Anda di halaman 1dari 11

REVISTA DIÁLOGOS, n.

° Especial 15 - III Encontro Nacional e II Encontro Internacional de


Literatura e Lingüística da Universidade de Pernambuco (UPE), 3 vols, campus Garanhuns. (2015,
Garanhuns, PE). Vol. I, p. 540-550.

FERDINAND DE SAUSSURE E EUGÊNIO COSERIU: PROPOSIÇÕES SOBRE


O TEXTO
Clemilton Lopes Pinheiro (UFRN)
1. Introdução

O nome de Ferdinand de Saussure é associado à fundação da linguística geral


moderna. Mas ele também desenvolveu pesquisas sobre as lendas germânicas (a epopeia
dos Nibelungos e as aventuras de Tristão) e sobre os anagramas. Essas pesquisas
compõem o vasto corpus de manuscritos de Saussure que se encontra no departamento
de Manuscritos da Biblioteca de Genebra. Alguns pesquisadores interpretam essa
atividade a partir de uma perspectiva textual, e postulam uma abordagem do texto nos
estudos de Saussure.
Eugênio Coseriu utilizou o termo “linguística textual” pela primeira vez em
meados dos anos 1950 em um artigo que escreveu em espanhol: Determinación y entorno.
De los problemas de una linguística del hablar. Mais tarde, no início da década de 1980,
o pensamento de Coserio sobre o texto foi apresentado na obra Textlinguistik. Eine
Einführung, editada por Jörn Albrecht, a partir de um curso ministrado na Universidade
de Tübingen. O livro, traduzido para o italiano e para o espanhol, é dedicado inteiramente
ao texto. Em suma, trata-se de uma investigação sobre o texto concebido como tal, na
década de setenta na Alemanha, em uma época de transição entre o período de formação
e consolidação de uma ciência do texto.
Considerando que Coseriu é um dos maiores continuadores de Saussure, neste
trabalho, nós nos propomos a realizar um levantamento de questões epistemológicas e
metodológicas dos trabalhos sobre texto dos dois linguistas. Nosso objetivo é realizar um
debate teórico exploratório, identificando e relacionando posicionamentos no que diz
respeito à abordagem do texto. Para atingir esse objetivo, procedemos uma análise
interpretativa da proposta de Coseriu para o estudo do texto (COSERIU, 2007) e de partes
dos manuscritos de Saussure especificamente sobre as lendas germânicas (TURPIN,
2003)1.

2. Saussure e Coseriu: dois eminentes linguistas

O suíço Ferdinand de Saussure, nascido em Genebra, em 1857, é,


indiscutivelmente, o nome mais frequentemente evocado quando se trata da Linguística
do século XX. Seus primeiros trabalhos publicados ainda no século XIX trataram da
gramática comparativa das línguas indo-europeias, conforme o paradigma linguístico
hegemônico na época. Em 1878, ele publicou, em Leipzig, Mémoire sur le système
primitif des voyelles dans les langues Indo-Européennes (Estudo sobre o sistema
primitivo das vogais nas línguas indo-europeias), quando tinha apenas 20 anos de idade.
Em 1881, ele publicou sua tese de doutorado De l’emploi du génitif absolu en sanscrit
(Do uso do genitivo absoluto em sânscrito). Após uma temporada na Alemanha, ele foi a
Paris para continuar sua formação na École Pratique des Hautes Études. Em Paris, ele
realizou uma bela carreira. Em 1892, voltou para Genebra e passou a ensinar na
Universidade de Genebra sobre os temas: gramática comparada das línguas germânicas,
do grego e do latim, além de sânscrito e linguística geral. Ele faleceu na cidade de
Vufflens, em fevereiro de 1913.
Por meio de uma exploração das notas de aula de alguns alunos dos três últimos
cursos que Saussure ministrou sobre linguística geral, na Universidade de Genebra, no
período de 1907 a 1911, Charles Bally e Albert Sechehaye organizaram o livro Cours de
linguistique générale (Curso de Linguística Geral – CLG), publicado em 1916
(SAUSSURE, 1978). Essa obra deu a Saussure o respeitável título de “fundador da
linguística moderna” e se tornou um texto base para a área.
Seguindo de perto o CLG, a divulgação das ideias de Saussure focalizou a
apresentação de dicotomias ou oposições (langue/parole, sintagma/paradigma,
forma/substância, significado/significante, sincronia/diacronia) em torno das quais foi
delimitado o objeto de estudo primordial da Linguística: a língua, entendida como um
sistema de signos que deve ser estudado nele mesmo, por ele mesmo. É assim que o CLG

1
Os manuscritos de Saussure sobre as lendas estão divididos em três lotes: 8 cadernos, 383 folhas (BGE
Ms. fr. 3958/1 a 8), 10 cadernos, 228 folhas (BGE Ms. fr. 3959/1 a 10) e 228 folhas avulsas (BGE Ms. fr.
3959/11). Há apenas edições parciais desse material. Uma das mais completas é a de Turpin (2003).
representa um momento decisivo na história da Linguística como ciência. “Ele
permanece, enfim, ainda hoje, um texto de introdução à Linguística nos inúmeros cursos
universitários no mundo inteiro” (COLOMBAT, FOURNIER e PUECH, 2010, p. 25)2.
Algumas reservas ao trabalho de Bally e de Sechehaye como uma reconstrução,
baseada em fontes heterogêneas e fragmentadas, do pensamento de Saussure, foram
mesmo apresentadas por alguns dos seus antigos alunos, mas permaneceram sem eco
durante muito tempo (BOUQUET, 2010). Os trabalhos críticos de Godel, Engler e De
Mauro, a partir de fontes manuscritas, principalmente os cadernos dos alunos, começaram
também a mostrar alguns problemas relacionados à reinterpretação e à apropriação do
pensamento saussuriano apresentado por ele mesmo.
Em 1996, durante trabalhos na antiga residência da família Saussure em Genebra,
foi encontrado um conjunto de folhas manuscritas pelo próprio Saussure. Esse material,
doado à Biblioteca de Genebra, integrou outras obras já existentes e foi publicado como
Escritos de linguística geral (SAUSSURE, 2002). A partir daí, começou a se desenvolver
uma revisão fundamental de muitos pontos abordados no CLG e consequentemente da
imagem que até então se tinha de Saussure. Instaura-se um intenso debate, diríamos até
uma grande polêmica, envolvendo o CLG e o conjunto das fontes manuscritas.
Eugenio Coseriu não conquistou a mesma celebridade de Saussure, mas não deixa
de ser menos importante para o pensamento linguístico moderno. Ele nasceu em 1921,
numa pequena cidade romena chamada Mihileni. Depois de seus estudos na Romênia e
Itália, ele se tornou professor de Linguístca Geral e indo-europeia, na Universidade de
Montevidéu. Em 1963, é nomeado professor de linguística romana e geral, em Tübingen,
Alemanha. Durante os anos 70, a escola coseriana de Tübingen tornou-se uma das mais
prestigiosas em linguística românica, exercendo uma grande influência, principalmente
no domínio da linguística geral e da filosofia da linguagem.
Seu interesse pela linguística nasceu do amor pelas línguas e suas literaturas
durante os anos em que estudou filologia românica e eslava em Roma. Ele aprendeu
muitas línguas, porque queria ler os textos literários na língua original. Ele dominou o
romeno, o italiano, o espanhol, as línguas eslavas, o alemão, o inglês, o grego, e, já na
velhice, ainda aprendeu japonês (KABATEK, 2004).
Coseriu desenvolveu os princípios fundamentais de sua teoria da linguagem com
base ainda na linguística estrutural, mas dominou quase todas as áreas temáticas da

2
Texto original em francês. Tradução nossa.
linguística geral e uma quantidade notável de estudos filológicos de línguas particulares.
Não se trata de uma afirmação exagerada, nem de retórica elogiosa. A lista de suas
publicações abrange quase todos os setores da linguística: a filosofia da linguagem, a
teoria da linguagem, a metodologia da linguística, a fonologia, a teoria gramatical, a
semântica, a linguística de texto, a dialetologia, a sociolinguística, a estilística, a história
da teoria da tradução, a política linguística, a história da linguística. A extensão temática
de sua obra é uma manifestação externa de sua concepção pessoal acerca do que é a
linguagem e a própria linguística. A proposta de Coseriu visava compreender toda a
realidade da língua e integrá-la sistematicamente em um modelo epistemológico
funcional.
Segundo Kabatek (2004), Coseriu é frenquetemente visto como um puro
estruturalista, porque boa parte de sua obra fundamental, principalmente a dos anos 50,
provém de um confronto com as ideias de Saussure (as ideias presentes no CLG, talvez
seja bom frisar). No entanto, Kabatek assinala que os trabalhos de Coseriu sempre
seguiram dois tipos de objetivos.
De um lado, o de levar a sério a linguística estruturalista em toda sua extensão,
ou seja, recobrir todos os domínios da língua; de outro lado, o de mostrar seus
limites, pois, para Coseriu, o estruturalismo oferece apenas uma visão parcial da
linguagem, deixando entre parênteses uma série de fatos (excluídos pelas
célebres “sete distinções”) para alcançar seu objeto. O dever da “linguística
integral” é, então, ir também para além do estruturalismo e reintegrar tudo o que
ele exclui. (KABATEK, 2004, p, 487)3

3. Saussure e Coseriu: as proposições sobre o texto

O ponto de partida de Coseriu para o estudo do texto é a sua proposta de que a


linguagem apresenta três níveis autônomos: 1) o nível universal ou nível do falar em
geral; 2) o nível histórico das línguas; 3) o nível individual dos textos (COSERIU, 1980,
2007).
O nível universal diz respeito aos fenômenos comuns a todas as línguas. A
primeira propriedade universal das línguas é seu caráter sígnico, ou seja, a possibilidade
de referir-se a algo que não se identifica com ela mesma. A comparação entre as línguas
fornece uma evidência para essa propriedade: diferentes línguas correspondem a
configurações distintas para uma mesma realidade extralinguística. Algumas atividades
relacionadas à linguagem, como a tradução, por exemplo, só são possíveis a partir do

3
Texto original em francês. Tradução nossa.
pressuposto de que diferentes línguas podem referir-se a uma mesma realidade e o fazem
de forma diferenciada. A segunda propriedade que Coseriu atribui ao nível universal da
linguagem é a faculdade universal de falar, não determinada historicamente. “Trata-se de
um saber falar que não coincide simplesmente com o saber falar alemão, francês etc., mas
que vale para toda língua e para todo falar” (COSERIU, 2007, p. 131)4. O segundo nível
autônomo do falar é o nível histórico das línguas. Cada língua particular dispõe de um
léxico estruturado de forma diferente, possui sua própria gramática e seu sistema
fonológico.
Para sustentar a autonomia do nível dos textos em relação ao nível universal e ao
nível histórico das línguas, Coseriu assinala, principalmente, o fato de que as regras da
língua podem ser suspensas no texto sem provocar rejeição, e de que os textos são
influenciados pelos universos de discurso - o que não acontece com as línguas - e têm
tradições particulares, diferentes das tradições das línguas históricas.
Coseriu procura formular os princípios de uma Linguística do Texto consistente
com essa concepção dos níveis da linguagem. Como os três níveis são considerados
autônomos, a Linguística do Texto está associada ao terceiro nível, o nível individual, e
é caracterizada como uma Linguística do sentido, que objetiva a hermenêutica do sentido
dos textos e se fundamenta em uma teoria da interpretação. Ao adotar essa posição,
Coseriu tem clareza de que sua concepção de Linguística do Texto é consideravelmente
diferente dos trabalhos dominantes na área, mas faz questão de enfatizar que é a
“verdadeira” e “própria” Linguística do Texto. (COSERIU, 2007, p. 156).
Nessa proposta, Coseriu distingue, portanto, dois conceitos de texto: o texto como
nível autônomo da linguagem e o texto como nível de estruturação idiomática, superior à
oração, ao sintagma, à palavra e aos elementos mínimos portadores de significado.
Consequentemente, o autor também delineia duas formas de Linguística do Texto, para
ele, cientificamente legítimas: a que concebe o texto como nível da linguagem em geral
e a que concebe o texto como um nível de estruturação das línguas. Ambas as
modalidades não são nem contrárias nem excludentes, mas complementares e integradas,
pois se encontram em distintos planos do linguístico: o propriamente idiomático e o
individual.
Inicialmente, dois tipos de linguística de texto podem ser distinguidos. O
objetivo do primeiro são os textos como um nível autônomo da linguagem,
independente da língua em que se expressa. Essa linguística do texto seria a
linguística do texto propriamente dita (...). O segundo tipo de linguística do texto

4
As citações originais de Coseriu (2007) estão em espanhol. Tradução nossa.
toma como objeto o texto enquanto nível de estruturação idiomática. Por isso, e
também em benefício da clareza terminológica, se denominará gramática do
texto ou gramática trans-oracional (também análise trans-oracional ou
transfrástica) (COSERIU, 2007, p. 116-17).

A Linguística do Texto como ciência do nível individual do falar consiste, para


Coseriu, como já frisamos, antes de tudo, na explicação do sentido de cada texto, isto é,
uma hermenêutica do sentido. Por sua vez, a Gramática do Texto deve estudar os
procedimentos estritamente idiomáticos para a construção dos textos.
Coseriu assinala que, no âmbito dessa “linguística do texto idiomática”, muitos
trabalhos relevantes têm sido desenvolvidos nos últimos anos, mas reconhece também
que “o elevado nível técnico da investigação realizada nem sempre corresponde a uma
delimitação téorica suficientemente clara do objeto que se deseja investigar” (2007, p.
306)5. Concretamente, nos dois tipos de Linguística do Texto, o texto é o mesmo, apenas
é considerado de modo distinto: nível autônomo da linguagem (Linguística do Texto
propriamente dita) ou nível de estruturação idiomática (Gramática Textual).
Ao comprovar e justificar o sentido dos textos particulares, a Linguística do Texto
propriamente dita só pode chegar a um tipo de generalização: a identificação de universais
empíricos, ou seja, de características comuns a vários textos (ou até mesmo a todos os
textos). Ao buscar as generalizações acerca das formas que o sentido assume nos textos,
essa Linguística do Texto pode ser identificada com a teoria da investigação das classes
de textos. Essa abordagem não coincide simplesmente com a dos gêneros, mas a engloba.
Como exemplo de sua abordagem do texto, Coseriu apresenta a análise da novela
Dom Quixote desenvolvida por Leo Spitzer com algumas alterações. A análise de Spitzer
aponta como característica fundamental do texto a instabilidade dos nomes dos
personagens, que é tomada como um indício importante para o sentido global. Coseriu
argumenta que essa análise capta apenas o sentido parcial do texto, porque toma como
ponto de partida apenas um indício, sem analisar os diversos estratos da articulação do

5
Paralelamente à proposta de Coseriu, a noção de uma gramática do texto foi o ponto de partida de alguns
pesquisadores que buscaram estudar estruturas transfrásticas, tais como cadeias referenciais e relações entre
orações. Naturalmente, a motivação desses estudos, diferente da de Coseriu, foi a constatação de que
existiam fenômenos linguísticos cuja explicação no nível da oração não era suficiente. Daí surgiu o
postulado teórico de que é o texto, e não a oração, a unidade básica da língua. Desenvolveu-se, portanto,
uma série de estudos teóricos com o objetivo de descrever e explicar os princípios universais e as regras
específicas subjacentes à constituição do texto. Blühdorn e Andrade (2005) apresentam um balanço da
situação dessa “Linguística Textual” na Alemanha e no Brasil em que fazem uma boa retrospectiva da
questão do surgimento das gramáticas textuais. Um “estado da arte” dos estudos do texto no contexto
francês é também apresentado por Adam (2010).
sentido. A teoria hermenêutica deve considerar que o sentido dos textos, assim como o
sentido das frases, não é simplesmente a soma do sentido de suas partes.
Para Coseriu, portanto, a busca do sentido da novela Dom Quixote deve partir da
articulação hierárquica do sentido das diversas partes. A instabilidade dos nomes é um
entre os vários fatores que contribuem para o sentido, e deve ser compreendida em sua
conexão com as demais características do texto. O sentido resulta da análise integrada do
sentido de partes do texto: os nomes dos personagens são instáveis, o entusiasmo de Dom
Quixote ao falar da liberdade, a atividade de Dom Quixote de libertar várias personagens,
o governo de Sancho Pança.
A conclusão, após o levantamento dessas características, é a de que Dom Quixote
é “um poema sobre a liberdade” (COSERIU, 2007, p. 269). No conjunto do texto, a
instabilidade dos nomes pode também ser interpretada como um momento de liberdade:
as pessoas são livres para nomear as coisas e todo nome corresponde a uma forma
determinada de ver as coisas. A parte trágica reside no fato de que as possibilidades de
luta pela liberdade são limitadas, ligadas à demência do herói, e abandonadas quando ele
é vencido e curado da loucura.
Em Saussure, não há explicitamente alusão a uma perspectiva teórica de
abordagem textual6. Se há alguma, ela é apenas inferida nas análises que ele desenvolveu
sobre as lendas e os anagramas. Segundo Rastier (2009), essas análises “testemunham um
verdadeiro pensamento da textualidade” (2009, p. 18), “buscam as normas de composição
das lendas, a compreensão das suas transformações gerais, sem neglicenciar o problema
das suas raízes históricas, pelo viés da sua relação com a linguística externa” (2009, p.
21). Para Rastier, a textualidade corresponde a uma relação semiótica fundamental e é um
dos eixos dos estudos textuais, “que relaciona a palavra, a passagem, o texto e o
corpus” (2009, p. 21)7.
De fato, a leitura dos manuscritos de Saussure sobre as lendas não deixa dúvida
de que estamos diante de uma análise textual.

A teoria das cenas parece se aproximar da teoria dos motivos, porque nos dois
casos arranja-se um texto dado de alguma forma com o que o cerca. (Ms. fr.
3959/2 - TURPIN, 2003, p. 408).
Sem dúvida, há aqui uma verdadeira confusão de termos ou de ideias sobre o
que constitui o documento. Porque um documento é em geral um texto, imagina-

6
Sobre algumas interpretações dessa atividade de Saussure, ler Pinheiro (2014)
7
Citações originais em francês. Tradução nossa.
se que isso não é fazer uma operação anti-crítica de decidir o que deve ser
comparado de um texto a outro. (Ms. fr. 3959/11 - TURPIN, 2003, p. 426).8

É evidente também que Saussure não aborda o texto como nível de estruturação
idiomática, ou seja, não há indícios nos manuscritos de questões relativas a regras de
constituição idiomática das lendas. Não há, ao menos de maneira explícita, um tipo de
aproximação da análise de Saussure com as pesquisas sobre os elementos de que dispõe
uma língua particular para a construção do texto legendário. De fato, não se trata de uma
abordagem do texto tal como é desenvolvida pela Gramática Textual ou por algumas
correntes da Linguística Textual contemporânea. Ao contrário, parece que Saussure
aborda o texto da lenda como tal, independente de uma língua particular.
Um assunto bastante recorrente nos manuscritos é a relação entre a lenda e os
eventos históricos. Saussure assinala que não há critérios para comprovar a
correspondência direta entre lenda e história, apesar das consideráveis coincidências.
Além disso, a identificação dessas relações seria importante apenas para o historiador,
não para o analista da lenda.

Não é errado supor uma perfeita coincidência entre a lenda e a história, se


tivéssemos as provas mais certas de que foi um grupo definido de eventos que
lhe deu origem. O que se faça, e por evidências, nunca é mais que um grau de
aproximação que pode intervir aqui como decisivo ou convincente. Mas vale
muito à pena considerar as escalas desses graus. Ver se, sim ou não, uma outra
concentração histórica que não tentamos seria igualmente capaz de explicar a
lenda nos seus elementos, é uma prova extremamente interessante para nossa
tese, uma das que, na ausência de toda demonstração rigorosa possível em certo
domínio, pode passar ao menos por um gênero de verificação natural e não
negligenciável (Ms. fr. 3958/1 – TURPIN, 2003, p. 360).
É muito importante para os historiadores tentar identificar...
De modo algum para os legendistas. (Ms. fr. 3958/1 – TURPIN, 2003, p. 361).

Considerando, portanto, essa problemática, Saussure recusa a proposta corrente à


época de analisar as lendas pelo viés da história, pelo viés da veracidade ou falsidade dos
fatos reais. Isso leva à consideração de que a lenda é um fato semiótico, e como tal é
sujeita a transformações ao longo do tempo.

- A lenda é composta por uma série de símbolos em um sentido a precisar.


- Esses símbolos, sem dúvida, são submetidos às mesmas vicissitudes e às
mesmas leis de todos as outras séries de símbolos, por exemplo os símbolos que
são as palavras da língua.
- Todos eles fazem parte da semiologia.
- Não há nenhum método para supor que o símbolo deve permanecer fixo, nem
que ele deve variar indistintamente, ele deve provavelmente variar dentro de
certos limites.

8
Os excertos do manuscrito de Saussure editado por Turpin (2003) estão em francês. Tradução nossa.
- A identidade de um símbolo nunca pode ser fixa a partir do instante em que ele
é símbolo, ou seja quando é vertido na massa social que fixa a cada instante o
seu valor. (Ms. fr. 3958/4 – TURPIN, 2003, p. 367).

Assim, é possível estabelecer uma aproximação entre essa noção de lenda e a


concepção de texto como nível autônomo da linguagem. Como já dissemos, segundo
Coseriu (2007), o objeto fundamental de uma Linguística que concebe o texto como nível
autônomo da linguagem são os procedimentos de compreensão do sentido. Para o autor,
o sentido diz respeito ao conjunto de conteúdos que só existem como conteúdos de textos,
e têm um caráter particular e individual. “A designação e o significado, isto é, o que os
signos linguísticos designam e aquilo que significam em uma determinada língua,
formam juntos no texto a expressão de uma unidade de conteúdo superior de natureza
mais complexa: o sentido” (COSERIU, 2007, p. 153). A partir da distinção entre
significante e significado, estabelecida no CLG (SAUSSURE, 1978), para o signo
linguístico, Coseriu propõe uma distinção análoga para o “signo textual”: “O significado
e a designação constituem juntos o significante, ao passo que o sentido é o significado do
signo textual” (COSERIU, 2007, p. 153).
Se aceitarmos essa hipótese, poderíamos afirmar que, para Saussure, a lenda é um
texto ou discurso particular cujo sentido, único em cada caso, é preciso compreender,
considerando a interferência de diferentes fatores.

São então os atos da personagem, ou sua característica, ou o seu meio, ou { } ou


o que ainda constitui o critério da identidade? É um pouco tudo isso e nada disso
< porque tudo pode ter sido ao mesmo tempo transformado e transportado de A
a B. > Quanto mais se estuda a coisa mais se verá que a questão não é realmente
saber em que reside a identidade, mas se há um sentido qualquer para se falar.
(Ms. fr. 3959/11 – TURPIN, 2003, p. 427)

Uma personagem, por exemplo, é a soma das características atribuídas pela lenda.
Cada uma dessas características pode ser passada de uma personagem a outra, até ao
ponto de se desfazer qualquer possibilidade de identificação. Em outras palavras, a
personagem não é mais que uma associação de traços combinados. Assim, a instabilidade
dos nomes das personagens é um dos fatos, entre outros, que deve ser compreendido por
meio da conexão com as demais características da lenda importantes para a interpretação
do sentido.

Entre um estado de uma lenda e o que toma o seu lugar em trezentos quatrocentos
anos de distância, não há ao contrário nenhum elemento fixo, ou destinado a ser
fixo. Nem uma personagem: (Ms. fr. 3959/11 – TURPIN, 2003, p. 428)
Ao buscar entender as condições de surgimento, circulação e estabilização das
lendas Saussure parece destacar a importância do que é singular na linguagem. Nesse
sentido, é possível interpretar essa análise como uma tentativa de também desenvolver
uma hermenêutica do sentido dos textos.

4. Conclusão

As questões apontadas por Saussure em seus manuscritos e as formulações de


Coseriu para o estudo do texto parecem ter em comum o olhar para o texto em sua
individualidade, como um acontecimento singular, e a tentativa de explicar fatos relativos
ao seu sentido. Nessa perspectiva, o texto não é considerado um fato de língua como
sistema, historicamente determinado. Esse raciocínio nos conduz a pensar, como Coseriu
(2007), que, para bem compreender a linguagem, é necessário precisar aspectos diferentes
e disciplinas diferentes.
Segundo Bronckart, Bulea e Bota (2010, p. 7), apesar de todo o reconhecimento e
celebridade, a obra de Saussure ainda não está bem compreendida, e “sua dimensão
propriamente revolucionária ainda é largamente ignorada”9. Podemos estender um
raciocínio semelhante em relação a Coseriu. O grande potencial de desenvolvimento dos
seus trabalhos não recebeu, sobretudo no Brasil, a atenção merecida.
Na nossa opinião, retomar as proposições de Saussure e Coseriu constitui um
empreendimento fundamental para a ampliação e o aprofundamento dos estudos textuais.
Não se trata apenas de recuperar a história do pensamento desses autores, mas descobrir
as suas raízes, tendo em vista os alcances e os limites de suas ideias no desenvolvimento
de novas perspectivas teóricas e metodológicas sobre o texto.

Referências bibliográficas
ADAM, Jean-Michel. L’émergence de la Linguistique Textuelle en France: entre
perspective fonctionnelle de la phrase, grammaires et linguistiques du texte et du discours.
Investigações, vol. 23, n. 2, 2010, 11-47.

BLÜHDORN, Hardaric e ANDRADE, Maria Lúcia da C. V. de Oliveira. Tendências


recentes da Linguística Textual na Alemanha e no Brasil. Filologia e Linguística
Portuguesa, n. 7, 2005 p. 13-48.

9
Texto original em francês. Nós realizamos a tradução.
BRONCKART, Jean-Paul, BULEA, Ecaterina & BOTA, Cristian. Pour um réexamen du
projet saussurien. In: ______ (éds). Le projet de Ferdinand de Saussure. Genève, Droz,
2010, p. 07-21.

BOUQUET, Simon. Du pseudo-Saussure aux textes saussuriens originaux. In:


BRONCKART, Jean-Paul, BULEA, Ecaterina & BOTA, Cristian (éds). Le projet de
Ferdinand de Saussure. Genève, Droz, 2010, p. 31-48.

COLOMBAT, Bernard, FOURNIER, Jean-Marie, PUECH, Christian. Histoire des idées


sur le langage et les langues. Paris: Klincksieck, 2010.

COSERIU, Eugenio. Lições de linguística geral, Tradução de Evanildo Bechara. Rio de


Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.

COSERIU, Eugenio. Lingüística del texto. Introducción a la hermenéutica del sentido


(édition et annotation d’Oscar Loureda Lamas). Madrid: Arco/Libros, 2007.

KABATEK, Johannes. Eugenio Coseriu (1921-2002). Estudis Romànics. Vol. 26, 2004,
p. 484-488.

PINHEIRO, Clemilton Lopes. Les études de Saussure sur les légendes: un rapide parcours
à travers quelques interprétations. In: 4o. Congrès Mondial de Linguistique Française,
2014, Berlin. Actes - 4o. Congrès Mondial de Linguistique Française. Paris: EDP
Sciences, v. 8, 2014, p. 479-490.

RASTIER, François. Saussure et les textes - de la philologie des textes saussuriens à la


théorie saussurienne des textes. Texto!, XIV, n. 3, 2009, 01-27.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1978.
SAUSSURE, Ferdinand. de. Écrits de linguistique générale. Édition par Bouquet, S. et
Engler, R. Paris: Gallimard, 2002.

TURPIN, Béatrice. Légendes et récits d´Europe du Nord: de Sigfrid à Tristan. Cahiers


de l’Herne – Saussure, 76, 2003, 351-429.

Anda mungkin juga menyukai