OS MICROTÉCNICOS
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os pepinos eram microtécnicos —
e Gucky ficou encantado...
***
***
Recorrendo aos compensadores estruturais, ainda eficazes, a Drusus deu dois saltos
em direção ao sistema de Swaft. Depois os compensadores foram desligados. As duas
transições que se seguiram foram realizadas sem o menor disfarce. Qualquer rastreador
estrutural dos arcônidas seria rapaz de localizar os dois saltos, mas não proporcionaria
qualquer esclarecimento sobre o ponto de partida da nave.
O sol Swaft era aproximadamente do mesmo tamanho e irradiava calor idêntico ao
do sol terrano. No entanto, ninguém sabia explicar por que no planeta Swoofon não se
havia desenvolvido praticamente nenhuma vegetação. Havia água, rochas e terra em boa
quantidade. Além disso, existia areia de sobra. Mas quase não se via nenhuma planta.
Aproximadamente metade dos swoons vivia nas cidadezinhas existentes na
superfície de Swoofon, enquanto a outra metade preferira abrigar-se sob a superfície.
Kulman conseguira descobrir que existiam swoons que se haviam aliado aos saltadores, e
estavam dispostos a construir o goniômetro de compensação para os mesmos. Eram
principalmente os swoons que viviam no subsolo.
O pouso de uma nave não constituía nenhuma sensação nova para os swoons,
embora para eles estas deveriam ser enormes e possantes. Geralmente eram os saltadores
ou mercadores galácticos que visitavam Swoofon, trocavam suas mercadorias e traziam
artigos de uso muito apreciados. Não chegavam a ser considerados amigos, mas eram
negociantes bem-vindos.
Dessa forma, Swoofon pertencia ao Império Arcônida, e era nesse fato que se
baseava o plano de Rhodan.
No momento em que Swoofon surgiu nas telas da Drusus, e esta penetrava no
sistema, desenvolvendo a velocidade da luz, Rhodan distribuiu os papéis.
— Tenente Rous, pegue a K-13 e voe à Terra com o compensador ligado. Vá buscar
a Titan e a General Pounder com a tripulação completa. Seria arriscado demais expedir
uma mensagem de rádio. Assim que as duas naves chegarem, faremos uma visita
empolgante a Swoofon, isso por ordem do regente de Árcon.
— Hum — fez Crest em tom cético. — Será que isso não é muito arriscado?
— De forma alguma. Estou agindo oficialmente nos termos do acordo que fiz com
Árcon. Não haverá motivo para suspeitas. Comunicarei ao regente, se este o desejar, que
Swoofon está prestes a ser invadido pelos invisíveis. Não temos necessidade de dizer-lhe
como descobrimos isso. Sabemos, e basta! Estamos tomando as providências que estão
ao nosso alcance. Quem poderá impedir-nos de agir assim?
Ninguém respondeu. Mas Atlan, que se mantinha num ponto mais afastado, falou:
— Acho que não seria recomendável causarmos qualquer prejuízo aos swoons —
disse em tom objetivo. — Como antigo psicólogo de colonização do Império afirmo que
não devemos usar violência e...
— Não tenho a intenção de prejudicar os swoons — interrompeu-o Rhodan em tom
amável. — Apenas faremos um blefe com eles. A verdadeira finalidade da ação consistirá
em encobrir a atuação dos agentes. O que pretendemos fazer é o seguinte: Kulman irá,
juntamente com os mutantes apropriados, para junto dos swoons que deverão construir o
goniômetro. Esse fato passará despercebido em meio à confusão geral causada por nossa
aparição no planeta.
— Talvez seja o procedimento mais recomendável — disse Atlan, o imortal.
O Tenente Marcel Rous adiantou-se.
— Quando devo decolar?
Rhodan lançou um olhar sobre o calendário de bordo.
— Dez de novembro de 2.040, treze horas, tempo terrano. Se tudo correr
normalmente, poderá estar de volta dentro de duas horas, em companhia dos dois
couraçados espaciais. Decole imediatamente e leve apenas metade da tripulação.
Entendido?
— Entendido — disse Rous e saiu da sala de comando.
Rhodan lançou-lhe um olhar pensativo e fez um sinal para John Marshall, chefe do
Exército de Mutantes.
— Compareça daqui a dez minutos ao meu camarote, para podermos discutir os
detalhes de sua tarefa. Obrigado.
Dirigindo-se a Bell, disse:
— Dê uma olhada na rouparia. O uniforme que usei para desempenhar o papel de
inspetor arcônida ainda deve estar por lá. Talvez possa ser-nos útil.
— Logo saberemos — disse Bell e retirou-se.
Baldur Sikermann, que estava sentado na poltrona do piloto, sem tirar os olhos dos
controles, disse:
— Não me diga que pretende pousar no planeta com a Drusus.
— Pretendo pousar com as três naves — disse Rhodan em tom resoluto. — Os
pequeninos swoons ficarão impressionados ao verem simultaneamente três esferas
espaciais de um quilômetro e meio de diâmetro. Quanto maior a excitação, melhor para
nós. Mais alguma pergunta?
***
Rhodan preferiu não citar seu nome. O regente de Árcon logo seria comunicado, e
ficaria sem saber quais seriam as verdadeiras intenções de seu sócio do planeta Terra.
E era bom que fosse assim.
Um sorriso contrariado surgiu no rosto de Rhodan, quando Sikermann começou a
desacelerar a Drusus, para que a mesma não penetrasse em velocidade muito elevada na
atmosfera do planeta. A Titan e a General Pounder seguiram o exemplo.
De pé, ao lado de Rhodan, Kulman observava a manobra. Conhecia os swoons e
sabia como orientar-se no planeta.
— A capital é Swatran — disse, fitando a tela que refletia todos os detalhes da
superfície do planeta. — A maior parte da cidade fica na superfície, especialmente o
espaçoporto. Já os centros de produção ficam muito abaixo do nível do solo. O acesso aos
mesmos só é possível através de minúsculos portões. Receio que nenhum de nós consiga
entrar lá.
— Aguardemos — disse Rhodan com a voz fria. — O senhor verá.
Kulman apontou para o ponto pouco nítido, situado uns duzentos quilômetros a leste
da capital.
— Foi aqui que eu fiquei. Em Swatran ninguém me conhece.
— Devem ter ouvido falar de sua atuação — comentou Rhodan. — Acho que não
precisará de uma apresentação formal. Naturalmente ficarão curiosos para saber como é
que o senhor veio parar em minha nave, e por que volta em nossa companhia. Mas
acredito que dificilmente encontraremos inimigos entre os swoons, pois eles não têm
muita simpatia pelos saltadores.
— Aguardemos — respondeu Kulman em tom seco.
Rhodan calou-se.
O espaçoporto havia sido construído pelos saltadores, que mantinham um
intercâmbio comercial bastante intenso com os mecânicos de precisão da Galáxia. Os
edifícios destinados a abrigar a colônia de saltadores radicada no planeta e o
administrador de Árcon eram relativamente baixos, mas para os swoons deviam ser
verdadeiros arranha-céus. Durante sua permanência no planeta, Kulman ocupara um
grande armazém dos swoons. Na verdade, não passava de um simples barraco. Sentira-se
que nem Gulliver entre os anões.
O tamanho minúsculo das casas causava uma impressão errônea quanto à distância.
Examinando a superfície a olho nu, Rhodan calculou que a nave se encontrava a uns
cem quilômetros de Swatran, mas o altímetro revelou que a distância não era superior a
dez quilômetros.
As gigantescas naves pousaram. Quase no mesmo instante, uns cem girinos, que
eram naves esféricas de sessenta metros de diâmetro, saíram das escotilhas de carga da
Drusus, da Titan e da General Pounder. Estes veículos espaciais cuidariam do bloqueio do
planeta. Feito isso, Rhodan suspirou aliviado e dirigiu-se à sala de rádio.
— Alguma notícia? — perguntou, dirigindo-se a David Stern.
— Apenas algumas indagações confusas que ninguém entende. Os saltadores
protestaram; afirmam que não existe nada contra eles.
— É o que sempre dizem — afirmou Rhodan. — Acontece que nunca estão com a
consciência tranqüila. Aposto que a esta hora já estão quebrando a cabeça para saber
quais dos seus crimes conseguimos descobrir. Se foram os próprios saltadores que
tramaram essa história do goniômetro de compensação, a esta hora já estarão suando de
medo.
Bell seguira Rhodan sem que este o percebesse.
— Acontece que não estão inteirados que nós sabemos — disse.
— A incerteza não é um estado muito agradável — ponderou Rhodan e voltou a
dirigir-se a Stern: — Quero entrar em contato com o administrador de Swoofon. É
possível?
— Tentarei — prometeu Stern e pôs-se a trabalhar. — Não sei qual será a demora.
— Chame-me assim que tiver estabelecido a comunicação — disse Rhodan e
dirigiu-se à porta. — Enquanto isso conversarei com o enviado oficial do Império.
Bell seguiu-o com os olhos e voltou à sala de comando.
Parou na porta. O tremendo silêncio deixou-o fascinado.
Os que se encontravam na sala de comando fitavam as enormes telas de visão
global, nas quais se viam as áreas adjacentes à nave pousada, como se esta não tivesse
paredes.
Bell também observava.
O campo de pouso não estava vazio. Entre as grandes naves dos saltadores
enxameavam pequenos seres, que caminhavam a passos graves. Na verdade, pareciam
pepinos maduros. Sua altura não ultrapassava trinta centímetros. Tinham pernas curtas,
quatro braços, um rosto que quase chegava a ser ridículo, nariz achatado e uma boca
pequeníssima. Não tinham pescoço. E os olhos salientes não contribuíam para tornar os
swoons mais bonitos.
Kulman havia contado a Bell que essas estranhas criaturas faziam questão de serem
tratadas com o maior respeito e cortesia. Quem não lhes desse esse tratamento teria
problemas. E Rhodan não estava interessado em criar problemas.
— Por todos os planetas! — exclamou Bell e acompanhou a marcha dos homens-
pepino, cuja cor amarela o deixou estupefato.
Usavam um tipo de roupa, mas esta não encobria os contornos do corpo, que
permaneciam nítidos.
— Realmente parecem pepinos. Sabem falar?
Kulman, que se encontrava a seu lado, fez um gesto afirmativo.
— Falam em voz aguda e estridente. Seu ouvido é extremamente sensível. Se
alguém grita perto deles, contorcem-se de dor. O tradutor eletrônico permite uma
comunicação perfeita com eles. Ainda bem que temos uma quantidade suficiente desses
aparelhos.
— Estou captando seus pensamentos — disse Gucky, em cujos olhos se exprimia o
espanto. — São pacatos e muito curiosos, mas não querem confessar essas qualidades.
Resolveram mostrar-se enérgicos e protestar contra a ocupação de Swoofon. Se não me
engano, aquilo ali é uma espécie de delegação do Governo.
— Excelente! — disse uma voz vinda da porta.
Todos viraram-se abruptamente e assustaram-se ao reconhecerem o uniforme
colorido de inspetor arcônida. Mas logo viram que era Rhodan que o envergara e estava
pronto para desempenhar seu papel.
— Você parece um papagaio — disse Bell em tom de inveja. — Tenho a impressão
de que sou um simples pardal.
— Você não passa disso — exclamou Gucky com um sorriso de deboche.
Bell não lhe deu atenção.
— Pretende sair da nave para conferenciar com os swoons? Quem irá com você?
Rhodan olhou em torno.
— É preferível que por enquanto Kulman não saia da nave. Não é necessário que
saibam que veio conosco, ao menos agora. Você irá comigo, Bell. Gucky também irá,
para que possamos conhecer os pensamentos dos swoons. Sikermann e Crest cuidarão da
sala de rádio e farão cumprir nossas ordens. Os girinos deterão qualquer nave que tente
sair de Swoofon. Outros girinos pousarão nos demais espaçoportos existentes no planeta
e confiscarão todas as naves dos saltadores. O intercâmbio comercial será suspenso
imediatamente. São ordens de Árcon!
Ao proferir a última frase, exibiu um sorriso frio. Bell riu. Crest e Atlan pareciam
preocupados. Sikermann dava a impressão de estar zangado e resoluto. Por estranho que
pudesse parecer, Gucky não fez e não disse nada.
Naquele momento as três naves, que haviam pousado longe uma da outra, estavam
totalmente cercadas pelos swoons. O quadro, que se oferecia aos terranos, quase chegava
a ser medonho. A superfície plana do espaçoporto enxameava de minúsculas criaturas,
movendo-se com tamanha dignidade e compenetração que até parecia que eram os
verdadeiros donos do Universo. Podia ser que não possuíssem nada, mas ao menos
tinham a consciência tranqüila. E uma calma inabalável.
— Vamos andando — disse Rhodan.
Bell e Gucky seguiram-no.
Não levaram armas. Em compensação muniram-se de um tradutor eletrônico, sem o
qual toda e qualquer comunicação se tornaria impossível. Bell carregou-o, com a
compenetração de um camareiro do rei, enquanto Gucky fitava com a necessária
veneração a calça colorida de seu chefe Perry Rhodan, que caminhava à sua frente.
Ninguém saberia dizer que recordações lhe passavam pela mente naquele instante.
Não era a primeira vez que Rhodan usava uma calça desse tipo...
A escotilha abriu-se. A rampa inclinada saiu automaticamente, e Rhodan e seus
companheiros desceram-na calmamente, em direção aos swoons que os esperavam.
— Não estão com medo de nós — cochichou Gucky. — Apenas estão curiosos.
— A curiosidade é a força motriz do Universo — retrucou Rhodan em voz baixa.
Dezenas de milhares de swoons se haviam reunido a fim de cumprimentar os seres
que acreditavam serem arcônidas. Mesmo Rhodan, cuja capacidade telepática era menos
potente que a de Gucky, conseguiu ler os pensamentos dos que se encontravam mais
próximos, embora não fosse fácil distinguir os impulsos confusos. Na verdade, só
percebeu curiosidade, misturada com certa dose de alegria e satisfação.
Era surpreendente, talvez mesmo estranho.
Rhodan resolveu solucionar o enigma.
Prosseguiu, até encontrar-se no meio dos swoons. Abaixou-se, ficando de cócoras.
Bell seguiu seu exemplo, o que não foi tão fácil assim, pois pesava alguns quilos a mais
que Rhodan. Gucky não teve a menor dificuldade, já que sua altura não era superior a um
metro.
Um dos swoons começou a falar aos pios. Tratava-se de um indivíduo que era
tratado com uma veneração toda especial pelos demais. Abriram alas quando se adiantou,
e formaram um semicírculo à sua volta, a fim de protegê-lo.
— Bem-vindos em Swoofon — disse o swoon em tom agudo, fazendo um princípio
de mesura. — Sentimo-nos felizes em hospedá-los. Vêm por ordem do regente?
Era a primeira pergunta.
Rhodan fez um gesto afirmativo e, falando para dentro do tradutor eletrônico, que
reproduzira perfeitamente as palavras dos swoons, disse:
— O regente envia seus respeitosos cumprimentos aos digníssimos swoons. O
Império sente-se feliz em saber que os habitantes deste planeta se contam entre seus
melhores amigos.
Os swoons engoliram a bajulação com a naturalidade que lhes era peculiar em
ocasiões como esta. O rosto de Rhodan irradiava satisfação.
— Se colocamos nossos valiosos serviços ao dispor da comunidade, apenas estamos
cumprindo nosso dever — respondeu a pequena criatura num tom de orgulhosa
autoconfiança. — Talvez se o Império quiser confiar-nos alguma tarefa, esta será
cumprida com a dedicação de sempre.
— A missão que nos trouxe para cá não é nada agradável — disse Rhodan. —
Estamos à procura de um inimigo do Império. Pelo que estamos informados, ele fugiu
para Swoofon. Além disso, este mundo encontra-se na iminência de uma invasão contra a
qual não existe qualquer defesa, a não ser que consigamos criar uma nova arma. Desejo
falar com o chefe de governo de Swoofon.
— Aqui existem muitos chefes de governo — foi a resposta surpreendente dada pela
pequena criatura. — Infelizmente nossas tribos e nações ainda não conseguiram chegar a
um acordo e escolher a pessoa que tenha suficiente dignidade para falar em nome de
todas. As tentativas de unificação...
Era a velha história. Os swoons ainda não conheciam a navegação espacial vista
como um instrumento de expansão galáctica. Viviam para o trabalho, faziam seus
negócios com os saltadores e outras raças do Império, ganhavam muito dinheiro e não
demonstravam o menor interesse pela política espacial.
— Por isso temos que pedir-lhe que se contente em conferenciar com os
representantes de Swatran. Falamos em nome de dez milhões de swoons.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Pois bem; ouça minhas instruções. Todas as naves estacionadas no planeta estão
confiscadas. Não deverão decolar sem permissão dada por nós. Além disso, quero falar
com o administrador de Árcon. Parece que ele reside em Swatran, não?
— Até hoje residia — disse o pequeno swoon. — Infelizmente desapareceu no
momento em que o senhor surgiu inesperadamente. Pretendíamos perguntar-lhe o que
devíamos fazer, pois não sabíamos como explicar o aparecimento de uma frota dos
arcônidas. Mas não o encontramos na sede da administração. Desapareceu.
A novidade era muito interessante! O que estaria temendo o administrador de Árcon
para fugir daquela maneira? Teria feito negócios escusos com os saltadores a fim de
aumentar sua fortuna pessoal? Estaria receoso de ser descoberto por Rhodan?
Bell sentara de vez. Alguns swoons caminhavam entre suas pernas, fitando-o com
uma expressão curiosa, mas sem demonstrar qualquer medo. Se quisesse podia varrê-los
com um simples movimento da mão. Mas quando via seus rostinhos graciosos chegava a
sentir uma espécie de ternura. Fitava com certa admiração os dedos finos, presos
diretamente aos quatro braços. Aqueles seres realmente pareciam pepinos maduros aos
quais tivesse sido insuflada vida. Bell teve a sensação de viver uma lenda, na qual
desempenhava o papel do gigante bondoso.
Com Gucky as coisas não foram diferentes. Também estava sentado no chão e
“apalpava” o conteúdo da mente dos swoons. Despertava uma atenção toda especial, e
uma elevada dose de simpatia dos swoons. Pelo que Gucky pôde constatar, acreditavam
que fosse uma espécie de animal doméstico dos pretensos arcônidas. Não se zangou com
isso, pois para Gucky os animais não eram menos respeitáveis e simpáticos que as
criaturas humanas.
— Se é assim, falarei com os saltadores — disse Rhodan. — Mandarei alguns
soldados procurá-los e prendê-los.
Rhodan teve a impressão de descobrir certa alegria no rosto do swoon que se
encontrava à sua frente. E os pensamentos do pequeno ser confirmaram a suposição. Não
gostava dos saltadores. E havia outras criaturas de que também não gostava...
...Eram os outros swoons. Os swoons que colaboravam com os saltadores.
— Providencie para que todos os swoons sejam retirados do campo de pouso, a fim
de que nossa operação militar não seja perturbada — disse Rhodan. — Dou-lhes meia
hora.
— Estamos prontos para servi-lo com o máximo prazer — asseverou o swoon. —
Sem dúvida terá a bondade de avisar-nos o quanto antes sobre os resultados da operação.
Se pudermos ajudar...
— Oportunamente avisaremos — prometeu Rhodan e levantou-se. Bell e Gucky
seguiram seu exemplo, embora se percebesse que preferiam continuar sentados por mais
algum tempo. Talvez ainda teriam uma oportunidade de conversar com os homens-
pepino.
Rhodan desligou o tradutor eletrônico.
— Espere aqui juntamente com Gucky — disse, dirigindo-se a Bell. — Vou à
Drusus para trazer Marshall com quatro dos seus mutantes. Não deixem que ninguém os
distraia. Voltarei logo.
Afastou-se sem esperar resposta. Antes de chegar à rampa, comprimiu um botão do
rádio de pulso.
David Stern respondeu.
— Sim.
— Estabeleça contato com Árcon pelo hipercomunicador. Você conhece o código do
robô regente. Peça-lhe que envie a frota de Talamon a título de reforço. Entendido?
— Devo pedir a Árcon que envie Talamon?
Rhodan fez que sim.
— Se alguém se mostrar surpreso, diga que são ordens minhas. Sei o que estou
fazendo. Entendido?
— Sim senhor. Entendido.
Rhodan não estava muito convencido de que Stern realmente tivesse entendido, mas
sabia que podia confiar nele.
Gucky e Bell voltaram a sentar e iniciaram conversa com os poucos swoons que
permaneciam no campo de pouso.
Os outros caminharam tranquilamente de volta à cidade. Até parecia que estavam
num piquenique.
Gucky fitou-os cheio de espanto e com certa dose de ceticismo.
Embora tivesse alguma simpatia pelos “pepinos pensantes”, estes também o
amedrontavam um pouco.
***
***
***
Rulf-On, que há dez anos percorria regularmente o trecho entre as fábricas da área
norte e a cidade de Gorla, abaixou devagar a chave, para que o trem desenvolvesse a
velocidade máxima. Tinha diante de si mais de duzentos quilômetros. Evidentemente que
as unidades de medida dos swoons eram outras, diferentes das dos terranos ou dos
arcônidas, mas a extensão do trecho, devidamente convertida, corresponderia a essa
distância.
Havia mais uma curva, e depois dela haveria uma reta que chegava quase até o
ponto de destino.
Rulf-On lançou um olhar sobre o velocímetro e estacou.
— Caramba, o que estaria havendo de errado? A esta hora, a velocidade deveria ser
muito maior. Entretanto cai rápida e assustadoramente. Uma pane no interior desse túnel
estreito seria um acontecimento nada agradável! — comentou admirado.
Rulf-On puxou a alavanca do acelerador para trás e voltou a empurrá-la para a
potência máxima. Nesse instante, a energia deveria fluir dentro da máquina e o trem daria
um verdadeiro salto para a frente.
Mas nada disso aconteceu!
Pelo contrário. O trem parou e começou a andar para trás. Não ia com muita
velocidade e parecia mover-se a contragosto.
Foi por puro acaso que naquele instante Rulf-On olhou para a frente. Teve a
impressão de, na luz forte da locomotiva, perceber uma sombra gigantesca deitada nos
trilhos. Não, não era apenas uma sombra, mas várias. Talvez três.
Pelo tamanho só poderiam ser dos saltadores ou mercadores galácticos. O que é que
estes poderiam procurar aqui embaixo? E como vieram parar neste lugar? O túnel levava
diretamente para Gorla. Será que os saltadores — se é que realmente eram seres desta
raça — rastejaram até aqui? Por quê? Muitos deles podiam andar à vontade pelas fábricas
subterrâneas. Por que estariam dando tamanha volta?
É claro que Rulf-On não encontrou resposta a estas perguntas, ainda mais que se
defrontava com outro problema, que evidentemente havia de interessá-lo muito mais: por
que de repente o trem passou a andar em marcha à ré?
Infelizmente não conseguiu resolver nem mesmo este problema, pois, dali a poucos
minutos, chocou-se com um trem de carga que se deslocava na direção em que ele
seguira antes. Felizmente o cargueiro mal começara a sair do lugar. De qualquer maneira,
o choque foi tão violento que Rulf-On perdeu os sentidos e só os recuperou bem mais
tarde, no hospital.
Perguntaram-lhe por que andara em marcha à ré.
Mas a mesma pergunta, ele já havia formulado em vão a si mesmo.
***
— Não sei se a melhor solução foi esta — disse Sengu.
— O que poderíamos fazer? — perguntou Gucky, um tanto sentido. — Vocês
deveriam ficar satisfeitos por não terem sido atropelados por este veículo dos “pepinos”.
Afinal, a única coisa que eu poderia fazer era mandá-lo de volta.
— Deste jeito nunca chegaremos ao ponto que queremos — interveio Kulman. —
Precisamos conversar com os cientistas dos swoons, para descobrir alguma coisa sobre o
aparelho que pretendem fabricar. Podemos apresentar-nos como delegados do Império.
— Será que não somos? — indagou Gucky, que parecia estar indignado. — Estamos
agindo por conta de Rhodan, um dos representantes do Império de Árcon.
— Está bem; vamos agir — disse Sengu. — A estação da qual partiu este comboio
fica a três quilômetros daqui. Vamos rastejar para lá?
— Agradeço — disse Kulman sem fazer um movimento. Olhou para Gucky.
O rato-castor suspirou.
— Procurarei estabelecer a localização exata do ponto de destino; depois saltaremos.
Não gosto de passeios prolongados, ainda mais nas circunstâncias em que nos
encontramos.
Dali a cinco minutos, materializaram-se em meio a uma imensa área de oficinas,
iluminada por fortes lâmpadas. Em todos os lugares viam-se edifícios, cujos telhados
chegavam a tocar a rocha. Considerando o tamanho reduzido dos swoons, concluía-se
que estas instalações subterrâneas representavam um projeto gigantesco. Havia
verdadeiras estradas, onde veículos dos mais diversos tipos corriam velozmente de um
lado para outro. As fitas transportadoras traziam os swoons aos locais de trabalho e
levavam-nos para casa. Os numerosos entroncamentos mostravam que havia um tráfego
intenso entre a estação, as cidades e as fábricas vizinhas. Tudo aquilo parecia um
brinquedo superdimensionado, construído bem embaixo da superfície.
— Nunca estive aqui embaixo — disse Kulman. — Não quiseram mostrar-me o
caminho para suas fábricas.
— Isso é perfeitamente compreensível — disse Sengu. — Têm medo de que uns
gigantes como nós pisemos em suas instalações. Afinal, temos aproximadamente seis
vezes o tamanho deles, o que já é alguma coisa.
— Tenho apenas três vezes o tamanho deles — disse Gucky. Ao que parecia, sentia-
se um tanto contrariado. — Tomara que não se espantem quando me virem. Por enquanto
só devem conhecer os arcônidas e os saltadores.
Suas presenças já haviam sido notadas.
Seria de supor que o aparecimento repentino daqueles três seres deveria provocar
uma tremenda agitação, ainda mais que não havia qualquer ligação direta com a
superfície.
Entretanto os swoons mantiveram uma atitude relativamente calma.
Alguns deles saltaram das fitas transportadoras e desapareceram nos edifícios mais
próximos. Outros aproximaram-se e, muito curiosos, pararam a uma distância adequada,
olhando-os como se nunca tivessem visto um ser humano. Nos seus rostos não se lia o
pânico, mas apenas a sede do conhecimento. Via-se que gostariam de saber o que aqueles
seres que, segundo acreditavam, eram saltadores, vieram fazer por ali.
Um swoon um pouco maior — deveria ter seus trinta e cinco centímetros —
adiantou-se e sinalizou com os quatro braços. Kulman pegou o tradutor eletrônico e
abaixou-se. Levantou cuidadosamente o swoon, que parecia ocupar posição de destaque,
pois seus semelhantes demonstravam certo respeito para com ele.
Assim que o swoon estava bem acomodado no braço de Kulman, este começou a
falar:
— Quero oferecer-lhe meus respeitosos cumprimentos. Peço perdão se os
assustamos. Um motivo muito importante obrigou-nos a entrar aqui sem prévio aviso.
— Por onde entraram? — indagou o swoon. — O elevador está parado há várias
horas, por falta de energia. Não podem ter vindo...
— Descobrimos outro caminho — disse Kulman, esquivando-se a uma resposta
direta. — Quem procura um criminoso não pode desprezar nenhuma possibilidade.
Suponho que já esteja informado sobre a ação que o Império vem desenvolvendo neste
planeta.
— Apenas ligeiramente — disse o swoon, demonstrando tristeza. — Só sei que
algumas naves pousaram no planeta e bloquearam-no. Não conheço os motivos.
— Estamos à procura de um homem — explicou Kulman. — Este sujeito só pode
encontrar-se em Swoofon. Ele é o motivo das medidas por nós adotadas. Assim que o
encontrarmos, tudo poderá seguir seu curso normal. Será que poderia apresentar-nos a um
dos principais técnicos ou cientistas da cidade? Precisamos de algumas informações que
o senhor talvez não possa nem queira dar.
— Sou engenheiro de rádio; não ocupo nenhum posto dirigente. Talvez fosse
preferível levá-los primeiro ao prefeito. Ele poderá providenciar o resto.
— E os elevadores de carga? — lembrou Kulman.
O swoon parecia sorrir.
— As comunicações na cidade continuam a funcionar. O defeito atingiu apenas os
elevadores que nos ligam à superfície. Peço-lhes que se dirijam para aqueles portões.
Kulman e Sengu caminharam à frente. Na retaguarda, ia Gucky. Seguia
tranquilamente pela rua de um metro de largura, tendo sempre o cuidado de não entrar em
contato direto com nenhum dos swoons que o fitavam com olhos curiosos.
Gucky penetrou nos pensamentos dos swoons, mas não descobriu nada de novo.
Eram inofensivos. Apenas estavam espantados e mostravam-se curiosos para saber o que
aqueles enormes estranhos vieram fazer em seu reino subterrâneo. Lá na superfície as
coisas eram diferentes. Mas esperavam que ao menos aqui embaixo esses gigantes
fossem deixá-los em paz.
— Os elevadores ficam ali — disse o swoon que se encontrava nos braços de
Kulman, apontando em direção a uma parede. — Daqui a poucos minutos estaremos na
cidade.
Esta previsão se concretizou. Na cabine do elevador, cabia uma pessoa de cada vez.
Gucky seguiu por último, juntamente com o swoon. O rato-castor leu os pensamentos de
seu pequeno acompanhante e teve o desprazer de descobrir que acreditavam que fosse
uma espécie de cão de fila. O swoon não concebia a idéia de que poderia tratar-se de um
ser inteligente.
Gucky ficou muito aborrecido. Resolveu que oportunamente preencheria de forma
bastante enfática esta lacuna cultural dos swoons.
Ao contrário do que acontecia na extensa área da fábrica, na cidade o tráfego era
bastante intenso. As ruas relativamente estreitas estavam cheias de carros e pedestres. O
swoon que acompanhava o grupo não teve outra alternativa senão alarmar a polícia, que
bloqueou as ruas que conduziam à residência do prefeito. Os pedestres recolheram-se às
casas. Os veículos estacionados retiraram-se às pressas.
— O caminho já está livre — disse o swoon, voltando ao braço de Kulman. Parecia
que gostava do lugar. — O prefeito já foi avisado. Caso estejam interessados em saber
meu nome, sou Waff, da equipe de engenharia.
— É muito longe, Waff? — perguntou Kulman.
— Levaremos apenas alguns minutos para chegar à casa do prefeito. Tomem
cuidado para não danificar nada. Procurem caminhar no meio da rua. O prefeito está à
espera de vocês no jardim.
— No jardim? — perguntou Sengu. — Aqui embaixo existem jardins?
— Não se esqueça — disse Kulman em tom indiferente — de que o tradutor
eletrônico reproduz apenas o sentido literal das palavras. Os swoons não conhecem um
prefeito no sentido que nós atribuímos ao termo. E a palavra jardim talvez não seja a
designação adequada para uma simples reprodução artificial do mundo existente na
superfície. Provavelmente encontraremos apenas rochas nuas e um areal. De qualquer
maneira, será uma recordação da natureza de Swoofon; e é tudo que se poderá desejar.
Esta previsão confirmou-se.
Atravessaram um “portão” de cerca de cinqüenta centímetros de largura e um metro
de altura, e chegaram ao jardim do prefeito. Depararam-se com um céu azul estranho e
verificaram que apenas se tratava de uma imitação fiel. Até o sol estava presente. Um
pequeno regato descrevia curvas em meio a uma área arenosa entremeada de rochas
“íngremes”. Aquela área livre era cercada pelos muros das casas vizinhas.
O prefeito, um swoon pequeno e franzino, já os esperava. Sentado num minúsculo
banco, fitava-os com os olhos curiosos.
A palestra que se seguiu foi conduzida principalmente por Kulman. Afinal, era ele
quem possuía mais experiência com os habitantes de Swoofon.
Sengu acomodou-se numa rocha, que para o prefeito deveria ser uma espécie de
elevação com visão panorâmica, enquanto Gucky se manteve bem quieto junto ao regato,
sem tirar os olhos do swoon. Sua mente trabalhava intensamente. Sentiu-se dominado por
uma simpatia inexplicável pelos graciosos swoons. Se dependesse dele, teria levado para
a Drusus dois ou três desses seres.
Naquele momento, nada indicava que os swoons se interessassem em sair de sua
cidade. Sentiam-se bem sob a superfície. Ali realizavam um trabalho que lhes
proporcionava um certo conforto, uma relativa opulência e, principalmente, o respeito das
outras inteligências do Império.
Kulman também estava sentado numa pedra e conversava com o prefeito. Procurou
explicar ao mesmo que estavam à procura de um homem impossível de ser descrito,
porque mudava constantemente de aspecto. Às vezes se parecia com um arcônida ou um
ara. Era um mestre exímio na arte de mascarar-se e modificava seu aspecto exterior à
vontade. Seu objetivo, asseverou Kulman com o rosto mais sério deste mundo, consistia
em dominar a Galáxia.
— Evidentemente terei muito prazer em ajudar, mas não sei o que este homem
estaria fazendo em Swoofon. De qualquer maneira, acho que os senhores não demorarão
em concluir sua tarefa neste planeta, pois aqui existem muito poucos humanóides. Não
levarão muito tempo para examiná-los.
— Somos da mesma opinião — disse Kulman e fez de conta que se sentia aliviado.
— Acontece que em Swoofon um fugitivo teria ótimas oportunidades para esconder-se
nas cidades subterrâneas. Seria muito difícil visitar todas elas. Já tivemos de enfrentar um
problema para chegar até aqui.
— Como conseguiram? — perguntou o swoon.
— Tivemos sorte — disse Kulman. — Peço-lhe que me diga como posso saber onde
existem saltadores nestas cidades e fábricas subterrâneas.
O swoon entrou no assunto.
— Por aqui vive um único saltador. Trata-se de um técnico chamado Drog. Já está
aqui há muitos anos e por isso dificilmente poderia ser a pessoa que estão procurando.
Não é verdade?
— Não há dúvida. Mas não queremos excluir nenhum saltador. Onde podemos
encontrar o tal do Drog? Talvez ele possa fornecer-nos alguma indicação.
— Geralmente encontra-se nas fábricas. Quem poderá ajudá-los neste ponto é Waff,
que conhece Markas.
— Quem é Markas?
— É um dos nossos cientistas mais competentes na área da microeletrônica. Lida
diretamente com Drog e com os outros saltadores que negociam conosco. Acho que não
posso fazer mais nada pelos senhores. Por favor, acompanhem Waff. Aliás... — hesitou
um pouco. Um brilho estranho surgiu em seus olhos. — É estranho... Outros saltadores
devem ter penetrado na cidade. Um dos nossos comboios sofreu um acidente bastante
estranho. Foi detido por algum processo de teledireção e enviado de volta à estação.
Quase houve um desastre. O maquinista diz ter visto dois ou três saltadores no túnel.
Lançou um olhar atento para Kulman, mas este soube dominar-se muito bem.
— Hum... Talvez estejamos na pista correta — disse. — Perguntaremos a Markas se
conhece algum amigo do tal do Drog. Queira aceitar nossos respeitos, senhor prefeito.
Ficaríamos satisfeitos se graças a seu auxílio conseguíssemos...
A despedida prolongou-se por dez minutos, durante os quais foram trocadas
fórmulas de cortesia. Finalmente conseguiram retirar-se. O caminho de volta ao elevador
transformou-se numa verdadeira sensação para os habitantes da cidade, mas devido ao
apoio eficiente da polícia os três visitantes e Waff não demoraram em chegar ao destino.
Desceram pelo elevador.
Na praça, da qual partiam as estradas que davam para as fábricas, Waff disse:
— Quero pedir-lhes que esperem aqui. Se me acompanharem, a confusão será
tremenda. Procurarei Markas e o trarei para cá.
Gucky leu nos pensamentos do engenheiro e descobriu que estava dizendo a
verdade. Fez um sinal quase imperceptível para Kulman.
— Esperaremos — disse Kulman e sentou-se numa pilha de chapas de plástico.
Seguiu Waff com os olhos e disse: — Não sei o que estamos fazendo por aqui.
Procuramos uma pessoa que não existe.
Gucky deitou no chão de concreto.
— Não. Buscamos alguma coisa que existe — retificou com a voz aguda e exaltada.
— Estamos catando o swoon e o saltador que lidam com o goniômetro de compensação.
Você descobriu a pista, Kulman. Procure não perdê-la.
— Todos os indícios apontam para esta cidade, Gucky — respondeu Kulman,
falando devagar. — Quando estive no planeta, falei com alguns técnicos que trabalhavam
na superfície. Afirmaram-me que o “homem” que dá as ordens reside aqui e vai muitas
vezes a Gorla. Talvez seja o tal do Drog, talvez seja outro. Os mesmos técnicos me
disseram também que um conjunto de cavernas completamente novo, ao qual não têm
acesso, deverá abrigar as novas instalações. Não tenho a menor idéia sobre o andamento
dos trabalhos.
— Não será difícil descobrir, Kulman. Sou telepata e os pensamentos de um saltador
ou de um swoon não são nenhum segredo para mim.
O rato-castor olhou na direção do edifício em cujo interior Waff havia desaparecido.
— Estão chegando.
Sengu e Kulman viram Waff surgir na porta em companhia de um swoon franzino;
para as condições reinantes no planeta a porta era muito alta. Um homem vinha atrás
deles. Devia ser Drog.
Gucky manteve-se imóvel, à espreita. Já estava captando os impulsos mentais dos
indivíduos que se aproximavam. Fez um sinal quase imperceptível para Kulman.
— Ouvi dizer que os senhores estão atrás de um criminoso — disse Drog, assim que
se viu à frente do grupo. — Meu nome é Drog. Já me encontro em Swoofon há dez anos,
por conta de meu clã. Não tenho nada a ver com a pessoa que estão procurando.
— Ninguém afirmou que tivesse — respondeu Kulman. — Não suspeitamos do
senhor. Acontece que fomos incumbidos de fazer uma investigação geral. Caso as
indicações que o senhor acaba de fornecer correspondam ao resultado das pesquisas a
serem realizadas, o senhor evidentemente estará acima de quaisquer suspeitas.
Kulman fez de conta que a palestra estava concluída. Mas o saltador sentiu-se tão
aliviado que viu naquilo uma agradável quebra da monotonia. Sorriu.
— Já querem retirar-se? Contem o que há de novo no Império.
Kulman teve a impressão de que Drog queria evitar a todo custo que o swoon que
atendia pelo nome de Markas pudesse dizer alguma coisa.
— Por que Árcon mandou isolar e ocupar um mundo pacífico como este?
— Sinto muito, mas não posso informar os motivos. Por favor, volte para seu
trabalho. O senhor devia estar ocupado, não é?
Gucky não se movia. Em seus fiéis olhos surgiu um lampejo de satisfação.
— Não estava fazendo nada de importante — disse Drog com uma risada. Até
parecia que a idéia de que pudesse estar ocupado o divertia. — Uma pausa não faz mal a
ninguém.
Markas abriu caminho junto a Drog e dirigiu as atenções para sua pessoa. Falou alto
em sua língua, e o tradutor eletrônico transmitiu sua mensagem em voz clara:
— Meu nome é Markas. Sou o cientista que dirige este setor. Tenho algumas
perguntas, e ficar-lhes-ei muito grato se quiserem responder. Trata-se de...
Gucky interrompeu-o com a voz estridente:
— Não viemos para responder às suas perguntas, swoon — Kulman e Sengu
lançaram um olhar perplexo para o pequeno rato-castor.
Por que resolvera intervir na palestra? Por que o swoon não deveria formular
perguntas? Mas quando notaram o olhar de Gucky, que parecia pedir que não se
intrometessem, resolveram ficar calados.
— Estamos à procura de um criminoso e não temos nada a ver com os seus
problemas — prosseguiu o rato-castor. — Poderia ter a gentileza de mostrar o caminho
que conduz aos elevadores?
Markas mostrava-se visivelmente decepcionado; já Drog estava contente, e mal
conseguiu disfarçar sua satisfação. Estava radiante, e lançou um olhar de triunfo para
Markas. Seus olhos pareciam dizer: Viu como esses encarregados do Império são pessoas
muito arrogantes?
— Como queira — soou a voz no tradutor eletrônico.
Além de decepcionado, Markas sentia-se muito ofendido. Os estranhos não
demonstravam o necessário respeito por sua pessoa e, por isso mesmo, não havia motivo
para perder tempo com eles.
— Queiram seguir-me — falou em tom indiferente.
Drog deu de ombros.
— Talvez tenham sorte e encontrem o criminoso, seja ele quem for. Peço licença
para retirar-me.
— Pois não — disse Kulman, que já começava a desconfiar do motivo que levara
Gucky a intervir na palestra de forma tão afrontosa.
O rato-castor certamente conseguira descobrir uma coisa importante e não queria
que se falasse a este respeito na presença do saltador.
— Fique à vontade — completou. Drog afastou-se, abaixou-se um pouco e
desapareceu pela porta do edifício que ficava à sua frente. Podia ficar tranqüilo. Os
enviados de Árcon eram arrogantes a ponto de não se interessarem pelo que um pequeno
swoon tinha a dizer. Markas acabara de levar um fora. E, pelo que ele, Drog, conhecia
dos swoons, poderia afirmar que o cientista não faria outra tentativa de falar sobre o
goniômetro de compensação.
Markas, que caminhava à frente do grupo, disse aos seus acompanhantes:
— Não sei quando os elevadores que levam à superfície voltarão a funcionar. Até lá
poderão considerar-se hóspedes da cidade. Waff cuidará dos senhores — ao que parecia,
não tinha a menor vontade de perder seu precioso tempo com aqueles desconhecidos. —
Acho que não temos mais nada a falar.
— Pois o senhor está muito enganado — disse Kulman. — Tenho certeza de que
este nosso companheiro — apontou para Gucky — gostaria de fazer-lhe algumas
perguntas. Não é verdade, Gucky?
O rato-castor fez um gesto afirmativo e olhou em torno.
— Onde poderíamos conversar bem à vontade, Markas? — abaixou-se e levantou o
swoon. — Desculpe minha grosseria, mas a presença do saltador obrigou-me a cometê-la.
Explicarei tudo.
— Quem é você? — perguntou Markas. — Não é nenhum humanóide.
— Não sou mesmo. Até um cego vê isso — disse Gucky e apontou para a estação
ferroviária, na qual desembocavam inúmeros túneis. — Poderia ser lá?
Andando bem abaixados, penetraram alguns metros do túnel. Kulman disse:
— O que pretende fazer, Gucky? Não venha me dizer que quer ir a Gorla a pé.
— Tenho o aspecto de quem gosta de caminhar? — perguntou o rato-castor em tom
irônico. — Não perderemos tempo; logo estaremos ao ar livre. Markas é o homem, bem,
o swoon, que procuramos. É o cientista responsável pelo projeto do goniômetro de
compensação. Acredito que contará tudo que sabe a este respeito.
Waff e Markas fitaram-se com um ar de perplexidade, pois o tradutor eletrônico
reproduzira fielmente o sentido das palavras de Gucky. Depois de algum tempo Markas
gaguejou:
— Como foi que o senhor... como foi que você soube?
— Sou telepata — disse Gucky. — Vamos ver como devemos fazer para saltar à
superfície.
Ao contrário da teleportação para as profundezas desconhecidas, o salto para a
superfície foi uma brincadeira. Por isso, demorou menos de dois minutos até que os dois
homens, os dois swoons e Gucky se vissem em pleno deserto, sob os raios do sol que já
se aproximava da linha do horizonte. Logo após a rematerialização procuraram orientar-
se.
Nesse instante, o rádio de pulso de Sengu emitiu um zumbido. O fato de que o som
cresceu e diminuiu três vezes significava que a mensagem era da maior importância.
4
O cargueiro interestelar Ramo VII era comandado por Alban, um arcônida do clã
dos Ozol. Fazia vários decênios que Alban conduzia sua nave cilíndrica pelas rotas mais
ou menos conhecidas, realizando a troca de mercadorias por ordem de Árcon. Desta vez
levara sua carga ao sistema de Swaft, onde deveria trocar a mesma por importantes peças
microeletrônicas.
Era a primeira vez que Alban estava em Swoofon. Mas o estranho planeta, com os
habitantes ainda mais estranhos, já lhe era conhecido através dos catálogos arcônidas e
dos relatos dos saltadores. Não poderia deixar de confessar que se sentia curioso para ver
pessoalmente os swoons.
Tanto maior foi sua surpresa quando, no momento em que efetuava a transição que o
levaria do hiperespaço ao espaço normal, foi detido por uma nave esférica.
Evidentemente conhecia o tipo, pois os girinos eram modelos arcônidas.
De início, Alban nem pensou em obedecer à ordem que na sua opinião constituía um
absurdo total. Afinal, seu cargueiro era uma nave do Império. Ninguém tinha o direito de
detê-la. Mas quando viu um pálido feixe energético passar rente à proa de sua nave,
decidiu outra coisa. Ligou os campos gravitacionais e desacelerou o suficiente para que o
girino pudesse encostar. Imediatamente um comando subiu a bordo da Ramo VII e pediu
que o levassem ao comandante.
Alban aguardou os piratas, que foi como chamou aquelas pessoas, na sala de
comando. Não se esquecera de colocar um radiador no cinto do uniforme. Isso reforçava
sua autoconfiança.
No primeiro instante, sentiu-se perplexo ao reconhecer dois saltadores e um
arcônida, que foram conduzidos à sala de comando pelos tripulantes de sua nave. Já não
compreendia mais nada.
— Qual é a finalidade de sua viagem ao sistema de Swaft? — perguntou o arcônida
em tom áspero. — Qual é seu porto de matrícula?
Alban teve de esforçar-se para não perder o autodomínio.
— Sou Alban, comandante da Ramo VII. Meu porto de matrícula é Árcon II. O que
lhe deu na cabeça para deter-me? Quem é o senhor?
— Quem faz perguntas somos nós, Alban. Limite-se a responder. Infelizmente não
podemos permitir que pouse em Swoofon. Ninguém poderá perturbar a ação que estamos
desenvolvendo nesse planeta. Swoofon está completamente bloqueado e é considerado
área interditada.
— Posso saber o motivo?
— Infelizmente não, Alban. Apenas cumprimos um pedido do enviado do regente.
Nossa frota recebeu ordens para deslocar-se para este local. Também viemos de Árcon.
Alban sacudiu a cabeça.
— Não compreendo. Também venho diretamente de Árcon, onde recebi ordens para
trocar certos produtos por outros fabricados pelos swoons. O negócio foi fechado há
muito tempo. E agora vêm os senhores e me dizem que não posso pousar! Há algo de
errado nisso.
Os dois saltadores e o arcônida há tempo tinham a mesma impressão, mas
evidentemente não iriam transmiti-la ao seu interlocutor. As ordens do regente não
admitiam qualquer tipo de oposição.
— Não podemos decidir sobre isso, Alban. Apenas lhe pedimos que retorne. Se
preferir, pode esperar fora do sistema.
— Não tenho tempo para isso! — disse Alban, sacudindo a cabeça num gesto
obstinado. — Voltarei a Árcon e solicitarei uma entrevista com o regente. Talvez ele me
informe por que motivo uma ordem tão importante como a que me foi dada é anulada de
uma hora para outra. Posso pedir-lhes que se retirem de minha nave?
Aguardou pacientemente que os três homens saíssem de bordo. Depois mudou de
rota e efetuou uma transição, em direção a Árcon.
A raiva de que se sentia possuído era tamanha que esqueceu todas as etiquetas.
Teria algumas perguntas a fazer ao gigantesco computador positrônico, que era o
regente do Império. E não teria papas na língua.
***
***
***
Drog nem desconfiou do desastre que se aproximava, embora sentisse que alguma
coisa não estava em ordem. Era bem verdade que seu nervosismo se tornara bem menor
depois que conseguira apoderar-se dos preciosos planos. Sabia que eram os únicos
exemplares, com exceção dos originais. E estes estavam muito bem guardados num
pequeno planeta dos mercadores galácticos.
Já se convencera de que esse bloqueio ordenado por Rhodan, por conta de Árcon,
constituía um fato muito mais importante do que parecera de início. Ninguém isolaria
todo um sistema para procurar um único homem. Além disso, o desaparecimento de
Markas começava a preocupá-lo.
Saiu do vagão, deu um berro para espantar alguns swoons e seguiu pela estrada
ainda em construção que levava aos pavilhões da fábrica. Um dia seu escritório ficaria
ali. Poderia perfeitamente instalar-se desde já, da melhor forma possível.
Os swoons, que vinham ao seu encontro, desviavam-se apressadamente assim que o
viam. Não parecia que o saltador, que para eles era um verdadeiro gigante, tivesse a
intenção de dispensar-lhes qualquer consideração. Já haviam sofrido experiências
dolorosas com aquela raça.
Drog não deu a menor atenção aos swoons. Ainda teria tempo de exprimir-lhes seu
respeito, quando precisasse deles, e desde que fizessem questão disso. De qualquer
maneira seria uma mentira.
À sua esquerda havia uma parede metálica, atrás da qual ficava um pavilhão da
fábrica.
Deixando-se guiar por um impulso repentino, Drog saiu do caminho que vinha
seguindo e, passando por um portão muito baixo, penetrou no pavilhão. Teve de abaixar-
se para não bater com a cabeça.
— Oportunamente mandarei modificar isso — disse em tom furioso e estacou de
repente. Por pouco não deixa cair a pasta que trazia embaixo do braço.
À sua frente — ou melhor, embaixo dele — estava Markas!
Drog reconheceu-o imediatamente, embora não fosse fácil distinguir os swoons.
Infelizmente não havia a menor possibilidade de comunicação, pois não dispunha de um
tradutor.
— Saia do meu caminho, verme nojento! — berrou Drog.
Apavorado, Markas tapou as orelhinhas. Confiava no rato-castor, que se mantinha
escondido nos fundos do pavilhão, juntamente com Noir. Embora não entendesse uma
palavra daquilo que o gigante acabara de gritar, imaginava o significado. Mas parou
obstinadamente. Numa das mãos — a rigor a extremidade dos braços com os dedos
finíssimos não poderia merecer este nome — exibiu a chave do cofre ao saltador.
Drog compreendeu imediatamente.
— Ah, é por causa dos planos? O azar é seu, meu caro; estão comigo. Aliás, o que é
que você tem com os mesmos? Onde andou por tanto tempo?
Lembrou-se de que o swoon não poderia compreendê-lo e aborreceu-se por estar
perdendo tanto tempo.
“Por que o anão não cuidou logo da construção do primeiro modelo do goniômetro,
conforme haviam combinado?”, pensou e apontou para a saída.
— Venha comigo. Preciso falar com você.
O swoon não poderia deixar de entender o gesto, mas não saiu do lugar. Drog
estendeu a mão para pegar Markas, mas estacou em meio ao movimento.
Alguma coisa invisível exercia uma pressão súbita sobre seu cérebro, comprimia sua
consciência e começou a eliminar sua vontade. Sentiu uma dor suave. O pavilhão
começou a girar diante de seus olhos, mas não perdeu os sentidos. Percebeu
perfeitamente o que lhe aconteceu nos minutos seguintes, mas não teve condições de
resistir.
Dos fundos do pavilhão vieram duas criaturas; uma delas tinha o tamanho dele,
enquanto a outra tinha apenas a metade desse tamanho. Já conhecia esse bicho esquisito.
Gucky manifestou seu desagrado.
— Acha que sou um bicho — disse, dirigindo-se a André Noir e sacudindo a cabeça.
— Pensei que este mercador fosse mais inteligente. Ainda não conhece Gucky!
Noir não se deixou distrair. Suas vibrações cerebrais estenderam-se a plena potência
em direção à consciência do saltador e eclipsaram-na. Sem que o outro soubesse, assumiu
seu espírito e seu sistema nervoso, e com isso também seu corpo. Tratava-se de um tipo
de hipnose, muito mais eficiente e duradoura que os outros procedimentos desse tipo. Os
comandos eram transmitidos por via telepática e o destinatário os executava sem a menor
vacilação.
— Dê-me a pasta com os planos — ordenou Noir.
Gucky já lhe havia dito o que continha a pasta.
Drog obedeceu.
— Venha conosco!
Nos minutos seguintes, encontraram-se com vários swoons, principalmente na rua,
mas nenhum deles estranhou a presença do saltador que caminhava ao lado de Markas,
chefe da equipe científica, além de um estranho ser peludo e de outro sujeito. Todos
conheciam Drog, que agia de forma completamente diversa das outras vezes em que era
dono de sua vontade.
Markas parou à frente de uma porta.
— Aqui ficam os escritórios da administração. Um deles foi instalado especialmente
para Drog. Acho que é o lugar mais adequado. Quanto tempo teremos de esperar?
— Acho que não demorará muito — respondeu Gucky. — Saberei encontrar
sozinho e depressa o caminho para a nave. Rhodan poderá examinar os planos e copiá-
los. Dentro de meia hora, estarei de volta. Até lá terão de cuidar de Drog; ainda é cedo
para soltá-lo.
— Não há nenhum problema — disse Noir, que não desgrudava do saltador.
Quando puderam fechar a porta e se viram sós, suspiraram aliviados. Os olhares
indagadores e curiosos dos inofensivos e bondosos swoons que andavam pela rua tinham
se tornado quase insuportáveis. Embora não vissem nada de estranho no comportamento
de Drog, a presença do grupo dava o que pensar. E Noir não poderia erradicar a memória
de todos, como fizera com Drog.
— Pode começar, Noir — disse Gucky e fez um sinal para que Markas se
aproximasse. — Veja só, baixinho, como este saltador vai contar tudo que desejamos
saber.
Noir conduziu Drog a um canto, depois de ter entregue a pasta a Gucky. O rato-
castor examinou-a, a fim de verificar se os planos realmente estavam na mesma. Markas
confirmou a autenticidade dos projetos.
Assim que Noir iniciou seu “tratamento”, os olhos de Drog adquiriram uma
estranha rigidez e pareciam dirigir-se para longe. Manteve-se imóvel, como se estivesse
paralisado.
— Quem mandou construir o goniômetro de compensação? — perguntou Noir.
A resposta foi imediata:
— O regente de Árcon.
— Quem o inventou?
— Um dos nossos cientistas; não conheço o nome.
Não havia a menor dúvida de que estava dizendo a verdade.
— Qual será o montante da produção?
— O goniômetro de compensação deverá ser montado em todas as naves do
Império, a fim de que nenhum salto possa ser efetuado sem a devida localização. O
objetivo principal consiste em encontrar a Terra, planeta natal de Rhodan.
— É por isso que a fabricação será secreta?
— É principalmente por isso. Ainda acontece que o aparelho terá peças muito
pequenas e extremamente sensíveis, que só poderiam ser construídas pelos swoons. Mais
tarde, a fábrica será transferida para um dos planetas pertencentes aos saltadores.
Noir lançou um ligeiro olhar para Markas e perguntou:
— Com a concordância dos swoons?
— Levaremos um grupo dos mesmos.
— Tudo isso será feito por ordem do regente?
Drog respondeu sem a menor hesitação:
— Não; esta idéia é minha. O clã ao qual pertenço adquirirá o monopólio de
fabricação. Oportunamente os planos serão destruídos.
— E o inventor? Os planos originais?
Drog sorriu como quem se deleita num belo sonho.
— Tomamos nossas providências para que a vida do inventor não seja muito longa.
Assim que o novo goniômetro tenha sido testado, o inventor, cujo nome não conheço,
morrerá. Os planos também serão colocados em nossas mãos e destruídos. Ninguém
poderá agir contra nós, pois nesse caso não haverá nenhum goniômetro de compensação.
Noir lançou um olhar para Gucky. O rato-castor soltou um suspiro.
— É um verdadeiro complô — constatou. — E um complô que atingiria até o
Império de Árcon. Estragaremos a festa deles, conforme costuma dizer Bell. Bem, o que
sei já basta. Esperem aqui até que eu volte. Não demorarei.
Noir e Markas confirmaram com um gesto. O swoon já se acostumara com o gesto
afirmativo dos humanos. Aprendia com uma rapidez extraordinária.
O rato-castor desmaterializou-se e saltou para a superfície. Depois concentrou-se na
sala de comando da Drusus e para sua surpresa foi parar justamente no colo de Bell, que
estava sentado no sofá, ao lado de Sikermann.
— Pare de gritar! — pediu Gucky ao amigo, que estava muito assustado, e
escorregou para o chão, segurando firmemente a pasta. — Onde posso encontrar o chefe?
Rhodan já ouvira Gucky. O rato-castor foi atingido por um impulso mental, antes
que Bell tivesse tempo para responder.
— Não se preocupe, gorducho — disse Gucky em tom tranqüilizador e caminhou
em direção à porta. — Rhodan já me espera.
Logo desapareceu.
Bell fitou a porta fechada e enxugou o suor que lhe corria pela testa.
— Ainda terei um ataque — disse em tom sombrio.
***
***
Houve algumas consultas, mas Stern, que neste meio tempo voltara a assumir o
serviço de rádio, removeu todas as dúvidas.
Era isso mesmo. O bloqueio de Swoofon havia sido suspenso, e os girinos não
deveriam voltar para bordo da Drusus. Os que pertenciam à Titan e à General Pounder
receberam ordem para voltar às suas unidades, a fim de abandonarem imediatamente o
sistema.
Parecia uma retirada bem organizada. E realmente era uma retirada, se bem que um
estrategista talvez dissesse que se tratava de um lance do jogo. Mas ninguém deveria
saber disso.
O comandante da nave girino K-33 era Mikel Tompetch, um americano corpulento,
de cabelos louros. Dez minutos depois de ter recebido a mensagem, entrou
cuidadosamente com sua nave na escotilha aberta da Drusus e pousou no hangar. Os
recintos em que estavam estacionadas as naves auxiliares estendiam-se que nem um anel
em torno da gigantesca esfera que era a Drusus. Podia abrigar um total de quarenta
girinos, cada um dos quais tinha sessenta metros de diâmetro.
O Tenente Tompetch desceu a rampa e não demonstrou maior interesse pela
tripulação, que também saiu da K-33. Ao que parecia, não havia outra missão à vista. Os
homens retornariam aos lugares que ocupavam na Drusus, onde havia uma necessidade
premente deles, face à ausência das tripulações das outras naves K.
Enquanto se dirigia ao elevador antigravitacional, encontrou-se com Reginald Bell.
Dirigiu-se a ele e perguntou em tom exaltado:
— Será que o senhor poderia informar o que significa tudo isso? Será que alguém
pensa que eu não seria capaz de voar sozinho à Terra, já que os outros girinos podem
realizar este vôo, enquanto nós...
— Calma! — disse Bell, e um sorriso largo cobria seu rosto. Apontava para a K-33.
— Isto é um calhambeque que já está precisando de uma revisão geral, certo?
O espanto de Tompetch não durou mais que um segundo.
— Calhambeque? O que quer dizer com isso? Não é mais velha que as outras. É
bem verdade que aquela colisão com o asteróide não fez bem à K-33, mas as peças
danificadas foram todas substituídas. De qualquer maneira, não teríamos o menor
problema em voar à Terra.
— Não é disso que se trata, tenente — disse Bell em tom enérgico. — Devo
comunicar-lhe que o senhor nunca mais pilotará a K-33. Se ainda houver algum pertence
pessoal a bordo da unidade, vá tirá-lo imediatamente. A mesma ordem aplica-se aos
tripulantes.
A cara de Tompetch exprimia espanto e perplexidade.
— Nunca mais pilotarei a K-33? Por quê?
— O chefe explicará, tenente. Providencie para que tudo seja retirado da K-33.
Oportunamente avise ao chefe que a ordem foi cumprida. Aliás, destaquei alguns técnicos
que o ajudarão a retirar alguns instrumentos de maior valor. Até logo mais, tenente.
Tompetch seguiu-o com os olhos com uma expressão de perplexidade, cocou a
cabeça loura e soltou um suspiro. Dirigiu-se ao hangar e ligou o intercomunicador, para
chamar de volta os tripulantes de sua unidade.
Depois pôs-se a trabalhar, a fim de cumprir as ordens de Bell, embora não
compreendesse a finalidade das mesmas.
Dali a duas horas, encontrava-se à frente de Rhodan para comunicar que as ordens
foram cumpridas, e que a K-33 praticamente estava reduzida a um envoltório vazio com
um hiperpropulsor. Esperava receber uma explicação, mas teve uma decepção cruel.
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça e disse:
— Ótimo, Tenente Tompetch. Apresente-se a Sikermann, que o destacará para outro
serviço. Afinal a K-33 está boa para sei jogada fora, não acha? E é o que pretendemos
fazer.
Tompetch retirou-se. Ao chegar à porta que dava para o corredor, olhou para trás,
mas apenas viu o rosto sorridente de Reginald Bell.
No momento isso não lhe esclarecia nada!
Assim que a porta se fechou, Bell disse:
— O sujeito está se desmanchando de curiosidade, Perry. Para dizer a verdade,
tenho pena dele.
— Você deveria ter pena de si mesmo — disse Rhodan com um ligeiro sorriso. —
Você tem muito trabalho pela frente. Leve os homens de que precisa e comece a esvaziar
e preparar todos os hangares. Quero decolar dentro de cinco horas.
Bell dirigiu-se lentamente à porta.
— Se é que até lá Gucky conseguirá terminar seu trabalho!? — ponderou.
— Gucky estará pronto! — disse Rhodan em tom enfático, colocando o dedo no
pequeno rádio de pulso.
Bell teve de reconhecer que sua situação não era muito diferente da de Tompetch.
Resignou-se e deixou Rhodan a sós.
***
Enquanto existir vida haverá acidentes e catástrofes. Esta é uma lei implacável da
natureza. Em Swoofon, também havia catástrofes, mas as mesmas eram relativamente
raras e geralmente não assumiam maiores proporções.
De qualquer maneira, Gucky deveria agir com muita cautela. Estudou o mapa e
comentou:
— Existe apenas uma única linha férrea que liga a Universidade Técnica com a
superfície e com as outras cidades. Isto é uma circunstância bastante favorável!
Waff, que estava sentado sobre a mesa, olhando por cima de seu braço, fez um gesto
afirmativo.
Gucky continuou:
— Por ela trafega só um comboio por dia, não é? Excelente. Este comboio partiu há
uma hora. Logo, não é de esperar que saia outro antes de amanhã. Onde está Markas?
— Está fazendo uma conferência para os micróticos — disse Waff. — Nenhum
deles quer ficar.
— Já há muitos que não querem ir conosco?
— São apenas uns mil. O que faremos com eles?
Gucky deu de ombros.
— O que poderíamos fazer? Eles se esquecerão da alocução de Markas. Noir
cuidará disso. Depois eu os levarei a Gorla, onde poderão quebrar a cabeça para descobrir
como foram parar lá. É bem verdade que não poderei fazer o trabalho sozinho.
Preciso chamar alguém que me ajude. Espere aqui mesmo. Não demorarei em
voltar.
Waff caminhou para o lado e saltou para o chão. Depois viu Gucky concentrar-se e
desaparecer. Já se acostumara a ver o estranho fenômeno, motivo por que não se
assustou.
Dirigiu-se à janela. Dali se tinha uma boa visão sobre o conjunto de edifícios situado
apenas vinte metros abaixo da superfície. O céu era substituído pela rocha lisa,
interrompida a espaços regulares por lâmpadas embutidas. Aquele mundo subterrâneo era
luminoso, quase tão luminoso como aquele mundo que ficava sob o verdadeiro céu. Além
disso, era um pouco mais quente.
Waff assustou-se quando Gucky reapareceu. Trouxe consigo André Noir e Ras
Tschubai, um terrano negro e robusto, que possuía o dom da teleportação.
Naquele instante, chegou Markas. Caminhou muito empertigado pela porta, que não
tinha mais de cinqüenta centímetros de altura, e penetrou no recinto, que para Noir e
Tschubai era uma sala de tamanho médio. De qualquer maneira, podiam mover-se ali sem
baterem com a cabeça no teto.
— Todos os micróticos concordaram em sair de Swoofon a fim de servirem a Perry
Rhodan — anunciou em tom de triunfo e fitou os dois terranos.
Gucky apresentou Ras Tschubai, com quem Markas ainda não havia travado
conhecimento.
— Está na hora de interrompermos as comunicações com o mundo exterior — disse.
— Antes de tudo devemos cuidar da estrada de ferro. Mas as estações de rádio também
deverão entrar em pane. Quantas estações existem aqui, Markas?
— Apenas uma. Waff sabe onde fica — Markas nem procurou disfarçar a
impaciência. — Preciso cuidar dos estudantes e professores. Aqueles que resolveram
ficar se reunirão com suas bagagens na estação ferroviária.
— Excelente! — exclamou Gucky em tom alegre. — Noir e Ras cuidarão deles.
Foi o que aconteceu.
Noir erradicou dos swoons toda lembrança do que tinham visto e ouvido, enquanto
Ras, depois de realizar um ligeiro salto para orientar-se, levou-os para Gorla, carregando-
os aos grupos. Para facilitar as coisas largou-os na superfície, perto dos elevadores. Nem
um único dos swoons saberia explicar como viera parar em Gorla. Além disso, o detalhe
não despertava maior interesse, pois havia outros problemas.
Enquanto isso, Gucky caminhou a passos decididos para dentro do túnel da estrada
de ferro e teleportou-se para um lugar que ficava a menos de cinco quilômetros da
universidade. Com sua capacidade telecinética, não teve a menor dificuldade em deslocar
algumas das rochas de apoio, fazendo-as cair com um terrível estrondo e soterrando os
trilhos. Por enquanto nenhum trem passaria por aqui.
Saltou de volta e juntamente com Waff tomou as necessárias providências para que a
estação de rádio não pudesse ser utilizada. Isso foi bastante fácil: bastava desligar o reator
que fornecia a energia, enfiando uma placa isolante entre os elementos de carga. Para
recuperar o reator a ponto de que este pudesse voltar a fornecer energia, seria necessário
desmontá-lo. Isso demoraria pelo menos dez horas. E até lá...
As raras baterias atômicas existentes na área foram levadas à superfície por Gucky,
que as depositou numa depressão entre as rochas. Seguiram-se algumas peças vitais do
transmissor. Satisfeito com seu trabalho, regressou à sala, onde Tschubai e Noir,
juntamente com Waff e Markas, já o esperavam.
— Tudo liquidado — disse Markas. — Os swoons que ainda estão aqui querem ir à
Terra. Como será feito o transporte? Os elevadores só podem transportar dez swoons de
cada vez, pois foram construídos apenas para atender a casos de emergência...
— Não se preocupe, Markas. Ras Tschubai e eu... bem, como direi?... sim,
criaremos um canal de teleportação que ligue este lugar à Drusus, que pousará
diretamente em cima do local em que nos encontramos. Graças ao dom que possuímos,
não haverá a menor dificuldade em teleportarmos os swoons. Utilizarei esse canal para
levar também as instalações da universidade à nave. Como vê, Markas, o problema está
praticamente resolvido. Assim que estiver pronto, poderei avisar Rhodan.
Markas confirmou com um gesto.
— Vamos esperar, Gucky.
O rato-castor preferiu não saltar para a superfície. Manipulou o pequeno rádio que
trazia pendurado ao braço esquerdo e esperou que Rhodan respondesse. Fez um ligeiro
relato da situação e pediu instruções.
A voz de Rhodan soou muito fraca no pequeno alto falante.
— Daqui a cinco minutos, a Drusus pousará bem em cima da universidade. Tome
todas as providências para que até então tudo esteja preparado. Voltarei a chamar.
Gucky fitou o aparelho de rádio quando o desligou.
— Markas, diga a todos os swoons para comparecerem dentro de vinte e cinco
minutos com seus pertences na grande praça que fica em frente do auditório. Ras
Tschubai e eu começaremos a esvaziar os laboratórios e levaremos os instrumentos e
aparelhos à superfície. Não podemos esquecer nada. Vamos ao trabalho. Noir, fique com
Markas e Waff, para ajudá-los. Daqui a meia hora, encontrar-nos-emos no auditório.
Afinal de contas, uma das finalidades do mesmo consiste justamente em fazer as
despedidas dos estudantes que deixam a universidade. É o que acontecerá desta vez.
Naquele instante, desapareceu juntamente com Ras Tschubai.
***
Cinco minutos depois do momento em que Gucky proferiu aquelas palavras, certo
número de oficiais e tripulantes da Drusus tiveram oportunidade de presenciar um
misterioso espetáculo.
A gigantesca espaçonave decolou em silêncio do campo de pouso de Swatran, isso
após Rhodan ter suspenso oficialmente o bloqueio, para o que emitiu uma mensagem de
rádio. Os saltadores que haviam sido “internados” foram libertados, retornando aos locais
de trabalho ou às naves a que pertenciam. A vida voltou ao normal em Swoofon...
Com exceção de alguns detalhes.
As comunicações radiofônicas com a universidade, por exemplo, foram
interrompidas. Era a única instituição daquele planeta dividido em várias nações que não
conhecia diferenças de raça ou nacionalidade. Era lá que vivia a elite dos swoons. Ou
melhor, vivera lá até trinta minutos atrás, já que tudo correra conforme os planos.
É que nesse meio tempo teve início o magnífico espetáculo.
Na verdade, para os tripulantes da Drusus o espetáculo não tinha nada de misterioso;
quando muito seria espantoso. Gucky e Ras teleportaram com banquetas de trabalho,
aparelhos e máquinas complicadas, geradores de todos os tamanhos, armários com
ferramentas especiais e fardos de mercadorias. Tudo isso foi empilhado junto às paredes
do hangar, de onde seria retirado oportunamente.
Mikel Tompetch, que estava de pé junto à K-33, já totalmente vazia, achava-se
boquiaberto. Subitamente Gucky surgiu com um baú metálico de três metros de
comprimento e um metro de largura, transportando-o para junto dos demais objetos que
já estavam empilhados por ali. Ras Tschubai veio depois com um grande gerador, que
continuava preso ao suporte. Gucky voltou a surgir, desta vez com um grande bloco
residencial, que tinha uma parede transparente. No interior do bloco Tompetch viu uma
completa instalação de cozinha.
O mundo dos swoons começou a reunir-se nos hangares da Drusus. Tompetch, que
não havia sido esclarecido sobre isso, compreendeu tais fatos, mas no que dizia respeito à
K-33 ainda se encontrava no escuro. De forma alguma compreendeu o que deveria fazer
com a K-33, quase totalmente vazia.
Subitamente sentiu que a gravidade usual de 1 G diminuía. Via de regra os campos
antigravitacionais da Drusus eram regulados de maneira tal que proporcionavam a
gravidade terrana. Fosse qual fosse o lugar em que se encontrava a nave — no espaço
livre ou em mundos estranhos — no interior dela não se sentia qualquer modificação da
força gravitacional.
E agora a gravidade se alterava sem prévio aviso.
Alguns cadetes, que se encontravam na área fronteiriça do hangar vizinho, quiseram
fazer seus gracejos por causa da gravitação de 0,25 G. Atiravam-se para o alto e
executavam saltos malucos; com a gravitação normal certamente teriam fraturado alguns
ossos.
Em outras condições, Mikel Tompetch se teria divertido com o espetáculo, mas
agora não via motivo para isso. Pelo menos enquanto ele mesmo tateava na incerteza.
Mas este estado não duraria muito.
De repente Ras e Gucky materializaram-se pouco acima do solo do hangar, com um
verdadeiro “feixe de swoons”.
Gucky utilizou a telecinese para fazê-los descer em câmara lenta. Os pequenos seres
espalharam-se com uma rapidez espantosa. Embora fosse a primeira vez que se
encontravam na Drusus, pareciam saber exatamente o que tinham a fazer e onde ficavam
seus alojamentos.
Era claro que tanto Tompetch como os outros tripulantes haviam sido informados
sobre a vinda dos swoons, motivo por que não se mostraram surpresos. Os cadetes
encerraram o “espetáculo desportivo” e foram cuidar dos swoons. Mas subitamente uma
verdadeira torrente dos “pepinos” amarelos precipitou-se para o interior da Drusus, e os
tripulantes tiveram de correr para conduzi-los aos respectivos lugares, pois do contrário o
hangar “transbordaria”.
— É a invasão dos pepinos! — disse uma voz junto à porta que dava para o corredor
interno.
Tompetch levantou os olhos. Constatou que aquelas palavras haviam sido proferidas
por Reginald Bell. O lugar-tenente de Rhodan encontrava-se em lugar elevado, em
atitude firme e orgulhosa. Sacudia-se de tanto rir. Ninguém lhe levaria a mal, pois quem
apenas olhasse ligeiramente chegaria à conclusão de que a Drusus estava recebendo uma
“carga de pepinos”.
Subitamente outra pessoa surgiu ao lado de Bell.
Era Perry Rhodan.
— Se fosse você, não ria assim — disse em tom sério. — Acho que você está se
divertindo com o aspecto dos swoons...
— Não é tanto isso, Perry. Mas quando vêm aos montes e caem ao chão que nem
folhas o espetáculo se torna muito esquisito.
— De qualquer modo, sua alegria poderá provocar um incidente. É bem verdade que
tenho de confessar que também eu preciso esforçar-me para continuar sério. Acontece
que os swoons são nossos amigos. Sem eles não poderemos fazer em dez anos um
progresso de um século no terreno da microtecnologia. Não se esqueça disso quando tiver
vontade de zombar deles.
Depois de ligeira pausa acrescentou:
— Aliás, os swoons também sentem vontade de rir quando vêem você. Apenas sua
sensibilidade inata impede-os de procederem assim, isto é, de não darem vazão aos seus
sentimentos.
Acenou ligeiramente com a cabeça e desapareceu.
Bell seguiu-o com os olhos. Parecia perplexo. Quando viu o olhar curioso de
Tompetch, preferiu retirar-se também.
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