*
Agradeço ao CNPQ o apoio para o desenvolvimento desta pesquisa.
1
O autor gostaria de agradecer os comentários de Alexandre Gomide, José Celso
Cardoso Jr., Ronaldo Garcia, Pedro Cavalcante, Vanessa Oliveira, Marco Acco,
Osmar Parra, Natasha Nunes e a colaboração de todas as pessoas que gentil-
mente concederam entrevistas e outras formas de apoio a esta pesquisa, além
dos membros da equipe deste projeto na Enap, UFABC, Ipea, FJP e UnB.
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Dados disponíveis no 11º Balanço completo do PAC 2 - http://www.pac.gov.br/
sobre-o-pac/divulgacao-do-balanco/balanco-completo.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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Revisões da literatura internacional sobre execução de políticas de
infraestrutura indicam que atrasos e elevação dos custos são problemas co-
muns nas diversas regiões do mundo, seja em países desenvolvidos ou em
desenvolvimento, variando apenas em função do tipo de empreendimento e
sua respectiva complexidade (ANSAR et al., 2013; HERTOGH et al., 2008).
4
Cálculos do Ipea a partir de dados disponíveis no Siga Brasil.
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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Segundo Lotta, Pires e Oliveira (2014) a literatura sobre políticas públicas têm
se dedicado muito mais às análises da atuação de burocratas de linha de
frente (street-level bureaucrats) e de formuladores de políticas nos altos esca-
lões, a partir das abordagens bottom-up e top-down, do que buscado compreen-
der o conjunto variados de atores que se situam entre o topo e a base das
hierarquias governamentais. Os autores construíram uma extensa revisão da
literatura, buscando compreender as definições existentes sobre os papéis,
funções e “lugares” dos burocratas de médio escalão em burocracias públicas
e privadas, além de sistematizar três perspectivas de análise (estrutural, indi-
vidual e relacional) sobre estes atores.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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Ao todo, foram realizadas 16 entrevistas, com duração média de uma hora,
sendo oito com integrantes da Secretaria do Programa de Aceleração do Cresci-
mento (Sepac), contemplando todas as quatro diretorias temáticas e demais
coordenações-gerais e assessoria que compõem sua estrutura. Além destas,
foram realizadas três entrevistas com ex-integrantes da Sepac e cinco entrevis-
tas com diretores, coordenadores e assessores do Ministério da Integração
Nacional, Ministério de Minas e Energia, e Ministério das Cidades (sendo que
uma destas envolveu um grupo de quatro entrevistados). Para a garantia do
anonimato dos entrevistados, suas declarações não serão pessoalmente
identificadas. Aproveito para agradecer a generosidade e disponibilidade dos
mesmos em contribuir com esta pesquisa.
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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Dados disponíveis no 11º Balanço completo do PAC 2 - http://www.pac.gov.br/
sobre-o-pac/divulgacao-do-balanco/balanco-completo
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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O Decreto e os demais atos normativos afetos ao PAC podem ser encontrados
em: http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/leis-pac
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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O Decreto nº 6.025 foi revisto, com nova redação dada pelo Decreto nº 7.470, de
2011, no início do PAC 2, transferindo a coordenação do PAC da Casa Civil para o
MPOG e criando neste a Secretaria do Programa de Aceleração do Crescimento
(Sepac).
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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São três os principais sistemas utilizados pela Sepac: o Sispac, o SGI e o SAM.
Vários órgãos setoriais possuem seus próprios sistemas de monitoramento.
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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Optou-se, no artigo, pela utilização da terminologia “execução direta ou indi-
reta”, tal como usado pelos operadores do PAC. No entanto, reconhece-se que,
de acordo com a Lei de Licitações (Nº 8.666/1993), a terminologia tecnicamente
correta seria a de execução própria ou por terceiros. No primeiro tipo, caberia
tanto a execução direta, ou seja, aquela realizada pelo próprio órgão (como se
os próprios funcionários do DNIT construíssem uma rodovia), quanto a execu-
ção indireta, envolvendo obras contratadas (isto é, o DNIT contrata empresas
para construção de uma rodovia). Por fim, a execução por terceiros envolveria
os casos cuja responsabilidade pela execução resta aos governos estaduais e
municipais, ou outros entes.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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As diferenças entre empreendimentos de execução direta e indireta também
afetam as ações de articulação, coordenação e monitoramento, desenvolvidas
pela Sepac. Enquanto no primeiro caso, a Sepac tem acesso direto aos diversos
órgãos envolvidos na execução dos empreendimentos, no segundo caso, ela
precisa mobilizar operadores intermediários para acessar e gerir ações com
estados e municípios. Na área de política urbana, esse papel tem sido desem-
penhado pela Caixa Econômica Federal.
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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A construção da efetividade ou capacidade de influência de instituições como
o PAC requer tanto a combinação de status e capacidades formais – definidas
por lei e pela inserção institucional do órgão –, como também o reconhecimen-
to pelos atores e organizações com os quais interage direta ou indiretamente.
A combinação de capacidades formais com reconhecimento institucional con-
figura aquilo que Abers e Keck (2013) denominam “autoridade prática”. Isto é,
o poder de influência sobre outros que se constitui na prática por meio de
interações, estratégias de comunicação e penetração interinstitucional.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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Uma simples comparação entre projetos de infraestrutura com características
semelhantes, mas que difiram em termos de sua inclusão (ou não) na carteira
do PAC, demonstra a importância da priorização do PAC, em termos de atenção
política, recursos financeiros, etc.
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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A partir de relatos de pessoas que participaram do processo de criação do PAC,
ficou claro que, já no final do primeiro mandato do Presidente Lula, consolida-
va-se no governo a leitura de que os anos anteriores haviam sido exitosos no
avanço de diversas políticas sociais, no entanto, a sustentabilidade do mode-
lo de desenvolvimento demandava um segundo impulso que passava pela
ampliação do investimento em infraestrutura, a qual vinha em trajetória de
desmonte desde os anos 1980. Operadores atuais do PAC, seja na Sepac ou nos
órgãos setoriais, reforçaram essa percepção de que “o objetivo principal do
programa é fortificar a infraestrutura nacional” (Entrevista 2), por meio da
recuperação de “uma série de obras de infraestrutura que em algum momento
da história do país foram pensadas, ou planejadas e muitas delas ficaram sem
execução, (...) ficaram engavetadas ou postergadas” (Entrevista 14); e oferecen-
do garantias de investimento para superar a falta de continuidade nos projetos
– os “soluços de investimento” – que prevaleceram nas décadas anteriores
(Entrevista 15).
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
Tal orientação tem sido mantida até os dias de hoje. Segundo uma
operadora da Sepac “a nossa tarefa é monitorar e coordenar. Essa é a
principal razão de existir da Secretaria do PAC” (Entrevista 5). Assim, fica
bastante evidente que o PAC, para além de seus propósitos econômi-
cos, se constitui como tentativa de reação aos desafios para a
implementação de políticas de infraestrutura derivados do ambiente
político institucional brasileiro. Isto é, de construção de mecanismos de
comunicação, articulação e coordenação entre os diversos atores envol-
vidos para produzir complementaridades e reduzir contradições entre
os diferentes segmentos do Estado.
Os relatos apontam que um objetivo central para o PAC é incidir na
articulação e coordenação de ações entre os distintos ministérios da área
de infraestrutura. Desde o segundo Governo Lula, os ministérios dos Trans-
portes, Cidades, Minas e Energia, e Integração Nacional, por exemplo,
não têm sido ocupados por indicações do Partido dos Trabalhadores (PT),
mas sim por partidos que aceitaram compor os Governos Lula e Dilma,
mas que não necessariamente possuem um alinhamento fino com as di-
retrizes da Presidência da República. Assim, uma das funções desempe-
nhadas pelo PAC, tal como declarada por uma operadora da Sepac é:
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Enquanto que a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) passou a se con-
centrar na coordenação política, nas relações com partidos, parlamentares,
governadores e prefeitos.
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A equipe que veio compor a SAM vinha trabalhando com experiências de
monitoramento intensivo, no primeiro mandato (2003-2006), como as chama-
das “metas presidenciais” e, posteriormente, com o Projeto Piloto de Investi-
mentos-PPI (2005), além de outras experiências no final da gestão FHC (planos
“Brasil em Ação” e “Avança Brasil”), todas voltadas para busca de melhoria dos
resultados, envolvendo sistemas informatizados para o monitoramento.
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
“fazer com que aquilo que é decidido nos ministérios, aquilo que vai
ser implementado, esteja em consonância com a diretriz que saiu da
presidência e do conselho de ministros que decide sobre os investi-
mentos... (...) é promover esse alinhamento das políticas públicas e
ao mesmo tempo juntar, com o máximo de confiabilidade e atualiza-
ções constantes, as informações que vem desses investimentos dos
ministérios e até dos proponentes, né? dos estados, dos municípios...
pra voltar pra decisão, pra que eles possam aparar arestas, né?... aí
lá, já no mais alto nível, diretamente com a presidência e com os
ministros.” (Entrevista 6)
Uma vez que o PAC se apresenta, na visão dos seus próprios ope-
radores, como uma estratégia de articulação e coordenação da ação go-
vernamental, em nível político e administrativo, ele caminha no sentido
de representar uma visão de governo e das prioridades de governo. Um
entrevistado no Ministério de Minas e Energia relatou “a partir do mo-
mento em que o nosso governante, a nossa presidenta, diz ‘olha, enten-
demos que isso aqui é prioridade’, todos os que fazem parte desse
governo tratam isso como se fosse prioridade” (Entrevista 2).
Semelhantemente, operadores do PAC em órgãos setoriais
ressaltaram que todo esse processo de articulação interna e coorde-
nação contribui para a criação e comunicação das ações prioritárias para
o governo como um todo. Um entrevistado no Ministério da Integração
Nacional colocou da seguinte forma:
“passa uma credibilidade, para que essas obras que são elencadas,
que são obras priorizadas, são vistas como as principais obras pro
desenvolvimento do país, para que exista um interesse e para que
elas possam ser executadas. (...) Antigamente, não existia a certeza do
interesse na execução da obra... então existia sempre uma dúvida,
podia existir um contingenciamento, dificuldades orçamentárias, di-
ficuldades financeiras e que o PAC supera isso tudo”. (Entrevista 13).
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Vários relatos utilizam termos como “fast-track” ou “streamline” para se referir
ao dinamismo e agilidade de processos que o PAC provoca.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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Segundo relatos, o processo seletivo para lotação na Sepac é divulgado
enfatizando-se que “o trabalho vai ser duro e que tem que ter lombo para chico-
te” (Entrevista 6), como uma forma de filtrar aqueles candidatos já dispostos à
atuação cotidiana sob pressão e com alta dedicação de horas de trabalho. Esse
mesmo elemento é responsável também, conforme relatado por vários entrevis-
tados, pela alta taxa de rotatividade dos funcionários da Sepac.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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Dada a inexistência de um protocolo ou código de conduta formal, definindo
formas de ação e comportamento esperados ou desejáveis, chamou muita
atenção na análise do material empírico as convergências nos relatos e discur-
sos dos operadores do PAC sobre as suas formas de atuação.
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Nas salas de situação, os diálogos são intensivos em conteúdo técnico – mobi-
lizando conceitos específicos e procedimentos da área de engenharia, diver-
sas siglas, legislações, processos e relatórios – não facilmente acessíveis a
quem não tem experiência e formação na área.
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Em um estudo analisando a construção de rodovias na Suécia, Johansson (2012)
identificou, de forma semelhante ao observado no caso do PAC, a atuação de
burocratas de médio escalão como promotores de diálogos e negociações
envolvendo outros órgãos do governo central, autoridades municipais e
sociedade local, buscando forjar acordos que previnam o agravamento de ten-
sões e viabilizem a implementação dos projetos.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
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Exemplos dessas tensões, bloqueios ou atrasos incluem desde a negação de
informações solicitadas pelos operadores da Sepac à provisão de informações
incompletas, erradas ou fora dos prazos estabelecidos, prejudicando as ativi-
dades de monitoramento da Sepac.
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Outra faceta dessa questão de uma hierarquia mais fluida na gestão do PAC diz
respeito à pressão que é gerada sobre os operadores da Sepac. A ausência de
uma estrutura hierárquica mais rígida, se por um lado amplia o acesso às
instâncias superiores, por outro lado amplia também a responsabilidade des-
ses burocratas sobre as informações relatadas. Isso, por sua vez, apareceu em
diversas falas sobre os aspectos negativos ou dificuldades enfrentadas no
exercício de suas funções pelos operadores da Sepac.
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Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação
Considerações finais
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Para Bevir e Rhodes (2010), a noção de “agência situada” implica, por um lado,
a rejeição da ideia de autonomia individual, pois as experiências e a elabora-
ção individual se dão a partir de uma teia de crenças e significados pré-esta-
belecidos; mas por outro lado, implica a valorização da ideia de agência (em
contraponto a abordagens estruturalistas), uma vez que pessoas têm capaci-
dades de mobilizar estas crenças e agir, transformando os contextos sociais
nos quais estão inseridas.
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Capítulo 6 – Por dentro do PAC: dos arranjos formais às interações e práticas dos seus operadores
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