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KARL POPPER E A TEORIA DOS MUNDOS DE PLATÃO

Ac. Igor das Mercês Mairinque (Iniciação Científica-Piic-UFSJ)


Orientadora: Mariluze Ferreira de Andrade e Silva (DFIME-UFJS)

Resumo: A Filosofia da Mente de Karl R. Popper (1902-1994) estrutura-se em sua


grande parte na idéia de pluralidade de Mundos do Conhecimento. Esta idéia se deve em
muito ao pensamento de grandes nomes da Filosofia, como Platão (428/7-348/ a. C) e
sua teoria dos dois mundos (Inteligível e Sensível). A teoria platônica é interpretada de
uma maneira diferente por Popper, acrescentando aos seus argumentos algumas carac-
terísticas pluralistas. Com isso, Popper possibilitou uma nova interpretação de Platão, e
com ela, uma leitura moderna de outros pensadores, auxiliando em muito o desenvolvi-
mento da Filosofia da Mente, bastante estudada no século XX.

Palavras-chave: Mundo das Idéias. Pluralismo. Mundo 3.

Introdução

U m dos pontos principais que ca-


racteriza Filosofia da Mente de
Karl R. Popper (1902-1994) é a sua
reu a alguns filósofos do passado e
às suas argumentações. Entre estes
pensadores, se destaca Platão
idéia de “Mundos”, como sendo os (428/7-348/ a. C) e a sua teoria dos
responsáveis pela construção do co- dois mundos, o Mundo Inteligível
nhecimento humano. O mais impor- (Idéias) e o Mundo Sensível (Fenô-
tante dos “Mundos” é o terceiro, o menos Sensíveis). Segundo Popper,
dos produtos da mente, conhecida esse aparente dualismo platônico
por Mundo 2. Estes produtos se ma- apresenta em sua essência ares de
nifestam no Mundo 1, ou seja, o pluralismo, devido à presença de um
mundo das coisas físicas. Esta idéia terceiro mundo na teoria do filosofo
caracteriza o trabalho do filósofo em grego. É este “novo mundo” que leva
se valorizar o conhecimento e as Popper a fundamentar a sua argu-
produções humanas como oriundos mentação sobre o Mundo 3 e a se
de dentro do próprio homem, ou seja, tornar também um pluralista. A partir
ressaltando a sua Teoria Internalista deste momento, todas as leituras
do Conhecimento, ao contrario dos filosóficas de pensadores clássicos
Externalistas, que alegam que o co- dualistas passaram a serem feitas
nhecimento é produto das relações sob uma ótica pluralista. Porém, Po-
do homem com o seu meio ambiente. pper não se considera um platônico,
apresentando em sua teoria pontos
Para que Popper pudesse estabele- diferentes dos defendidos pelo filo-
cer as bases de sua teoria, ele recor- sofo grego.

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Os Mundos Platônicos tão para representar esta sua noção


de Idéia é Paradigma, ou seja, a Idéia
Platão (428/7-348/7 a. C) é marcado é um modelo permanente de cada
em toda a História da Filosofia como coisa (como cada coisa deve ser).
sendo um grande propagador das
idéias de seu mestre, o também filó- Todas as Idéias existem “em si” e
sofo Sócrates (470/469-399 a. C). A “por si”, ou seja, não estão relaciona-
sua obra literária, constituída de diá- das a nenhum sujeito particular, nem
logos, tem Sócrates como o persona- podem ser moldadas à vontade de
gem principal, sempre envolvido em ninguém especificamente. Esta ca-
discussões com os mais diversos racterística permite compreender que
tipos de pessoas da Grécia. Deste as Idéias não podem ser mais do que
modo, fica difícil estabelecer um realmente são. Isto quer dizer que
ponto onde termina o pensamento elas se mantêm sempre da mesma
socrático e onde se inicia o pensa- maneira, puras, imóveis e impossí-
mento de Platão. veis de se tornarem outra coisa. Por
exemplo, a idéia de “Belo em Si” não
Porém, no momento em que Platão
pode sob hipótese alguma se tornar
inicia sua discussão sobre a noção
feia. Para que algo seja considerado
de idéia, como essência da coisa em
feio, deve estar incluído apenas na
si, independente do intelecto e de
Idéia de “feiúra”.
todas as outras coisas, o seu pensa-
mento começa a tomar ares de algo
As Idéias habitam uma esfera pró-
próprio. Platão inicia com este estu-
pria, mantendo suas características
do, um método de pesquisa de ca-
de unidade, pureza e imobilidade.
racterística matemática, colocando
Mas elas se manifestam em um outro
um principio e aceitando aquilo que
plano, no das coisas sensíveis, ou
está de acordo com ele, rejeitando o
seja, no nosso mundo. A partir de
que está em desacordo com este
então, tem-se uma dualidade de
mesmo principio. Segundo Sócrates,
mundos na filosofia de Platão no que
esta é uma “ação de geômetra”, que
diz respeito às coisas que existem e
propõe hipóteses das quais se extrai
que podem ser conhecidas. Estes
as conseqüências lógicas.
dois mundos são conhecidos pelos
nomes de Inteligível (das Idéias) e
A “Idéia” para Platão não representa Sensível (das Representações). O
um simples conceito ou uma mera período da vida filosófica de Platão
representação mental. Ela representa em que aconteceu esta descoberta
uma causa de natureza não-física, do inteligível, e conseqüentemente, a
uma realidade inteligível, ou seja, sua relação com o sensível, é conhe-
representa aquilo que o pensamento cido pelo nome de Segunda Navega-
mostra quando está livre do sensível, ção. Trata-se do abandono de Platão
constituindo o chamado “verdadeiro em relação aos estudos unicamente
ser”. Um outro termo usado por Pla- voltados aos sentidos e às coisas

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físicas, como faziam os naturalistas alcançar tal conhecimento, adquire as


anteriores a ele. O filósofo grego va- capacidades para bem viver, tanto
loriza acima dos sentidos, o raciocí- sua vida individual, como social.
nio puro, que é captado pelo intelec- Pode contemplar tais idéias e usá-las
to, em outras palavras, o verdadeiro no seu mundo. O filósofo contempla o
conhecimento. sol e pode voltar à caverna.

Platão, após fazer esta distinção en- Diante disso, pode-se concluir que a
tre dois mundos, aplica estes con- teoria das Idéias de Platão pretendeu
ceitos à esfera do ser humano, cons- sustentar que o sensível só pode ser
truindo uma concepção dualista de explicado mediante o recurso do su-
homem. Aliás, este ponto é muito pra-sensível, o relativo mediante o
importante para a compreensão da absoluto, o sujeito a movimento me-
Filosofia de Karl R. Popper, princi- diante o imutável, o corruptível medi-
palmente para saber quais foram as ante o eterno. Esta é a meta do pen-
bases para sua idéia de dualismo e samento de Platão, a busca de uma
mais tarde de pluralismo. “condição incondicionada” para o
conhecimento, o encontro com o ab-
O Mundo das Idéias ou Inteligível soluto fundamento da verdade. O
“verdadeiro ser” é constituído pela
“realidade inteligível”.
Platão chamou o conjunto de Idéias
de “Hiperurânio” (acima do céu), ter- Platão, à medida que vai escrevendo
mo usado na sua obra Fedro. Neste seus diálogos, vai desenvolvendo a
“mundo” existem idéias para todas as sua teoria sobre o Mundo das Idéias.
coisas (Idéias de valores estéticos, No Eutífron ele emprega pela primei-
Idéias de valores morais, Ideais de ra vez as palavras “idéia” e “eidos” no
entes corpóreos, etc). Estas idéias sentido de forma visível ou formato.
caracterizam a chamada “substân- Antes, porém, estas palavras já havi-
cia”, que é desprovida de cor, forma am sido conhecidas através dos es-
ou qualquer outro aspecto físico. O critos pitagóricos, com o sentido de
importante é que todas elas são in- modelo geométrico ou figura. A cada
corruptíveis e não estão sujeitas a novo escrito, vão surgindo novas
geração. idéias, aumentando ainda mais esta
esfera inteligível proposta por Platão.
Para Platão, ninguém poderia alcan-
çar este mundo “superceleste”, a não No Hypias Maior e no Banquete,
ser que possuísse as condições ne- Platão apresenta a idéia de Belo,
cessárias para tal feito, no caso, pos- comum a todas as coisas providas de
suir o conhecimento das verdadeiras beleza; no Fédon temos as idéias de
causas. Apenas o filósofo, aquele Justiça, Santidade (relativas à ética)
que consegue desenvolver a “parte e a idéias dos opostos (dia e noite,
mais elevada de sua alma” poderia calor e frio, etc), no Parmênides o
conhecer o Mundo Inteligível. Ele, ao

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número de idéias corresponde ao Abbagnano, em seu Dicionário de


número de coisas do Mundo Sensível Filosofia
(Bem e Justiça, também idéias para
O modelo de todas as teorias metafísicas é
coisas grosseiras). Estas são as prin-
a Teoria de Platão, segundo o qual o Bem é
cipais idéias encontradas por Platão,
mesmo porque não há a possibilida- o que confere verdade aos objetos cognos-
cíveis, que confere ao Homem o poder de
de de se estabelecer um número de-
conhecê-los, que confere luz e beleza às
finido de Idéias, pois para cada coisa
há a sua idéia correlata. Apesar deste coisas, etc; em uma palavra, é fonte de todo
o ser, no homem e fora do homem (Repú-
fator fundamental, ele consegue es-
blica, VI, 508-509b). Platão compara o Bem
tabelecer uma “lista”, contendo algu-
mas das idéias mais significativas ao Sol, que dá aos objetos não só a possi-
bilidade de serem vistos como também a de
encontradas e registradas em suas
serem gerados, de crescerem e de nutrir-se;
obras.
e, assim como o Sol que, mesmo sendo a
No Crátilo (Beleza e Bem); Banquete causa destas coisas, não é nenhuma delas,
(Beleza); Fédon (Dualidade de Mun- também o bem como fonte da verdade, do
dos, Supremacia do Bem ante a Be- belo, da cognoscibilidade, etc e, em geral,
leza, Contrários); República (Uma do ser, não é nenhuma dessas coisas e
Idéia para cada grupo de seres de está além delas (Ibid, 509 b).
1

uma mesma espécie); Parmênides


(Justiça, Beleza, Bem, Homem, Idéi- Na sua obra Fédon, Platão apresenta
as para cada ser existente no Mundo um argumento interessante e funda-
Sensível, Uno enquanto Uno e Múlti- mental no que diz respeito à sua teo-
plo enquanto Múltiplo); Teeteto (Con- ria das Idéias. É a chamada Teoria
trários); Sofista (Ser, Idêntico, Diver- da Reminiscência, que diz que todo o
so, Repouso e Movimento); Timeo nosso conhecimento não é resultado
(Animal Eterno, Vivente em Si, Figu- de um processo de construção, mas
ras Geométricas Elementares); Filebo sim, de uma recordação de algo já
(Mônada, Díada, Idêntico, Relação, visto anteriormente. A alma humana,
Onde, Como, Quando, Ser, Ação e antes de encarnar em um corpo, ha-
Paixão), entre diversas outras. bita o Mundo Inteligível e contempla
todas as idéias que nele existem.
Mas em meio a esta gama de Idéias, Diante disso, conclui-se também que
uma se destaca em relação às de- a alma independe do corpo para
mais, pois submete a si todas as ou- existir e se apresenta como sendo
tras. É a Idéia Máxima de Bem. Ela é imortal. O aprendizado, portanto, é
identificada em alguns diálogos de uma recordação de tudo o que a
Platão, como o Parmênides e o Crá- alma anteriormente contemplou.
tilo. Esta idéia superior representa a
busca do filósofo rumo ao conheci-
mento absoluto. Segundo Nicola
1
ABBAGNO, Nicola. Dicionário de
Filosofia. p. 107

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Platão representa esta sua teoria vê-lo e tocá-lo, pois ele tem um corpo e
usando de um artifício muito comum tais coisas são todas sensíveis; e as
à sua obra, a alegoria, no caso a de coisas sensíveis (...) estão sujeitas a
Er. Segundo esta alegoria, o pastor processos de geração e são geradas”.2
Er é conduzido pela deusa até o
mundo dos mortos, onde estão os Segundo Platão, o Demiurgo criou
poetas e os adivinhos. Lá ele vislum- este mundo por amor ao bem e por
bra as almas contemplando as Idéias “bondade”, portanto o mundo não
e partindo para escolher uma nova pode ser corrompido, pois não há
vida na Terra. Ao caminho da nova traço de corrupção em sua formação.
vida, as almas bebem da água do rio Entretanto, o mal vem da irredutibili-
Lethé, o rio do esquecimento (quem dade da “espacialidade caótica”, ou
escolhe uma vida de riquezas, bebe seja, da matéria sensível ao inteligí-
água em grande quantidade; quem vel (do irracional ao racional).
escolhe a vida de sabedoria, quase
Portanto, o mundo sensível, é uma
não bebe, e por isso na Terra, se
espécie de imitação do inteligível, tal
lembra de muitas coisas, inclusive do
qual uma pintura de uma árvore é
conhecimento verdadeiro.
uma imitação da árvore verdadeira.

O Mundo Sensível ou das Formas Aliás, este conceito de imitação no


que diz respeito à arte é levantado
Este mundo seria um conjunto de por Platão em sua obra A República
cópias do que existe no Mundo Inteli- como tendo grande relação à funda-
gível, construídas a partir de um artí- mentação do mundo sensível e do
fice, que Platão denomina de “De- inteligível. Segundo ele, o objeto ar-
miurgo”. Este “criador” conseguiu dar tístico é uma imitação de um objeto
forma a uma matéria-prima que pos- da natureza, que por sua vez, já é
suía, tomando por modelo, as idéias uma cópia de algo existente no mun-
eternas. No primeiro volume da co- do composto pelas idéias. Logo, há
letânea Historia da Filosofia, seus uma escala de imitação em relação
autores Giovanni Reale e Dario Anti- aos seres.
seri escrevem sobre esta questão do
Platão coloca também uma questão
Demiurgo e sua criação, baseados no
dento de sua concepção de mundo
texto de Platão
sensível, o tempo. Para ele, o tempo
O mundo do inteligível (modelo) é eter- consiste numa espécie de imagem
no, como eterno é também o Artífice (a móvel do eterno, nascida junto com o
inteligência). O mundo sensível, ao mundo. O tempo não existia antes da
contrario, construído pelo Artífice, nas- criação do mundo. Com isso, pode-se
ceu, isto é, foi gerado, no sentido ver- perceber uma estrita relação do tem-
dadeiro do termo, como podemos ler
2
no Timeu: “Ele nasceu porque se pode REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario.
História da Filosofia. Vol I. P. 143

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po com as coisas que compõem o para as verdadeiras formas e essên-


mundo. Ambos são criações de um cias de todas as coisas, como elas
mesmo artífice, oriundas de uma es- são, e não como nos são apresentadas
fera inteligível. no mundo e captadas pelos sentidos,
como meras aparências. (...) Parafra-
Concepção dualista de Homem seando Heidegger, mas dando uma
aura tipicamente socrática, “o homem é
Platão desenvolve esta concepção
um ser-para-a-morte”. Não se trata de
dualista em alguns de seus diálogos,
encurtar a vida, nem planejar o seu
ressaltando sempre neles as relações
próprio fim. O que se deve fazer é
entre corpo e alma, baseando-se
tentar encontrar os verdadeiros conhe-
numa perspectiva metafísico-
cimentos, agindo de maneira decente e
ontológica com participações de ele-
digna, sem se preocupar consigo
mentos religiosos derivados do orfis-
mesmo, mas dedicando-se ao seu
mo, onde se dá uma oposição entre a
meio. Agindo assim, o “Hades Socráti-
alma (supra-sensível) e o corpo (sen-
co” estará mais próximo.3
sível).
A Teoria pluralista de Karl R.
Nesta visão, o corpo é visto como
Popper
sendo uma “tumba” ou “cárcere” da
alma, onde ela deve cumprir as suas Se Platão concebeu em sua Filosofia
penas. Pela morte do corpo se dá a a Teoria dos dois mundos (Inteligível
salvação da alma, pois ela se liberta e Sensível), Karl Popper partiu por
para uma nova vida, livre das aflições um caminho diferente do mestre gre-
e mazelas do corpo humano. Mas no go. Desenvolveu a idéia de três mun-
decorrer de uma vida regrada, que dos, porém com características des-
não se prenda aos vícios e que bus- semelhantes à dos mundos platôni-
que sempre alcançar o conhecimento cos.
verdadeiro, o homem pode se apro-
ximar mais esta salvação de sua Enquanto que os mundos de Platão
alma. Isto Platão relatava no diálogo possuem um aspecto superior, com
Fédon, que mostrava os seus últimos sentido metafísico e transcendente,
momentos de seu grande amigo e no sentido próprio da palavra, os
mestre Sócrates, na Terra. mundos popperianos possuem um
caráter voltado para a consciência
Sendo a alma imortal e o corpo não, a humana, ou seja, para a sua mente.
alma o governa e a todas as suas pai- Em outras palavras, a teoria dos
xões. Desse modo, o homem para se mundos de Popper é internalista,
salvar e alcançar o Hades que Sócra- como de fato é toda sua filosofia.
tes acreditava e aguardava para en-
contrar, deveria manter essa força da
alma, não se sujeitando aos desejos do 3
MAIRINQUE, Igor das Mercês. O canto do
corpo. Na filosofia, ele tem esse poder,
cisne às portas do reino de Hades: Um co-
pois essa prática desperta o homem mentário da obra Fédon, de Platão. p.4

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Popper estabelece a existência de armazenadas até o momento em que


um mundo constituído por todas as fossem postas em uso. Este mundo
coisas reais, físicas ou não, como os possui um aspecto de intemporalida-
livros, as casas e as teorias. Este é de, ou seja, se alguma coisa é consi-
chamado de Mundo 1, o mundo em derada verdadeira dentro dele, para
que as produções humanas se reali- sempre assim o será. O autor se via
zam. Estas produções são realizadas relutante em publicar algo acerca do
não por aspectos do ambiente do Mundo 3 durante um bom tempo de
mundo, como pensam os filósofos da sua vida, mas ao perceber que podia
corrente Externalista, nem pela ação encará-lo como um produto humano,
de um ser infinito e superior, mas sim passou a valorizá-lo mais. De fato, se
da própria mente humana ou intelec- tornou um dos pilares de sua filosofia.
to. Este é o chamado Mundo 2 de
Popper, que segundo ele, desempe- Diante desta sua nova descoberta,
nha importante papel na evolução do Popper parte para a solução de sua
conhecimento e do próprio ser huma- questão, a possibilidade de interação
no. Até aqui, nada de estranho, so- entre os mundos. Esta é a chamada
bretudo se levarmos em conta que questão mente-corpo. Sobre esta
Popper possuía características dua- questão ele escreve em sua obra O
listas, como o próprio Platão. Conhecimento Objetivo e o Problema
Corpo-Mente (1995)
Popper realmente era um dualista no
início de sua vida de pensador. Po- Com efeito, a questão corpo-mente
rém ele redefiniu o seu pensamento, será o problema do relacionamento
quando descobriu a possibilidade de entre os Mundos 1 e 2; se um ele-
existência de uma nova esfera, além mento importante deste relaciona-
das duas que defendera. Pensava, se mento for o fato de o Mundo 2 funcio-
o Mundo 1 é o vasto conjunto de pro- nar como intermediário entre os Mun-
duções do Mundo 2, englobando as dos 1 e 3, então o problema corpo-
coisas físicas e as idéias que levam a mente ficará assim incompleto se não
essas coisas, será que estas produ- alargarmos o seu âmbito de forma a
ções não poderiam se encontrar em cobrir todas as relações recíprocas en-
um lugar próprio a elas? E mais, po- tre os três mundos.4
deria haver uma interação entre estes
mundos já existentes com este novo O Mundo 3, de fato, desempenha um
e possível mundo? importante papel em relação aos ou-
tros dois mundos, completando as-
A partir destas questões, Popper es- sim, a interação total e plena entre os
tabeleceu a existência de um Mundo três mundos do conhecimento. A
3, composto exatamente pelos pro- mente faz o trabalho de “capturar” os
dutos da mente humana. É como se produtos da esfera em que eles estão
fosse uma grande caixa onde as pro-
4
duções do Espírito Humano ficassem POPPER, Karl R. O Conhecimento Objetivo
e o Problema Corpo-Mente. p. 20

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e aplica-os no mundo real. Deste não se dá de uma forma aleatória ou


modo, os Mundos 1 e 3 se ligam indefinida, mas sim, que é fruto de
mutuamente, tendo o Mundo 2 como um trabalho de pesquisa e de estudo
intermediário. realizado por nós mesmos, seres
humanos. Diferente do que muitos
O filósofo liga esta idéia a uma outra pensam, o conhecimento não é ofe-
estudada por ele, a do conhecimento recido ao homem, mas adquirido por
objetivo em relação ao conhecimento ele mesmo. Há que se dar importân-
subjetivo do ser humano. O conheci- cia aqui a um fator interessante e
mento objetivo é todo aquele que se importante, o de que o ser humano
caracteriza pela tentativa de se solu- possui tendências para adquirir o seu
cionar problemas da vida. Popper conhecimento e aplicá-lo no seu
concede tal importância a ele pelo mundo.
fato dele oferecer ao homem grandes
possibilidades de evoluir a sua pró- Estas tendências caracterizam o
pria existência na terra, a partir de chamado conhecimento subjetivo do
novas e importantes conquistas feitas homem. São as suas potencialida-
por ele mesmo, como por exemplo, o des, que permanecem já inerentes
progresso do conhecimento científico em seus seres, como a capacidade
na busca por novos avanços na área humana de falar ou de aprender a
da medicina. O importante no conhe- andar. Estas capacidades foram ad-
cimento objetivo é que, como o seu quiridas a partir da evolução natural
próprio nome diz, que ele conclua em do ser humano ao longo dos tempos.
um objetivo, uma meta que possa ser Elas já existem, mas devem ser pos-
alcançada da melhor forma possível. tas em prática através dos instru-
mentos criados pelos homens a partir
Esta meta é alcançada através de um de seu conhecimento, ou seja, devem
processo que Popper demonstra a ser objetivadas. Então, percebe-se
partir de um pequeno e de fácil com- que há uma relação entre estes dois
preensão esquema chamado Quadri- tipos de conhecimento, mas só o ob-
partido, composto pela apresentação jetivo desempenha o papel de criar e
de um problema, a definição de uma de fazer manifestar algo.
primeira teoria a qual este problema
se objetivará, a eliminação de todos O conhecimento objetivo, tendo então
os erros possíveis, e finalmente, a esta característica de criação, é cla-
solução do tal problema, que pode ou ramente um produto do Mundo 3,
não vir acompanhada de um novo pois apresenta em sua composição
problema, exigindo que o processo hipóteses, suposições, teorias e solu-
se repita para solucionar este novo ções aos problemas humanos, ele-
problema. O que Popper faz, ao mentos puramente mentais que inter-
apresentar este seu método, é exa- agem com o mundo das coisas físi-
tamente fazer com que todos perce- cas. Tanto o Mundo 3 como o conhe-
bamos que o nosso conhecimento cimento objetivo evoluem mutua-

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mente, a partir das necessidades prio Platão não enxergavam tal plura-
apresentadas pelo homem. De uma lismo. Para Popper, Platão repre-
forma geral, o desenvolvimento do senta a fase “pré-histórica” do pen-
conhecimento objetivo trará novos e samento acerca dos mundos respon-
melhorados produtos da mente para sáveis pela existência das coisas.
o mundo, que serão transformados Logo, o caráter platônico da teoria
em soluções. popperiana é apenas o fato de que
ambos apresentam um pluralismo de
Popper conclui que o conhecimento mundos. Isto levou a novas leituras e
se dá pela interação entre o que a interpretações de outros pensadores,
mente desenvolve e como ela se ma- considerados até então dualistas.
nifesta no mundo. Esta mudança foi e ainda é muito útil
para a crítica que os pensadores plu-
A Interpretação popperiana da ralistas da mente fazem aos pensa-
teoria dos Mundos de Platão e a dores da corrente monista, que con-
sua importância na teoria dos sideram uma ameaça. No quarto ca-
três Mundos pítulo de O Conhecimento Objetivo
(1995) ele revela a seus leitores esta
Popper se mostra pluralista, ao deixar sua influência platônica, ressaltando
as concepções dualistas de corpo e apenas o caráter pluralista encontra-
mente, acrescentando uma terceira do na obra do autor grego.
esfera responsável pela produção de
Acompanho os intérpretes de Platão
todos os conhecimentos humanos, o
que sustentam serem as Formas ou
chamado Mundo 3. E como um bom
Idéias platônicas diferentes não só dos
pluralista, ele passa a ver e analisar
corpos e das mentes, mas também das
escritos de outros pensadores do
“Idéias da Mente”, isto é, das experiên-
passado a partir de sua ótica, procu-
cias conscientes e inconscientes: as
rando encontrar diferenças e similari-
Formas ou Idéias de Platão constituem
dades à sua teoria.
um mundo sui generis. Desejo fazer
Entre os nomes que se destacam dessa filosofia pluralista o ponto de
neste trabalho, se encontra o de partida da minha discussão, ainda que
Platão, considerado por Popper como eu não seja um platônico, nem um he-
uma grande referência aos seus es- geliano.5
tudos.
Mas se a contribuição, digamos posi-
O aspecto primordial que caracteriza tiva do pensamento de Platão à sua
a fundamentação platônica à teoria obra se resume apenas a este fator
de Popper é o fato de que Platão pluralista, Popper não deixa de com-
apresenta uma pluralidade de mun- parar os dois pensamentos, apre-
dos. Deve-se levar em conta de que
esta interpretação é feita por Popper. 5
Outros pensadores, inclusive o pró- POPPER, Karl. O Conhecimento Objetivo.
p.152

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sentando aquilo que diferem um do Popper qualifica o seu mundo de uma


outro. maneira diferente da atribuída por
Platão. O “Mundo das Idéias” de
Para Platão há o Mundo das Idéias, Platão é um terceiro mundo adiciona-
que segundo Popper, possui um as- do ao material e à mente. Constitui
pecto de religiosidade, de realidades um mundo diferente dos corpos ma-
absolutas. Não está aqui atribuindo a teriais ou das experiências consci-
existência de deuses, nem nada as- entes e inconscientes da mente (inte-
sociado a uma consciência absoluta. lligibilia), um mundo sui generis.
Ele é o único dos mundos que pode
ser considerado como real, pois abri- Já para Popper, o seu terceiro mundo
ga em sua essência, as Idéias objeti- é formado não de conceitos puros e
vadas e visíveis à intuição intelectual. indubitáveis, mas de conceitos, ar-
Para Platão, o que existe neste mun- gumentos e teorias passíveis de dis-
do é tão real quanto o que existe na cussão e mudanças. Os problemas
nossa chamada realidade (sensível). não estão definidos. Podem vir a ser
O Mundo da Sensibilidade permane- transformados em soluções ou não,
ce com sua caraterística habitual, a dependendo da forma com que se
de comportar as “cópias” do Mundo trabalha nesta busca por respostas.
Inteligível. Em suma, o Mundo 3 de Popper é
O “Mundo 3” de Platão, se é que se um mundo totalmente humano, criado
pode dar esta definição, é caracteri- para o seu próprio uso, à medida em
zado pela alma humana, que está que for necessário. Já o Mundo 3 de
localizada entre o corpo físico e o Platão representa uma esfera inter-
Mundo Inteligível. É ela que vislum- mediária entre o homem e a esfera
bra das Idéias e as perde quando em que se localizam as Idéias puras.
toma um corpo, obrigando-o a recor- Em outras palavras, não é algo pu-
dar de tudo para aprender (reminis- ramente do homem, enquanto ser
cência). Esta forma de “aprendiza- presente neste mundo.
gem” demonstra, aos olhos de Po-
pper, uma queda do homem, pois ele Considerações Finais
não constrói nada, apenas retoma
algo que já possuía. Em vista de tudo o que foi visto no
decorrer deste trabalho, pode-se
Popper aplica uma outra concepção concluir que o principal ponto a ser
no que diz respeito ao conhecimento observado é o fato de que Karl Po-
humano. Enquanto Platão o atribui à pper se revelou ao mundo como um
reminiscência, Popper remete-o à pluralista, atribuindo o conhecimento
ascensão, ou seja, o homem evolui à humano a três esferas ou mundos. E
medida que constrói o seu próprio a partir desta descoberta, ele pôde
conhecimento. realizar uma nova abordagem de
escritos considerados clássicos e por

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Metavnoia. São João del-Rei, n. 5, p.7-17, jul. 2003
MAIRINQUE. Igor das Mercês. Karl Popper e a teoria dos Mundos de Platão 17

muito tempo impossíveis de serem ram realizaram um grande trabalho


reinterpretados. Com toda a certeza, na comunidade filosófica e cientifica,
este é um dos mais importantes le- o de derrubar as antigas paredes do
gados deste grande pensador e pes- pensamento, representadas pelas
quisador do nosso tempo, o de pos- idéias que não se questionavam. As
sibilitar a todos os que se interessam releituras de Platão e de outros filó-
pela pesquisa, terem a possibilidade sofos possibilitam aprender mais so-
de dar novas e melhoradas visões bre o que eles quiseram dizer e des-
sobre os assuntos relativos ao co- cobrir mais novidades, até então des-
nhecimento humano. Sem dúvida, conhecidas por todos.
Karl Popper e aqueles que o segui-

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FRAILE, Guilhermo. Historia de la Filosofia. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos.
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1992

PLATÃO. Fédon. São Paulo: Nova Cultural. 1999 (Os Pensadores)


REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia.Antiguidade e Idade Média.
Vol I. São Paulo: Paulus. 1990

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