achamo-nos numa situação parecida à das perversões: as mudanças sócio-culturais trouxeram uma rela-
tivização da classificação, em consequência da liberalização, da extensão e da descriminalização do uso das drogas.
A dependência propriamente dita é uma perversão da pulsão oral e, como tal, faz parte da estrutura psicopá-tlca.
Aliás, podemos considerar que as três — psicopatias, perversões sexuais e toxicodependência — tanto pertencem à
estrutura psicopática como fazem parte da estrutura perversa em geral, ou impulsiva, isto é, um ego escindido "atua" na
realidade externa pulsões orais, anais e pré-ge-nitais, "pervertendo-as" e situando-se, portanto, na linha divisória
neurose/psicose.

As caracteropatias ou neuroses de caráter


Serão desenvolvidas minimamente no capítulo seguinte. Correspondem ao campo das neuroses, já que as defesas
tiveram êxito, mas a rigidez das mesmas denunciam uma estrutura ou núcleo psicótico importante.
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Os "border-lines" ou estados-limite
São casos em que os sujeitos estão a um passo da psicose, mas podem passar a vida toda sem entrar francamente
nela. Aqui as defesas são fracas, mutáveis, de tipo esquizóide ou mesmo polimórficas. Estruturalmente encontram-se no
campo das psicoses, e entre elas temos os chamados psicóticos compensados, as personalidades como--se (Hélène Deutsch)
e as personalidades fálicas (José Bleger).

A hipocondria
Ê antes de tudo um sintoma, e se apresenta comu-mente em certas formas de melancolia e de esquizofrenia. Quando
não é especificado, porém, dentro de um processo psicótico, conforma a chamada neurose hipocondríaca, quadro neurótico
configurado por preocupações obsessivas com a saúde e os órgãos internos. José Bleger chega a falar em estrutura
hipocondríaca.

A epilepsia
Aparte sua vertente neurológica, apresenta o caráter epileptóide, difícil de se encaixar no esquema neurose/psicose.
A perseverança e a ruminação mental, e os acessos de tipo convulsivo apresentam-se em estruturas normais, neuróticas,
psicopáticas ou psicóticas. Novamente Bleger destaca-os destas e fala numa estrutura acessional que, junto com a
hipocondríaca, seriam pré-psicóticas.

As doenças psicossomáticas
São chamadas por Fenichel de neuroses de órgão ou organoneuroses, e dificilmente apresentam-se puras; na maioria
das vezes são sintomas de um quadro ou estrutura neurótica.

Mesmo com todas estas exceções, a grande divisão neurose/psicose conserva seu valor, pois é de fundamental
importância saber quais são as fixações que predominam. O indivíduo que no seu desenvolvimento "ultrapassou" a linha
com êxito, e atingiu o Édipo sem fixações anteriores importantes, excepcionalmente poderá vir a ser psicótico.
Inversamente, o que sofreu severas frustrações, exageradas gratificações, ou lutos e perdas graves — as chamadas feridas
narcisísticas — nas etapas orais, produzirá fixações, e passará pelo Édipo sem uma boa base, sem poder estruturá-lo bem,
e uma vez atingida a puberdade, ou face a traumas da vida adulta, regredirá às primeiras etapas.
O futuro psicótico vive o complexo edipiano e adquire a linguagem de uma maneira superficial, como que
"empurrado" pelo desenvolvimento, mas os perde na essência depois da regressão que se produz na vida adulta.
No entanto, é bom ressaltar que é justamente isto que constitui a diferença entre as psicoses clássicas e as chamadas
psicoses infantis, como são o autismo e outras, pois nestas últimas a relação com os pais é tão comprometida, as
frustrações ou perdas são tão severas, que provocam uma fixação definitiva. Há uma parada no desenvolvimento
psicossexual, não há aquisição de nenhum tipo de linguagem ou simbolização, e, portanto, não há regressão alguma.
As psicoses infantis têm o desenvolvimento comprometido na esfera mental, e, por isso, confundem-se, às vezes,
com as oligofrenias — debilidade mental de base orgânica —, enquanto que os esquizofrênicos (psicoses adultas) tiveram
na infância, eventualmente, um desenvolvimento mental brilhante, e, como sabemos, conseguem exprimir-se quase sempre
através de palavras.

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As neuroses em geral

Definições

Antes de considerarmos os quadros neuróticos um por um, vejamos o tema da neurose em geral, a partir dos sintomas
que geralmente aparecem em todas elas.
Henry Ey define as neuroses como
doenças da personalidade caracterizadas por conflitos in-trapsíquicos que inibem as condutas sociais.
(BERNARD, BRISSET e EY, 1975, p. 368)*

Laplanche e Pontalis, em seu Vocabulário da Psicanálise, aprofundam esta visão dizendo que a neurose é uma
afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico

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(inconsciente) que tem suas raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromissos entre o
desejo e a defesa.
(LAPLANCHE e PONTALIS, 1983, p. 377)

* As referências bibliográficas são de obras incluídas na "Bibliografia comentada" ao final deste volume. No texto
propriamente dito serão apenas acrescentados os dados faltantes, como capítulo, página etc.

Ambas as definições dão ênfase ao conflito psíquico, noção que não vamos desenvolver aqui, mas que numa
primeira abordagem fala-nos sobre uma personalidade dividida, uma parte contra outra, e, mais concretamente,
tendências que exigem uma satisfação (desejo) e outras que se opõem a ela (defesa). Esta luta interior, geralmente
inconsciente, provoca a angústia como resultado e mais evidente manifestação.
As neuroses, em psicopatologia psicanalítica, referem--se exclusivamente aos três quadros clássicos: neurose ob-
sessiva, neurose fóbica e neurose histérica ou histeria. Discute-se, todavia, a posição nosográfica da neurose de angústia e
das neuroses traumáticas, isto é, se constituem neuroses per se, ou estruturas neuróticas com o mesmo status das
clássicas.
Desde o ponto de vista clínico, as neuroses caracterizam-se pela presença de sintomas e de caráter neuróticos.

Sintomas neuróticos
São transtornos da conduta, dos sentimentos e das ideias, que exprimem de uma maneira disfarçada o conflito
inconsciente, sendo, ao mesmo tempo, uma defesa contra a angústia.

Caráter neurótico
São os tra'ços da personalidade mais estáveis, a maneira habitual de reagir diante de todas as situações, pessoas e
acontecimentos, diferenciando-se do caráter normal pela rigidez, estereotipia, e inadequação decorrente: diante de uma
situação nova que requer uma resposta diferente, o neurótico reagirá sempre da mesma maneira, com uma conduta
predeterminada.

Às vezes, é difícil de estabelecer a diferença entre um sintoma e um traço de caráter neurótico. Podemos assinalar
que o sintoma é egodistônico, isto é, o sujeito o considera uma conduta estranha, parasita, que se lhe impõe, sente
angústia, e quer mudar; o traço de caráter é egossintônico, ou seja, o ego aceita esse comportamento como próprio, não o
acha estranho, é a sua maneira de ser, e chega até a se orgulhar dele mediante racionalizações. Por exemplo, a compulsão
de lavar as mãos é um sintoma típico, o sujeito sente-se empurrado, obrigado a fazê-lo contra sua vontade; no entanto, a
mania de limpeza é um traço de caráter que o sujeito considera parte de si, e a justifica mediante razões de ordem e
higiene.
Toda neurose apresenta sempre traços de caráter neurótico, o mesmo não acontecendo com os sintomas, que podem
faltar. Hoje são comuns as neuroses assintomáti-cas, caracterizadas por um predomínio de transtornos do caráter, sem
manifestações muito aparentes.

Sintomas inespecíficos

Os sintomas das neuroses dividem-se em específicos e inespecíficos.


São sintomas inespecíficos aqueles que se apresentam em toda e qualquer neurose, as manifestações diretas do
conflito psíquico inconsciente; os sintomas específicos são próprios e típicos de cada uma das neuroses, como as con-
versões histéricas, as fobias, as ideias obsessivas etc. Já são tentativas de resolução do conflito.
Vamos desenvolver aqui os primeiros. Como foi dito, eles são manifestações da luta defensiva, a expressão di-reta das
defesas, como a angústia e as inibições, ou a exteriorização do enfraquecimento do ego decorrente de manter aquela luta
interior, como a tensão, a fadiga, as dificuldades no trabalho etc. Passemos, assim, aos sintomas neuróticos inespecíficos.

Angústia e culpa
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A angústia é o nervosismo, a ansiedade de todo neurótico, que se manifesta por sensações penosas, de desprc zer. O
sujeito sente-se mal sem poder encontrar uma causa que justifique isto. Também é a espera de um perigo indefinido, um
medo sem objeto, embora nós saibamos que se trate de um perigo inconsciente, o da emergência do que está reprimido.
Ainda são angústia as sensações físicas como suor, enjoo, enfraquecimento das pernas, opressões no peito, respiração
ofegante, coração batendo, que serão estudadas mais detalhadamente na neurose de angústia, mas que estão presentes, em
maior ou menor grau, em toda neurose.
A culpa, os sentimentos de culpa, também aparecem constantemente nas neuroses, às vezes de forma explícita — o
sujeito sente-se culpado, atribuindo a si a responsabilidade por qualquer coisa ou por um problema de relação pessoal —, às
vezes de uma maneira disfarçada como as sensações de "não prestar para nada" e os sentimentos de inferioridade.
Genericamente, a psicanálise explica a culpa como os sentimentos resultantes também do conflito psíquico, pois o
sujeito sente que, pelo fato de ter determinadas tendências reprováveis, já as cometeu e portanto merece castigo. No
inconsciente, os desejos são realidades: se tenho ódio de meu irmão, já o matei; se desejo sexualmente a minha irmã, já a
possuí. Aí não existe o tempo nem o espaço, estamos no reino da "realização dos desejos". Para um estudo mais
aprofundado da culpa, desenvolver-se-á em um futuro trabalho o quadro da depressão.

Inibições
Os neuróticos evitam sempre alguma coisa, alguma área da realidade, certo tipo de pessoas, atividades, interesses ou
sentimentos, sem saber bem a razão. Essa fuga pode se manifestar por uma "falta de interesse" (que encobre a
racionalização de uma inibição intelectual), por "não querer ouvir falar", passando pelo temor, embaraço ou incómodo
diante do assunto, ou chegando a um ódio consciente.
Assim, podem ser objeto de inibição os automóveis, as festas, as brigas, os velhos, as crianças, as autoridades, os
doentes, o sangue, o sexo, a maternidade, os loucos, certos ou todos os esportes, a música, a política, a economia,
algumas comidas, os velórios.
Em geral, podemos falar que a área inibida tem um significado sexual ou agressivo inconsciente para o sujeito, ou seja,
liga-se de alguma maneira à pulsão reprimida do conflito.

Problemas sexuais
São os mais frequentes e típicos das neuroses. Todo neurótico tem problemas sexuais, e vice-versa, todo problema
sexual circunscrito e estereotipado é sinal de neurose.
Manifestam-se sob a forma de timidez exagerada com sujeitos do sexo oposto, de antipatia declarada ou falta de
interesse (misoginia) e de nojo ou medo explícitos. Aparecem ainda nas dificuldades crónicas de se conseguir ou manter
um parceiro, e concretamente na atividade sexual: a impotência, a frigidez, a masturbação compulsiva e o onanisino, a
escolha de determinados tipos de parceiro, a inibição do carinho ou da sensualidade.
Vamos analisar cada um desses problemas sexuais mais evidentes, pela importância e frequência que assumem nas
neuroses.

Impotência
Apresenta-se de modos muito diferentes: estritamente, é a impossibilidade de ereção do pênis para o ato sexual, e pode
ser ocasional, isto é, em determinados momentos ou com alguns tipos de mulheres, ou total e constante em toda
oportunidade. Existem autores, no entanto, que consideram formas de impotência a ejaculação precoce, ou retardada, e
mesmo quando há ereção mas não se atinge o orgasmo (impotência orgasmática). É importante ressaltar que a medicina
atual chegou à conclusão de que 95% dos casos é de origem psíquica.
A psicanálise explica que, em geral, está no inconsciente a ideia de que a atividade sexual é perigosa, isto é, o pênis
pode ser lesado dentro da vagina; temores atuais ligados às angústias de castração da infância, em que o ato sexual
associou-se ao perigoso (brigas, separação, agressividade real entre os pais) ou ao proibido, especialmente ao complexo
edipiano. Pode existir, por trás de uma impotência, um vínculo sexual com a mãe: por um lado, "ninguém é atraente como
minha mãe", e, por outro, "todas as mulheres estão proibidas para mim, porque representam minha mãe".
Mas podem haver outros casos que encontrem explicação num complexo de Ëdipo negativo, quais sejam, fortes
identificações femininas, com grandes tendências passivo--receptivas; ou mesmo o temor de lesar a parceira, pêlos
impulsos agressivos reprimidos.
Na ejaculação precoce, encontram-se os mesmos complexos inconscientes, mais um sadismo reprimido, isto é, o
desejo inconsciente de "sujar" a mulher, ou deixá-la frustrada.
Frigidez
É a ausência de sensações prazerosas na relação sexual por parte da mulher. Também aqui existem diferentes graus:
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mulheres que não se excitam nunca, ou o fazem ocasionalmente e as que se excitam mas não atingem o orgasmo, ou o
atingem ocasionalmente.
A frigidez pode disfarçar-se em uma hipersexualida-de, similar ao donjuanismo no homem, que se caracteriza por
uma atividade sexual insaciável encobrindo uma falta de prazer orgasmático, pois este faria cessar a excitação.
Diz Freud que pode existir uma preponderância da erogeneidade clitoridiana, pela qual não se atinge o orgasmo
vaginal. O importante, porém, é, como na impotência do homem, a angústia diante da sexualidade, a vivencia desta como
um perigo através do medo inscons-ciente de ficar ferida ou de engravidar. As fixações também estão no Édipo. Ë comum
a comparação com o pai (Ëdipo positivo) ou profundas identificações masculinas do Édipo negativo, que trariam como
consequência a tão falada fixação da erogeneidade no clitóris, órgão análogo ao pênis, segundo Freud. Ocorreria, nesta
concepção, uma detenção do desenvolvimento na etapa fálica da menina, e a excitação não se deslocaria para a vagina,
como normalmente acontece na puberdade.
Esta interpretação é contestada radicalmente por determinadas feministas, que consideram o orgasmo vaginal um
mito criado pela ideologia machista da qual não escapou Freud. Interessado em manter a mulher como objeto de prazer, e
sujeito de reprodução, e não reconhecendo no clitóris o centro do orgasmo feminino, o homem também mantém, desta
forma, o poder. Assim, a grande maioria das mulheres não sofreria de frigidez, apenas não teria descoberto a sua fonte de
prazer, o clitóris; ou a consideraria patológica e proibida, impedindo sua satisfação pelo homem.
É uma discussão que fica em aberto. O que parece fora de dúvida é a grande influência de fatores sociais e culturais
na produção da frigidez, reforçando possíveis repressões. Toda uma educação das meninas revelou a sexualidade como
perigosa, proibida e própria dos homens, na qual o tema do prazer e do orgasmo específico da mulher não era tocado nem
cogitado. Assim, a frigidez pode permanecer oculta à própria protagonista, ao contrário da impotência: a mulher talvez
não perceba que é frígida se sempre o foi.

Masturbação compulsiva
A masturbação não é patológica, como acredita-se comumente. É a atividade sexual normal da adolescência, e
também o é na vida adulta, quando ocasional. A abstinência sexual, inclusive da masturbação, é sinal de neurose mais do
que virtude: representa um temor maciço às pulsões sexuais. Outro mito a ser derrubado é considerar a masturbação como
causa de problemas psíquicos: pode ser um sinal de neurose, mas nunca sua causa. E é sintoma neurótico em dois casos:
quando é compulsiva, o sujeito sente-se empurrado a masturbar-se uma e outra vez, às vezes sem vontade, sem excitação
sexual nenhuma, e sem atingir o orgasmo; e quando é exclusiva, prefere a masturbação à satisfação sexual com um
parceiro, sem procurar ativamente ninguém. Neste último caso, é chamada classicamente de onanismo.
A masturbação está ligada sempre a fantasias, conscientes ou inconscientes, sendo estas últimas de caráter narcisista
ou edipianas.

Inibição do carinho e da sensualidade


A sexualidade implica sempre dois componentes: o carinho ou a ternura de um lado, e a sensualidade, a vertente
erógena de outro. A inibição de qualquer um deles é sintoma de neurose.
Assim, há pessoas que somente sentem carinho, levando tudo no plano da amizade, da sublimação, e não consideram
a possibilidade de transação sexual, achando-a de baixo nível; um exemplo disto são os amores platónicos.
No outro extremo, temos os que nunca se ligam afe-tivamente a nenhum dos seus parceiros sexuais, exemplificados
por aqueles que só se relacionam com prostitutas.
Estas inibições provêm de uma dissociação defensiva: não transando, não se comete o incesto temido; e não se
ligando afetivamente, não se trai as figuras amadas no inconsciente.

Dificuldades de manter-se um parceiro


Os neuróticos têm, geralmente, dificuldades de achar um parceiro estável, ou de mante-lo. Por dificuldades sexuais,
por ambivalência e agressividade mal manejada, ou por exigências e comparações, não conseguem uma relação
duradoura, contínua, ou apenas tranquila e sadia.
Às vezes, o sujeito perde oportunidades que poderiam ter resultado num encontro feliz, atribuindo tal fato à falta de
sorte, racionalização que encobre uma passividade na procura de alguém, ou mesmo atos falhos e condutas despercebidas
que estragam as boas intenções conscientes.
É muito comum o sujeito ter um padrão, um tipo ideal, um modelo fixo que serve para a escolha do parceiro. Desta
maneira, poucos, ou ninguém, preenchem tamanhas exigências e o sujeito termina sempre sozinho, ou envolvido em
relacionamentos neuróticos, isto é, com certo tipo de parceiro que joga um papel complementar, e com o qual repete
constantemente uma constelação psíquica determinada. Exemplificando, há os casos de casais que vivem brigando, mas
que não podem separar-se, ou que fazem entre si jogos de sedução/rejeição de sado-masoquismo etc., e os repetem sempre
da mesma maneira, sem poderem transformá-los nem controlá-los.
É preciso dizer que todos estes problemas estão ligados a uma escolha e fixação em objetos sexuais infantis e
inconscientes, como os pais, babás, irmãos, avós etc.
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Problemas com a agressividade
Muitos neuróticos são "chatos", como vulgarmente se diz, isto é, de humor instável, intolerantes, contraditórios.
Também podem ser irónicos, sarcásticos, teimosos, hiper-críticos, enfezados, todas estas formas de deixar escapar uma
agressividade reprimida.
Essa agressividade pode ter como origem a falta de atividade sexual normal — segundo alguns autores, a frustração
sexual engendra agressividade —, ou ser um impulso agressivo original, seja edipiano ou pré-genital, anal-sádico, por
exemplo.
Também estão ligados à agressividade todos os transtornos da vontade e da iniciativa, como a astenia, a indecisão, o
tédio, a ociosidade, a torpeza, a tendência aos atos frustrados ou contratempos, a inibição de ambicionar alguma coisa ou
de satisfazer algo almejado, como medo de mandar, ganhar dinheiro, ou mesmo de sair, escrever, dar-se um presente etc.
A passividade pode ser decorrente de considerar-se inconscientemente toda forma de atividade como agressão, então
se bloqueia todo impulso ativo ou iniciativa.
Há uma conduta particularmente notável em determinados sujeitos, que os predispõe a negar o prémio aos próprios
esforços, ou a repetir inconscientemente "desgraças" ou infortúnios. É a neurose de fracasso, presente de alguma forma
em toda neurose, mas que Freud descreveu como um tipo especial de neurose de destino, com o nome de "os que
fracassam diante do sucesso".
Fadiga/tensão

É o fundo comum de toda neurose, caracterizado por um estado de esgotamento ou tensão crónicas, impossibilidade
de relaxamento, no qual qualquer tentativa de descanso ou repouso reparador não tem sucesso.
O sujeito está sempre cansado sem fazer nada, e não sabe a razão. Quando atribui seu cansaço a uma razão e há
grande desproporção entre a fadiga e o esforço realizado, trata-se então de uma racionalização. Ele não sabe que o esforço
ou trabalho é interno e inconsciente.
Em geral, a fadiga neurótica é o resultado ou a consequência direta da luta do ego contra as pulsões. Depois de uma
batalha, qualquer um se cansa. A tensão é a percepção comportamental externa do trabalho de manter o reprimido
afastado, do trabalho da defesa.

Problemas intelectuais

São as dificuldades de concentração e as inibições intelectuais. A impossibilidade de se concentrar é frequente no


neurótico. O sujeito queixa-se disto no estudo, na leitura, no trabalho — gerando, às vezes, acidentes ou falta de
produtividade — e mesmo nas relações pessoais, por exemplo, não seguindo uma conversa, desligando-se e se distraindo
facilmente. Esta dificuldade, ligada muitas vezes ao tédio (tudo resulta maçante ao sujeito), deve-se à sua "concentração"
em um assunto inconsciente, seja no trabalho que exige as defesas, seja no conteúdo do que está reprimindo, atraentes em
si mesmos. Se o indivíduo desliga-se com facilidade no trabalho consciente, seguramente está ligado a algo inconsciente.
Se todo o mundo exterior o entedia, seguramente está interessado num conteúdo interior inconsciente.
As inibições intelectuais são a torpeza de pensamento e a falta de curiosidade intelectual: o sujeito não entende as
explicações, ou não as questiona, ou não as retém, apresentando, às vezes, problemas de memória.
Há casos de debilidade mental leve que são de origem neurótica, isto é, os indivíduos rotulados como débeis mentais
de origem orgânica no fundo são inibidos intelectuais graves.
Todas estas possibilidades encontrariam explicação em um "não querer" pensar, "não querer" entender, pesquisar,
perguntar, pois fazê-lo é sentido como perigoso. A origem pode ser uma repressão ou frustração da curiosidade sexual
normal na infância e na adolescência por parte dos pais, repressão que se transfere ao plano do conhecimento em geral.
Freud fala em repressão do impulso escoptojílico.
Uma repressão da função do pensamento pode estar associada simbolicamente a uma função sexual: conhecer uma
matéria é incorporar conhecimentos. Se o sujeito tem problemas com sua pulsão oral, isto vai ser transferido a qualquer
incorporação, inclusive à de conteúdos intelectuais. A memória de alguma forma "retém", e fazer exames ou dissertações
"expulsa" conhecimentos. Qualquer problema com a pulsão anal pode refletir-se no aprendizado, nestas funções.
Pesquisar ou ter curiosidade, de alguma forma é "penetrar" com o pensamento no desconhecido. Se o modo fálico
está perturbado, refletir-se-á na área intelectual: os inibidos intelectualmente seriam "castrados" mentais.

Perturbações do sono
São muito frequentes: a insónia é um intoma neurótico típico. O sujeito não consegue dormir e não sabe porquê.
Quando o psicólogo é consultado por um problema de insónia, deve pensar quase automaticamente em conflito psíquico e
neurose: no fundo, o sujeito tem medo de abandonar-se à passividade que exige o dormir, ao relaxamento indispensável
para entrar no sono, porque perderia o controle das defesas e o reprimido apareceria durante o sono, nos sonhos. E não se

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engana.
Os pesadelos repetidos e o sono agitado são também sintomas neuróticos, sendo de fundamental importância o tema
dos mesmos para compreender o conflito psíquico subjacente.

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Neuroses traumáticas

Definição

Tipo de neurose cujos sintomas aparecem consecuti-vamente a um choque emocional — o trauma —, geralmente
ligado a uma situação na qual o sujeito sentiu sua vida ameaçada. Os exemplos mais comuns de traumas são os sofridos
nas guerras, nos acidentes, os ocasionados pela detonação de uma bomba, pela morte súbita ou violenta de seres queridos,
um grande susto etc.
Freud destacou as neuroses traumáticas a partir do estudo das neuroses surgidas na Primeira Guerra Mundial,
chamadas especificamente neuroses de guerra.
No momento do choque há uma crise, seja de angústia, estupor ou confusão mental; depois há uma fixação no
trauma, caracterizada pêlos sintomas de repetição deste, com uma inibição generalizada das atividades do sujeito.
Crises emocionais
No momento do trauma, logo depois do impacto, o sujeito sofre algum tipo de ataque incontrolável. Os mais
frequentes são os de estupor, confusão mental e angústia.
No primeiro, o sujeito fica paralisado pela surpresa e pelo temor, com a expressão vazia, totalmente imobilizado,
tonto, podendo chegar ao desmaio.
Na confusão típica, o sujeito apresenta-se desorientado, sem noção de tempo e espaço, falando coisas desconexas,
sem sentido aos ouvidos alheios.
Certas vezes, a confusão manifesta-se por agitação — movimentos, gritos e correrias sem finalidade, ou de tipo
histeriforme, com gritos, murros e choros raivosos.
Por último, o ataque pode ser de angústia, uma angústia difusa, com desassossego, insegurança, medo, culpa, e sinais
corporais como opressão torácica, asfixia, diarreia, náuseas, vómitos, taquicardia etc.
Estes ataques não configuram ainda uma neurose traumática, são uma reação normal de desorganização frente ao
acontecimento.

Insónia
É um dos sintomas principais da neurose traumática. O sujeito está cheio de tensões e não consegue relaxar. Mesmo
quando consegue, o sono é descontínuo, agitado, com despertares bruscos. É que o sujeito teme os pesadelos, a volta do
trauma.

Sintomas/crises

Os sintomas típicos da neurose traumática são de cinco tipos.

Sintomas de repetição
O sujeito evoca, uma e outra vez, a cena do trauma. Ou melhor, este impõe-se-lhe na vida psíquica de várias
maneiras: em sonhos e pesadelos, o sujeito repete por imagens a situação do trauma, em cópia exata, às vezes nos
mínimos detalhes. É torturante, mas é a única maneira de se conseguir dormir. Na ruminação mental, em estado de vigília,
o sujeito rumina pensamentos, fantasias, possibilidades ("poderia ter sido assim, ou de outra maneira"). Constantemente,
girando ao redor do mesmo tema. Também necessita relatar aos demais sempre a mesma coisa. Pode aparecer, ainda em
forma de tiques ou movimentos automáticos, que parecem sem significado, mas que na verdade são a repetição de
movimentos que teriam sido adequados àquela situação, mas que não foram realizados. Os sintomas de repetição são
essenciais para estabelecer o diagnóstico diferencial entre uma reação normal ao trauma e a neurose traumática; ou entre
uma neurose traumática propriamente dita e uma psiconeurose que se desencadeou por um trauma. Devem se fixar por
longo tempo com pouca modificação (1.° caso), e devem ser o sintoma central, o predominante no quadro (2.° caso).

Bloqueio do ego
O sujeito apresenta-se fatigado, astênico, todo esforço intelectual ou físico lhe custa muito. Há uma regressão geral, uma
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espécie de desvalimento, necessitando de cuidados por parte dos seres queridos. Ocorre também um desinteresse pela vida
sexual, que pode chegar à impotência, neste caso inespecífica, não-ligada ao conflito psíquico inconsciente, e sim produto da
inibição generalizada do ego. Outra função do ego que se encontra inibida é a perceptiva, e o sujeito pode sofrer desmaios
(um "não querer ver").

Complicações psiconeuróticas
É muito difícil encontrar uma neurose traumática pura. Depois do trauma e das crises de angústia, é comum
observarem-se episódios psicóticos (surtos esquizofrênicos, delirantes) ou, mais frequentemente, sintomas neuróticos
como fobias, conversões, amnésias histéricas etc.

Explicação económica e psicodinâmica

Por definição, trauma é um acontecimento forte, penoso ou doloroso, para o qual o sujeito não estava prevenido, em
que não houve possibilidade de reação, seja por razões sociais, por repressão, ou pela própria surpresa, isto é, pelo
inesperado da sua manifestação. Alguns exemplos típicos poderão esclarecer esta definição sumária: receber subitamente a
notícia da morte — por acidente —, de um ser querido e aparentemente insubstituível, estando o sujeito numa situação
social que constrange qualquer reação espontânea (gritar), ou mesmo no meio de um tra-.balho que não pode abandonar;
ser assaltado sexualmente, ou mesmo por dinheiro, sem poder reagir numa perigosa situação de coação; assistir à morte de
um companheiro de combate no meio de um bombardeio, sem nada poder fazer, pois o que se exige é salvar a própria
vida.
Assim, podemos explicar a ação do trauma do ponto de vista económico, isto é, em termos de quantidades de
excitação, como uma dose excessiva de estímulos que "entra" no aparelho psíquico e não é adequadamente elaborada —
isto é, ligada à vida psíquica cotidiana —, ou descarregada.
Pelo fato de ser um acontecimento súbito e inesperado diz-se que o sujeito sofreu-o, viveu-o passivamente, sem
possibilidade de controle do ego. O ego perdeu o controle da situação, dos estímulos e da descarga.
A explicação para os sintomas de repetição é que experimentando constantemente aquilo que viveu, há uma tentativa
de descarga, de estimulação por parte do sujeito, como uma reação adiada no tempo. Através das repetições, o controle
pode ser lentamente recuperado, pois o ego cria a situação novamente, vivendo ativamente aquilo que sofreu
passivamente.
Este trabalho do ego sobre o trauma explica as inibições e os bloqueios do sujeito. O ego está concentrado, tentando
ligar, controlar e descarregar a energia perturbadora, e por isso não quer receber mais estímulos que viriam a aumentar o
problema. É uma tarefa urgente, e por isso deixa as outras funções sem energia; não importam as exigências do mundo
externo, pois existe um trabalho sendo feito no interior do aparelho psíquico.
Em condições normais, os acontecimentos comuns da vida são integrados à personalidade e são esquecidos gra-
dualmente. O ego escolhe e liga as cenas ao conjunto de lembranças ou traços mnêmicos, como se classificasse e ordenasse
um fichário; a sua força vai se desgastando com o tempo, como uma fotografia velha que vai ficando esmaecida, até
sobrarem apenas os detalhes principais, que podem ser evocados à vontade. Este trabalho de percepção discriminada,
ligação e desgaste não é feito no sujeito traumatizado: o ego é surpreendido, não pode escolher, percebe a contragosto,
como se tivesse sido forçado a "engolir" alguma coisa nojenta, então isto fica incubado, sem assimilação. A energia
excessiva não pôde ser descarregada, o fato não vira lembrança, mas está sempre presente o acontecimento traumático,
dissociado da vida psíquica normal, não integrado à personalidade.
Por que um mesmo acontecimento provoca uma neurose traumática em algumas pessoas, e não em todas as que o
sofreram? Nem todo mundo que viveu a guerra, ou determinados dramas, ficou com uma neurose. Aqui deixamos as
explicações económicas — em termos de energias —, para entrar nas psicodinâmicas. E vamos afirmar que para
configurar-se uma neurose traumática, é neces-
sária uma predisposição psiconeurótica, diante da qual o trauma foi o desencadeante. Havia uma neurose latente, uma
disposição antiga; um acontecimento externo forte rompe um equilíbrio relativo que se tinha atingido, e isto então se
exterioriza, em forma de neurose traumática.
Acabamos de aplicar aqui, para a compreensão da etiologia das neuroses, o esquema freudiano das séries
complementares:
Presente X passado ou Desencadeante X predisposição ou Trauma X fixações infantis,
que integram uma relação inversa, isto é, quanto mais de um fator, menos do outro se necessita para chegar-se a uma
neurose; quanto mais intensas forem as fixações infantis ou a predisposição psiconeurótica, menor será a intensidade de
acontecimento da vida adulta para desencadear uma neurose. Assim, um indivíduo com fortes fixações orais, de tipo
psicótico, chegará à puberdade, e a menor frustração detonar-lhe-á um episódio psicótico. No outro pólo, uma bomba que
explode de surpresa e mata várias pessoas desencadeará uma neurose traumática em muitos outros presentes, não se
necessitando tanta predisposição. Porém, um sujeito com uma infância e pais sadios, sem fixações de importância, reagirá
com desorganização e algumas manifestações de repetição naturais, isto é, o acontecimento foi traumático, mas não se
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configurará uma neurose traumática. Para isto, é preciso a predisposição, o outro pólo da série complementar.
É por isso que sempre se manifestam "complicações" psiconeuróticas, sintomas de outros quadros, sendo difícil
determinar, às vezes, se vão configurar efetivamente estes outros quadros depois de passado um tempo. Se isto acontecer,
veremos então que o trauma atuou somente como gota d'água. Por isso, reservamos o nome de neurose traumática
estritamente para aqueles casos em que o acontecimento traumático, a repetição, os pesadelos, são os sintomas
predominantes no quadro. Ou seja, remetendo às séries complementares, é necessário o predomínio do pólo traumático
dos fatores do presente sobre os do passado (ou psiconeuróticos).
Além da predisposição do sujeito, Freud dava especial importância à condição de susto para que um acontecimento
fosse sentido como traumático, isto é, o grau de preparação do sujeito: quanto maior a prevenção, menor a possibilidade
de trauma. Assim, aqui temos um princípio aplicável à vida prática para o estudante de psicologia, que, de agora em
diante, já sabe como é que se deve transmitir uma notícia desagradável ou impressionante: aos poucos, preparando o
sujeito para recebê-la.
Como é que atua o trauma sobre aquela predisposição?
Essa predisposição, como já sabemos, constitui o conflito psíquico inconsciente que, nos casos de neurose traumática,
atingiu evidentemente um relativo equilíbrio, por isso não se manifestava neurose. Pois bem, o trauma veio romper esse
equilíbrio relativo, pois fornece muita energia a uma das partes, os impulsos reprimidos; o ego não pode reprimi-los mais,
é superado, resultando nos sintomas. Logo, o trauma tem sempre alguma relação, alguma associação simbólica com uma
situação reprimida. A situação exterior é vivenciada como a realização, na realidade, de um desejo proibido, reprimido,
ou de um castigo terrivelmente temido, e inconsciente.
Por exemplo, um sujeito com uma intensa angústia de castração, resquício de um complexo edipiano não superado,
sofre um acidente e perde uma perna ou tem uma lesão física grave qualquer (nem pensar se forem os genitais) : isto é
sentido como a castração tão temida, e se desencadeia a neurose traumática. Esta situação também se dá após operações
cirúrgicas, nas quais o sujeito perdeu alguma parte corporal e não foi suficientemente informado nem preparado.
Outro exemplo típico são as constelações inconscientes nas quais predomina a culpa; a morte repentina de uma pessoa
a quem o sujeito está ligado ambivalentemen-te é vivenciada como a concretização dos desejos agressivos reprimidos. É
como se no inconsciente o sujeito dissesse "meu ódio o matou".

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Neuroses atuais

Esclarecimentos preliminares

Tradicionalmente, Freud dividia as neuroses em neuroses atuais e em psiconeuroses. As neuroses atuais são a neurastenia
e a neurose de angústia e as psiconeuroses são a neurose fóbica, a histeria e a neurose obsessiva.
A neurastenia não merecerá um capítulo à parte, por tratar-se de uma síndrome ou conjunto de sintomas que não
constituem um quadro.
Chamava-as de neuroses atuais, porque achava a causa que explicava sua etiologia em certas desordens da vida sexual
atual, da vida adulta do sujeito, e não em acontecimentos da vida infantil — ainda que sexuais —, como acontece nas
psiconeuroses. Então, sua origem é no presente, no regime sexual do indivíduo, e não nos conflitos, traumas e fixações
infantis. Ele relacionou a neurose de angústia a uma falta de descarga da excitação sexual, ao passo que a neurastenia
estaria ligada a uma descarga inadequada ou parcial da mesma excitação.
Também diferenciava as neuroses atuais das psiconeuroses, quanto ao mecanismo de formação dos sinto-
mas: nas neuroses atuais este mecanismo seria somático, como, por exemplo, a transformação da excitação sexual em
angústia, e não simbólico como são os mecanismos de defesa do deslocamento, da projeção etc., etc., que vão dar nos sintomas
psiconeuróticos (fobias, ideias obsessivas).
Atualmente, tem-se abandonado tal divisão tão radical, pois a experiência clínica mostra que sintomas de neuroses atuais
são, com frequência, a fase precursora dos sintomas psiconeuróticos, pois estes se desencadeiam através de uma frustração
atual que estagna a libido, e esta vê-se forçada a regredir.
Mesmo assim, conserva-se alguma utilidade clínica no conceito, pois se reconhece que em toda psiconeurose há sintomas
inespecíficos que são consequência direta da libido não-satisfeita, e também da agressividade não-ex-pressa, concepção que
está, em última instância, subjacente a toda teoria moderna das doenças psicossomáticas.

Neurastenia

Definição
Vulgarmente, conhece-se como neurastênico um sujeito mal-humorado, esquisito, instável, o que corresponderia ao
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neurótico em geral. Cientificamente, neurastenia designa uma síndrome de fraqueza nervosa.
A etimologia da palavra ilustra o quadro sintomático neuros, nervos, e astenia, debilidade, fraqueza.

Sintomas
São sintomas da neurastenia a fadiga física de origem psíquica, as cefaléias, a constipação ou diarreia, os tremores e
fibrilações, a dispepsia, a ansiedade e o empobrecimento da vida sexual.
O sintoma principal que define a síndrome é a fadiga; o sujeito sente-se cansado sem saber porque, sem ter feito
esforço físico algum e não pode descansar, está constantemente tenso, não podendo relaxar muscularmente.
Na prática da clínica médica, usa-se o diagnóstico de estafa, que quase se superpõe ao nosso conceito de neurastenia.

Explicação e discussão
Freud pensava que os sintomas neurastênicos eram devidos à masturbação, tomada como regime de vida sexual, isto é,
constante. Para Freud, na masturbação não haveria descarga adequada da tensão, então o impulso não totalmente satisfeito
buscaria descarregar-se em sensações físicas de emergência, elevando o tônus muscular.
Ele falava em "transformações químicas da energia sexual não-liberada". Fenichel aperfeiçoou esta concepção,
preferindo falar em "orgasmo deficiente", e não na masturbação em si. A angústia, especialmente os sentimentos de culpa
que acompanham a masturbação, perturbam o caráter satisfatório que pode ter a mesma.
É notável a frequência de uma vida sexual insatisfatória por trás de toda estafa.
Atualmente, têm-se feito agudas críticas a esta concepção, dentro do campo da clínica, e principalmente num ponto de
vista ideológico, isto é, numa perspectiva anti-psiquiátrica.
Thomas Szasz, papa da antipsiquiatría, denuncia que Freud e Fenichel colocam-se em uma tradição médica e religiosa
antiquíssima que atribui à masturbação muitas doenças, tradição esta anti-sexual e condenatória das práticas não-
convencionais, impregnada de ideologia.
Dentro do campo clínico, a síndrome neurastênica não seria mais do que uma forma de se apresentar a astenia
depressiva típica, em quadros de neurose obsessiva, esquizoidia neurótica, ou mesmo de depressão.
Se a neurastenia é acompanhada de masturbação compulsiva, como ainda se observa na prática, independentemente do
quadro, esta não é o fator causal; a causa reside principalmente nos fortes sentimentos de culpa envolvidos, sejam de origem
sócio-religiosa, sejam originados nas fantasias incestuosas reprimidas que a acompanham.
Também destacam-se as fantasias sado-masoquislas que acompanham alguns quadros de neurastenia, representando a
masturbação compulsiva o resultado de uma verdadeira "flagelação" simbólica, com o sujeito atolado num verdadeiro "mar
de lama" masoquista.

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Neurose de angústia

Definição
Tipo de neurose caracterizada do ponto de vista sin-tomatológico pelo predomínio da angústia, que pode vir crónica
ou em crises, que pode ser psicológica ou manifestar-se somaticamente; numa perspectiva etiológica, a neurose de angústia é
o acúmulo de excitação sexual ou agressiva não descarregada, e transformada diretamente nos sintomas, sem mediação
psíquica.

Sintomas/crises
Podem se apresentar de forma aguda, configurando os chamados ataques ou crises de angústia, nos quais predominam
as manifestações físicas, ou de forma crónica, na qual prevalecem as manifestações psíquicas como a "espera ansiosa", não se
excluindo alguns sintomas somáticos, como a diarreia crónica.

Manifestações corporais
Vejamos as manifestações corporais, uma a uma, que juntas conformam um acesso de angústia típico.
Respiratórias
São a dispneia e a asfixia, mas também os acessos de tosse, o soluço e a disfonia. Os sujeitos apresentam todos os
graus de dificuldades para respirar, que podem chegar até a um bloqueio de tipo asmático.
O termo angústia tem suas raízes nestes problemas respiratórios, pois angusto quer dizer estreito. Os sujeitos sempre se

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queixam de uma opressão, de um "peso no peito", de uma sensação de estreiteza torácica.

Cardiovasculares
As palpitações, as taquicardias e as "pontadas" no coração. Cãibras ou formigamentos também se apresentam, são as
vasoconstrições e congestões sanguíneas.

Digestivas
São as sensações de "garganta apertada" ou de "bolo esofagiano", as náuseas, os vómitos, a diarreia, a secura da boca,
uma fome e sede paroxísticas, e dores e espasmos gástricos e intestinais.

Urinárias
O sujeito pode apresentar algum problema no ato de urinar, como, por exemplo, ir demasiadas vezes ao banheiro
(poliúria), ou, ao contrário, não poder urinar de uma vez só, senão aos poucos (estrangúria).

Neuromusculares
Crises de tremor ou fibrilações, "latejos" faciais e palpebrais; também podem ser dores pseudo-reumáticas.

Sensor/a/s e cutâneas
São as paraestesias, as crises de coceira ou de arrepio, o suor abundante no corpo todo, o famoso "suor frio" nas mãos,
nos pés etc., os zumbidos nos ouvidos, a visão nublada, a sensação de "moscas voando", as enxaquecas e a vertigem ao
caminhar. A vertigem ocupa um lugar sobressalente no grupo dos sintomas desta neurose. Pode constituir uma verdadeira
perda de equilíbrio, um cambalear, mas não é giratório: o sujeito tem a sensação de que o chão é que oscila, com as pernas
afundando nele. As pernas tremem, dobram-se e pesam como chumbo, mas não provocam a queda do sujeito. Pode chegar
ao desvanecimento.
Resumindo: as manifestações corporais mais importantes da crise de angústia são a "falta de ar", a opressão no peito,
as palpitações, as náuseas, a diarreia, o tremor, os arrepios, o suor e a vertigem.
Qualquer manifestação destas pode se apresentar isolada, ou ser a predominante no ataque, fenómeno que Freud
chamou de "ataque de angústia rudimentar" ou "equivalente" do ataque. São exemplos os ataques de soluço, as crises de
fome ou de sede sem nenhuma razão, uma diarreia aguda, um ataque só de suor, ou só de tremor, e a sensação isolada de
opressão no peito. Muitos dos "ataques" do coração nada mais são do que ataques de angústia rudimentar, sem nenhuma
consciência ou manifestação psíquica.
Todas estas manifestações somáticas podem aparecer ou não acompanhadas da sensação subjetiva de angústia, e há
pacientes que consultam o médico somente pêlos sintomas físicos, sem fazer nenhuma referência à angústia, ou a
mencionando ligeiramente como um "mal-estar".

Manifestações psíquicas
As manifestações psíquicas também podem ser agrupadas em certas categorias.
A excitabilidade geral
É o que vulgarmente se chama de "nervosismo": o termo "nervoso" deve ser traduzido logo pelo clínico como
angústia. O sujeito está irritável, instável, irrequieto, hiper-sensível, reage aos estímulos de uma maneira exagerada, não
com as emoções normais mas com agitação, cólera, sintomas físicos e mudanças de humor.
É importante ressaltar a hiperestesia auditiva, isto é, uma hipersensibilidade aos ruídos: ao menor barulho, como um
talher caindo no chão, uma janela batendo, o sujeito pula assustado na cadeira.

A "espera ansiosa"
É o sintoma nuclear da angústia, também chamado a espera de um perigo: algo terrível vai acontecer, não se sabe
bem o quê, e isto justifica por fim, sua angústia flutuante.
O sujeito tem medo de tudo, e de nada em particular. Assim, uma 'mulher escuta seu marido tossir, e pensa logo na
possibilidade de câncer; recebe uma carta da família e pensa logo em desgraça. Todos os fatos são ameaças, e todos os
pensamentos são pressentimentos.
A espera ansiosa também é chamada de angústia flutuante ou "angústia livremente flutuante" (Freud), em oposição à
angústia ligada a um objeto, como é o caso das fobias.
Quando esta espera ansiosa refere-se aos perigos de doenças, isto é, o indivíduo vive atento aos menores sinais
corporais, e os atribui a doenças, fala-se em hipocondria. Geralmente, os sujeitos ansiosos tem algum sintoma de tipo
hipocondríaco: estão "esperando" ficar doentes.
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A pejoração da existência
A angústia cria sentimentos paralisantes, o sujeito vê seu futuro negro e sem perspectiva, sente-se inferior e sem
sorte, tem uma tendência a uma visão pessimista das coisas.

Transtornos do sono
São a dificuldade para dormir, os despertares bruscos e frequentes, os pesadelos ou o "pavor noturno" (o sujeito rola
na cama, choraminga, geme, sem poder acordar). É interessante assinalar que é comum acordar abruptamente às 3 horas
da madrugada, o "pólo matinal da angústia".

Complicações psiconeuróticas
As mais comuns são certas fobias às tormentas, à escuridão, aos insetos, às serpentes, onde a angústia liga-
-se a medos universais, intensificando-os; assim, tornam-
-se fobias inespecíficas, muito gerais, diferentes das da neurose fóbica, em que o objeto fóbico tem um valor simbólico
pessoal e inconsciente. Outras fobias comuns da neurose de angústia, são a agorafobia, ligada, às vezes, a anteriores
ataques de vertigens, e o medo da loucura e da morte.
Uma outra complicação, já citada acima, além dos sintomas hipocondríacos, são as alterações psicossomáticas, nas
quais o ansioso liga a ansiedade a algum órgão, descarregando-a assim por essa via privilegiada, e não como no ataque de
'angústia, que é uma descarga mais generalizada. Inúmeros ulcerosos e asmáticos são, na verdade, sofredores de angústia.

Caráter

A angústia, quando é traço de caráter, configura sujeitos instáveis e principalmente confusos. A confusão é o
principal traço de caráter da neurose de angústia, que se
manifesta ria esfera mental como dúvida, ou melhor, insegurança, na esfera da linguagem como um discurso afobado,
atrapalhado e na esfera da ação como torpeza e desajeitamento. Os ansiosos vivem quebrando coisas, não com intenções
agressivas inconscientes (os "atos falhos"), mas unicamente pela ansiedade geral, pela desorganização.
Segundo Goldstein, a ansiedade é um estado de desorganização do organismo. A angústia seria a reação do
organismo que perdeu a possibilidade de resposta organizada e coordenada. Esta reação é, então, não só incor-reta e
inadequada, mas desordenada, inconstante e contraditória.
Foram chamados de "traumatófilos", pois quando estão envolvidos pela angústia, não fazem nada para sair dela; estão
como que "fascinados", no meio de um redemoinho; temem a ameaça, esse perigo-fantasma, mas ao mesmo tempo o
desejam; não fogem, deixam-se envolver.

Concepção psicanalítica clássica

Antes de mais nada, é preciso esclarecer o sentido dos termos angústia e ansiedade; podemos afirmar que são
sinónimos, às vezes usados indistintamente. Outras vezes, faz-se uma diferença em termos de predominância de sintomas:
na ansiedade, prevaleceriam os sintomas psíquicos, como a "espera ansiosa", ou a espera de um perigo, e na angústia
predominariam os sintomas físicos (lembrar que a etimologia da palavra provém da "estreiteza do peito").
José Eleger esclareceu definitivamente a terminologia e a fenomenologia da angústia, utilizando o esquenia das "áreas
de manifestação da conduta": todas seriam formas de reação a um perigo: na área l, que é a da mente, manifesta-se em
forma de ansiedade, e o perigo é interno ou inconsciente; na área 2, que é a do corpo, manifesta-se em forma de angústia,
com todas as inervações e descargas do sistema nervoso parassimpático; e na área 3, que é a do mundo externo, quando o
perigo localizou-se no exterior, manifesta-se em forma de medo e da posterior consequência comportamental, a evitação e
a fuga. Ansiedade, angústia e medo não são mais do que as três faces de uma mesma conduta, a reação a um perigo.
Nos primeiros tempos, quando Freud isolou o quadro da neurose de angústia, atribuiu sua etiologia exclusivamente a
fatores sexuais atuais. Se o clínico diagnosticou com precisão uma neurose de angústia pura, a primeira pergunta a se
fazer ao paciente é sobre seu regime sexual, diz Freud, e sempre se descobrirá alguma anomalia, principalmente a prática
do coito interrompido, ou a abstinência prolongada.
A causa principal era, então, uma excitação sexual que não atingia sua satisfação, isto é, o orgasmo. A angústia é,
dessa maneira, uma expressão direta e automática do estagnamento da libido.
Na concepção primeira de Freud, o impulso sexual consistia em uma acumulação de produtos sexuais, somáticos, e
chegando a um ponto limiar, essa energia passava ao plano psíquico, sendo necessário um trabalho, a "elaboração"
psíquica, pela qual o impulso ligava-se a um objeto e a uma determinada atividade sexual para descarregar a tensão.
Pois bem, nos sujeitos sofredores de sintomas de angústia, havia uma acumulação de tensão, mas uma insuficiência
de "elaboração psíquica" da excitação, isto é, uma tensão somática que não atingia o plano mental e ficava no plano fírico.
Os sintomas físicos da angústia eram explicados como uma tentativa de descarga de emergência por vias somáticas.
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O orgasmo é a descarga natural de todas as tensões libidinais e agressivas; depois dele vem o relaxamento. Se
o orgasmo não é atingido, as excitações se descarregam em forma de angústia. Dizia Freud que era suficiente o clínico
aconselhar a suspensão das práticas erradas para a neurose sumir.
Freud sistematizou os diversos casos nos quais se apresenta frequentemente a neurose de angústia:
1. Angústia virginal, geralmente na adolescência, mediante filmes ou fatos que desenvolvem a fantasia e a excitação
sexual, sem que esta última possa ser satisfeita.
2. Angústia das recém-casadas, frígidas nos primeiros contatos sexuais.
3. Angústia das mulheres de maridos impotentes, com ejaculação precoce ou que não mantêm relações sexuais com
elas.
4. Angústia das viúvas, ou das voluntariamente abstinentes — freiras, por exemplo.
5. Angústia no climatério, pois há uma elevação da libido, não correspondente a das práticas sexuais.
6. Angústia no homem que sofre de excitação frustrada, como por exemplo, em certos noivados, ou por temor às
doenças venéreas.
7. Angústia dos que praticam o "coito interrompido".
8. Depois de uma "estafa" ou esgotamento intelectual, o paciente vem com a desculpa do trabalho mental, que
esconde a abstinência sexual, ou práticas masturba-tórias insatisfatórias, que ele não menciona. A estafa pode ser
compreendida deste ponto de vista como um verdadeiro e simples ataque de angústia.
Raramente, a neurose de angústia apresenta-se pura, e tal como acontece nas neuroses traumáticas, geralmente, é a
fase inicial ou o desencadeante de uma psicose ou de uma neurose. É frequente fazer parte de uma "neurose misturada"
com qualquer psiconeurose, especialmente com a neurose fóbica ("histeria de angústia", segundo Freud) e com a histeria,
cujos ataques têm pontos em comum.
Acontece que as defesas destas psiconeuroses (sentimentos de culpa, recalque) impedem também uma satisfação da
sexualidade atual, como a impediam as práticas erradas de que falamos anteriormente. Aliás, com as facilidades de hoje
em dia — os anticoncepcionais e a maior liberdade sexual —, a abstinência é geralmente produto das defesas
psiconeuróticas.
Quando uma neurose de angústia transforma-se em uma psiconeurose, acontece que a angústia maciça é controlada e
evitada pelas medidas defensivas e pêlos sintomas ficando estes no lugar da angústia. Como exemplo destes mecanismos,
temos a projeção e o deslocamento da angústia que dão lugar às fobias e aos rituais obsessivos. Mas Freud descobre um
resto, uma quantidade mínima, suportável e quase imperceptível de angústia que subsiste, chamada de "angústia sinal", ou
"sinal de angústia", que funciona como alerta de perigo e põe em funcionamento os mecanismos de defesa. Quando estes
são impedidos de funcionar, por exemplo, por causa da aparição súbita do perigo, nas fobias, ou da não-realização do
ritual na neurose obsessiva, aparece novamente a angústia maciça, em forma de crise.
Temos esboçadas aqui, sem perceber, as duas teorias da angústia de Freud, que terminamos de resumir: na primeira
(1895), Freud dá uma explicação somática, onde a angústia era o resultado automático de uma tensão sexual estagnada;
e na segunda (1926), ele ressalta o papel psicológico, no qual a angústia é a reação a um perigo. No caso da neurose, o
perigo é interno, um impulso reprimido, inconsciente, que luta por irromper na consciência.
Quando o perigo é externo, fala-se em medo. Classicamente, dir-se-ia que o medo é a reação a um objeto perigoso
externo, e a angústia um "medo sem objeto".
Freud supera esta contradição, e hoje sabemos que a angústia também tem. um objeto, porém interno e inconsciente.
As pesquisas das doenças psicossomáticas descobriram o papel jogado pela agressividade como impulso de-
sencadeante de angústia, quando interrompida em sua expressão. Ao lado da sexualidade, temos hoje que ressaltar a
importância da agressividade na etiologia da angústia, o que aliás seria um desenvolvimento natural da teoria dos Instintos
de Vida e Morte, da última época de Freud.
Assim, o homólogo do coito interrompido é a "cólera reprimida", que provoca hipertensão, enxaquecas etc.

Melanie Klein fez uma contribuição importante à clínica e à teoria da angústia, propondo dois tipos de ansiedade:
uma paranóide e a outra depressiva.
. A ansiedade paranóide é o próprio medo, e origina-
-se no estágio mais primitivo do desenvolvimento da psique, a posição esquizo-paranóide. Devido à projeção maciça do
instinto de morte em forma de agressão, o bebé cria os objetos "perseguidores" e a ansiedade é o medo de aniquilação do
ego — e do objeto ideal — por parte desses perseguidores. O adulto experimenta-a como medo de morrer, de ser atacado,
ou como qualquer ameaça do mundo externo.
A ansiedade depressiva origina-se na posição depressiva e refere-se ao medo de perder o objeto: o bebé vivência a
própria ambivalência e sente a possibilidade de que sua agressão aniquile o objeto bom, o objeto do seu amor. O adulto
experimenta-a nas suas relações de amor
— ambivalentes —, como o medo da separação, do afastamento da pessoa querida, ou a sente como angústia de que o
caso de amor acabe por qualquer circunstância — traição, sedução por outro, acidente etc.

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Neurose Fóbica

Definição

Neurose caracterizada pela localização da angústia em pessoas, coisas e situações, que se tornam, assim, ob-jeto de
um terror paralisante (fobias); e pelas medidas de defesa contra o aparecimento do objeto fóbico ou da angústia (condutas
evitativas).
Foi denominada por Freud de histeria de angústia.

Sintomas/crises
Os sintomas principais são as fobias e as condutas fóbicas.

As fobias
São a manifestação essencial desta neurose, e podem ser definidas pela existência de um objeto fóbico (situações,
lugares, pessoas, objetos, animais, condutas etc.), e do terror (medo) que provocam no sujeito. Quaisquer
coisas, mesmo os objetos ou situações mais inverossímeis ou inofensivos, podem se tornar objetos fóbicos, isto sendo
determinado pelas associações inconscientes do sujeito, da sua história particular (sintomas individuais).
Exemplos de sintomas individuais poderiam ser a fobia aos pentes, à escola, ao cabeleireiro, ou às franjas das toalhas
ou cobertores.
Existem também os sintomas típicos, comuns a muitos sujeitos fóbicos, que enumeramos a seguir.

As fobias de espaço
1. Claustrofobia: medo de estar ou passar em lugares fechados ou de tamanho reduzido. Exemplos disso são o medo de
ficar preso em quartos pequenos, o medo às ruas estreitas, o medo de ser enterrado vivo etc. Geral-giente, o sujeito entra
em pânico se o lugar não tem saídas de fácil acesso (janelas, portas à vista), ou se essas saídas estão fora do seu controle
(porteiro, trâmite burocrático).
2. Agorafobia: o contrário da claustrofobia, é o medo de grandes espaços descobertos, largos, como ruas espaçosas,
vales, praças etc.
3. Acrofobia: é o medo aos lugares elevados como montanhas, terraços, e o medo-pânico de cair do alto — a
vertigem fóbica. O medo aos elevadores pode incluir a acrofobia, a claustrofobia e o medo à escuridão.
4. Fobia à escuridão: medo de penetrar em quartos ou espaços sem luz, que se apresentam como muito ameaçadores.
Inclui o temor à ocorrência de black-outs.
5. Medo dos meios de transporte: (trem, navio, avião etc.) o sujeito tem pânico de subir em ou usar algum deles,
porque pode ficar preso ou sentir sensações "alteradas" de equilíbrio.

A s fobias sociais
O sujeito tem medo de aglomerações (multidão), de falar ou aparecer em público, de participar de um grupo, dançar
etc. Casos especiais são a eritrofobia, que consiste no temor de corar (enrubescer) diante das pessoas e a fobia aos
contatos humanos, como o medo de olhar nos olhos, de dirigir-se a uma autoridade, a um policial, ou de ser tocado.

Zoofobia ou fobia aos animais


Pode ser aos grandes animais, como ocorre nas fobias da primeira infância: leão, urso, tubarão, cavalo etc., e aos
pequenos animais, que são resquício das fobias da segunda infância: ratos, cobras, aranhas, insetos, sapos, lagartixas etc.

As fobias relacionadas com a saúde Trata-se dos medos de enlouquecer, de morrer, de doenças em geral, especialmente
do câncer, de ser feio ou repelente, de exalar mau cheiro. Nestas se incluem, também, as fobias às infecções, ao contato
com pessoas ou coisas, como, por exemplo, as fobias às maçanetas. Aqui, a neurose fóbica mistura-se à neurose
obsessiva.

As condutas fóbicas
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São aquelas coisas que o fóbico faz — ou não faz
— para evitar o aparecimento do pânico. Aqui, encontramos as condutas de evitação e a necessidade de um acompanhante.

Condutas de evitação
Se os objetos fóbicos são percebidos, o sujeito sente-se na iminência de uma crise de angústia, com todas as suas
manifestações psicológicas e físicas (corporais). Então, dirige seu comportamento no sentido de evitar o encontro com o
objeto-tabu, através de condutas de fuga diversas, segundo o grau da angústia subjacente.
Certos sujeitos trancam-se nas suas casas ou em seus quartos, para evitar a rua e o possível encontro temido; não
atendem ao telefone, rejeitam convites para encontros. Nas fobias a certos lugares, não saem de férias, e não viajam,
também com a finalidade de evitar veículos. Outros fazem trajetos definidos, rodeios, planejando cada passo, evitando
certas linhas de ônibus, certas ruas, certos bairros ou certas ocupações. Há o exemplo de uma paciente, que, por temor de
encontrar percevejos, não podia arrumar as camas.
Para evitar pensar em certas coisas que temem, outros fogem "para adiante", tocam o "barco para frente", preen-
chendo o tempo com qualquer atividade, às vezes sem propósito e quase ininterruptamente, lendo o que estiver ao alcance
da mão, e assim por diante.

Constituição de objetos contrafóbicos ou tranquilizadores


O sujeito necessita da presença de uma pessoa determinada, para não se sentir angustiado. A necessidade de
companhia é compulsiva, o sujeito não pode fazer nada sem ela, não pode sair, ir a certos lugares; são pessoas que se
"grudam" a alguns amigos ou a um dos pais.
Às vezes, não há ninguém determinado, pode ser um anónimo, o problema é não ficar só. Outras vezes, não é uma
pessoa que cumpre esse papel protetor, mas um objeto qualquer, um lugar aconchegante etc. Por exemplo, uma mulher
não pode sair à rua sem uma bolsa X "que ela gosta muito"; uma garota não pode sair à rua sem um livro na mão. Estes
objetos funcionam como escudos pro-tetores.
Estas condutas pertencem já aos vínculos supersticiosos: fobia ao número 13, a certos atos e lugares — passar debaixo de
escadas —, e suas contrafobias que são estruturalmente semelhantes aos rituais obsessivos — tocar madeira, usar figas,
medalhas etc.
A falta do objeto contrafóbico, seja ele uma pessoa ou um objeto material, pode desencadear uma crise de angústia,
ainda que o objeto fóbico esteja longe.

Caráter

Pode ser a "armação", a estrutura na qual se apresentam ou não os sintomas acima descritos.
O fóbico é um sujeito em constante estado de alerta, em contínua atividade de prospecção e descobrimento dos possíveis
perigos do ambiente; este traço é comparável ao do sujeito ansioso, mas aqui há objetos mais específicos, o sujeito é mais
eletivo, como se fosse um inseto com as antenas em pé, ou um "bambi" com as orelhas levantadas.
E, em concordância com isto, é um sujeito fugidio, arredio, em permanente atitude de evasão e escape. Não suporta
situações de apego, tem medo do compromisso, seja este afetivo ou de qualquer natureza; necessita reservar uma "porta de
saída", situação que se vive simbolicamente na claustrofobia. A atitude de fuga pode traduzir-se passivamente em intensas
inibições sexuais — timidez excessiva, indecisão — ou ativamente em condutas contrafó-bicas.
Isto merece um aparte. Os comportamentos contra-fóbicos são condutas de desafio, nas quais o sujeito enfrenta com
altivez e suposta coragem aquilo que mais teme, como uma maneira de negar o medo; é como se dissesse "não tenho medo
disso porque posso enfrentá-lo". Tal atitude é análoga ao mecanismo de formação reativa (ver
capítulo 8) e aqui também o caráter defensivo denuncia--se pela rigidez: o sujeito busca constantemente as situações
temidas para provar a si mesmo que as superou.
Certos casos de donjuanismo são verdadeiras condutas contrafóbicas à impotência ou à mulher, assim como os casos
de sujeitos muito dedicados aos esportes de alto risco ou às mais difíceis empresas — por exemplo, cruzar precipícios no
arame e enfiar a cabeça na boca do leão. Por fim, podemos citar os muito especializados em determinados temas nas artes,
os casos de oradores tipo De-móstenes etc.
Na entrevista clínica ou nas relações pessoais, a atitude fugidia é percebida no olhar: os fóbicos não conseguem fixar
os olhos nos dos outros, e movem os glóbulos oculares em um movimento constante.
Aqui, no caráter de evasão e fuga, também ressalta-,mos o comportamento de "superocupações", ou de preenchimento
do tempo. Os fóbicos não podem ficar sem fazer alguma coisa, e assim passam de uma atividade à outra, sem nenhuma
finalidade; escutam rádio ininterruptamente, saem para caminhar sem descanso, lêem, lêem sem poder parar, qualquer papel
que tenham na frente (são os "gulosos óticos").

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Mecanismos de defesa

O principal mecanismo de defesa da neurose fóbica é o deslocamento, que não lhe é exclusivo; encontramo-lo também
em outras neuroses, como a obsessiva, na qual ele se dá no plano mental da consciência, e em outros fenómenos, por
exemplo, no sonho. O específico da neurose fóbica é o deslocamento no mundo exterior, implicando sempre uma prévia
projeção. Todo perigo interno é pro-jetado para fora e a pessoa defende-se, assim, de um perigo exterior, sem base na
realidade e inteiramente sub-jetivo. A projeção também é essencial na neurose fóbica, tanto assim que existem formas
desta neurose (como veremos mais adiante) em que a situação temida fora é dire-tamente representativa da situação
temida dentro, sem nenhum disfarce, isto é, sem deslocamento. Simplificando o processo, e exprimindo-o de maneira
esquemática, "cronológica" (nem sempre de acordo com o real, pois este processo pode ser simultâneo), temos:
1. A repressão de um impulso sexual ou agressivo, em geral na infância, fortemente desejado, mas também temido
pelas suas consequências — "castração", solidão —, que torna-se assim inconsciente; o aparecimento da angústia, na vida
adulta, pela volta do reprimido despertado por uma situação exterior relacionada, leva o sujeito a uma nova repressão,
através de projeção.
2. Na projeção — do impulso —, o perigo torna-se externo; é mais fácil defender-se de um perigo externo do que de
um interno (fobia simples).
3. O deslocamento — por cadeias associativas de contiguidade no tempo ou no espaço, ou por valor simbólico — é o
disfarce que constitui a fobia específica. Daí surgem as fobias e as medidas de defesa como a evitação, a constituição de
objeto contrafóbico ou a necessidade de um acompanhante.

Psicodinâmica específica
Afinal, o que se reprime? O que é perigoso internamente? Como em toda neurose, diz-se que são os impulsos sexuais e os
agressivos. O neurótico fóbico sente angústia naquelas situações em que outra pessoa normal sentiria excitação sexual ou
raiva. Isto pode ser exemplificado nas fobias simples, sem deslocamento: mulheres que têm fobia sexual, junto a intensas
inibições, assustam-se frente a toda situação de tentação sexual ou mesmo à referência de temática sexual (piadas, fotos,
livros, cinema). Outros, no mesmo sentido, têm fobias à luta, isto é, assustam-se diante das situações que exigiriam
condutas agressivas; são aqueles que se angustiam quando vêem uma briga.
Há uma fórmula geral, simplificada ao extremo: O que a pessoa teme é o que inconscientemente deseja. . . Nos casos
de deslocamento, como veremos agora, a situação temida e a situação desejada têm um vínculo mais oculto, simbólico. E
podemos acrescentar à fórmula anterior . . . ou o possível castigo pelo que é desejado. Por exemplo, certas fobias às facas,
às tesouras, podem representar, além de um desejo hostil reprimido, o medo à castração. Assim, o medo de ficar sozinho
pode representar o temor de ser castigado, como aconteceu na infância, por desejar outra coisa que é proibida.
Resumindo, podemos dizer que o sintoma fóbico representa simbolicamente, no exterior, o conflito psíquico
inconsciente, o objeto fóbico representa o objeto do desejo, o desejo ou a pulsão reprimida, e a conduta fóbica da evitação
representa a outra parte do conflito, isto é, a defesa, a repressão.
Vejamos agora as motivações inconscientes que estão por trás das principais fobias, isto é, os simbolismos mais
gerais.

Agorafobia
Esconde o medo da solidão, da falta de companhia; o sujeito não pode confrontar-se com a realidade, sua solidão
básica.
A agorafobia pode esconder uma pulsão reprimida, como o prazer de caminhar, de movimentar-se, isto é, o erotismo
do equilíbrio.
Outra situação temida mas desejada pode ser a oportunidade de aventuras sexuais que representam as zonas abertas, as
"zonas" propriamente ditas, ou as ruas, as avenidas, os parques etc.

Claustrofobia
Sabemos que as sensações de angústia (sufocação, peito estreito) substituem a excitação sexual e/ou agressiva
bloqueada. Então, neste caso, não se teme o quarto ou a rua estreita, mas o próprio corpo em estado de angústia; há
necessidade de fugir da própria excitação temida. Por isso, esta fobia é maior quando não há possibilidade de fuga, de
saída; a claustrofobia cresce em locais onde não há muitas portas, ou estas não se abrem, ou há muita gente.
Relacionado a isto, existe o medo de perder o controle voluntário, a decisão, representado pelo orgasmo.
Também encontramos fantasias reprimidas ou temidas de voltar ao ventre materno; o quarto temido representa o
corpo materno.

Vertigem, fobia às alturas


As sensações de equilíbrio são erotizadas e representam as excitações sexuais. Lembremo-nos como os meninos gostam
de serem lançados para cima, de pular nas camas, de "montar" nas pernas do pai, de girar até ficar tonto. O voo é
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classicamente descrito como símbolo das sensações prazerosas do orgasmo. Todas essas sensações erotizadas do equilíbrio
estão reprimidas, no caso, e se expressam nessas fobias.

Fobia aos meios de transporte


Nos meios de transporte também há repressão às sensações de equilíbrio erotizadas, despertadas pêlos movi-
mentos inerentes a eles. Acrescente-se os temores claus-trofóbicos decorrentes, pois não há possibilidade de fuga.

Medo da escuridão
A escuridão é um espaço vazio onde se projetam facilmente os conteúdos reprimidos ameaçadores. Ali podem estar o
"diabo", as "bruxas", isto é, os próprios impulsos sexuais e agressivos antropomorfizados. A escuridão também representa a
solidão, a morte, ou seja, o temor de ficar só. Uma criança expressou este temor de forma brilhante: "se alguém falar, há
mais luz".

Fobias à multidão
Os temores às situações em que há muita gente são equiparáveis aos claustrofóbicos, isto é, os temores à sufocação, a
não poder fugir. Aqui, o temor à própria excitação é claro, dada a proximidade dos corpos.

Fobia de aparecer em público e timidez


Temos claramente, por trás delas, fortes impulsos exibicionistas e voyeuristas reprimidos. No fundo, estes neuróticos
desejam mesmo ser olhados e aparecer, e, por sua vez, olhar. Estes impulsos, de intenso caráter erótico, incrementados pela
necessidade de segurança e de auto-afir-mação, colocam-se contra as dúvidas acerca de sentimentos de culpa, inferioridade e
angústia de castração inconscientes. O exibicionismo reprimido é, então, não apenas o prazer de exibir o corpo (e os
genitais), mas também fazer ver às pessoas (testemunhas), de que não se é tão ruim assim como no fundo se sente.
As fobias ao contato humano, em geral, protegem o sujeito contra as tentações desses mesmos contatos. A busca
reprimida desses contatos pode ter uma vertente erógena, de segurança, ou de intenções agressivas.
Os temores de se achar feio ou malcheiroso também são explicáveis por tendências exibicionistas reprimidas; aqui, é
como se houvesse um esforço inconsciente de mostrar sua excitação sexual.
Neste caso, existe o outro nível de análise, que são os temores intensos de castração devido ao sentimento de culpa:
ser feio é um equivalente inconsciente de se estar castrado, ou de se sentir ruim e culpado. Já estamos, assim, no campo
das fobias sobre a própria saúde.

Temores mórbidos às doenças


Têm sua explicação geral em temores de castigo, e no fundo, de castração, por se ter desejos proibidos. Ficar doente
é um símbolo de se ter recebido um castigo. O temor de "ficar louco", quando não é de base real, como em certos casos de
esquizóides que percebem sua crescente "estranheza", é uma fobia que também representa o temor de ser envolvido,
tomado (o ego) pêlos próprios impulsos reprimidos. "Enlouquecer" de raiva, ou sexualmente, são expressões comuns para
descrever uma pessoa que perdeu o controle de seus impulsos.
Ou, então, a ideia de tornar-se maluco pode ser sentida como um resultado do atuar segundo os impulsos, como um
castigo merecido. Isto tem como base real certas advertências dos adultos às crianças: "você vai ficar louco se fizer tal e
tal coisa" (por exemplo, masturbar-se).
O temor mórbido da morte também tem por trás estes determinantes — a ideia de castigo, castração e solidão.
Frequentemente, porém, são encontrados fortes desejos agressivos, que por causa da repressão voltam-se contra si. Assim,
essas pessoas reagem com medo da morte em situações nas quais outras sentiriam raiva.
Zoofobias
Têm sempre um antecedente histórico na infância, nas fobias infantis, e isto merece um aparte especial: a neurose
fóbica é a neurose típica da infância. Os temores fóbicos são incidentes normais do desenvolvimento, pois toda criança
passa pelo medo de ficar sozinha, de escuridão, dos animais. Com o crescimento, as fobias infantis desaparecem, mas às
vezes ficam incubadas, e são a base da neurose da vida adulta.
Freud dizia que toda neurose do adulto, qualquer que seja sua forma (obsessiva, histérica), tem como antecedente
uma fobia infantil. Em geral, os animais representam para as crianças os seres humanos, particularmente os pais. Daí as
fábulas. As crianças têm pesadelos com animais ferozes (leões, lobos etc.) que expressam a visão do pai excitado,
apaixonado sexualmente, zangado, ou colérico.
Isto ocorre na fase de ambivalência afetiva — amar e odiar, ao mesmo tempo, o pai. Com a fobia, deslocam o
componente do ódio (e do temor) para um substituto, e assim podem proteger a imagem do pai real e amá-lo sem
interferência da agressividade.
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Ter medo de cachorros, de ser mordido, é claramente uma projeção e um deslocamento do medo da castração. Já os
animais pequenos representam as próprias excitações, os próprios desejos de contato erótico (reprimidos), mas podem
representar genitais (sapo, rato = pênis), irmãos pequenos, fezes etc. Geralmente, a aranha é símbolo da mãe que sufoca e
entrava o filho com sua superproteção, do mesmo jeito que a aranha enreda as moscas em sua teia.

Pontos de fixação/etiologia

Na neurose fóbica, a regressão à infância é muito evidente. O fóbico comporta-se como uma criança cuja angústia
acaba quando a mãe vem e senta-se à beira de sua cama e lhe toma as mãos. Os objetos contrafóbicos são substitutos dos
pais; a criança já os tem — a chupeta, o cobertor na mão, a luz acesa etc. Em outro plano, o companheiro contrafóbico
protege o paciente de uma tentação: existindo uma testemunha, ninguém se atreverá a ter uma aventura proibida. Assim, o
acompanhante substitui o superego na luta contra os impulsos.
Pode-se dizer que a neurose fóbica é uma neurose simples, cujo ponto de fixação é o complexo de Édipo — seus
objetos e seus impulsos característicos — com a ambivalência em relação ao rival edipiano, já vista nas zoofo-bias.
Também existem formas nas quais a luta contra a agressão (impulsos pré-edipianos) joga um papel principal, agressão
esta sádica ou masoquista (voltada contra si mesmo).
Outros autores assinalam que o ponto de fixação da neurose fóbica é a fase de aprendizagem da marcha, do caminhar
(ao redor dos 9 meses a l ano), na qual as sensações de equilíbrio e seu erotismo, a inspeção, a exploração e o
descobrimento do espaço, os medos e a presença dos pais são muito importantes. Levar o pirralho pela mão ou recebê-lo de
volta das andanças, juntamente com os primeiros pesadelos e as subsequentes tranqüili-zações, demonstram a crucial
fixação, nesta fase, nas ima-gos paternas.
Um ponto em que todos os autores coincidem é a importância que tem a cena primária como geradora de angústia nas
crianças, e como explicação das fobias e pesadelos infantis. Esta cena consiste na observação das relações sexuais entre os
pais (pode não ter sido realmente percebida, mas fantasiada a partir de ruídos, coitos entre animais etc.).
Isto provoca uma grande excitação sexual na criança, que ela não pode controlar, envolvendo-a, e transformando-se em
angústia (Primeira Teoria da Angústia de Freud) e trauma. A criança também pode interpretar o ato sexual — pela sua
imaturidade e pela vivência da fase anal-sá-dica e seus impulsos ambivalentes —, como uma violência do pai para a mãe,
vinculando a ideia de "satisfação sexual" a um ato cruel, perigoso (Segunda Teoria da Angústia) e criando, assim,
predisposição à repressão da sexualidade e à neurose.

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Histeria

Definição

A neurose histérica é aquela em que predominam os sintomas corporais da mais diversa índole, de origem psíquica,
sobre um fundo de caráter específico, o caráter histérico. Assim como a angústia era sentida como tal na neurose de
angústia, ou era deslocada para objetos, animais, situações ou pessoas na neurose fóbica, aqui ela é convertida para o
plano corporal, daí o nome de "histeria de conversão" (Freud).
Pode-se falar, também, que o conflito inconsciente — ideias, desejos, impulsos ou afetos reprimidos — é simbolizado
pêlos sintomas corporais.

Sintomas/crises

Os sintomas podem ser divididos em ataques ou formas agudas, e em transtornos duradouros ou inibições, dores
etc.
Ataques
Podem ser o grande ataque "a Ia Charcot" ou as formas menores.

O grande ataque "a Ia Charcot"


É raro atualmente, mas é necessário descrevê-lo, pois as formas menores são fragmentos ou equivalentes deste, e
observados frequentemente.

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As fases do ataque são cinco:
1. Os pródromos ou a antecipação: o sujeito sente dores de ovários, palpitações, a vista escurece e ele cai
desmaiado, mas não brutalmente como no ataque epilé-tico (o histérico não fica ferido, é como se escolhesse onde cair).
2. Fase epileptóide: o corpo imobiliza-se, o sujeito pára de respirar, depois se contorce em convulsões e caretas, até
chegar a grandes sacudidas generalizadas, para terminar numa breve calma com estertores.
3. Fase dos grandes movimentos: são movimentos variados e gritos, assemelhando-se a "uma luta contra um ser
imaginário".
4. Fase do transe ou atitudes passionais: o sujeito imita cenas violentas ou eróticas (posições sexuais, movimentos
do parto etc.) como num sonho.
5. Fase terminal ou verbal: o sujeito volta à consciência, imerso em visões alucinatórias e dizendo palavras
relacionadas ao tema que viveu no ataque.

Formas menores
São as seguintes:
l. As famosas "crises de nervos", com agitação e agressividade fortemente expressadas, crises de pranto ou de riso
incontroláveis. O sujeito "perde o controle" e desabafa, xingando, gritando, quebrando coisas ou se revolvendo pelo chão.
Também o ataque histérico pode consistir somente num desmaio e baixa de pressão, ou num ataque muito parecido
ao epilético (histero-epilepsia).
2. O transe histérico é a manifestação repentina de estados hipnóticos, isto é, o sujeito cai numa espécie de sonho,
abstraído de tudo, com os olhos fechados ou olhando para o infinito. Geralmente, não responde à estimulação externa,
assustando as pessoas próximas, mas um diálogo pode ser estabelecido através de um código corporal (movimento dos
dedos), para a investigação dos motivos do ataque.
3. O sonambulismo é o conhecido comportamento de se andar pela casa dormindo, procurando alimento, evitando
obstáculos ou qualquer conduta desconexa, como se fosse um ataque histérico no meio de um sonho.
4. Na personalidade dupla ou múltipla, a personalidade dissocia-se, apresentando várias personagens contraditórias,
umas não sabendo das atividades das outras. A literatura tem apresentado casos famosos, como o Dr. Jekill e mr. Hyde,
Sybill, As três faces de Eva etc.
5. Na amnésia paroxística, o sujeito esquece de repente — geralmente, depois de um trauma — todo um período da
sua vida, por exemplo, um mês inteiro, ou esquece apenas um determinado assunto.
6. Os intentos de suicídio histéricos são diferentes dos melancólicos, porque a intenção não é se matar, e sim
mobilizar o ambiente, perturbar as pessoas ligadas. O sujeito calcula de maneira cuidadosa — mas inconscientemente —
a dose de barbitúricos para poder ser salvo, ou escolhe o momento mais indicado para tentar cortar os pulsos, e assim ser
auxiliado.

Transtornos duradouros
São disfunções sensoriais, motoras, e dores que não encontram explicação em perturbações fisiológicas ou ana-
tómicas: o membro ou a região afetados não respeitam a inervação nervosa normal, por exemplo, o sujeito não pode mover
a mão, e sim o braço, o que é, do ponto de vista neurofisiológico, uma impossibilidade, um contra-senso.
As disfunções histéricas mais comuns são:
1. As paralisias de uma função, nas quais o sujeito, por exemplo, não pode escrever, não pode andar, ou de um
membro, isto é, o sujeito não movimenta — uma perna, uma mão etc.
2. Nas anestesias, o paciente pode não sentir nada numa região X do corpo: não sente o calor, uma picada de agulha
etc. A frigidez é um sintoma desse tipo.
3. A cegueira, a surdez e a afonia histérica, disfunções nas quais o sujeito não pode ver, ouvir ou falar, e o exame
médico apresenta-se normal.
4. As contrações (torcicolos), os tiques, os vómitos, o vaginismo (a vagina está como que fechada, contraída) e o
"bolo histérico" (o sujeito não pode engolir).
5. E, por fim, as mais comuns de todas, as dores histéricas, que são quaisquer dores em quaisquer partes do corpo
(dor de cabeça, do coração, de barriga, numa perna, nos ovários). A dor não encontra explicação física; o sujeito constrói
uma racionalização ou pode exagerar uma pequena dor normal, dando-lhe um ar dramático, teatral.
A imitação histérica das doenças merece um aparte: é a imitação inconsciente de processos sintomatológicos
completos, como a histero-epilepsia, a asma histérica, ou qualquer doença, tornando-se difícil o diagnóstico diferencial. A
gravidez histérica pode chegar até às contrações do parto, com todos os sinais da gravidez verdadeira.
Um fenómeno que se apresenta paralelo às dores e às doenças do histérico, é a chamada "belle indiference" o sujeito
não dá importância aos seus sintomas e não se cuida.

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Caráter
Pode-se dizer, em primeiro lugar, que o histérico, mais do que os outros neuróticos, tem problemas com a sua
sexualidade: há uma repressão, um recalque fundamental da sexualidade por complicações genitais.
Isto converte os histéricos em sujeitos infantis: a ingenuidade sexual se desloca para uma ingenuidade geral. São uns
"anjos". Por outro lado, este recalque básico faz com que os histéricos sexualizem tudo o que não é sexual, provocando uma
"erotização dos vínculos". Assim, qualquer relação pode ser uma possível transação, qualquer um na rua pode ser um
possível violentador, todos olham com outras "intenções" para ele, o histérico não sabe diferenciar o erótico do que não é
erótico.
No pólo patológico deste traço de caráter, encontramos a hipersexualidade manifesta, como o donjuanismo nos
homens, e a ninfomania ou o messalinismo nas mulheres, que encobrem profundas perturbações da sexualidade de tipo
histérico, sejam elas a impotência, a homossexualidade ou a procura insaciável do objeto incestuoso.
Relacionado àquela ingenuidade, encontramos outro traço de caráter: a sugestionabilidade. Os histéricos são sujeitos
muito influenciáveis, que acreditam em tudo e em todos; são facilmente hipnotizáveis.
Daí também a facilidade de qualquer ideia se converter em "doença", em manifestações corporais concretas. Esta
ingenuidade e esta sugestionabilidade são manifestações de um psiquismo imaturo, infantil, como as crianças que acreditam
cegamente nas palavras e opiniões dos pais.
Os histéricos têm tendência aos arranques emotivos:
de repente, perdem o controle e berram, gritam; ou, pelo contrário, cobrem de beijos uma pessoa amada (pode ser uma
criança) exageradamente, ou fazem cenas escandalosas no meio da rua, e assim por diante. Desta maneira, "desabafam",
aliviam-se, mas também mostram um ego que não é dono de si totalmente, e que não procura formas mais adequadas (no
lugar, no tempo, no modo) de se expressar.
Deduz-se, então, que os arranques emotivos são os "equivalentes" dos ataques histéricos, só que integrados ao
caráter: de um traço egodistônico passa-se, assim, a um egossintônico.
Ligado aos arranques emotivos, outro traço é a dramatização das emoções, o exagero nas suas manifestações externas e
uma tendência ao histrionismo, à teatralidade. Se o sujeito sente uma dorzinha, chora e se queixa como se estivesse
morrendo; se sente mágoa, a ofensa é de vida ou- morte; se sente uma certa atração, acha que está super--apaixonado e é o
príncipe azul; se está com certa raiva, é melhor não ficar por perto. Este traço faz lembrar os italianos do sul, ou mesmo os
atores de antigamente, e não é por acaso que muitos atores têm caráter histérico.
Seguindo o fio, os histéricos nas suas condutas mostram que inconscientemente gostam de "representar" para os outros; é
como se necessitassem constantemente de público em qualquer de suas manifestações cotidianas, e mais ainda, nas suas
expressões emotivas. Eles têm um desejo de se exibir, de ser espetáculo; ao lado de tudo isto, como a outra cara da moeda,
no fundo são superficiais emotivamente, não se ligam consistentemente a nada nem a ninguém, a não ser por uma falsa
fachada. Parece que sua vida é uma peça teatral, na qual fazem "personagens" constantemente. A reação contratransferencial é
uma sensação de falsidade, de inconsistência da pessoa, do eu, porém involuntária e inconsciente.
Para coroar esta série de características, e sendo a mais abrangente, temos que todo histérico tem tendência à
sedução, um desejo inconsciente de gostar, de ser aceito, de ser escolhido como o melhor, o mais bonito, o mais
inteligente. Assim, o aspecto exterior é estudado com muito cuidado. São vaidosos, pintam-se, e se arrumam com
dedicação, estão na última moda, e podem chegar à extravagância pelo desejo de chamar atenção. Um fato decorrente
disto é o de que os histéricos mudam com facilidade de aspecto, de penteado, de estilo de "vida", tiram o bigode, deixam a
barba, seguem tal religião da moda, tal teoria etc.
Os histéricos, em geral, são muito faladores. Em consequência das características anteriores — exibicionismo,
sedução —, falam muito, de todos os temas, frequentemente bem depressa: uma verdadeira "verborragia". A estrutura
histérica permite um alto desenvolvimento da área mental, que se manifesta na linguagem acurada e na inteligência.
Decorrente de um desenvolvimento maior da área mental, temos a tendência à fantasia: os histéricos passam horas
fantasiando situações possíveis, imaginando as características do ser amado, do príncipe azul, de um próximo encontro,
do futuro casamento, cenas de ciúmes, de infidelidade, de complicações, de doenças fatais, sua cabeça é uma genuína
novela de TV. Assim, vivem uma vida paralela à real, às vezes afastando-se da realidade, outras interferindo
constantemente, pois o real está cheio de frustrações, de coisas não perfeitas, e isto não se entrosa com as idealizações dos
histéricos, seus modelos de fantasia.
Por último, os histéricos têm tendência ao esquecimento, a desconhecer fatos desagradáveis, do presente e do
passado. Apresentam "lacunas", o equivalente às amnésias no caráter e não conseguem, frequentemente, ter uma ordem
cronológica das recordações.

Mecanismos de defesa
Os mecanismos específicos de histeria são a repressão ou recalque e a conversão.
A repressão, como já sabemos, às vezes se confunde com o conceito de defesa em geral, e se encontra em toda
neurose, como um primeiro passo do processo defensivo. Mas aqui na histeria tem um significado bem específico, e se
manifesta de várias maneiras concretas: o histérico reprime toda a sua sexualidade genital, mais precisamente a edipiana
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ou genital infantil (que é a única que ele tem), e, então, sua sexualidade apresenta sempre alguma perturbação, como
bloqueios, inibição, frigidez, impotência, ingenuidade, ignorância sexual, infantilismo, erotização de vínculos não-sexuais
etc. A outra manifestação direta da repressão são as lacunas mnêmicas, a tendência ao esquecimento. Sabemos por
definição que recalque é a operação que tenta rejeitar para o (ou manter no) inconsciente as manifestações mentais —
ideias, imagens, lembranças, desejos, sentimentos e impulsos — que o sujeito sente como proibidas ou que provocam
desprazer, isto é, ele as sente como imorais, nojentas, envergonhantes ou dolorosas, enfim inaceitáveis para sua "moral"
(superego). Então, sempre que há um recalque, fica um vazio na consciência, uma lacuna.
A conversão é o mecanismo de formação de sintomas propriamente dito. Ë a transposição de um conflito psíquico —
uma tentativa de resolução — em sintomas corporais. A ideia, o sentimento, o desejo reprimido manifestam-se,
convertem-se, simbolicamente, num problema somático.
O processo total seria assim: a repressão atua "primeiro" desligando o sentimento, a parte afetiva, da ideia, da
fantasia, da imagem, isto é, da parte mental, e "empurra" a parte mental para o inconsciente; a parte afetiva, que é a
energia, converte-se em inervação somática (conversão).

Psicodinâmica específica

Em geral, pode-se dizer que os sintomas histéricos são expressões simbólicas de alguma coisa reprimida. Os vómitos
são símbolos de rejeição (de uma pessoa, de uma relação, de uma ocorrência, de uma situação etc.), as dores corporais
são símbolos de dores psíquicas (penas, desilusões etc.), as cegueiras são expressão de um não querer ver alguma coisa, e
assim por diante.
Se compararmos os sintomas e ataques histéricos com as emoções e paixões normais, veremos que existem muitas
características comuns: em toda emoção há uma descarga a nível corporal (secreção das glândulas, arrepio, "palpitações",
"quenturas" etc.), e também em toda expressão emocional mais ou menos intensa há uma perda passageira de controle do
ego.
As diferenças entre as emoções normais e os sintomas e ataques histéricos é que nestes últimos as modificações
corporais são estáveis,- a perda de controle é muito maior, e não são respostas comuns de toda a espécie humana, e sim de
origem totalmente individual, incompreensíveis para os demais e determinadas pela história particular do sujeito.
O paciente também não é consciente do que está querendo exprimir, diferentemente das emoções normais. Vemos,
então, que os sintomas histéricos são a exageração, esteriotipia, rigidez e inconsciência de alguma coisa que é comum
para todos: a expressão corporal, a comunicação não-verbal ou pré-verbal. Diz-se que o histérico fala com a linguagem do
corpo, em lugar de usar a linguagem das palavras.
Vamos ver agora, um por um, os diferentes sintomas em sua psicodinâmica.

Grandes ataques
São expressões corporais de cenas claramente sexuais, ou histórias passionais completas, isto é, com a expressão do
ciúme, do ódio pelo rival sexual, de movimentos do parto etc. Por exemplo, uma paciente sentia no ataque um puxão
rítmico nos braços; na análise, descobriu-se que isto representava as contrações do pênis na ejaculação.

Formas menores
Os ataques de pranto podem significar emoções muito variadas: pedir ajuda de modo infantil, expressar medo — ou
gozo — frente a um ataque sexual, expressar raiva ou as dores de parto etc.
Os ataques de riso podem ser uma expressão de triunfo, de realização de desejos hostis de vingança, ou de ansiedade
e excitação sexual, como se observa normalmente nos adolescentes.

Transtornos duradouros
As dores histéricas, além de expressão simbólica de uma emoção, podem ser resultado, também, de dores anteriores
ou de identificações.

Dores anteriores
A dor realmente existiu na situação em que se produz a repressão. Exemplo: uma paciente com dores no baixo--
ventre descobriu na análise que em criança tinha sofrido de apendicite, e o pai tinha lhe dado naquela situação muito amor
e atenção. Com aquela dor, ela queria repetir o passado.
Anna "O", paciente histórica da psicanálise, quando o pai morreu, estava com o braço preso à cadeira; pos-
teriormente, repetia uma paralisia do braço ao pensar no pai, reprimindo, assim, as lembranças dolorosas (e sexuais?).
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Os histéricos recorrem às doenças de infância, imitando-as e repetindo-as, porque representaram frequentemente
situações de atenção e de amor dos pais, ou situações regressivas de total dependência.

Identificação com outra pessoa doente


São imitações inconscientes de doenças reais sofridas por outras pessoas significativas para o paciente.
Exemplo: Dora apresentava uma tosse persistente, que a análise revelou ser imitação de uma tosse da sra. K,
namorada do seu pai; essa senhora era sua rival, e com a tosse dela queria "ocupar o lugar" dela. É muito comum a
identificação com a doença do rival sexual, no entanto, pode existir identificação com as doenças do pai do sexo oposto,
gratificando-se, assim, desejos do complexo de Ëdipo negativo (homossexuais).
Também existem imitações de doenças físicas de pessoas não-significativas, mas sobre a base de necessidades
psicológicas idênticas. Se um vizinho ficou doente e recebeu atenção extra, a doença pode ser imitada. Se uma interna
recebeu uma carta de amor e desmaiou, as colegas posteriormente desmaiaram, como se quisessem também receber uma
carta. Dores de cabeça, de ventre e vómitos podem ser imitação dos sinais de mulher grávida. É como se a paciente
dissesse no seu inconsciente "eu também quero ficar grávida".
Paralisias
Uma paralisia é uma defesa contra uma ação, isto é, contra uma atividade sexual proibida, ou contra uma agressão
física assim reprimida. A parte do corpo paralisada, está, ao mesmo tempo, muito tensa — numa paralisia autêntica não
existe tensão —, o que confirma um grande desejo e sua proibição ao mesmo tempo.
Em geral, as paralisias representam desejos de masturbação, de sair correndo, de bater em alguém, de agressão
sexual etc. Mas podem ter outros co-determinantes, como "dar uma parada na vida", não querer continuar no rumo
tomado (no caso da paralisia das pernas) etc.

Sonambulismo
Pode ser a resposta motora ao que o sujeito está sonhando: fugir da cama, vista como lugar de tentação ou medo, ou,
também, dirigir-se à procura de um lugar de gratificação (cozinha) ou de segurança (berço). Nas crianças, o sonambulismo
obedece a estes dois últimos motivos, quando elas se dirigem ao quarto dos pais: proteger-se contra pesadelos e tentações,
e presenciar ou perturbar as relações sexuais dos pais.

Desmaios
Podem representar a perda de consciência do orgasmo, desejos de morte em relação a outra pessoa (identificação que
termina na identificação com o morto); ou, por fim, um bloqueio maciço de impulsos hostis ou de toda a percepção.

Cegueira, surdez, afonia etc.


O "não posso enxergar" é, no fundo, "não quero enxergar", um repúdio de percepções perturbadoras. Algo doloroso
foi presenciado: pais brigando continuamente (aqui se apresenta mais comumente a surdez histérica). A cegueira
representaria impulsos reprimidos de ver alguma coisa. Tudo isto se aplica para a afonia e a surdez: "não posso falar" é
"não quero falar", o sujeito quer dizer algo importante proibido ou agressivo, como uma declaração de amor ou um
xingamento, e os reprime, aparecendo então a afonia, e assim por diante.
Pode-se falar, então, que o sintoma histérico representa não somente um impulso reprimido, mas também, ao mesmo
tempo, a repressão. Num mesmo sintoma exprimem-se duas forças, as reprimidas e as repressoras, processo chamado de
formação de compromisso. Um exemplo é, já vimos, a paralisia, e outro, muito claro, é a vergonha: há repressão, e
evidentemente uma excitação sexual que se despertou (uma certa análise ortodoxa diria que a cara enche-se de sangue,
como os genitais quando estão excitados).
Vemos então que o sintoma gratifica de qualquer maneira — às vezes muito dolorosa — o impulso reprimido; é uma
tentativa de resolução, uma saída do estag-namento da libido. Isto se chama gratificação substitutiva: o sujeito substitui
uma relação sexual ou agressiva (expressão emocional) pelo sintoma.
Ao lado disso, vemos que o sintoma fornece uma outra gratificação: através das dores, paralisias, ataques etc., o
sujeito atrai a atenção da família ou daqueles que o rodeiam. O sujeito tira proveito afetivo e até material (em dinheiro,
aposentadoria etc.), podendo chegar a controlar e tiranizar o ambiente. Esta gratificação é chamada lucro ou ganho
secundário do sintoma.

Pontos de fixação/etiologia

Na neurose fóbica, vimos que o complexo de Édipo misturava-se, às vezes, aos impulsos pré-edipianos de ma-
soquismo, agressivos ou de fases mais primitivas da aprendizagem da marcha. Na histeria, o complexo de Édipo é o
centro, o núcleo de toda esta neurose, quase em estado puro. Por trás de qualquer perturbação histérica, há sempre uma
fantasia edipiana: ciúme, paixão, competição, fantasias de grandeza, ódio do rival, excitação sexual, culpa, anseio,
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vergonha, desilusão, tudo isto em relação aos pais, ou a um substituto, como avós, professores, irmãos, primos etc.
Toda forma de sexualidade é para eles o amor incestuoso da infância, e reprimindo o complexo de Édipo, reprime
toda sua sexualidade. Geralmente, entre os histéricos encontra-se o famoso "filhinho da mamãe", e entre as mulheres
uma admiração incondicional pelo pai.
Sabemos que no complexo de Ëdipo a criança encontra-se na etapa fálica. Na menina, isto se expressa na
erogeneidade clitoridiana, que na adolescência converte-se em erogeneidade vaginal. Pois bem, na histérica o processo
fica inconcluso, há uma fixação no clitóris que também expressa, às vezes, uma intensa inveja do pênis. Já vimos que a
frigidez é eventualmente provocada por uma fixação na erogeneidade do clitóris (lembremos a discussão das feministas
no capítulo 2).
É muito raro que diretamente por trás dos sintomas estejam as fantasias edipianas; estas se encontram no final da
cadeia associativa inconsciente, muito sepultadas, enterradas lá no fundo. É mais frequente encontrar fantasias e impulsos
intermediários, intercalados, que assumem muita importância na análise.
1. Fantasias e desejos de masturbação. A masturbação converte-se no desejo proibido, e o conflito diante do Édipo
transfere-se todinho à masturbação em si. Os sintomas já são, então, uma luta contra a masturbação.
2. Fantasias e desejos de felação, isto é, de introdução oral do pênis. Também se convertem no motor inconsciente
de muitos sintomas e podem representar o deslocamento para a zona oral de um desejo genital; o desejo de incorporação
do pênis, e assim, a identificação com o homem; e, por fim, a vingança contra o homem, que possui o órgão invejado
(castração com os dentes). 3. Fantasias e desejos de gravidez e parto. Imitação da mãe, desejo de ter um filho do pai ou
do homem amado.
Frequentemente, logo depois ou antes de rompimentos ou separações afetivas, ocorrem dores, sintomas típicos,
amenorréia, e até gravidez histérica, tudo isto, às vezes, servindo de chantagem afetiva para reter o amado, ou para
perturbá-lo.
Ultimamente, muitos autores psicanalíticos estão dando importância às fixações orais no histérico, e que se ma-
nifestariam na tendência à dissociação da consciência e da personalidade, similar à que existe nos fenómenos esqui-
zóides e esquizofrênicos; na tendência à identificação, similar aos fenómenos de introjeção na depressão; e nas fantasias
de felação, que seriam a introjeção oral do pênis, isto é, de um objeto parcial.
No entanto, outros autores afirmam enfaticamente que a histeria é uma defesa contra o núcleo melancólico: assim, o
corpo (e a sexualidade) é usado como depositário do objeto "mau" e pode ser assim castigado, atacado, controlado e
paralisado através dos sintomas de conversão. O "ganho secundário" é uma busca clara de auto-estima, a sedução
frustrante que provoca reação agressiva não é mais do que a procura de castigo, e é bom lembrar aqui o tratamento
doméstico dos "tapas" para as crises histéricas.
Por último, e nessa linha de raciocínio, as tentativas teatrais de suicídio seriam defesas bem sucedidas contra os
impulsos suicidas verdadeiros do núcleo melancólico.

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Neurose obsessiva

Definição
Tipo de neurose identificada pelo caráter forçado dos sintomas, chamados compulsivos (ideias obsessivas,
compulsões e rituais), pela luta crónica contra estes sintomas e por traços de caráter típicos como hesitação, escrúpulos,
tendência à ordem, obstinação, ruminação mental etc.
Como as ideias obsessivas não estão sempre presentes e são um caso particular de compulsão (de pensar em
determinada coisa), esta neurose deveria chamar-se neurose de compulsão (obsessivo-compulsiva, dizem alguns).
Foi isolada pela primeira vez por Freud, que a diferenciou claramente da neurastenia, das fobias, da "fraqueza
mental" etc.

Sintomas/crises
Podem-se dividir, um pouco arbitrariamente, em três tipos: as obsessões, as compulsões e os rituais obsessivos.

Obsessões
São ideias, imagens ou palavras que aparecem de repente no pensamento normal do sujeito, e que este considera
absurdas, ridículas ou obscenas, como que impostas, e que se repetem contra a sua vontade, parecendo "parasitas". Ele
tenta afastá-las em vão, e elas passam a ser objeto de preocupação, angústia, e luta constante contra seu aparecimento,
consumindo grande parte do tempo e da energia do paciente.

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Também fazem parte das obsessões certas proibições ("você não deve tocar nessa porta"), problemas absurdos,
culpas ridículas e dúvidas sem importância. O que lhes dá o caráter de sintoma, é o fato de serem arbitrários, forçados,
repetidos, repentinos, e o sujeito os sente como alheios, caso contrário constituiriam o traço de caráter da tendência à
hesitação e às dúvidas.

Compulsões
O sujeito sente-se "empurrado" a fazer certos atos aos quais se opõe e os considera ridículos, sacrílegos, criminais.
Sente vontade, mas geralmente não faz. Também aqui se estabelece uma luta que termina esgotando-o. Assim, de repente,
sente vontade de xingar na missa, passar uma rasteira no chefe, bater na pessoa amada, empurrar alguém que está na
varanda, queimar a casa, suicidar-se, assassinar a vizinha, masturbar-se. Na compulsão, estão presentes o impulso e a
defesa ao mesmo tempo, o que se vê claramente. Quando passa à ação (rituais), o impulso é mais disfarçado.

Rituais
São cerimoniais, condutas estritamente regradas que o sujeito obriga-se a cumprir, antes e depois de, por exem-
pio, dormir, comer e defecar; ou em qualquer momento de sua vida, por exemplo, aos domingos, ao entardecer, ao ir ao
trabalho. Aqui encontramos os rituais de limpeza — tomar banho seguindo determinadas regras —, o cerimonial para se
deitar — acomodar as coisas segundo uma determinada ordem, não poder dormir com um relógio por perto etc.
As rezas sempre repetidas um determinado número de vezes, ou um determinado tipo de oração, como rezar o terço,
são bons exemplos de rituais obsessivos. Pensar em determinados assuntos — para não pensar em outros —, contar as
grades das janelas, tocar três vezes na chave do gás, pisar em mosaicos pretos, "bater na madeira", repetir mentalmente os
acontecimentos do dia, da aula ou de um encontro, dizer na ordem os nomes dá família. Contar e fazer cálculos
matemáticos constantemente ("arit-momania") são os rituais mais típicos. Vulgarmente todos são chamados de "manias"
ou hábitos particulares.

Caráter
Os obsessivos, na área do pensamento, são dados à hesitação, à dúvida e à indecisão. Este traço é a ruminação
mental: é bom ou ruim? Gosto ou não gosto? Convém a mim ou não? Compro ou não compro? Medem constantemente
os prós e os contras, perdendo muito tempo e, às vezes, não se decidindo jamais.
São sujeitos inclinados aos escrúpulos de consciência, têm "crises" de culpa, são perfeccionistas, duvidam sempre da
correção de seus atos, se cumpriram as regras ou os altos ideais a que se propunham. São muito severos consigo mesmos,
podendo chegar até a se castigar de alguma maneira, quando não cumprem o esquema auto-imposto.
Em relação a isto, são sujeitos supermoralistas, sempre criticando e observando na conduta dos demais tudo o que
seja sexualidade, agressividade, paixões etc.
As características acima podem ser englobadas como próprias de pessoas sujeitas à obediência excessiva às regras
ou a um sentido exagerado da ordem.
Pontualidade, horário para tudo, tudo é planejado e rotineiro, tudo quer saber de antemão, sua vida é um sistema.
Se não podem cumprir, sentem angústia; têm muito temor ao imprevisto.
Os obsessivos são sujeitos superformais, correios, não usam cores vivas nas roupas, querem passar despercebidos
(ao contrário do histérico). São muito educados, gentis e polidos até ao exagero, e ao mesmo tempo de humor enfezado,
aborrecido, irritante. Uma imagem disso são as freiras clássicas.
Não são espontâneos, são rígidos corporalmente, secos afetivamente. Monótonos, falam tudo num mesmo tom de
voz. Reich falava de "couraça" caracterológica, ou blindagem de caráter.
Estes indivíduos podem ser superbondosos, tendem à justiça levada ao extremo, à defesa dos fracos. Outra imagem
do caráter obsessivo são os advogados burocratas de terno e gravata.
Mostram respeito e oposição exagerados às autoridades (em misturas variáveis). O servilismo, o caráter burocrático,
a adaptação rígida ao sistema são exemplos do primeiro; o quixotismo, a teimosia diante de um detalhe são exemplos do
segundo.
Também vemos a tendência à teimosia e à obstinação, isto é, fazer ou falar o contrário do que é sugerido, ordenado,
ou mesmo falado pêlos outros. As outras pessoas representam amiúde a autoridade na fantasia do obsessivo, diante da
qual tem problemas.
Verifica-se, ainda a tendência à superlimpeza. Lavam-se exageradamente, arrumam e limpam nos mínimos detalhes
o pó, a bagunça e a sujeira, seus inimigos declarados. Escovam os dentes cinco ou seis vezes por dia, achando normal, e
assim por diante. Chegam a chatear as pessoas que o rodeiam. Ironicamente, sempre têm um canto — uma gaveta, por
exemplo —, onde são bem desarrumados.
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Estes obsessivos tendem a reter, dificilmente abandonam os objetos e as coisas. Daí a tendência a colecionar (todos
os colecionadores encontram prazer em juntar e classificar). São mesquinhos e avarentos em demasia, pois têm um
sentido muito apurado de tudo o que seja propriedade. Muitos obsessivos sofrem de prisão de ventre, porque retêm as
fezes.
Relacionada ao descrito acima é a tendência à clas-. sificação de tudo, à divisão das coisas em categorias: bem e mal,
lógico e ilógico, mil e uma categorias científicas, filosóficas, técnicas, como se fossem rótulos, compartimentos estanques
onde se encaixaria a realidade. O obsessivo não aceita as misturas, os fatos complexos, confusos, ou ambíguos.
Na tendência à simetria, tudo deve estar inter-rela-cionado, direita/esquerda, abaixo/acima etc.; ficam preocupados
ruminando, e até discutindo insignificâncias, partes mínimas das totalidades, presos aos pequenos detalhes.
São pessoas de pensamento lógico exagerado, tendentes à intelectualização, seguem sempre uma lógica determinada
para chegar a uma conclusão; não gostam das intuições, dos "estalos" sem fundamentação lógica.
Comem pouco, tendem ao ascetismo e à jrugalidade, ao ato sexual mecânico; tudo que seja prazer é restringido ao
mínimo, falta ousadia.
São individualistas ao extremo, temem os contatos e intercâmbios verdadeiros, chegando alguns a uma verdadeira
"fobia ao contato", que se manifesta na repulsa à sujeira dos outros, no temor ao contágio, como, por exemplo, a fobia às
maçanetas.

Mecanismos de defesa

Os principais mecanismos de defesa da neurose obsessiva são o isolamento, o deslocamento, a anulação re-troativa
e a formação reativa.

Isolamento
É o mecanismo principal e específico desta neurose, pois é o responsável por muitos dos sintomas e traços de
caráter típicos. Em primeiro lugar, consiste em separar a ideia do afeto, o elemento mental do afetivo, trabalho que
também faz a repressão, mas nesta última o elemento mental vai para o inconsciente. Pelo isolamento, explicam-se a
frieza afetiva do obsessivo, a tendência ao pensamento lógico, e também algumas ideias obsessivas de conteúdo
horroroso ou amoral (matar, violentar), despojadas da vivência afetiva correspondente.
Também este mecanismo atua, mantendo separados no espaço ou no tempo dois elementos que no seu inconsciente
não podem estar juntos (a sujeira deve estar longe da limpeza, o bom longe do ruim etc.). Este processo explica a
tendência de classificar (isolar) as coisas e a fobia ao contato.

Deslocamento
É o mecanismo responsável, logo depois do isolamento, pela formação das ideias e dos atos compulsivos.
Estes são sempre substitutos de ideias e de impulsos reprimidos, proibidos. Assim, as figuras religiosas ou as ideias
absurdas são substitutas, por deslocamento, das figuras dos pais ou de qualquer ideia agressiva ou sexual reprovável.
Também a tendência de se fixar nos pequenos detalhes encontra sua explicação no deslocamento: deslocando a atenção
para detalhes sem importância, o sujeito se desvia do todo, que é seguramente perturbável.

Anulação retroativa
Os rituais e cerimoniais obsessivos são procedimentos mágicos destinados a anular alguma coisa ruim, seja an-
teriormente feita, seja mesmo pensada ou fantasiada inconscientemente. As rezas, os autocastigos, a necessidade de fechar
"novamente" a chave do gás pretendem anular .magicamente fantasias sexuais ou agressivas originais, ou vão mesmo
contra o aparecimento de ideias ou atos compulsivos. Neste último caso, os rituais, produto da anulação retroativa, têm
um caráter defensivo secundário.
Os atos compulsivos "em dois tempos" têm também na anulação retroativa sua explicação: assim, logo depois de se
masturbar, sentir a compulsão e se masturbar de novo, pode se ter a significação de querer apagar o prazer da primeira
vivendo a segunda como um castigo. E é assim que se fica culpado e deprimido.

Formação reativa
É responsável pela maioria dos traços do caráter obsessivo. A superlimpeza é formação reativa contra a tendência à
sujeira, a supermoralidade, contra as tendências imorais e a bondade exagerada contra o sadismo e a agressividade
inconscientes.

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Psicodinâmica específica

Na neurose obsessiva, o ego sente-se "obrigado" a fazer ou pensar certas coisas de acordo com o mandato de uma
instância mais poderosa, sob o peso de terríveis ameaças. Essa instância é o superego.
Como já vimos nos mecanismos de defesa, as ideias obsessivas são substitutos, derivados de impulsos reprimidos.
Sua persistência é prova da energia de alguma outra ideia impulsiva que foi rejeitada, e à qual está ligada por associação.
As compulsões também são derivados, substitutos deformados de impulsos reprimidos. Às vezes, não muito
deformados, mas despojados de seu caráter impulsivo, e com um conteúdo emocional trocado ou mínimo. São frequentes
ideias obsessivas sobre atos incestuosos e criminosos, mas despojados de seu caráter de desejo ("os deixa frios"). Como
sabemos, para que isto ocorra, estão atuan-do os mecanismos de isolamento e deslocamento.
O sintoma compulsivo é uma condensação entre impulso e defesa (como em todo sintoma neurótico). A parte de
defesa e penitência é mais acentuada que nos sintomas de conversão da histeria. Aqui, os sentimentos de culpa são os
motivos da defesa, muito importantes nesta neurose. O ciclo é o seguinte: pensamento ou impulso obsessivo (ligado a
algo proibido) -» culpa (remorso) -» —> penitência ~» novo pensamento (nova transgressão) -> -> mais culpa.
As compulsões ocupam o lugar de ordens do superego. Na compulsão de se lavar as mãos, é como se ouvisse "vai e
lava as mãos" similar ao que o sujeito ouvia quando criança. Agora, já não tem propósitos de higiene, como antes, mas de
defesa contra "pensamentos sujos".
O ego dos obsessivos conduz-se com seu superego, como se conduziu quando criança com seus educadores:
rebelde, submisso, ou uma mistura das duas atitudes. O superego dos obsessivos é sumamente cruel, sádico para com o
ego. O sadismo enquanto não é dirigido contra os objetos, é direcionado ao interior, sob a forma de agressão do superego
contra o ego.
O "retorno do reprimido" dentro do próprio sintoma é bastante comum: tanto varre, que afinal de contas está todo
dia em contato com a poeira; tanto cuida de um ser querido (defesa contra impulsos hostis), que termina sendo chato e
cansativo. Uma paciente tinha tanta fobia à sujeira que não saía da cama durante todo o dia, e acabava
sujando-a.
Os casos de masturbação compulsiva, depois da qual o obsessivo sente-se culpado, mostram como um conteúdo
impulsivo sente-se como mandato do superego. Isto é, o reprimido é o impulso para se masturbar, mas está deformado de
tal maneira através da forma compulsiva, que, •mesmo com a masturbação, ele se defende do "prazer" e se sente culpado.
Neste caso, como em outros, a condensação é a seguinte: O conteúdo do sintoma é o reprimido, mas a forma compulsiva
em que o sujeito o sente, é a defesa, imposta pelo superego, como deformação.
Os casos de hesitação mostram, nos dois termos da dúvida, a luta entre o impulso e a defesa: faço (o reprimido) ou
não faço (a defesa)? O ego encontra-se em duas frentes, não sabe se obedece ao id ou ao superego.

Pontos de fixação / etiologia


Pode-se falar que tudo no obsessivo origina-se nos conflitos ao redor da fase anal, na aprendizagem dos hábitos
higiénicos, do controle esfincteriano (de l ano e meio a 3 anos). Os traços de caráter são uma elaboração da obediência
ou resistência às ordens e pressões dos pais — ou uma combinação das duas.
O menino é aconselhado ou obrigado a sentar-se no penico em determinadas horas para defecar, é obrigado a conter-
se, e castigado se faz coco fora do banheiro. É a primeira vez que "controla" os desejos e impulsos, que renuncia ao
prazer por temor, ou por amor aos pais. Perturbações nesta etapa vão trazer transtornos no manejo e no controle dos
impulsos em geral: ou uma renúncia e controle exagerados (estrutura obsessiva) ou uma falta de controle (psicopatia).
O sentido da ordem e limpeza exageradas vem de uma elaboração da obediência às regras e exigências de higiene
dos pais enquanto que a obstinação vem de uma revolta às exigências, forma de conservar a autonomia numa época em
que está se constituindo o ego. A teimosia é uma forma de resistência, de oposição indireta, de agressividade de tipo
passiva. A imagem é a do menino sentado horas no penico negando-se a defecar; também é a idade em que aprende a
dizer não e empaca por qualquer coisa.
A tendência a colecionar, a avareza e o hábito de reter as coisas vêm do hábito de reter as fezes, onde tanto há um
temor à perda, como um prazer erógeno. O prazer anal é reter as fezes tanto quanto possível, e depois "soltar" tudo de
uma vez.
O dinheiro e o tempo têm uma relação simbólica com as fezes: dinheiro = fezes = coisa suja, propriedades que se
podem perder. O dinheiro converte-se no obsessivo, antes que numa coisa racionalmente útil, numa coisa irracionalmente
retida ou irracionalmente gasta. Com o tempo é a mesma coisa: pontual até o segundo, ou grosseiramente impontual.
Todo neurótico obsessivo tem algum problema com o dinheiro ou com o tempo.
As fixações, como sabemos, devem-se a gratificações desusadas ou a frustrações exageradas. Aqui, decorreriam dos
erros dos pais no ensino dos hábitos higiénicos: ou são precoces demais (sentam o menino com l ano de
idade) ou atrasam muito (aos 2 ou 3 anos). A "idade de ouro" é l ano e meio; ou são severos demais (castigos físicos,
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humilhações) ou muito fracos (não dizem nada, não ligam).
Na neurose obsessiva, os impulsos sádicos são muito fortes, são uma maneira típica de se expressar impulsos
sexuais. Encontram-se constantemente a tendência à crueldade, ou a formação reativa contra elas; e, ao lado delas, estão
sempre presentes tendências erótico-anais e defesas contra as mesmas. Daí a fixação do obsessivo na fase sádico-anal,
como chamamos a fase libidinal que corresponde à aprendizagem dos hábitos higiénicos.
O conteúdo do complexo de Édipo, às vezes, vê-se diretamente, graças ao isolamento, coisa que não acontece na
histeria por causa da repressão. Um paciente sentia a cada vez que olhava uma mulher o pensamento obsessivo que
segue: "poderia matar essa mulher", e a cada vez que via uma faca, "poderia cortar-me o pênis". Na análise, a primeira
resultou ser uma deformação de querer atacar sexualmente a mãe, e a segunda, os temores de castração como castigo.
Junto ao Édipo e à masturbação (fálica), são combatidos impulsos sádicos da fase anterior. Freud explica isto como
uma regressão parcial: tentando defender-se do Édipo, o paciente regride, em parte, à etapa sádico-anal. "Em parte" aqui
significa os impulsos da fase anterior, porque os objetos edipianos não são abandonados. Primeiro, defende-se do Édipo
regredindo a uma fase anterior; em seguida, começa a defender-se diretamente contra os impulsos sádico-anais.
Ideias e modos fálicos estão misturados com o material sádico-anal. Para alguns, a sexualidade é um "negócio de
banheiro", para outros é um assunto financeiro, ou de propriedade. Assim, também temos obsessivos que retêm o sémen
— como as fezes —, concebem o ato sexual como uma luta, ou gostam somente do coito anal. A hostilidade edipiana ao
pai rival mistura-se com o sadismo das fases anteriores.
O ânus é de natureza bissexual, ativo (órgão excre-tor, expulsor) e passivo (orifício capaz de ser penetrado), ao
mesmo tempo. O conflito entre masculinidade e feminilidade constitui o conflito mais típico na mente do obsessivo.
Ao lado da bissexualidade básica do obsessivo, temos a fixação numa ambivalência afetiva, própria desta fase do
desenvolvimento. Os obsessivos são sumamente ambivalentes, amam e odeiam ao mesmo tempo, provocando confusão
nas demais pessoas.
O que geralmente eles fazem é dissociar o amor e o ódio, reprimindo um e exagerando o outro, como vimos na
bondade e na polidez exageradas, que escondem uma agressividade inconsciente.
Freud comparou os rituais religiosos aos rituais obsessivos, afirmando que ambos tinham a mesma estrutura
defensiva, e que os obsessivos conformavam uma verdadeira "religião privada". Pelo contrário, os rituais religiosos
defendiam a humanidade das Urphantasien, o\i fantasias primevas e originárias, como a da matança do pai no começo
dos tempos.

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Vocabulário crítico

Conflito neurótico: é sempre um conflito inconsciente, gerador de angústia, sintomas ou perturbações do caráter, como as
tentativas crónicas e falhas de resolução. Dá-
• -se entre exigências instintivas e morais, entre desejos ou pulsões e a repressão ou mecanismos de defesa, ou entre o
ego e o id, dependendo do ponto de vista. A fórmula final é superego + ego X id, isto é, o ego reprime o id sob as
ordens do superego.
Conflito psíquico: quando o sujeito enfrenta exigências internas contrárias, sendo estas manifestas, conscientes, ou latentes
e inconscientes, entre dois sentimentos ou obje-tivos contrários, então exprime-se de modo deformado como conflito
consciente, ou traduz-se em inibições, angústia, sintomas e transtornos do caráter, sendo estes últimos casos já
manifestações do conflito neurótico.
Histeria: neurose na qual o conflito psíquico simboliza-se nos mais diversos sintomas corporais, sejam paroxísticos
(ataques) ou duradouros (anestesias, paralisias, dores), sobre um fundo de caráter típico, como a sedução, a
teatralidade, a ingenuidade sexual e transtornos sexuais variados, como a frigidez, a erotização dos vínculos etc. Os
mecanismos de defesa são a repressão e a conversão.
Neurastenia: síndrome cujo principal sintoma é uma fadiga física de origem nervosa, além de outros, como cefaléia,
constipação, dispepsia, empobrecimento da vida sexual. Segundo Freud, é uma neurose "atual" devida a um regime
sexual que não satisfaz a tensão libidinal (masturbação).
Neuroses: afecções psicogênicas cujos sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico inconsciente, que tem
suas raízes na história infantil do sujeito, e que são compromissos entre o desejo e a defesa. A noso-grafia diferencia
neuroses, psicoses, psicopatias ou perversões, e doenças psicossomáticas, e quando usado só, o termo reserva-se à
neurose fóbica, à histeria e à neurose obsessiva.
Neurose de angústia: tipo de neurose "atual" caracterizada pelo predomínio da angústia, seja em forma crónica, por crises,
ou equivalentes somáticos, e deve-se a acumulação de excitação sexual ou agressiva que não é descarregada, e se
transforma diretamente em sintomas, sem mediação psíquica.
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Neurose de caráter: tipo de neurose na qual o conflito não se traduz em formação de sintomas claramente isolados
(egodistônicos), mas por traços de caráter, formas de comportamento (egossintônicos), inclusive uma organização
patológica do conjunto da personalidade.
Neurose fóbica: neurose caracterizada pela localização da angústia sobre pessoas, coisas ou situações, que tornam--se assim
objeto de um terror paralisante (fobias)', e pelas medidas de defesa contra o aparecimento do objeto fóbico ou da
angústia (condutas evitativas). Dá um tipo de caráter medroso, tímido e fugidio, em cons-
tante estado de alerta, ou, ao contrário, em atitude de desafio; os mecanismos de defesa são a repressão, a projeção e o
deslocamento.
Neurose obsessiva: neurose caracterizada pelo caráter forçado dos sintomas chamados compulsivos: ideias obsessivas,
compulsões de realizar atos indesejáveis, rituais e cerimónias; pela luta crónica contra eles; e por traços de caráter
típicos, como hesitação, escrúpulos, tendência à ordem e à higiene, ruminação mental etc. Os mecanismos de defesa
são o isolamento, o deslocamento, a anulação retroativa e a formação reativa.
Neurose traumática: tipo de neurose em que os sintomas aparecem logo depois de um choque emocional no qual o sujeito
sentiu-se ameaçado (trauma); nela, o conteúdo do acontecimento repete-se em pesadelos e outros transtornos
(sintomas de repetição), que são um intento reiterado de descarga e de elaboração.

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Bibliografia comentada

BERNARD, P., brisset, C. e ey, Henry. Tratado de psiquiatria. 7. ed. Barcelona, Toray-Masson, 1975. O manual mais
completo e mais moderno da psiquiatria ocidental, útil não só para os médicos, mas para todos os que lidam com saúde
mental. Ótima sistematização e apresentação, de consulta muito útil e constante, trazendo não só a sintomatologia, mas a
etiologia, o tratamento e a menção sucinta das teorias explicativas de todos os quadros.
BLEGER, José. Psicologia de Ia conducta. 9. ed. Buenos Aires, Paidós, 1973.
Texto indispensável para enxergar as neuroses — e as psicoses — como condutas com finalidade, motivação, objeto,
objetivo e estrutura, isto é, de um ponto de vista holístico, humano. Ele contrapõe conduta a comportamento, este
último sendo um fragmento daquela. Também é importante para descobrir os "graus de liberdade do ser", isto é, o leque
de estruturas possíveis do ser humano, no qual encara-se toda a psicopatologia especial como um continuum do ser
humano normal.
PENICHE L, Otto. Teoria psicoanalítica de Ias neurosis. Buenos Aires, Paidós, 1976.
Livro clássico de sistematização da teoria psicanalítica, desenvolvendo especialmente o ponto de vista "económico" de
Freud, e aplicando-o largamente à clínica das neuroses.
FREUD, Sigmund. Obras completas. Madrid, Biblioteca Nueva, 1968.
É desnecessário falar da importância da obra do mestre de Viena, mas recomenda-se uma leitura orientada. Foram
usadas as obras em espanhol, a nosso ver melhor traduzidas — direto do alemão, menos técnica e mais compreensível.
KOLB, L. e NOYES, A. Psiquiatria clínica moderna. 4. ed. Méjico, La Prensa Médica Mejicana, 1971.
. Outro manual de psicopatologia completo, ágil, simples, e de linguagem não excessivamente técnica, o que o faz
recomendável para o leigo e para o estudante iniciante.
LAGACHE, Daniel. A psicanálise. São Paulo, Difel, 1978. Texto curto, de precisão e síntese admiráveis, sobre os conceitos
básicos da psicanálise, tanto teóricos quanto psicopatológicos e clínicos. Ótimo para quem quer introduzir-se
seriamente no tema.
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. 1. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1983. Dicionário
indispensável como guia para a leitura de Freud, com uma pesquisa minuciosa das "épocas" no desenvolvimento da
teoria freudiana, e com a definição sistemática e precisa dos conceitos psicanalíticos, feito admirável destes.franceses
discípulos de Lagache.
LINDNER, Robert. A hora de 50 minutos. Rio de Janeiro, Zahar. (Col. Romance e Psicanálise.)
Obra gostosa, romanceada, de vários casos de um psicanalista, notadamente de depressão, de psicopatia e de
esquizofrenia, que ficam gravados pela apresentação original da sua dramática humana, da sua psicodinâmica profunda
e dos recursos terapêuticos aplicados.
PAZ, José Rafael. Psicopatologia; sus fundamentos dinâmicos. 4. ed. Buenos Aires, Nueva Vision, 1977. Exposição e
reflexão crítica sobre a psicopatologia geral e especial, sobre as teorias psicanalíticas diversas e sobre os quadros e
estruturas.
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PiCHON-RiviÈRE, Enrique. La psiquiatria, una nueva problemática; dei psicoanálisis a Ia psicologia Social. Buenos" Aires,
Nueva Vision, 1977. 2 v. Coletânea completa dos artigos e ensaios deste mestre argentino da psicanálise. Em dois
tomos, especialmente útil para nós é o segundo, que trata da sistematização e etiologia psicodinâmica dos quadros
nosológicos (admiráveis suas observações sobre as doenças psicossomáticas) e da exposição da Teoria da Doença
Única, de sua autoria.
SEGAL, Hanna. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro, Imago, 1975.
Como seu nome indica, é uma síntese — bem-feita — introdutória aos conceitos kleinianos, importantes, a nosso ver,
para conformar um esquema referencial e operativo em psicopatologia.
SZASZ, Thomas. A fabricação da loucura. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
Revisão histórica, "arqueológica", de certos conceitos como a masturbação e a homossexualidade, para uma reflexão
antipsiquiátrica; mostra o processo social da escolha de um emergente ou "bode expiatório" para explicar a loucura.

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