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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Rio, 05/11/2007 – 1ª AULA.

Começamos hoje com propriedade, mas como essa aula


tem duas horas, primeiro eu quero dar uma visão geral para vocês de
direitos reais. E com essa visão geral de direitos reais, facilita demais
o restante do trabalho.

Gente, quando vocês estudam direito civil, a raiz do


direito civil é o direito patrimonial. O direito civil, na sua essência, é
um direito que tem dois alicerces. Quais são esses dois alicerces?
Contratos e propriedade.

O direito civil tradicional sempre se preocupou com a


proteção dos contratos e com a tutela da propriedade. Então, ele se
bifurcou em dois ramos: direitos reais e direitos obrigacionais.

Esses são os dois pilares do direito patrimonial. Direitos


reais de um lado e direitos obrigacionais, de outro. Quais são as
diferenças sensíveis entre os direitos reais e os direitos obrigacionais?

Isso é só para vocês terem sempre essa idéia inicial.


Como é o nome do meu amigo do módulo? Resposta do aluno: Flávio.

Flávio, você me deve R$ 100 mil. Nelson é credor e Flávio


é devedor. Isso é uma relação obrigacional, pois tem um credor e um
devedor que estão ligados por uma prestação, que no caso, é uma
prestação de dar quantia certa.

A outro turno, o Flávio é proprietário de uma cobertura na


Delfim Moreira. Se você é proprietário de uma cobertura na Delfim
Moreira, você exerce poder sobre uma coisa e esse poder que você
tem sobre a coisa é oponível em caráter erga omnes. Isso já é o
mundo dos direitos reais.

Quais são as diferenças que vocês conseguem perceber


entre o mundo dos direitos reais e o dos direitos obrigacionais? Em
primeiro lugar, qual é o objeto de uma relação de direito
obrigacional? É uma prestação, é o comportamento do devedor. É
uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Esse é sempre o objeto de
uma relação obrigacional.

Em contrapartida, qual é o objeto da relação de direitos


reais? É a coisa, é o bem da vida. É o apartamento, é um carro, é
uma casa, é um direito autoral, é um sócio, ou seja, sempre é um
bem da vida.

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Então, a primeira diferença se encontra em relação ao


objeto. O objeto do direito obrigacional é a prestação e o do direito
real é o bem jurídico.

Segunda diferença básica entre os direitos reais e os


direitos obrigacionais que, talvez, seja a diferença mais importante: é
quanto ao modo de exercer. Querem ver?

Flávio, para que eu cobre de você esses R$ 100 mil, para


que o credor obtenha essa prestação do devedor, o credor necessita
da colaboração do devedor? Sim. Necessariamente as relações
obrigacionais são relações de cooperação.porque o credor só obtém a
prestação do devedor se o devedor praticar um a conduta de dar,
fazer ou de não fazer. Ou seja, a satisfação do credor exige um
comportamento do devedor chamado adimplemento.

Mas se o Flávio é proprietário de um apartamento na


Delfim Moreira, para que ele possa exercer poder sobre aquele
apartamento ele precisa da colaboração de alguém? Não, pois as
relações de direitos reais não são relações jurídicas baseadas na
cooperação entre pessoas. O que nós temos, na verdade, são
relações materiais de subordinação de coisas a pessoas, em que bens
são submetidos ao poder de pessoas.

Qual é a sutileza dessa distinção? Por que que em prova


de concurso os direitos reais são chamados de ius in re e os direitos
obrigacionais são chamados de ius ad rem? Porque ius in re significa
direito sobre a coisa. Quem é titular de direito real exerce poder
material evidente sobre o objeto.

Ele pode usar da coisa, fruir da coisa, pode dispor da


coisa. Ele tem poder imediato, sem a necessidade de colaboração de
quem quer que seja.

No direito obrigacional, o nome é ius ad rem, pois


significa direito à uma coisa. E só terá direito a uma coisa se houver a
colaboração, a cooperação do devedor.

Então, nunca confundam direitos sobre coisas e direitos à


coisa, porque direitos à coisa só são fornecidos se houver uma
prestação do devedor, uma colaboração dele em favor do credor.
Então, quando alguém perguntar para vocês qual é a diferença de
direitos reais para direitos obrigacionais, vocês já sabem: quanto ao
objeto e quanto ao modo de exercer.

Os direitos reais possuem quatro características básicas.


A primeira característica dos direitos reais, que subliminarmente

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vocês já viram aqui, é que eles são absolutos. Em que sentido?


Flávio, quando você é proprietário dessa cobertura no Leblon, o que
você pode exigir de todos nós que somos o povão? O dever de
abstenção.

Sabe por que você pode exigir o dever de abstenção?


Porque nós somos os erga omnes, nós somos os não proprietários.
Isso significa que os direitos reais são direitos absolutos no sentido
da sua oponibilidade contra todos.

No sentido de que esses direitos reais podem exigir de


todos um comportamento negativo, qual seja: não interferir no
exercício da minha propriedade. É direito subjetivo absoluto que ele
tem.

No direito civil existe alguma outra categoria de direito


subjetivo absoluto sem ser o direito da propriedade ou direitos reais?
Tem, os direitos da personalidade também são absolutos e também
impõem esse comportamento negativo, no sentido de que toda
sociedade tem que respeitar os meus atributos existenciais.
Então, qual é a diferença entre direitos reais e direitos da
personalidade se ambos são absolutos? É que os direitos reais são
direitos absolutos patrimoniais.e os direitos da personalidade são
direitos absolutos extra patrimoniais, pois não são aferíveis
pecuniariamente, visto que dizem respeito à nossa essência, à nossa
existência. Mas ambos são absolutos.

Como vocês já tiveram obrigações com o Bruno, eu posso


pegar bem pesado com você, e devo, porque tudo o que vocês
aprendem nesse semestre no Praetorium é uma continuação. Então,
vocês não podem cortar o raciocínio. Cada aprendizado em uma
matéria serve de início para outra.

Então, eu vou mostrar porque os direitos obrigacionais


são estudados antes dos direitos reais. Olha a linha de raciocínio:
direitos obrigacionais são absolutos ou relativos? Vocês aprendem
que eles são relativos porque essa prestação de R$ 100 mil eu,
Nelson, posso exigi-la apenas relativamente contra o devedor Flávio.

Em tese, os direitos obrigacionais não seriam absolutos.


Seriam relativos pois eu só posso exigir essa obrigação de dar, fazer
ou não fazer relativamente contra a pessoa do devedor.

Agora um esclarecimento: se Nelson é credor de R$100


mil de Flávio, ele pode exigir que todos que estão na sala não
interfiram nessa relação obrigacional, que não perturbem essa
relação obrigacional? Sim, pois apesar das obrigações serem relativas

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no que diz respeito a que a prestação só deva ser paga pelas partes,
as relações obrigacionais também têm eficácia, oponibilidade erga
omnes.

E por que elas te oponibilidade erga omnes? Pois pelo


princípio da função social do contrato, mesmo que a relação
obrigacional ou contratual seja pelas partes, a sociedade não pode
lesar os contratantes, não pode interferir nas relações de crédito, a
sociedade, de jeito nenhum, pode prejudicar as relações de crédito
que estão em andamento.

É por isso que vocês viram que lá em São Paulo o juiz


condenou a Bhrama a indenizar a Nova Schin porque a Bhrama pegou
o Zeca Pagodinho no meio do contrato que ele tinha com a Nova
Schin.

A Bhrama, ao invés de ter respeitado o contrato em


andamento do Zeca Pagodinho com a Nova Schin, interferiu nessa
relação de cooperação e levou esse contrato ao inadimplemento.

Então, o que se deve colocar em prova de concurso: Sr.


Examinador, as relações obrigacionais são relativas no sentido de que
as prestações são só exigidas à parte, mas elas também geram uma
eficácia erga omnes, elas têm oponibilidade erga omnes porque as
relações obrigacionais são voltadas para o adimplemento.

A relação obrigacional é um processo que nasce para ser


cumprido e se um terceiro interfere nessa relação obrigacional, ela
não será cumprida. Ela será conduzida ao inadimplemento.

O ordenamento hoje, cada vez mais, nos ensina que essa


dicotomia entre direitos reais e direitos obrigacionais está perdendo o
seu significado porque todas as relações patrimoniais exigem uma
oponibilidade em face de terceiro.

Então, os direitos reais são absolutos.

O apartamento do Flávio fica na Delfim Moreira. Acontece


que o Flávio está precisando de dinheiro e pede R$ 500 mil
emprestados ao Nelson que diz que só empresta essa quantia se o
Flávio lhe der em hipoteca esse apartamento da Delfim Moreira. O
Flávio concorda.

Então, o que acontece? O Flávio dá em hipoteca a


cobertura para o Nelson que, em troca, dá os R$ 500 mil para Flávio.
A hipoteca vence em 15 de dezembro, quando o Flávio deverá pagar
os R$ 500 mil.

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Quinze dias antes de vencer a dívida, o Flávio pega a


cobertura e vende para a Marcele. Esse negócio jurídico de vender
esse imóvel é um negócio jurídico válido? Sim, pois o apartamento é
dele. Só porque ele hipotecou, o apartamento não deixou de ser dele.

Só que ele vendeu para a Marcele e não pagou a dívida


que vencia no dia 15. Pergunta: Nelson, que é o credor hipotecário,
pode ir atrás da Marcele e tirar o apartamento que ela comprou?
Pode, pois a segunda característica dos direitos reais é a seqüela.

O que é a seqüela? Seqüela é a faculdade do titular do


direito real de seguir a coisa onde quer que ela se encontre.

Por que o direito real tem seqüela? Porque o direito real é


absoluto. Se o direito real é absoluto, ou seja, se o direito real é igual
para todos, eu posso perseguir a coisa contra todos. Se eu tenho a
possibilidade de exigir de todos a abstenção, eu posso perseguir a
coisa aonde quer que ela se encontre. Então, a seqüela é um atributo
derivado do absolutismo, que é evidente e claro em relação aos
direitos reais.

Em contrapartida, se eu assinei com o Flávio o seguinte


contrato: Nelson é credor de Flávio que irá entregar-lhe uma bicicleta
em 15/12. Isso é uma relação obrigacional.

Se no dia 15/12 Nelson cobrar a bicicleta de Flávio e este


disser que a vendeu para Beto, poderá o Nelson ir atrás de Beto e
tirar a bicicleta dele? Não, pois esta é uma relação obrigacional. Os
direitos obrigacionais, em regra, são sem seqüela.

Os direitos obrigacionais são sem seqüela, pois são


direitos relativos, ou seja, Nelson só pode exigir a prestação
relativamente contra o devedor Flávio. Nelson não pode exigir a
prestação relativamente contra Beto porque Beto não é parte nessa
relação obrigacional.

Se ele não é parte, ele é um terceiro. E, assim sendo, ele


não pode buscar a bicicleta do Beto, resolvendo-se tudo em perdas e
danos. Pois quando os direito obrigacionais são objeto de
inadimplemento, a regra geral é que o credor, vítima do
inadimplemento, vítima da inexecução, só possa buscar perdas e
danos decorrentes do descumprimento da prestação.

Qual é o único caso que mesmo eu sendo um mero credor


obrigacional, eu tenho seqüela contra o bem? Fraude contra credores.

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Mesmo em relações obrigacionais, se acontece o que está


no art. 158 do CC (fraude contra credores), surge a seqüela.

Como surge a fraude contra credores? Deve-se provar


que o Flávio fez uma liberalidade para o Beto, fez uma doação e, com
isso, se reduziu à condição de insolvência.

Provado esses requisitos, Nelson tem uma ação pauliana


para anular esse negócio jurídico que foi lesivo aos meus interesses.

Mas se não houver fraude, efetivamente não haverá


seqüela no mundo dos direitos obrigacionais. Só terá seqüela no
mundo dos direitos reais.

Flávio pegou R$ 500 mil emprestado com o Nelson, dando


em troca a hipoteca do apartamento na Delfim Moreira e dia 15/12 é
o dia do vencimento dessa obrigação.

No dia 15/12, Nelson vai cobrar os R$ 500 mil. Flávio diz


que possui duas más notícias: apesar de não ter vendido o imóvel
para ninguém, não irá pagar os R$ 500 mil. Nelson diz que vai pegar
o imóvel, levar à venda em hasta pública, pois o bem está
hipotecado.

Mas Flávio diz que Nelson não é seu único credor. Além
dele, Flávio possui um enorme número de credores.

Nelson diz que como possui direito real, possui


preferência. A terceira característica dos direitos reais é a
preferência, que significa que o titular do direito real tem um
privilégio, qual seja: obter o pagamento da dívida em primeiro lugar.

Em outros termos, isso significa que os outros credores


são credores quirografários. Vale dizer: eles estão no fim da fila.
Primeiro recebe Nelson que é credor preferencial.

Nelson recebe primeiro os R$ 500 mil. Mas se o


apartamento é vendido por R$ 700 mil, o que se faz com os outros
R$ 200 mil? Os outros credores irão disputar essa quantia.

Mas Nelson já recebeu a sua parte em razão da


preferência, do privilégio de ser titular de um direito real.

Tudo que eu falei até agora foi fácil. Agora eu vou


perguntar o que o examinador perguntaria em uma prova aberta e
em uma prova oral. Por que o titular do direto real tem preferência?
De onde nasce essa preferência dele?

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A preferência nasce da seqüela. A preferência decorre da


seqüela. Muita atenção: o que quer dizer que um bem foi seqüelado?
O bem que está seqüelado é um bem que está reservado, é um bem
que está afetado.

Esse imóvel, quando foi reservado, afetado, não faz mais


parte do patrimônio geral do devedor, pois patrimônio geral do
devedor é aquele que serve de garantia para todos os credores. Mas
como esse bem foi reservado e afetado, ele é um patrimônio em
afetação.

Ele está reservado apenas para esse credor Nelson que o


separou e isso significa que ele é que terá preferência no produto da
sua venda, justamente porque está reservado para satisfazer o seu
direito real. A razão da preferência é a seqüela.

Enquanto os quirografários são credores gerais do


patrimônio, o credor hipotecário é um credor especializado daqueles
bens que foram separados.

Isso é tanto verdade que: R$ 500 mil é o que você me


deve, correto? Se eu só consigo apurar R$ 300 mil na venda desse
bem, como é que eu faço para obter os outros R$ 200 mil que me
faltam? Nesse caso, eu perco a preferência porque a minha
preferência está ligada apenas ao valor do bem seqüelado.

Se eu não conseguir na venda do bem seqüelado apurar o


valor, no restante eu entro na fila junto com os credores
quirografários para apurar o excesso. A preferência do titular do
direito real se limita ao valor dos bens afetados, seqüelados,
reservados.

Hoje em dia eu posso dizer que a preferência do titular do


direito real é a mesma de outrora ou sofreu mitigação? A preferência
sofreu grande mitigação, pois nos últimos 70 anos no Brasil vem
acontecendo um fenômeno pelo qual determinados créditos
obrigacionais, que é o crédito quirografário, vem se transformando
por exigência de norma de ordem pública nos chamados privilégios
legais.

Determinados créditos, que eram créditos quirografários,


vem sendo transformados, por exigência de norma de ordem pública,
em privilégios legais.

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Então, por exemplo: se uma empresa hoje quebra, quem


recebe em primeiro lugar são os credores reais? Não, são aqueles
que possuem privilégios legais. Basta ir no art. 83 da lei 11.101/05.

O art. 83 da lei 11.101/05 fala que recebem em primeiro


lugar os créditos acidentários, previdenciários, trabalhistas até 150
salários mínimos.

Crédito previdenciário, acidentário e trabalhista até 150


salários mínimos são créditos reais? Não. Então, por que é que no
art. 83 da lei 11.101/05 eles tomam a frente? Porque não obstante
sejam créditos obrigacionais, em razão de normas de ordem pública,
eles se tornaram privilégios legais. É por isso que eles vêm em
primeiro lugar.

E depois desses créditos privilegiados, vem os créditos


reais. Os créditos reais perderam a preferência? Não. Eles ainda têm
preferência, mas essa preferência foi mitigada em alguns casos pelos
privilégios legais.

Art. 958, CC:”Os títulos legais de preferência são os


privilégios e os direitos reais”.

Então, ainda é título de preferência, só que é uma


preferência suavizada pela existência dos chamados privilégios legais.
Tanto é, que hoje o que vem na frente na lei de falências: créditos
tributários ou créditos reais? Os créditos reais. Eles assumiram uma
posição anterior aos créditos tributários.

Isso provocou uma reforma no art. 186 do CTN. Hoje o


próprio art. 186 do CTN que foi recentemente reformado, diz que os
créditos tributários ficam atrás da preferência dos créditos reais em
razão da mudança da lei 11.101/05 que é a lei de recuperação.

Isso é só para vocês entenderem que essa preferência


existe, mas concorre com os privilégios legais.

Qual é a diferença entre a preferência do direito real e os


privilégios legais? É a seguinte: se, por acaso, vocês têm 84
apartamentos e só um deles foi dado em hipoteca, qual que é a
preferência do titular de direitos reais recai sobre os 84 apartamentos
ou só sobre aquele que foi dado em hipoteca?

A preferência recai só sobre o que foi dado em hipoteca,


pois só aquele foi seqüelado e afetado. Mas se vocês estão devendo
dinheiro para a Fazenda Pública Municipal do Rio de Janeiro e vocês
têm 84 apartamentos, o privilégio legal da Fazenda Pública incide

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sobre qual dos 84 bens? Sobre todos, exceto sobre o bem de família,
pois o privilégio legal recai indistintamente sobre todo um patrimônio,
enquanto a preferência de direitos reais é específica e recai sobre os
bens que foram seqüelados, reservados e afetados.

Então, vocês já viram: direitos reais são absolutos, têm


seqüela e têm preferência. Já os direitos obrigacionais são sem
preferência. Eles é que são, sem dúvida, os direitos quirografários
que estão no final da fila.

Qual é a quarta característica evidente dos direitos reais?


É a taxatividade. Os direitos reais são numerus clausus. Se vocês
querem conhecer quantos direitos reais vocês têm, basta olhar o art.
1225, CC.

Eu quero que vocês abram o art. 1225 do CC e me digam


quantos direitos reais tem na lista de vocês. Eu quero saber se o
Código está atualizado ou não. Me digam um número de 1 a 12, de
quantos direitos reais existem no art. 1225,CC.

Quem aí tem 10? Está desatualizado. Quem tem 10, vai


colocar como número 11 concessão de uso especial de moradia e
como número 12 vai colocar concessão de direito real de uso.

Eu estou falando isso porque a lei 11.481 de 01 de junho


de 2007 acrescentou esses dois direitos reais ao rol do art. 1225, CC.

O que quer dizer que os direitos reais são taxativos? Os


direitos reais têm como fonte única a lei. Eu não reconheço no
ordenamento jurídico direitos reais que não tenham como fonte a lei.

Não é possível que Nelson sente num boteco à noite com


a Marcele e inventem um direito real. Não é possível inventar direito
real por relação contratual. Não é possível criar direito real por
relação obrigacional. A fonte dos direitos reais é a lei.

Por que os direitos reais têm a lei como fonte? Porque


eles são oponíveis contra todos. Todos na sociedade têm o dever de
respeitar os direitos reais. Então, se a sociedade tem o dever de
abstenção, a sociedade só pode se abster naquilo que alei tenha dado
publicidade prévia. É o princípio da segurança jurídica.

Só pode haver segurança jurídica quando as pessoas


respeitam direitos que são previamente determinados pelo legislador.
Então, a taxatividade é uma conseqüência do próprio absolutismo dos
direitos reais.

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Então, eu coloquei essas 4 características dos direitos


reais porque uma se conforma à outra. Elas são numerus clausus.
Então, eu vou fazer uma pergunta: se, por acaso, alguém nessa sala
de aula é inquilino. Inquilino pode registrar o contrato de locação
para amanhã ter direito de preferência caso o proprietário queira
vender o bem? Sim.

Quando o locatário registra a locação do art. ??? da lei


8245/91 a locação virou direito real? Não, pois apesar da locação ter
sido registrada e ter eficácia contra terceiros, ela não está no rol
taxativo do art. 1225, CC. Ela não está dentro do rol numerus
clausus. Não tem lei dizendo que aquela locação virou direito real.

Então, o que aquela locação quando foi registrada


continua tendo? Continua tendo uma relação obrigacional porque está
fora da taxatividade.

Outro exemplo: Paulo, imagina que o seu apartamento é


penhorado. Se eu sou o credor que penhoro o seu apartamento, eu
ganho alguma coisa registrando a penhora desse apartamento? É
bom para o credor registrar a penhora? O que o credor ganha quando
ele registra a penhora? Art. 659, §4o, CPC.
Sabe o que eu ganho? Se amanhã você vende o seu
apartamento penhorado, quem comprou um apartamento cuja
penhora já estava registrada fez uma péssima compra, pois essa
compra é ineficaz perante o exeqüente. O exeqüente pode tirar o
apartamento do cara, pois se ela foi registrada, é oponível erga
omnes.

Sabe o que perguntaram no concurso do MP de Minas


Gerais? A penhora registrada é um direito real? Não. Apesar de ter
sido registrada, não é um direito real porque só seria direito real se
estivesse dentro do rol taxativo de direitos reais do art. 1225,CC.
Então, nem tudo que se registra é direito real.

Os direitos reais são aqueles previamente dados pelo


legislador. Gente, eu peço a vocês: quem está com o Cód. Civil no
art. 1225, I, onde está escrito propriedade, coloque do lado “e
propriedade fiduciária”, porque a propriedade fiduciária também é um
direito real. Está no art. 1361, CC.

Então, na verdade,eu não tenho 12 direitos reais, eu


tenho 13 porque a propriedade fiduciária também é um direito real
que está explícita no inciso I que quando fala de propriedade,
também fala da propriedade fiduciária.

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E só uma última observação: os direitos obrigacionais são


taxativos ou são numerus apertus? São numerus apertus porque os
direitos obrigacionais não se submetem à tipologia do Código. Os
direitos obrigacionais podem ser livremente criados pelas partes.

Nada impede que Nelson e Fábio sentem no boteco à


noite e criem uma relação contratual. Podem criar contratos atípicos
que não estão previamente acertados no código civil.

Quer dizer que nós dois podemos criar qualquer tipo de


contrato? Qualquer coisa a gente pode colocar no contrato? Não. Art.
425, CC. Eu só estou dizendo que os contratos são abertos, mas nem
tanto.

Art. 425, CC: ”É lícitos às partes estipular contratos


atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste código”.

Quais são as normas gerais? Princípio da boa-fé objetiva e


função social do contrato. Ou seja, mesmo nas relações contratuais, a
liberdade de criar relações obrigacionais está submetida à boa-fé
objetiva e à função social do contrato.

Nós já cumprimos a minha primeira tarefa: mostrar que


direitos reais e direitos obrigacionais são duas categorias de direitos
patrimoniais, mas com as suas distinções, com as suas
peculiaridades.

Qual desses dois grupos de direitos tende a ter uma


duração maior? Reais ou obrigacionais? Reais, pois os direitos
obrigacionais pela sua própria consideração são transitórios, são
efêmeros porque a obrigação nasce para ser cumprida. O objeto da
obrigação é o seu adimplemento.

Os direitos reais estão marcados pela permanência


porque em matéria de coisas, todo ser humano aspira a dominar um
objeto. Então, as relações de direitos reais são relações duradouras,
enquanto as relações de direito obrigacional são marcadas pela
transitoriedade, pelo efêmero.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do prof.: Perfeita


a sua colocação. Os direitos reais não precisam para serem
classificados como direitos reais estarem alinhavados no art.
1225,CC. Basta que exista uma norma incorporando à categoria de
direitos reais para que isso possa ser alcançado.

Então, eu vou além para que a gente possa até refletir


sobre certas coisas. Podem perguntar em concurso para vocês: qual é

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a diferença de taxatividade e de tipicidade? Porque os direitos reais


são taxativos, mas não são típicos. Eles são taxativos, eles são
numerus clausus, mas eles não são típicos.

Isso significa o seguinte: o Marcos Paulo tem um sistema,


ao qual ele se filiou chamado time sharing. Tem uma rede de hotéis
onde ele pode, uma semana por ano entrar em um desses hotéis
pagando uma certa quantia.

O time sharing, que quer dizer em português tempo


compartilhado, é um tipo de propriedade? É. Mas qual é a
regulamentação no Brasil? Tem alguma lei que está trabalhando no
Brasil o time sharing como propriedade? Não tem.

Mas por que mesmo não tendo essa lei eu digo para vocês
que é propriedade? Pelo seguinte: qual é a característica do time
sharing? X pessoas são donas daquele quarto de hotel. Qual é a
sutileza dessa propriedade? É que cada proprietário só pode utilizar
uma semana por ano, mas todos são condôminos.

Moral da história: é uma espécie de condomínio. E por


que essa espécie de condomínio é direito real? Porque taxatividade é
diferente de tipicidade. Quando eu digo tipicidade eu sou mais
restritivo ainda. Tipicidade quer dizer que os direitos reais só são
aqueles do art. 1225, CC, na acepção do termo e só.

Taxatividade quer dizer o seguinte: os direitos reais, em


princípio são os do art. 1225, CC. Mas taxatividade significa que nada
impede que as partes possam usar a sua autonomia privada para
conformar os modelos que estão no artigo 1225, CC.

Trocando em miúdos: no art. 1225, CC tem propriedade?


Tem. Nada impede que alguém nessa sala use a sua autonomia
privada, use a sua criatividade, a sua liberdade para adaptar a
propriedade a um modelo diferente de propriedade chamada time
sharing. Isso está dentro da taxatividade.

A taxatividade é mais ampla pois ela admite que os


particulares possam exercer a sua autonomia exatamente para
dentro desses tipos criarem novas formas de direitos reais adaptadas
a outras situações.
Gustavo Tepedino é quem defende muito essa distinção
entre taxatividade e tipicidade.

Aqui no Rio de Janeiro muitos autores começam também


a utilizar essa diferença e eu também a utilizo em meu livro de
direitos reais, pois é algo realmente muito mais afeto ao

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

ordenamento democrático a idéia da taxatividade do que a idéia


restritiva, presa de tipicidade de direitos reais.

Taxatividade é sinônimo de numerus clausus.

Vamos falar sobre propriedade. Por que falar de


propriedade? Porque a propriedade é o mais importante dos direitos
reais. É a chave dos direitos reais. Ninguém entende direitos reais
sem passar pela idéia primária da propriedade.

Como eu posso conceituar propriedade? Tradicionalmente


o conceito de propriedade está no art. 1228, CC. O que diz o art.
1228, CC? O proprietário poderá usar, fruir, dispor e reaver a coisa
contra quem injustamente a possua ou detenha.

Então, vem o art. 1228, CC e conceitua a propriedade


através dos atributos do uso, da fruição, da disposição e da
reivindicação da coisa. Agora pessoal, eu quero dizer que isso é um
erro, esse não é o conceito de propriedade.

Nunca coloquem em uma prova de concurso que ser


proprietário é poder usar, fruir ou reivindicar. Nunca digam que a
propriedade é a soma desses atributos.

O que o art. 1228 faz é apenas descrever as 4 faculdades


da propriedade. Mas não está dizendo efetivamente o que é direito de
propriedade. Então eu vou explicar para vocês agora o que é
propriedade para valer.

Flávio é proprietário de uma cobertura na Delfim Moreira.


Aqui está o erga omnes que é o tal que tem dever de abstenção.

O que é a propriedade? Vocês equivocadamente pensam


que a propriedade é a coisa: cobertura na Delfim Moreira. Não é. A
propriedade não é a coisa, a propriedade não é o objeto, não é o bem
da vida. A propriedade é muito mais interessante. A propriedade é a
relação jurídica entre o proprietário e a coletividade. Isso que é o
direito subjetivo de propriedade.

O direito subjetivo de propriedade é a relação jurídica


entre proprietário e não proprietário. Essa relação jurídica eu chamo
de direito de propriedade.

E da onde eu tiro essa conclusão? O que é direito


subjetivo? É o direito de uma pessoa de exigir uma prestação de
outra, um comportamento. Quando vocês são credores vocês não
podem exigir uma prestação de outrem?

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Neste caso, Fábio tem o direito subjetivo de exigir da


coletividade o dever de abstenção. E a coletividade tem um dever. A
todo direito subjetivo se contrapõe um dever.

E qual é o meu direito subjetivo? Exigir de todos o dever


de não influir no exercício da minha propriedade. Esta relação jurídica
se chama direito de propriedade.

E essa relação jurídica chamada propriedade vai nascer


no momento em que Flávio tenha a titularidade da coisa, ou seja, a
propriedade é sinônimo de titularidade. No momento em que o imóvel
está registrado em seu nome, você passa a ser titular de um direito
subjetivo, que é o direito subjetivo de exigir esse dever genérico de
abstenção de toda a coletividade.

Então, a propriedade não é o bem. A propriedade é uma


representação de bem e essa representação de bem surge do
registro. Ou seja, a propriedade não é o corpo em si, é a alma.

A propriedade é a representação que se dá através dessa


relação jurídica. Então, essa é a base do direito de propriedade. E
ainda digo mais, e talvez seja a parte mais interessante, não só a
propriedade é uma relação jurídica, como a propriedade pela
Constituição tanto pelo art. 5o caput como pelo art. 5o, inciso XXII, a
propriedade é um direito fundamental.

A propriedade é um direito fundamental pelo seguinte: o


que o art. 5o, caput assegura? A vida, a liberdade, a propriedade e a
segurança. Por que a propriedade está no mesmo pé que a vida, que
a liberdade? Porque propriedade é sinônimo de liberdade.

Propriedade é uma representação básica do direito


fundamental à liberdade, que é um direito fundamental de 1a
geração. Quando uma pessoa tem acesso à propriedade, quando o
ordenamento jurídico de um país facilita essa pessoa a ter essa
propriedade, o que está dando a essa pessoa? Liberdade.

Por que liberdade? Porque a propriedade é o local onde a


pessoa se realiza como ser humano. Porque é dentro da propriedade
que você desenvolve seus direitos da personalidade, desenvolve a
sua privacidade. Porque a propriedade é local por excelência em que
a sua entidade familiar se desenvolverá.

Então, a propriedade é um direito fundamental do


ordenamento jurídico porque significa basicamente a liberdade de
toda pessoa de ser feliz, de se desenvolver como ser humano.

14
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

E o direito à felicidade se dá em qualquer ordenamento


jurídico em que as pessoas tenham liberdade de serem proprietárias.
Acima de tudo, lembrem da propriedade como um direito
fundamental e não é apenas um direito fundamental não. O art. 5 o,
XXII diz que é garantido o direito de propriedade.

Nas entrelinhas, isso quer dizer que é garantido o direito


subjetivo de propriedade erga omnes, ele quer dizer que a
propriedade é uma relação jurídica.

O art. 5o, XXII quer dizer que é garantido o meu direito


subjetivo de exercer a minha propriedade com o respeito de todos.
Ou seja, a propriedade é um direito fundamental porque o Estado
democrático de direito em que nós vivemos considera também o art.
170, II, CRFB/88 que o exercício do direito de propriedade é uma
parte fundamental da nossa ordem econômica.

Faz parte exatamente do princípio da livre iniciativa do


desenvolvimento da ordem econômica que o direito de propriedade
seja resguardado, garantido, protegido e privilegiado.

Eu sempre digo aos meus alunos que eles se preocupam


demais com a função social da propriedade e se preocupam de menos
com a propriedade em si.

E a grande questão é que todos os países do mundo que


se desenvolveram e acumularam riquezas são os países que
protegeram os contratos e a propriedade. No país em que existam
instituições estáveis que protejam o contrato e a propriedade existe
crescimento econômico, existe segurança jurídica.

Então, a propriedade é direito fundamental, é sinônimo de


liberdade, pois tem que ser preservada ao máximo.

Então, eu expliquei para vocês o que é o direito subjetivo


de propriedade. Isso é muito importante. É uma relação jurídica e é
direito fundamental que está na CRFB/88 de maneira clara.

Nesse momento muitos de vocês devem estar pensando:


se é direito de propriedade por que alguns autores chamam isso de
direito à propriedade? Porque o art. 5o, XXII quando fala “é garantido
o direito de propriedade”, implicitamente quer falar outra coisa: não é
só garantido o direito de propriedade a quem tem. É garantido
também o acesso ao direito de propriedade.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

E quando eu falo que é garantido o acesso ao direito de


propriedade e quando eu digo isso, já não é mais direito de
propriedade, é direito à propriedade.É a possibilidade de qualquer
cidadão brasileiro ter acesso à propriedade. Isso é o compromisso de
um estado democrático de direito.

Qual é a diferença do estado democrático de direito para


o estado liberal? O estado liberal é o estado pouco intervencionista. É
o estado que deixa as relações de direito privado de uma certa forma,
correrem soltas.

No estado democrático de direito, não. Ele tem o


compromisso de transformar a sociedade. Ele quer, de uma forma
radical, efetivar os direitos fundamentais que estão na Constituição.
Então, se é esse o objetivo de um estado democrático de direito, ele
tem que buscar acesso à propriedade porque o ser humano só pode
ser chamado de ser humano se ele tiver o patrimônio dele, se ele
tiver o chamado mínimo existencial.

Vocês estudam que direitos da personalidade não devem


pensar que direito da personalidade é apenas dentro das relações
extra patrimoniais.

As relações patrimoniais também sofrem o influxo dos


direitos da personalidade porque a partir do momento que a
dignidade da pessoa humana é o princípio fonte da Constituição
Federal, é claro que o ser humano para ser chamado de digno, para
ele ter consideração, respeito e auto-estima ele precisa de um
mínimo existencial. O que é o mínimo existencial? É um patrimônio
mínimo.

E o cara só vai ter patrimônio mínimo, só vai ter mínimo


existencial se ele tiver propriedade. Ou seja, se esse cara tiver um
conjunto de bens necessários à sua sobrevivência. O mínimo
existencial significa o passaporte para a cidadania. O sujeito não é
mais marginalizado, ele é um cidadão.

Então, a garantia do direito à propriedade está implícita


também no art. 5o, é o acesso à propriedade.

Isso aqui eu vou falar em 1 minuto para vocês. Ninguém


vai perguntar isso em concurso, mas é uma opinião que eu tenho
muito clara. Estudar direito para mim hoje em dia não é apenas
estudar o direito. Deve-se estudar o direito de forma interdisciplinar.

E estudar direito de forma interdisciplinar não é só


conhecer sociologia, filosofia, isso é muito legal, mas é também

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

conhecer economia. E o defeito do jurista é que ele não conhece nada


de Economia e aquilo que eles escrevem no mundo real não bate,não
tem critério.

Então eu vou dizer uma coisa com pensamento de


economista. Sabe como no Brasil você pega e materializa esse direito
fundamental ao patrimônio mínimo, direito ao acesso à propriedade?
É só você pegar esses milhões de favelas que existem por aí, esses
terrenos ilegais, onde essa população toda que mora só tem posse e
mais nada, regularizar e dar para eles a propriedade.

Se você pegar e der para eles a propriedade, você pega o


capital deles, que é um capital morto, e transforma em um capital
vivo, pois o favelado que agora é dono do barraco pode ir ao banco e
pegar um empréstimo e com este empréstimo ele já pode realizar
uma atividade econômica, ele já faz parte da civilização.

Mas como no Brasil não existe isso, não existe nenhuma


iniciativa de dar acesso à propriedade, os favelados ficam à mercê de
políticas clientelistas como o bolsa família e ficam submetidos a
esmola, a migalhas porque elas são dignas de pena, porque elas não
têm acesso à propriedade. Isso não vai cair na prova, mas é só para
vocês terem uma idéia de que o compromisso da CRFB/88 não é só
garantir o direito de propriedade a quem já tem, é dar acesso à
propriedade a quem não tem.

Se tudo isso é propriedade, é uma relação jurídica, o que


significa a relação jurídica de Flávio com o imóvel. Em primeiro lugar,
existe relação jurídica de Flávio com o imóvel? Não, pois não existe
relação jurídica de pessoas com coisas. Só existe relação jurídica
entre pessoas.

O que existe entre Flávio e a cobertura na Delfim Moreira


é uma relação material de dominação, de subordinação. Se a relação
é s]de subordinação, como é que é o nome da relação material de
poder que o titular tem sobre a coisa? Domínio.

Então, se alguém perguntar no concurso qual é a


diferença de propriedade e domínio você vai responder que a
diferença entre propriedade e domínio é a seguinte: propriedade é a
relação jurídica do titular com o não proprietário. Se exige dos não
proprietários um de ver de abstenção.

Domínio é a situação matéria de poder do titular sobre a


coisa. A coisa está submetida aos poderes do dono. E o domínio se
materializa no usar e no fruir da coisa. Usar e fruir são poderes

17
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

ligados à idéia do domínio. E dispor também, pois o dono pode dispor


da coisa amanhã.

Percebam o que eu vou falar. Flávio, ação reinvidicatória.


Zé Rainha odeia o dever geral de abstenção e invade a sua cobertura
na Delfim Moreira. Você ajuíza contra ele uma ação reinvidicatória.
Vou falar dessa ação nas próximas aulas.

A ação reinvidicatória é uma ação real ou é uma ação


pessoal? É uma ação pessoal, sabe por quê? Porque você não
reinvidica a coisa, você reinvidica contra quem violou o dever de
abstenção, você reinvidica contra Zé Rainha, ou seja, é uma ação
pessoal porque reinvidicar a coisa não é um atributo do domínio, é
um atributo da propriedade.

Olha como vai ficar fácil quando eu explicar para vocês


através de outra forma. Qual é o dever do Zé Rainha? É o dever de
abstenção. Ele obedeceu o dever de abstenção? Não. Ele violou o seu
direito subjetivo.

Quando alguém viola o seu direito subjetivo, o que nasce


para você? Nasce para o proprietário uma pretensão. Como é o nome
dessa pretensão que o proprietário tem contra os não proprietários?
Pretensão reinvidicatória.

A pretensão reinvidicatória é exercida contra coisa ou


contra pessoa? Contra a pessoa. É uma pretensão pessoal contra o
Zé Rainha, pois ele descumpriu o direito subjetivo de propriedade.

Então, eu reinvidico contra o Zé Rainha, é uma pretensão


pessoal. Eu vou usar a coisa, fruir a coisa e dispor da coisa, mas eu
reinvidico quando o meu direito subjetivo é violado e nasce essa
pretensão, que é a pretensão reinvidicatória.

Isso é para mostrar que propriedade é relação jurídica, se


é relação jurídica, ela é direito subjetivo, se ela é direito subjetivo,
este pode ser violado e vai nascer uma pretensão e a pretensão se
chama pretensão reinvidicatória.

E eu vou exercer a pretensão reinvidicatória contra os


erga omnes que entraram no seu apartamento.

Já o domínio diz respeito à situação de submissão da


coisa à pessoa. Essa é que é a idéia.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Ninguém pode negar que hoje em dia a propriedade


realmente não é mais uma propriedade tão imperial quanto outrora
porque hoje toda propriedade tem uma função social.

Em resumo, eu tenho um dilema para resolver com


vocês: o art. 5o, XXII, CRFB/88 garante direito de propriedade e o
art. 5o, XXIII, CRFB/88 diz logo em seguida que a propriedade
atenderá a sua função social.

Eu posso dizer que o inciso XXII e o inciso XXIII são


contraditórios? Como o legislador diz no inciso XXII que garante a
propriedade, mas no inciso XXIII diz que a propriedade tem que ter
função social. Isso é contraditório? Não.

Os incisos XXII e XXIII estabelecem uma


complementaridade. Por que é uma relação de complementaridade?
Porque o padrão de exigência da CRFB/88 é o seguinte: a sua
propriedade só será um direito fundamental enquanto ela tiver função
social.

Quando a sua propriedade não tiver função social, a sua


propriedade perde a posição de direito fundamental.

Quando a sua propriedade não tem função social, não só


ela deixa de ser um direito fundamental, como ela vira um ato ilícito.

Por que uma propriedade sem função social passa a ser


um ato ilícito? Porque se a propriedade não recebe função social ela
vira um ato ilícito por abuso do direito do art. 187, CC.

Se, por acaso, alguém tem uma propriedade e a utiliza


para plantar maconha, o que acontece com esse cara, como é que ele
fica? Rico, né? Não. O que eu quero saber é o seguinte: o cara usa a
propriedade dele para plantar maconha. Em tesa a propriedade dele
não é garantida? É. Mas ele deu função social? Não.

Então, se essa propriedade não tem função social, ela não


tem merecimento, ela não tem legitimidade. Se ela não tem
legitimidade, se ela não tem merecimento, ela é o abuso do direito.

O abuso do direito surge quando alguém exerce o seu


direito subjetivo de forma desproporcional, de forma contrária ao
sistema. O abuso do direito é um direito subjetivo que foi exercido
sem legitimidade, sem merecimento, que foi exercido ferindo os
limites éticos do ordenamento jurídico.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, eu pergunto para vocês: me dêem uma nota de


zero a dez para o art. 1228, §2o, CC.

Vou ler com vocês. Art. 1228,§2o, CC: “São defesos os


atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”.

Nota zero ou dez? Nota zero. Por que não serve para
nada? Porque o §2o está falando do abuso do direito numa visão
objetiva ou subjetiva? Subjetiva, pois ele diz que só haverá abuso do
direito quando o proprietário tem o animus de prejudicar alguém.

Para que a propriedade seja um abuso de direito, Para


que ela seja um ato ilícito, para que ela não tenha função social é
necessário para o juiz no caso concreto aferir qual era a intenção do
proprietário? Óbvio que não porque o art. 187, CC não adotou o
conceito atrasado e retrógrado, que é o conceito subjetivo do abuso
de direito. O art. 187, CC adotou o conceito objetivo do abuso de
direito.

E qual é a diferença entre o conceito subjetivo do abuso


de direito do art. 187 para o conceito objetivo do §2o do art. 1228?
No conceito objetivo de abuso de direito para que haja o abuso de
direito, basta que a conduta de uma pessoa lese as finalidades dadas
pelo ordenamento.

Ou seja, não é uma questão subjetiva de pesquisar o


animus do agente. É uma questão objetiva de pesquisar o resultado
da sua conduta. Por exemplo: plantou maconha. O resultado da
conduta foi contrário ao que o sistema quer? Não. Não interessa o
aspecto subjetivo e psicológico. O que interessa é que objetivamente
aquele comportamento é sancionado. É por isso que propriedade sem
função social é um ato ilícito.

Sabe como a gente junta o inciso XXII com o inciso XXIII?


A propriedade hoje é formalmente individual, mas é materialmente
social. Ela é formalmente individual, pois a propriedade ainda é um
direito privado protegido pela Constituição. A propriedade ainda
pertence ao particular.

Só que apesar dela ser formalmente individual, ela é


materialmente social. Ou seja, a finalidade dela tem que satisfazer o
interesse coletivo. A propriedade hoje, como qualquer direito
subjetivo, tem estrutura e função.

Qual é a estrutura da propriedade? A estrutura da


propriedade está no art. 1228. São os poderes que o proprietário tem

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

de usar, fruir, dispor e reinvidicar. A estrutura da propriedade é a


origem da propriedade.

O que é a propriedade, sua estrutura: usar, fruir, dispor e


reinvidicar.

O que significa função? Função quer dizer finalidade,


papel social. Qual é a função da propriedade perante a sociedade?

Quando eu pergunto pela estrutura eu pergunto o que é a


propriedade? Art. 1228, CC. Quando eu pergunto pela função da
propriedade, eu pergunto para quê serve essa propriedade? Para
onde ela está orientada? Qual é a sua missão?

Sabe quando uma propriedade tem função social? Quando


o proprietário satisfaz o seu interesse econômico e pessoal, que é
quando ele usa, frui, dispõe e reinvidica. E ao mesmo tempo em que
ele satisfaz o seu interesse individual, ele não ofende o bem comum.
E por que ele não ofende o bem comum?

Porque a propriedade que tem função social é aquela que


dá retorno individual para o proprietário e dá retorno social, ou seja,
é aquela que satisfaz tanto os interesses econômicos que o
proprietário quer para ele, como também dá retorno social. Ela atinge
os interesses econômicos do proprietário, mas não lesa a coletividade
que está em volta dele. Essa é a propriedade que tem função social.

Então, estou querendo dizer que a propriedade é


protegida, mas a fincão social se agrega como legitimação, como
merecimento.

Qual é o momento em que você se torna proprietário da


sua cobertura, Flávio? No momento em que você a registra. No
momento em que você registra, você tem a titularidade e aí você já
pode usar, fruir, dispor e reinvidicar.

Mas você também tem que avaliar se além de você se


satisfazer como dono, concedeu a ela interesses relevantes,
interesses dignos de merecimento.

A função social é o quinto elemento do direito de


propriedade. Quais são os quatro primeiros elementos? São os
elementos estruturais. E qual é o quinto elemento? É a função social.

Eu vou mostrar concretamente como é que a função


social da propriedade se aplica. Ela é o quinto elemento porque a
função social entra na própria estrutura da propriedade.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A função social da propriedade entra como quinto


elemento, pois ela não quer limitar a propriedade, mas sim ela
conforma a propriedade, ou seja, ela dirige a propriedade para suas
finalidades constitucionais. O que ela vai fazer é encaminhar a
propriedade para a finalidade eleita pelo sistema.

A melhor forma de explicar que a função social não limita,


mas sim conforma, é com uma pergunta padrão em concurso público:
qual é a diferença entre função social da propriedade e limitações ao
direito de propriedade?

Aonde vocês aprendem limitações ao direito de


propriedade? Na aula de direito administrativo. Citem limitações ao
direito de propriedade do direito administrativo. Tem uma série de
limitações administrativas, servidões administrativas, tombamento,
tem uma serie de restrições à propriedade.

E aonde mais se aprende limitação ao direito de


propriedade dentro do direito civil? Nos direitos de vizinhança.

Sabe o que tem em comum tanto as limitações do direito


administrativo quanto as limitações do direito de vizinhança? Porque
todas elas são restrições à propriedade. Ou seja, para você atender
ao interesse do Estado no direito administrativo ou atender ao
interesse do vizinho no direito de vizinhança, o que o legislador faz?

O legislador restringe os direitos do proprietário. Por


exemplo, Flávio, você tem a cobertura no Leblon e você não pode
colocar música alta após as 10 horas da noite. Isso é função social da
propriedade ou é limitação ao direito de propriedade? É limitação
para prestigiar o seu vizinho, para que haja tolerância nas relações
entre vizinhos.

As limitações ao direito de propriedade são sempre


obrigações negativas, são sempre obrigações de não fazer. São
restrições que o proprietário recebe para homenagear o Estado ou o
seu vizinho.

Mas se existe uma determinada norma que diz que você


tem que plantar no seu terreno, isso é norma de limitação do direito
de propriedade ou de função social? Função social, porque são
normas que não querem restringir a propriedade, são normas que
querem conformar a propriedade, ou seja, não são limites negativos,
são limites positivos da propriedade. São normas de estímulo à
propriedade, são normas de promoção da propriedade.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Além de serem limites positivos, nesses exemplos que a


gente estuda de direito administrativo e de direito de vizinhança, são
limites externos ou internos? Externos; é porque o Estado quer, o
vizinho quer.

As normas de função social são normas que não apenas


geram limites positivos, mas limites internos porque a função social
está dentro da própria estrutura da propriedade.

A função social é a força motriz da propriedade, é como


se fosse o motor da propriedade, que direciona para o bem individual
do proprietário, conciliado com o bem comum.

Eu posso colocar em uma prova que a propriedade hoje


em dia é um poder-dever? Sim. É um poder que o proprietário tem
de usar, fruir e dispor, mas ele só pode exercer esse poder desde que
ele exerça determinados deveres perante a coletividade.

Então, é um poder-dever ou, como alguns gostam de


dizer, é um direito função. É um direito e, ao mesmo tempo, função.
Essa é a lógica da função social da propriedade.

E o mais interessante, o que vai nos guiar hoje até o final


da aula. Eu tenho dois tipos de função social no Código civil. Eu tenho
a função social da propriedade urbana e eu tenho a função social da
propriedade rural.

É claro que apesar de existir essa menção no Código civil,


qual é o diploma que, de forma mais clara, descreve função social? É
a própria Constituição. Quem vai lá no art. 182, CRFB/88 retira que
toda cidade que tenha mais de 20 mil habitantes necessariamente
tem que ter Plano diretor.
E esse plano diretor tem qual finalidade? Dar função
social à propriedade urbana. A função do plano diretor é exatamente
fazer com que a cidade seja um espaço de inclusão, e não um espaço
de exclusão, de marginalidade. Para isso, foi editado o Estatuto da
Cidade que é a lei 10.257/2001.

Todo mundo nessa sala tem que estudar bastante o


estatuto da cidade, pois essa é uma norma bem interessante porque
trabalha direito civil, penal, administrativo, ela é transdisciplinar.

Na minha aula de hoje quem está com essa lei na mão


pode dar uma colada só nos arts. 5 a 8. O que interessa em matéria
de função social da propriedade urbana é vislumbrado nos arts. 5 a 8
do Estatuto da Cidade.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Não precisa estar com o código não. Eu vou dar uma


explicação por alto só para mostrar para vocês que a função social é
uma realidade. Não está apenas no plano das idéias.

O que acontece Flávio se você tem um terreno baldio na


Penha que você não usa para nada há dez anos, em especulação
imobiliária. Vem o plano diretor e diz que aquela área na Penha é
uma área preferencial para fins residenciais. O que acontece nesse
momento? O que o município pode fazer com esse proprietário que
está inadimplente em matéria de função social?

Alguém pode me dizer, com base nos arts. 5 a 8 do


estatuto da cidade o que o município pode fazer com ele? A primeira
sanção é o parcelamento do solo ou a edificação compulsória.

Flávio, parcelar o seu solo não precisa, porque parcelar


quer dizer lotear e o seu solo já está loteado, já está urbanizado, está
na Penha. Mas o município do Rio de Janeiro também pode te obrigar
a construir.

Alguém já imaginou que um proprietário possa ser


obrigado a construir para dar função social? Hoje a propriedade não é
apenas um direito, a propriedade obriga também.

Vamos dizer que o município te deu três anos para você


edificar e nada de você edificar nesses três anos. Qual é a segunda
sanção sucessiva que o município do Rio de Janeiro pode promover
contra o Flávio? IPTU progressivo.

Vale dizer, se o Flávio não construiu nos 3 anos, durante


5 anos o IPTU vai tendo a sua alíquota majorada, até chegar a uma
alíquota de 15%.

IPTU progressivo é constitucional? Não é confisco não?


Não, pois a finalidade do IPTU progressivo não é a arrecadação. A
finalidade é extrafiscal, que é conceder função social à propriedade
urbana. Então, é claro que ele é constitucional.

Não só ele é constitucional, como a súmula 668 do STF já


diz que desde a Constituição de 1988, os estados já podem editar
normas atribuindo IPTU progressivo.

Aliás, tem uma séria discussão em concurso público, mas


não é quanto ao IPTU progressivo que estamos falando. O IPTU
progressivo que estamos falando aqui é quanto ao valor do imóvel ou
quanto ao tempo? Isso é uma progressividade no tempo que está no
art. 182, §4o, CRFB/88.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

É progressivo no tempo, pois cada ano que você deixa de


dar função social vai aumentando o IPTU progressivo. Cabe IPTU
progressivo também, mesmo para os proprietários que dão função
social, com relação ao valor?

Se o seu imóvel que está na Delfim Moreira e custa R$ 2


milhões terá alíquota maior do que o meu porque o meu vale R$ 200
mil? A partir da EC 29, passou a ser assim. Não pelo art. 182, §4o,
mas pelo art. 156, CRFB88.
Então hoje também tem IPTU progressivo quanto ao valor
venal. EC 29 que alterou o art. 156, CRFB/88. O STF hoje não está
discutindo a constitucionalidade do IPTU progressivo no tempo, ela é
tranqüila. O que o STF está discutindo é a constitucionalidade do IPTU
progressivo quanto ao valor venal. Essa é a grande discussão no STF
que, em breve, irá decidir.

Alessandra, você que é esposa do Flávio, passaram os 5


anos pagando IPTU progressivo e nada de darem função social ao
imóvel. Qual é a terceira e última sanção que o município do Rio de
Janeiro pode impor? Desapropriação.

Alessandra e Flávio ficam felizes porque foram


desapropriados e vão receber uma grana? Não. Isso é uma
desapropriação sanção. Vocês não serão indenizados em grana, mas
sim em moeda podre, isto é, títulos da dívida pública resgatáveis em
10 anos.

A desapropriação sanção tem qual finalidade? Retirar o


bem do patrimônio do particular justamente porque ele foi
inadimplente na sua função social.

Duas boas perguntas para prova de direito civil ou de


direito administrativo: o que o município faz quando desapropria o
imóvel pertencente ao Flávio? O município vai desapropriar para
realizar aquela edificação compulsória que o particular deveria ter
realizado.

Ele desapropria para dar aquela função social que o


estatuto da cidade tinha planejado, ou seja, ele desapropria para
depois esse imóvel voltar para o poder dos particulares. É uma
desapropriação específica para a concessão de função social.

E a segunda pergunta é: o que acontece com o município


do Rio de Janeiro se o prefeito César Maia no prazo de 5 anos, a
contar da data da desapropriação, deixar o imóvel desapropriado

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

largado e não der a ele a função social? O prefeito responderá por


improbidade administrativa, da lei 8429/92.

O prefeito responde por improbidade administrativa


porque essa obrigação de dar função social não é só do particular, é
também uma obrigação do estado e do município, a partir do
momento em que ele desapropria e ele tem que dar a função social.

Se o município não der função social no prazo de 5 anos


após a desapropriação, tem retrocessão, volta o imóvel para o
particular ou não volta? A lei silencia. Volta ou não volta? Não volta,
pois seria ilegítimo e afrontoso ao ordenamento jurídico esse
presente. Qual seria o presente? A propriedade voltar ao proprietário
que nunca deu função social a ela.

Por mais que o município seja desidioso para a concessão


da função social, não há retrocessão. Essa é a posição de José dos
Santos Carvalho Filho, já que silencia a lei nesse particular.

Tudo isso é função social da propriedade urbana. Essa


três sanções são progressivas. Não pode pular da primeira para a
última.

O município só pode fazer isso com o imóvel de vocês se


tiver duas coisas: o plano diretor dizendo que a área em que vocês
residem é uma área específica para função social. Em segundo lugar,
que vocês tenham sido previamente chamados para o contraditório,
para que vocês tenham a oportunidade de se defender, mostrando
que o imóvel de vocês tem função social.

Se isso for aplicado de forma desproporcional, está sendo


lesado o direito fundamental de propriedade de vocês. A Constituição
não pode, apenas em razão de função social, jogar no lixo o direito
fundamental de propriedade.

Não existe hierarquia entre função social e o direito de


propriedade. Eles estão no mesmo nível de complementariedade.

Se isso é um exemplo claro de função social da


propriedade urbana, aonde eu tenho um exemplo claro de função
social da propriedade rural? No art. 184, CRFB/88.

Os arts. 184 e seguintes da CRFB/88 trabalham com a


função social da propriedade rural. Um exemplo bem simples para
iniciar: Pedro, se por acaso você tem um grande latifúndio que é
improdutivo, qual é a sanção que o sistema jurídico te dá?
Desapropriação para fins de reforma agrária.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Essa desapropriação para reforma agrária é privativa da


União. Alguém nessa sala de aula duvida que a desapropriação para
fins de reforma agrária não é aplicação da função social da
propriedade rural? Claro que é.

Agora, questão de concurso público: Beto, você é o maior


produtor de soja do Brasil. A sua propriedade pode ser desapropriada
para fins de função social? Dêem uma olhada no art. 185, II,
CRFB/88.

O art. 185, II, CRFB/8 diz que não é possível desapropriar


a grande propriedade rural se ela for produtiva. Se ela for produtiva,
não cabe desapropriação dessa fazenda do Beto.

Aí o examinador pergunta: e se nessa fazenda dele, que é


produtiva, ele não paga salário para os seus mil funcionários ou se
ele destrói o meio ambiente e provoca destruição total? Mesmo assim
não cabe desapropriação? Para que a palavra “produtiva” seja
atendida, não é apenas necessário ter produtividade econômica.

Além da produtividade econômica, ela tem que ter índices


de função social ambiental e índices de função social trabalhista. O
que é função social ambiental e função social trabalhista? São índices
que deixam claro que a propriedade do Beto pode ser muito
interessante sob o ponto de vista do retorno individual para ele
mesmo. Mas ela tem que ter além de retorno individual, retorno
metaindividual.

O que é retorno metaindividual? Ela tem que dar


satisfação econômica para o Beto e tem que dar satisfação aos
interesses difusos e coletivos. Os interesses trabalhistas são
interesses coletivos e os interesses ambientais são interesses difusos.

Então, quando o dono de uma fazenda simplesmente não


respeita os direitos sociais de seus trabalhadores, é claro que cabe a
desapropriação para fins de reforma agrária. Quando ele ofende o
meio ambiente, que é um bem de uso comum a nós todos, pelo art.
225, CRFB/88, também cabe.

Não se contraria o art. 185, II, CRFB/88, pois isso é uma


interpretação do art. 186, que fala que a função social não se resume
ao aspecto econômico. A função social também tem que atingir
proveito de trabalhadores e o resultado ambiental positivo. Essa é a
idéia da CRFB/88.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, a propriedade rural requer a satisfação desses


índices simultaneamente. Se um deles não existir, desapropriação
para reforma agrária.

Pessoal, naquele exemplo que eu dei daquele sujeito que


planta maconha no terreno rural dele a solução é a desapropriação
para reforma agrária? Não. A solução é o confisco. Art. 243,
CRFB/88.

Qual é a diferença do confisco para a desapropriação para


fins de reforma agrária? O confisco é uma desapropriação sem
qualquer indenização. Olha só que interessante. Quanto maior a
função social, maior é o merecimento do proprietário.

Alessandra, você tem uma propriedade que recebe função


social e uma estrada vai passar por ela, você é indenizada em
dinheiro. Mas se você não consegue cumprir a função social, você vai
ser indenizada em quê? Títulos da dívida agrária. Se você planta
maconha, você não vai ser indenizada.

Quanto maior é a ofensa à função social, maior será a


sanção do ordenamento jurídico. Quanto menos função social você
dá, maior é a sanção que você recebe pelo ordenamento jurídico pela
quebra desse princípio da função social.

Há 10 anos tramita no Senado uma emenda dizendo que


colocar trabalho escravo é caso de confisco. Eles não aprovam pois
eles são os maiores empregadores dessa gente.

Então, plantar maconha dá confisco, mas tratar ser


humano como coisa e instrumentalizar gente, você vai ter que
indenizar o cara por desapropriação por reforma agrária. Percebam
que os valores variam conforme os interesses.

Notem que propriedade urbana tem função social,


propriedade rural tem função social e, antes de continuar a matéria,
qual é a questão de concurso mais importante onde se revela a
função social da propriedade no código civil?

É a seguinte: se o Flávio tem um terreno, urbano ou


rural, e o abandona, esse terreno pode ser arrecadado pelo poder
público? Sim, art. 1276, CC.

O art. 1276, CC diz que o imóvel urbano que o


proprietário abandonar será arrecadado com bem vago e passará 3
anos depois para a propriedade do município.

28
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Mas se nesse tempo em que o Flávio abandonou o imóvel,


não pagou os tributos relativos a ele, fica ainda mais fácil arrecadar?
Fica. Olha o que diz o §2o do art. 1276: presumir-se-á de modo
absoluto a intenção de abandono quando cessados os atos de posse,
deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Está dizendo que haverá uma presunção absoluta de


abandono quando, além de você se ausentar fisicamente do bem,
deixa de pagar os tributos reais que incidem sobre a coisa.

Está-se discutindo se esse §2o do art. 1276, que é uma


norma de função social é constitucional ou inconstitucional? Ele, na
verdade, não seria um novo caso de confisco?

Você criar uma presunção absoluta de abandono pelo


simples fato de uma pessoa deixar de pagar tributo não seria caso de
tributação com efeito de confisco, que é proibido pelo art. 150,
CRFB/88? Foram feitos 2 enunciados pelo CJF.

Enunciado do CJF não é súmula, mas é muito importante


que vocês conheçam, pois eles exprimem a opinião majoritária da
doutrina brasileira sobre determinado assunto. Então, é uma forma
de vocês terem segurança sobre pontos controvertidos do direito
civil.

Olha o que diz o enunciado 242 do CJF: ”A aplicação do


art. 1276 depende de devido processo legal em que seja assegurado
ao interessado demonstrar a não afetação de posse”.

O enunciado 242 está dizendo que não pode o Estado


simplesmente arrecadar a propriedade sem que antes haja o
contraditório, para que o proprietário possa provar que não deixou de
possuir, que ele não abandonou o terreno. Deve ter o contraditório
em decorrência também do direito fundamental de propriedade.

O enunciado 243 diz o seguinte: “A presunção de que


o
trata o §2 do art. 1276 não pode ser interpretada de modo a
contrariar a norma do art. 150, IV da CRFB/88”.
O art. 150, IV é o que proíbe que qualquer tributo seja
utilizado com efeito confiscatório. Perfeito.

Eu, Nelson, sou defensor da função social da propriedade,


mas não defendo a socialização da propriedade. Aqui na~tem nada
de Marx. Estou trabalhando com estado democrático de direito.

Aonde a função social da propriedade é mais ampla: no


Código civil ou na Constituição? Na Constituição, pois propriedade no

29
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

CC está dentro do direito das coisas. Coisas são bens corpóreos, bens
materiais tangíveis. Coisa é todo bem que tem valor econômico. O CC
só cuida da propriedade de coisa móvel ou imóvel.

Mas quando a CRFB/88 garante direito de propriedade,


propriedade na Constituição não é coisa, propriedade é bem. Bem é
gênero e coisa é espécie. Bem é uma idéia de qualquer objeto que é
algo de valor para nós.

Patente é propriedade? Dinheiro é propriedade? Software


é propriedade? Tudo isso é propriedade, mas não é propriedade de
coisa, mas sim propriedade imaterial, é bem, é propriedade
intangível.

A idéia de bem é muito mais ampla do que a idéia de


coisa, pois ela considera qualquer espécie de objeto suscetível de
avaliação econômica. Propriedade na constituição é crédito, qualquer
crédito que eu tenho no patrimônio é chamado de propriedade, tias
com dinheiro no banco, ações de uma empresa, direito autoral sobre
uma música.

Por isso que o mais correto é falar em função social da


propriedade porque cada propriedade tem um regime específico de
função social.

Hoje o grande desafio é: patente tem função social?


Direitos autorais têm função social? Claro que têm.
Quando o ministro quebrou a patente de dois
medicamentos, o que ele fez? Função social da propriedade. O
laboratório pode ganhar dinheiro com a patente? Pode, é direito de
propriedade. Mas até que ponto a propriedade pode ser exercida pelo
laboratório? Até o momento em que sua ganância seja tão grande
que lese toda a sociedade brasileira que tem o direito fundamental à
saúde.

A propriedade como um todo sofre os influxos da função


social.

Flávio, aqui está a sua cobertura na Delfim Moreira e aqui


estão os erga omnes. Primeiro você já viu que propriedade é uma
relação jurídica entre os proprietários e não proprietários e essa
relação jurídica nasce do art. 5o, XXII que garante um direito
subjetivo que é um direito de propriedade, exigindo o dever de
abstenção de toda a sociedade.

De agora até o final da aula eu vou chamar os erga


omnes de não proprietários.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Os não proprietários hoje em dia têm algum direito contra


o proprietário? Sim. Possuem o direito metaindividual de exigir
função social, que está no art. 5o, XXIII, CRFB/88. A sociedade pode
exigir que o proprietário dê função social.

A propriedade hoje é uma relação jurídica complexa


porque hoje a propriedade tem duas vias. O proprietário tem direitos
e deveres perante a coletividade. Vale dizer, o proprietário pode
exigir dever de abstenção, mas ao mesmo tempo, deverá conceder
função social.

Quer dizer que se o Flávio não der função social à sua


propriedade, ficar 6 meses ausente da sua fazenda, estará
autorizando o Zé Rainha a invadir a fazenda? Não, pois quando eu
digo que existem deveres do proprietário perante a sociedade, não é
anarquia.

O que existe é que a função social da propriedade só pode


ser aplicada nas hipóteses que estão na lei. Ou seja, o proprietário só
pode ser lesado por quebra de função social nas hipóteses específicas
que estão na lei e que tenham razoabilidade.

Uma pessoa só pode ser ameaçada de alguma forma no


seu direito de propriedade pela quebra da função social quando essa
norma de função social for uma norma que estiver em lei e for uma
norma proporcional.

Por exemplo: por decreto, não é possível se criar uma


norma de função social da propriedade. Não sei se vocês estão
acompanhando. Está na iminência de, por pressão do MST, o governo
federal fazer um decreto para mudar os índices de aproveitamento de
terrenos rurais no Brasil.

Se isso acontecer vai ser uma catástrofe, pois eles vão


pedir um índice de aproveitamento de praticamente 100%, que é
uma coisa que quase nenhum proprietário vai atender. Então, todos
os imóveis, de uma hora para outra, perderão sua garantia
fundamental de propriedade por pressão política de determinados
grupos.

A função social tem que ser aplicada dentro dos limites


que estão no ordenamento e limites esses ponderados, sempre com a
possibilidade do STF intervir quando haja excesso nas situações.

A segunda conclusão é a seguinte: é mais importante


direito de propriedade ou função social? Nenhum dos dois. Ambos são

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

direitos fundamentais e não existe direito fundamental absoluto no


ordenamento. Todos os direitos fundamentais são relativos.
Significando que só no caso concreto os magistrados, diante da
situação que está em lide, dirá o que deve prevalecer: a garantia de
propriedade ou a função social da propriedade.

Isso é uma questão que receberá uma conformação da lei


ou do juiz em cada caso concreto. Então, não existe a princípio um
que seja mais importante.
A propriedade é emanação do direito fundamental da
liberdade e a função social emana do princípio constitucional da
solidariedade. Um não é mais importante do que o outro.

O Estado democrático de direito deve conciliar, tornar


possível que as pessoas sejam livres e iguais e fazer com que elas
sejam solidárias.

Falar em socialização do direito de propriedade significa


que hoje ninguém mais tem direito de propriedade. A propriedade se
tornou coletiva. Isso não existe.

O que existe é função social, que é permitir que a


propriedade continue privada, que o proprietário possa dela retirar a
sua liberdade, mas dentro de certos parâmetros de legitimidade e de
merecimento.

Estou terminando a aula agora. Amanhã de 10:15h às


12:15h eu começarei os modos de aquisição da propriedade. Bom
descanso para todos vocês.

Rio, 06.11.2007 – 2ª AULA

Bom dia a todos! Vamos lá amigos. Nosso segundo


encontro de direitos reais começa nesse instante às 10:15h da
manhã. Nós temos vários temas a tratar. Hoje nós temos esse tema:
modos de aquisição da propriedade imobiliária.

No Código civil passado os 4 modos de aquisição da


propriedade eram sucessão, usucapião, acessão e transcrição. Já no
código civil atual os modos de aquisição da propriedade são: registro,
usucapião e acessão.

Vamos ver essas mudanças. Em primeiro lugar, por que a


sucessão não é mais modo de aquisição da propriedade? Gente, a
sucessão é modo de aquisição da propriedade? É. Então por que saiu

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

do livro do direito das coisas? Porque sucessão é modo de aquisição


da propriedade causa mortis e, por esse motivo, não deve estar no
livro dos direitos reais. Tem que estar no livro do direito das
sucessões.

Usucapião, mudou? Mudou de sexo, porque agora


ninguém mais fala o usucapião, mas sim a usucapião. Porém, para
mim em provas vocês podem utilizar o masculino ou o feminino. É
indiferente.

Acessão continua da mesma forma. Ninguém mais fala


transcrição. Agora, fala-se registro. Hoje nós utilizamos registro como
modo de aquisição da propriedade.

Qual é o nome do caminho da aula de hoje? É o caminho


da RUA (Registro, Usucapião, Acessão). Eu vou começar pelo
registro. Registro é um modo de aquisição da propriedade
interessante.

Ana Paula, quando eu tenho esse vidro e eu quero


transmitir a propriedade desse vidro que é bem móvel, como eu faço?
Tradição. A tradição se contenta com a simples entrega da coisa.
O registro é uma tradição formal, pois o registro não se
dá simplesmente com a entrega da coisa. O registro requer a
formalidade de ser levado o título ao registro imobiliário.

Então, o registro é uma tradição solene. Não basta a


tradição da coisa, tem que ter a remessa do ato ao registro
imobiliário.

Eu, Nelson, tenho um imóvel no Catumbi e quero vender


para o Flávio. Então, eu faço uma escritura pública de compra e
venda. Eu faço escritura pública de compra e venda porque no Brasil
todo bem imóvel cujo valor seja superior a trinta salários mínimos,
necessariamente a forma contratual tem que se dar pela via da
escritura pública (art. 108, CC).

A escritura pública é requisito de validade do negócio


jurídico acima de 30 salários mínimos. A escritura pública é feita em
06/11. Flávio, essa escritura pública que está em suas mãos é o quê?
É um título. Formal de partilha e carta de arrematação também são
títulos.

Nesse momento, ele já é proprietário? Claro que não. Ele


é apenas credor de uma relação de direito obrigacional. Nesse
momento em que você tem a escritura pública, a única coisa que eu

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

fiz com você foi um contrato de compra e venda que já é uma


prestação de dar coisa certa.

Vejam como o art. 481, CC magistralmente demonstra


que Flávio tem apenas em mãos uma relação obrigacional.

Art. 481, CC: “Pelo contrato de compra e venda, um dos


contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa a outro e
esse outro a pagar certo preço em dinheiro”.

O que diz o artigo? Obriga. Todo contrato é uma relação


obrigacional. Todo contrato é uma relação de dar, fazer ou não fazer.
Então, você é apenas credor de uma relação obrigacional e Nelson
está se obrigando a transferir coisa certa, ou seja, o apartamento no
Catumbi.
Flávio, você agora vai ficar muito triste. Sem você saber,
eu amanha, dia 07/11, me dirijo à Rafaela e a vendo o mesmo
apartamento que te vendi hoje por escritura pública de compra e
venda, só que no dia 07/11.

Rafaela, você também passa a ser credora de um direito


obrigacional. É uma nova relação obrigacional. Eu estou me
obrigando a te transmitir essa propriedade no dia 07/11.

Mas as pessoas são muito diferentes. Flávio pega a


escritura pública dele e deixa em casa, não faz o registro de imediato.
Já a Rafaela, no mesmo dia 07/11, leva o titula ao RGI e faz o
registro.

Nesse instante em que a Rafaela levou o título ao RGI, ela


se tornou proprietária? Sim, pois o modo de aquisição da propriedade
no Brasil é o registro. Contrato não tem eficácia translativa no Brasil.
Contrato no Brasil não transmite propriedade.

O que transmite a propriedade é o registro. Ele que é o modo, por


excelência, de aquisição da propriedade.

Art. 1227, CC:”Os direitos reais sobre imóveis,


constituídos ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquire com o
registro no cartório de registro de imóveis dos referidos títulos”.

O art. 1227, CC deixa claro para vocês que no Brasil o


registro é um ato complexo de formação progressiva. O que é um ato
complexo de formação progressiva? Isso ocorre porque o registro no
Brasil tem duas etapas: a primeira etapa é aquela em que o
adquirente tem em mãos o título. A segunda etapa é a que ele leve o
título a registro.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, é um ato complexo que se dá de forma progressiva


porque primeiro o adquirente tem em mãos um título (escritura
pública de compra e venda). O título é sinônimo de causa, causa do
negócio jurídico.

Posteriormente, você leva esse título a registro. No


momento em que você registra, você passa a ser titular de direito
real, passa a ser titular de propriedade.

Tudo o que eu disse para vocês sobre o art. 1227 é


reiterado no art. 1245, CC, que diz: “Transfere-se entre vivos a
propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de
Imóveis”.

O registro tem duas funções: constitui a propriedade e a


publica. O que quer dizer constituir e publicar? Rafaela, você se torna
proprietária com o registro e isso gera publicidade para a sociedade
que tem o dever de respeitar o novo titular da propriedade que é a
Rafaela.

Vamos às 3 perguntas de concurso público sobre tudo que


eu contei até agora. Flávio, você ficou chateado, não ficou? Então, diz
que vai entrar com uma ação reivindicatória contra a Rafaela porque
o seu título é anterior ao dela, vou cancelar a propriedade dela e
leva-la para mim. O Flávio ganha essa ação? Não.

Isso se explica pois o Flávio é titular de direito


obrigacional, e quem é titular de direito obrigacional tem seqüela?
Não. Quem é titular de direito obrigacional que não tem seqüela pode
reivindicar? Não. Só pode reivindicar alguma coisa quem tem
seqüela. E só quem tem seqüela é o titular de direito real.

Então, se você for titular de direito obrigacional, você não


pode buscar a coisa na Rafaela.
O que o Flávio pode fazer se ele foi lesado por Nelson?
Perdas e danos contra o Nelson. Tudo se resolve em perdas e danos,
de acordo com o art. 389, CC, é a base da teoria do inadimplemento.

Art. 389,CC: “Não cumprida a obrigação, responde o


devedor por perdas e danos”.
Qual foi a obrigação que eu descumpri? A obrigação de
dar coisa certa. Em razão desse inadimplemento, perdas e danos.

O Flávio vai ter que procurar perdas e danos, já que a


Rafaela já é dona.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Segunda pergunta: Verdadeiro ou falso: No Brasil, os


contratos não têm eficácia translativa. Verdadeiro.

Contrato só gera obrigação. Contrato, sozinho, não gera


direitos reais. Contrato não transmite propriedade. Contrato só gera a
obrigação de dar, fazer ou não fazer, mas não transmite propriedade.

Na França e na Itália é diferente. Nesses países, por força


do contrato napoleônico, o contrato já transmite propriedade.

Nelson e Washington, na França, fazem um contrato. No


dia em que eu te entrego a escritura de compra e venda na França
você já é dono. Não precisa de registro. Na França, os contratos têm
força translativa. O registro serve só para dar publicidade.

Então, diante disso, vem a parte que eu julgo mais


importante para o entendimento.

Na teoria geral do direito civil aprende-se os planos da


existência, validade e eficácia do negócio jurídico. E esse é um bom
momento para se distinguir o que é validade e o que é eficácia de um
negócio jurídico.

Flávio, o contrato de compra e venda é um negócio


jurídico? É. Todo contrato é um negócio jurídico. É um negócio
jurídico bilateral. É um negócio jurídico válido? Sim. Agente capaz,
objeto é lícito e a forma está prevista em lei. O negócio jurídico
atendeu aos requisitos do art. 104, CC.

Qual é o momento em que se afere se o negócio jurídico é


válido ou não? No momento do nascimento do negócio jurídico.

Agora gente, o que quer dizer eficácia? A eficácia é a


aptidão do negócio jurídico válido para produzir os efeitos desejados,
queridos pela parte. Esse negócio jurídico entre Nelson e Flávio teve
eficácia? Teve. Teve eficácia obrigacional. Ele produziu efeitos
obrigacionais.

Tanto é verdade que ele produziu eficácia obrigacional


que diante do um descumprimento, ele teve direito a perdas e danos.
Ele teve direito a perdas e danos porque houve efeitos obrigacionais.

Esse negócio jurídico entre Nelson e Flávio teve efeitos


reais? Não, pois a eficácia real está condicionada ao registro. Ou seja,
o negócio jurídico só passa a ter eficácia de direito real se houver um
segundo ato que é o ato jurídico administrativo do registro.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Qual é a importância que se deve dar ao registro? Por que


se estuda direitos reais depois de direito obrigacional? Porque na
maioria dos casos direitos reais não passam de efeito de negócio
jurídico válido, ou seja, o negócio jurídico entre Nelson e Flávio é
válido, tem efeitos obrigacionais entre as partes, mas não pode gerar
eficácia erga omnes porque faltou o elemento do registro.

Muitas vezes a propriedade que você tem não passa de


uma eficácia real de um negócio jurídico válido.

Olha só o que o bom civilista faz: primeiro ele estuda a


parte geral para conhecer a teoria do negócio jurídico. Depois ele
entra no livro das obrigações pois obrigações são efeitos de negócios
jurídicos válidos. Depois ele estuda o livro de direitos reais.

Rafaela, a proprietária do imóvel, já mora nele há três


anos. O que acontece depois de três anos? Aparece Washington e diz
para Rafaela que o Nelson vendeu imóvel que não era dele. Ele fez a
chamada venda a non domino.

O Washington diz que a propriedade é dele e que o


Nelson passou por representante dele, fez uma procuração falsa e
vendeu o imóvel. Mas, na verdade, ele que é o dono e quer o imóvel
de volta.

Em defesa, a Rafaela diz que lendo os papéis do


Washington, até entende que ele seja dono. Mas ela diz que como ela
registrou, ela é a proprietária, ela tem presunção absoluta de
propriedade e que ninguém atira do imóvel.

Washington diz que ela está enganada e que não tem


presunção absoluta de propriedade, pois não obstante ter registrado,
o seu registro fica vinculado ao seu título de origem. E se o seu título
é falso, eu posso derrubar o seu registro.

Quem está com razão? Washington, porque o direito


brasileiro agasalha dois princípios básicos com relação a esse tema: o
modo é vinculado ao título e registro no Brasil só gera presunção
relativa de propriedade.

O modo é vinculado ao tipo. O que é o modo? É o


registro. O modo é o modo de aquisição. O registro é vinculado ao
título de origem. Isso quer dizer o seguinte: por mais que vocês
tenham registrado o imóvel no nome de vocês, se amanhã aparecer
alguém e provar que o título de origem é viciado. Se esse título for
derrubado, o vício desse título contamina o registro.

37
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, por que é tão importante a pessoa registrar o


imóvel no nome dela se amanha ela pode perder essa propriedade se
aparece alguém? O registro te concede uma presunção relativa de
propriedade que traz uma inversão do ônus da prova, ou seja, na lide
entre Washington e Rafaela, não é a Rafaela que precisa demonstrar
que é proprietária. A propriedade dela já é presumida.

A propriedade da Rafaela já é presumida porque ela tem


titularidade, porque ela registrou. É o Washington, que é o
impugnante, que deverá demonstrar ao juiz que o título dela é
viciado. Ele terá que fazer prova de que o título é defeituoso, viciado.

Se o Washington conseguir provar que o título da Rafaela


é viciado, consegue cancelar o registro dela, mas se não trouxer
prova nenhuma, ela permanece com a propriedade porque ela tem
uma presunção relativa de propriedade.

Washington vai ter que ajuizar uma ação de invalidade do


título c/c pedido de cancelamento do registro. Primeiramente deve-se
anular o título pois primeiro se demonstra nulidade ou anulabilidade.
E, invalidado o título, o registro será cancelado, perde sua base de
sustentação.

Art. 1245, §2o, CC:”Enquanto não se promover, por meio


de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o
respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como
dono do imóvel”.

O próprio Código civil demonstra que a iniciativa da


invalidação cumpre a Washington e que o registro só tem presunção
relativa de propriedade.

Pelo o que eu expliquei aqui, o registro é mais forte no


Brasil ou na França? No Brasil, já que na França o registro só serve
para dar publicidade. Se você assinou o contrato, já é dono. No Brasil
tem que haver o registro para que haja aquisição realmente da
propriedade.

Na Alemanha o sistema de registro é melhor que o do


Brasil. Na Alemanha, Nelson faz um contrato com Rafaela de
escritura de compra e venda. Os dois juntos devem fazer um segundo
contrato na frente do oficial do registro. Esse segundo contrato se
chama Convênio Real. Esse segundo contrato é que vai ser registrado
no ofício imobiliário da Alemanha.

No direito alemão a presunção de propriedade é relativa


ou absoluta? É absoluta, porque lá se faz abstração da causa. Quando

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

se faz o segundo contrato perante o oficial do registro, o primeiro


contrato é abstraído, esquecido. E todos os eventuais vícios que ele
pudesse ter são sanados pelo segundo contrato.

E como é abstraída a causa, o sistema alemão te garante


presunção absoluta.

No Brasil há o sistema da abstração da causa ou não?


Não. No Brasil, a causa, que ´o título, não é abstraído, pois mesmo
que você tenha registrado o imóvel no seu nome, se lá na frente
alguém provar que esse título é viciado, você vai perder essa
propriedade.

Por isso que nós falamos que o nosso sistema é o da


presunção relativa. Só se pode falar que o registro tem fé pública na
Alemanha, porque só tem fé pública aquilo que tem presunção
absoluta. No Brasil, o registro não tem fé pública, o registro tem força
probandi.

Quando no Brasil o registro que você faz tem presunção


absoluta? Qual é o único caso? Quando é o registro Torrens (art. 276,
lei 6015/73).

Gente, o que quer dizer registro Torrens? Torrens era um


australiano chamado Sir Richard Robert Torrens e ele criou um
sistema de presunção absoluta de propriedade na Austrália.

No Brasil a presunção absoluta do sistema Torrens é só


para imóvel rural. O registro Torrens é feito perante o juiz de direito.
É um procedimento de natureza administrativa. É um processo de
jurisdição voluntária, onde o juiz vai dar uma sentença te concedendo
o registro Torrens.

Mas para o juiz te conceder o registro Torrens tem que ter


ouvido o MP, os confrontantes, tem que ter o levantamento
topográfico do terreno. Tudo isso para gerar uma confiabilidade
quanto à origem do seu imóvel. Em Tocantins, Goiás, Mato Grosso é
comum o registro Torrens para dar maior garantia para a propriedade
rural.

A Rafaela vendeu o seu imóvel para a Alessandra que,


algum tempo depois, vendeu para Marcele. De repente, Washington
aparece e pergunta como ela é dona desse imóvel. Marcele conta
para ela a cadeia causal da venda do imóvel.

Washington diz para ela que Nelson fez uma venda a non
domino e diz que o imóvel é dele. Marcele, em defesa, alega que é

39
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

terceira de boa-fé e que pelo princípio da aparência, não pode perder


a propriedade, pois ela confiou no registro. Mas esse argumento não
lhe garante a propriedade.

O código civil entende que por mais que estejam


envolvidos terceiros de boa-fé, esse terceiro de boa-fé se submete à
perda da propriedade pois os vícios do título são insanáveis.

Isso quer dizer que por mais que a propriedade circule de


A para B, de B para C, de C para D, de D para E, esses vícios não são
purgados pelo tempo, os vícios continuam. Ou seja, o título que é
viciado na origem contamina toda cadeia causal subseqüente.

Art. 1247, parágrafo único, CC: ”Cancelado o registro,


poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da
boa-fé ou do título do terceiro adquirente”.

Apesar do CC não ter, no parágrafo único do art. 1247,


tutelado o terceiro de boa-fé, esse parágrafo único não pode ser
interpretado de forma literal, pois eu tenho dois princípios que estão
em posição de confronto, em colisão. De um lado eu tenho o direito
de propriedade do Washington, mas do outro lado eu tenho a teoria
da aparência.

A teoria da aparência visa prestigiar a boa-fé de um


terceiro que por um erro escusável, desculpável, acaba praticando
um negócio jurídico. A teoria da aparência visa justamente proteger
essa pessoa que, com um ato de confiança, acreditou na seriedade do
registro imobiliário e acreditou no princípio da segurança jurídica.

E, ao mesmo tempo, eu tenho que proteger o


Washington, porque proteger a propriedade também é proteger a
segurança jurídica.

A ponderação de valores está aonde? Quem eu devo


proteger: o proprietário desidioso que deixou o que é seu escapar das
suas mãos até cair nas mãos de terceiro ou devo proteger o
proprietário aparente? O que eu estou querendo dizer é que em
alguns momentos o CC prestigia o proprietário aparente.

Exemplo em que a propriedade aparente vence: Bill Gates


morre e deixa como herdeiro o seu sobrinho Paul. Renata compra um
imóvel do Paul, visto que ele é o único herdeiro.

Três anos depois aparece um filho que Bill Gates tinha e


ele ajuíza uma ação de petição de herança e ganha. O filho se torna

40
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

herdeiro no lugar do sobrinho. Renata, você vai ter que devolver esse
imóvel para o verdadeiro herdeiro?

O filho do Bill Gates é o verdadeiro proprietário e a


Renata é a proprietária aparente.

Art. 1827, parágrafo único, CC: “São eficazes as


alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro
de boa-fé”.

Em alguns casos o código protege a aparência, a


confiança e a segurança jurídica.

O Washington ajuizou uma ação de nulidade do título c/c


cancelamento do registro. Ele nulificou o título, cancelou o registro,
mas o imóvel ainda está com a Marcele que ao quer sair do imóvel.
Qual é a ação que ele deve ajuizar contra ela? Ação Reivindicatória.

Ele ajuíza uma ação reivindicatória. Qual é a única chance


da Marcele vencer? Se essa soma de posse gerou prazo para a
usucapião ordinária. A usucapião ordinária pode ser alegada em
defesa.

Houve uma alteração na lei de registros públicos pela lei


10.931/04. Vejam o art. 214, §5o: “A nulidade não será decretada se
atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de
usucapião do imóvel”.

De forma clara, esse artigo não está protegendo qualquer


terceiro de boa-fé, mas sim o terceiro de boa-fé que já tenha prazo
de usucapião.

Agora vem a melhor parte. A Marcele não tem prazo para


a usucapião. Então, se ela não tem prazo, prevalece aquilo que diz o
CC, ou seja, ela terá que sair do imóvel em decorrência da ação
reivindicatória.

O que a Marcel pode fazer nessa lide já sabendo que ela


vai realmente perder a posse da coisa ao final da reivindicatória? Ela
promove a denunciação da lide por ser um caso de evicção.

O que é evicção do art. 447, CC? A evicção é a perda de


um direito em razão de uma demanda ajuizada por terceiro. Terceiro
é o Washington e o direito que a Marcele está perdendo é o direito de
propriedade.

41
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Washington é o evictor, é ele que causa a evicção. A


Marcele é a evicta porque é ele que vai perder a propriedade.

Toda vez em que se vende propriedade, o alienante tem


que resguardar o adquirente dos riscos da evicção. Se amanhã vocês
perderem a coisa em razão da evicção, vocês têm indenização contra
o alienante.

Então, a Marcele promove a denunciação da lide do art.


70, I, CPC que diz que a denunciação da lide se dá nas hipóteses de
evicção. Como a Marcele promove a denunciação da lide?
Tradicionalmente diz-se que a denunciação é uma denunciação
sucessiva: Marcele denuncia Alessandra que denuncia Rafaela que
denuncia Nelson.

A Marcele pode promover a denunciação da lide


diretamente contra o Nelson já que foi ele que ocasionou tudo isso?
Pode, visto que o art. 456, CC inaugurou a denunciação da lide per
saltum, que significa que a Marcele ao invés de ficar buscando os
antigos proprietários um a um, pode ir diretamente na figura do
alienante primitivo. Ela pode escolher diretamente contra quem ela
quer litigar.

Qual é o prazo processual para fazer a denunciação da


lide? Qual é o momento processual? Se ela esqueceu de promover a
denunciação da lide e houve a preclusão, ela ainda pode numa ação
de indenização autônoma buscar a evicção contra a Alessandra?

Está escrito no art. 70, I, CPC que a denunciação da lide é


obrigatória. Pode ou não pode? Claro que pode. Porque se vocês me
falassem que a Marcele não mais pode buscar indenização em ação
autônoma contra a Alessandra só porque ela esqueceu o prazo
processual, estariam autorizando o enriquecimento sem causa.

Então, esse 70, I, CPC é ridículo quando diz que a


denunciação da lide é obrigatória, e não é. É uma faculdade
processual, pois se você perder, ainda tem uma ação autônoma de
indenização emprazo dado pela lei.

Pergunta de aluna: inaudível. Resposta do prof.: Não. A


evicção se dá pelo valor de mercado do bem à época da evicção.
Quanto o bem valia na época em que foi perdido? Art. 450, CC. É o
valor do bem.

Tudo isso é questão de prova. Ontem eu estava vendo


umas questões da PGE para dar aula em uma turma em que eu vou
dar isso. 50% das perguntas da PGE são ligadas a propriedade,

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

registro, cancelamento, evicção, promessa de compra e venda,


alienação fiduciária.

Marcele, além de você ter possibilidade de ajuizar uma


demanda contra a Alessandra, você tem a possibilidade de entrar
com ação de responsabilidade civil contra o Estado? E contra o
tabelião? Claro que tem. A responsabilidade civil do tabelião é
objetiva, art. 37, §6o, CRFB/88.

A responsabilidade civil é objetiva pois o tabelião é


prestador de um serviço público e ele registrou um título que ele
jamais deveria ter registrado porque era proveniente a non domino.
Então, é claro que ele tem responsabilidade objetiva de indenizar por
ter te colocado nesta situação.

Eu ainda tenho mais três aspectos do registro para


mostrar para vocês. Primeiro: Nelson vende um terreno para
Washington hoje, dia 06/11/2007. Mas Washington somente registra
essa escritura pública de compra e venda em 2011.

Quando ele registra, ele se torna dono a partir de 2011 ou


retroativamente a 06/11/2007? Claro que ele só é dono de 2011 em
diante, pois o registro tem eficácia constitutiva. Ele não tem eficácia
declaratória, ele não retroage. Você é dono a partir do registro.

Então, antes dele registrar o alienante continuou sendo o


dono. Prestem atenção no que diz o §1 o do art. 1245, CC: “Enquanto
não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido
como dono do imóvel”.

Isso é muito importante não somente para demonstrar


que o registro tem eficácia constitutiva, mas gera uma série de
questões.

Se Nelson continua sendo proprietário nesse período


antes dele registrar, quem paga condomínio e IPTU desse imóvel
enquanto ele não registra? Nelson. O que é condomínio e IPTU
enquanto ele não registra? Como eu chamo essa situação?

Todo mundo tem que se lembrar disso. No momento em


que Washington registra o imóvel em 2011, a partir desse dia ele terá
que pagar condomínio e IPTU pois são as chamadas obrigações
propter rem.

O que são obrigações propter rem? Obrigações propter


rem também são chamadas de obrigações mistas. As obrigações
propter rem são obrigações que uma pessoa assume pelo fato de ser

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

titular de um direito real. São obrigações que você tem que enfrentar
porque você adquiriu essa unidade imobiliária.

Por que se chama obrigação mista? Porque as obrigações


propter rem estão no meio do caminho entre os direito obrigacionais
e os direito reais. Não são direitos reais propriamente nem são
direitos obrigacionais.

São obrigações, pois pagar condomínio e pagar IPTU são


obrigações de pagar quantia certa e se aproximam dos direitos reais
porque são obrigações que não nascem da autonomia da vontade,
não nascem de um contrato. São obrigações que nascem da
titularidade de um direito real.

É por isso que o outro nome das obrigações propter rem


são obrigações ambulatórias, pois são obrigações que seguem a
coisa. Na medida em que muda o titular, muda também a titularidade
da obrigação propter rem.

As obrigações propter rem sempre aderem à pessoa do


novo proprietário. Então, a partir de 2011, que foi quando o
Washington registrou, as obrigações propter rem são dele.
Acontece que Nelson deixou dívidas de condomínio de
2008, 2009 e 2010. Washington também terá que pagar essas
dívidas? Sim, pois são os ônus reais.

Qual é a diferença das obrigações propter rem para os


ônus reais? As obrigações propter rem são aquelas que o proprietário
assume da data em que se tornou titular em diante. Mas ele também
assume as do proprietário anterior, que são os ônus reais.

Olha o que diz o art. 1345, CC: “O adquirente de unidade


responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio,
inclusive multa e juros moratórios”.

Isso quer dizer que perante o condomínio, Washington


deve responder. Agora, olha que interessante que vocês aprenderam
em direito da obrigações. Washington passa a ser responsável por
um débito alheio.

Se Washington paga esse condomínio ele tem direito de


regresso contra Nelson? Claro que tem, pois o débito é de Nelson,
mas o condomínio não quer saber de quem é o débito, ele vai em
cima de quem é o proprietário, já que pela lei é ele que assume esses
ônus reais.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Se alguém nessa sala resolve comprar uma fazenda e o


proprietário anterior praticou danos ambientais, você que é o novo
proprietário vai ter que indenizar os danos ambientais que ele
causou? Vai. São os ônus reais que hoje informam o chamado
passivo ambiental.

Tem até uma decisão recente nesse aspecto que é uma


decisão do STJ dizendo que o entendimento consagrado do STJ é o de
que ao adquirir área o novo proprietário assume o ônus de manter a
preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que
não tenha contribuído para o desmatamento.

É fundamental que o novo proprietário faça um estudo do


passivo ambiental do objeto para se prevenir de eventos futuros.

Apesar do Washington só ter registrado esse imóvel em


2011, ele está morando lá desde 2007. Nesse período, quem arca
com o condomínio do apartamento? Washington, pois hoje a
jurisprudência entende que mesmo que o possuidor do imóvel não
seja proprietário, mas ele seja um promitente comprador, já exista
uma compra e venda ou uma promessa de compra e venda, mesmo
que não tenha sido registrada, mas se a posse dele já é de
conhecimento da comunidade, esse promitente comprador já assume
as obrigações propter rem.

Mesmo efetivamente não tendo registrado. É o art. 1334,


CC que consolidou isso.

Olha o que diz o art. 1334, I, CC: “I – a quota


proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos
condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do
condomínio”. E o §2o do mesmo artigo diz: “São equiparados aos
proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário,
os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às
unidades autônomas”.

Mesmo que efetivamente você não tenha registro, se a


sua posse é de ciência dos demais condôminos, você já assume as
obrigações propter rem.

É uma questão de função social. Não é você que está


dando função social? Então é você quem deverá arcar com as
obrigações propter rem.

Só para lembrar vocês: em termos de IPTU, pelo art. 35


do CTN quem é o responsável pelo pagamento do IPTU não é só o

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

proprietário. Também quem tema posse do imóvel se responsabiliza


pelo IPTU. As obrigações propter rem se ampliam.
Isso é o principal quanto ao registro hoje no direito
brasileiro. Tem umas alterações recentes em lei e eu fico com medo
que vocês não tenham.

Existe uma coisa muito comum que é a retificação de


registro. O cancelamento do registro que vocês estudaram comigo é
apenas uma espécie do gênero retificação. Nem toda retificação vai
dar em cancelamento.

Houve uma mudança significativa da lei de registros


públicos com o advento da lei 10.931/2004. Essa lei alterou
profundamente os artigos 213 e 214 da lei 6015/73.

Só para vocês terem uma idéia muito simples: quem pode


retificar registro são três pessoas: o oficial do registro, o juiz
corregedor ou o juiz dentro do juízo ordinário.

Exemplo: Rafaela, você chega no registro público


imobiliário e diz para o oficial que quer mudar o nome do prédio pois
fizeram uma convenção resolveram mudar o nome do prédio. Quem
muda o nome do prédio é o oficial. Basta fazer uma retificação
unilateral. Quem muda é o próprio oficial. Não precisa de juiz.

Outro exemplo: Rafaela chega para o oficial que seu


terreno tem 100 m2 pelo que está descrito na escritura, mas ela quer
que se faça uma medida, pois o terreno tem 150m2. O que o oficial
irá fazer? Ele irá convocar o vizinho para ver se não tem nada de
errado. Se o vizinho não se manifestar ou se o vizinho concordar,
quem faz essa retificação é o oficial, é uma retificação bilateral.

É bilateral, pois foram ouvidos os vizinhos e eles não se


opuseram. Mas se os vizinhos não concordarem, vai para o juiz
corregedor essa discussão.

Toda vez que tem impugnação, art. 213, §6o, lei 6015/73,
vai para o juiz corregedor. Quando o juiz corregedor perceber que
quando a pessoa quer aumentar o terreno de 100 para 150 metros,
ela não está querendo apenas retificar, ela está querendo reivindicar
uma área, demarcar uma área, ela está querendo a usucapião. Então,
sai da retificação e vai para a justiça comum.

Toda vez que ficar provado que a discussão não é de


retificação, mas sim sobre direito de propriedade, vai para a justiça
comum.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

É o art. 213 §6o que diz o seguinte: “Havendo


impugnação e se as partes não tiverem formalizado transação
amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz
competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo
se a controvérsia versar sobre direito de propriedade de alguma das
partes, hipótese em que remeterá o interessado para as vias
ordinárias”.

O juiz competente é o juiz corregedor permanente.

Vamos para outro modo de aquisição da propriedade que


é a acessão. É claro que tem dois tipos de acessão. Uma que não cai
em concurso e a outra que cai. A que não cai em concurso é a
acessão natural. Pode cair em prova de múltipla escolha.

E a que cai em concurso e que é plausível de discussões é


a acessão artificial.

O que é acessão natural? É o aluvião, avulsão, álveo


abandonado, formação de ilhas. Eu não vou estudar isso com vocês.
Peço que em casa vocês leiam para em uma prova de múltipla
escolha vocês tenham noção para saber a definição de cada um.

O que é importante é a acessão artificial, que foi


sensivelmente modificada no NCC.

Todos os exemplos partem dessa premissa: Nelson tem


esse terreno. Se é feita uma construção nesse terreno, como se
chama essa construção? Acessão.

Acessão artificial é tudo que se incorpora


permanentemente ao solo pelo trabalho humano. Se o terreno é meu,
a presunção é de que essa construção foi feita por quem? Pelo dono
do terreno, por mim. Temos aquela regra milenar do direito romano
de que o acessório segue o principal.

Se o terreno é meu, a casa é minha e presume-se que foi


feita com o meu dinheiro. Art. 1253, CC: “Toda construção ou
plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário
e à sua custa, até que se prove o contrário”.

Essa regra de que o acessório segue o principal é o


princípio da gravitação jurídica que está no art. 233, CC. O que é
gravitação jurídica? O acessório gravita em torno do principal. Então,
se o terreno é meu, tudo o que gravita, que se incorpora a ele, é
meu.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Primeiro problema que eu trago para vocês. Flávio, você é


do MST, é um sem-terra. Você encontra o terreno do Nelson vazio e
decide ficar nele. O Flávio entra no terreno e constrói uma casinha
modesta. Fica lá por 4 meses.

Depois de 4 meses, Nelson aparece, ajuíza uma ação


reivindicatória para te tirar do imóvel. O Flávio tem direito de ser
indenizado pela construção que fez? Não, pois o art. 1255, CC diz que
você é um possuidor de má-fé.

Olha o que diz o art. 1255, CC: “Aquele que semeia,


planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do
proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de
boa-fé, terá direito a indenização”.

Qual é a sanção que o legislador dá ao possuidor de má-


fé? Perde a construção e não terá direito a indenização em razão da
má-fé. Ele é possuidor de má-fé porque ele tem a legítima noção de
que o terreno não lhe possui.

O Nelson pode pedir indenização pelos prejuízos causados


pela ocupação de Flávio? Pode desde que Nelson prove as perdas e
danos, poderá exigir indenização pelos danos causados no imóvel.

Muda alguma coisa se o Flávio construiu no meu terreno,


pois ele tinha uma escritura que dava a ele a falsa convicção de que
era dono da coisa. Ele foi lá e construiu pensando que o terreno era
dele. Vamos mudar um pouco o exemplo. Tinha um formal de partilha
que você recebeu que te dava noção de que você era dono e
construiu lá.

Aí, Nelson aparece e diz que esse formal de partilha é


nulo e que ele é o dono. Quando eu entro com ação reivindicatória e
o tiro do imóvel, ele será indenizado pela acessão que ele fez? Sim,
pois ele é um possuidor de boa-fé (art. 1255, in fine, CC).

Ele terá direito à indenização pelo valor que ele gastou


com a casa ou pelo valor atual da construção? Pelo valor atual. O
código silencia, mas escrevam ao lada que é pelo valor atual para
evitar o enriquecimento sem causa.

Enquanto Nelson não indeniza Flávio, este tem direito de


retenção? Ele pode morar lá? Não tem nenhum artigo proibindo, mas
a jurisprudência remansosa do STJ é no sentido de que quem faz
benfeitoria de boa-fé tem direito de retenção, quanto mais quem fez
acessão de boa-fé.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Nesse mesmo sentido está o enunciado 81 do CJF que


concede direito de retenção em favor de Flávio que fez acessão de
boa-fé enquanto não for indenizado.

Só que Flávio, possuidor de boa-fé, não construiu uma


casa, mas sim uma escola privada que tem 1000 alunos nesse
terreno. Isso muda alguma coisa? Muda, pois aí entra a função social
da propriedade que acarreta a chamada acessão inversa.

Acessão inversa é o novo modelo jurídico do CC derivado


da função social da propriedade.

O que significa acessão inversa? Significa que diante da


importância da acessão, diante do fato da acessão ter um vulto
econômico e social superior ao valor do terreno, o acessório vira o
principal e o principal vira o acessório. A construção passa a ser o
principal e o terreno passa a ser o acessório.

Ou seja, Flávio você vai ficar com tudo e vai indenizar


Nelson pelo valor do terreno. É o parágrafo único do art. 1255: “Se a
construção ou plantação exceder consideravelmente o valor do
terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a
propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada
judicialmente, se não houver acordo”.

Essa situação de acessão inversa é uma homenagem a


quem deu função social para a propriedade.

Nesse caso, a ponderação que o CC fez foi correta e


razoável, pois o direito fundamental da propriedade deve ser
preservado em favor do proprietário que é diligente. Se eu sou
proprietário de um terreno e deixo construírem nele, eu sou
completamente omisso.

O que eu deveria ter feito imediatamente quando ele


começou a construir? Uma nunciação de obra nova, uma demolitória.

Veja uma situação que aconteceu em uma novela. Na


novela Rainha da Sucata a D. Armênia tinha um terreno em Santos.
No primeiro capítulo da novela a Regina Duarte recebe da herança do
marido um terreno em Santos. Nesse terreno ela constrói a fábrica
chamada Rainha da Sucata. No meio da novela aparece D. Armênia
dizendo que aquele terreno em Santos era dela. E que ela iria
destruir a fábrica.

Se essa novela fosse reprisada, teria que ter o seu roteiro


modificado, porque Regina Duarte construiu de boa-fé, pensava que o

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

imóvel era dela e o valor da fábrica era significativamente superior do


que o valor do solo.

Então, é por isso que a acessão inversa tem uma


realidade social que impõe dinamismo e demonstra função social da
propriedade no plano concreto.

Eu tenho mais 4 questões fundamentais sobre acessão.


Flávio e Alessandra casam pois o pai dela tem um terreno no Recreio
e deixou que eles construíssem a casa deles nos fundos desse
terreno. Eles casaram em comunhão parcial de bens e, depois,
construíram a casa.

Dois anos depois do casamento, eles começam a brigar e


Alessandra o coloca para fora de casa. Flávio tem direito a 50% do
valor da construção da casa.

Olha o art. 1256, CC: “Se de ambas as partes houver má-


fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções,
devendo ressarcir o valor das acessões”.

O que quer dizer má-fé de ambas as partes? Constrói de


má-fé quem constrói sabendo que o terreno é de outra pessoa.

O pai da Alessandra também agiu de má-fé, pois,


segundo o CC, proprietário de má-fé é aquele que sabe que estão
construindo em seu terreno e nada faz.

Olha o § único do art. 1256: “Presume-se de má-fé o


proprietário, quando o trabalho de construção ou lavoura, se fez em
sua presença e sem impugnação sua”.

As questões principais de acessão entram agora. Aqui tem


o terreno A e aqui tem o terreno B. Vamos supor que Washington é o
proprietário do terreno B e ele constrói em seu terreno. Após a
construção, Nelson aparece dizendo que a construção invadiu 5% do
seu terreno.

Mas Washington não invadiu porque quis. Ele pensou que


fosse dele pelo que constava na escritura. Nelson pode destruir os
5% da casa do Washington porque ocupou o terreno dele? Não. O
NCC criou a mini desapropriação por interesse privado.

Olha o art. 1258, CC: “Se a construção, feita parcialmente


em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à
vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade
da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

parte, e responde por indenização que represente, também, o valor


da área perdida e a desvalorização da área remanescente”.

Isso é uma mini desapropriação por interesse privado pois


Nelson está sofrendo uma pequena expropriação no seu imóvel. É a
primeira vez que o ordenamento jurídico permite que uma
desapropriação seja feita não para satisfazer interesse público ou de
ordem social, mas para satisfazer o interesse econômico de um
vizinho.

Ou seja, é uma mini desapropriação que visa atender


interesse privado, na medida evidente da aplicação da função social
da propriedade.

Washington vai indenizar Nelson pelo valor do terreno que


ele perdeu, mais a desvalorização da área remanescente.

E se esse cara entrou no meu terreno sem estar de boa-


fé? Quem gosta muito de ocupar parcialmente solo alheio de má-fé é
construtora. Apesar de estar de má-fé, a construtora adquire os 5%
do imóvel, pois na ponderação entre a função social e a má-fé, a
função social ainda vai prevalecer.

Olha o § único do art. 1258, CC: “Pagando em décuplo as


perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire
a propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à
vigésima parte deste e o valor da construção exceder
consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção
invasora sem grave prejuízo para a construção”.

Por que houve a predileção pela proteção a quem está de


má-fé? Para proteger terceiros de boa-fé. Anotem ao lado do § único
do art. 1258, CC que essa norma não é para proteger qualquer
possuidor de boa-fé. É só quando ficar provado que haverá lesão a
terceiros adquirentes de boa-fé.

Tem enunciado 318 do CJF nesse sentido: “O direito à


aquisição da propriedade em favor do construtor de má-fé somente
será viável quando além dos requisitos do § único, houver
necessidade de proteger terceiros de boa-fé”.

Essa é uma das razões pelas quais as pessoas que


compraram apartamento da Encol e, por mais que a Encol não tivesse
quitado as hipotecas perante o banco, eles como adquirentes de boa-
fé, como já tinham pago todo preço do imóvel em vão, não tiveram
que pagar o imóvel novamente.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A boa-fé deles e a confiança evitaram que a hipoteca


pudesse ser imposta a eles. É exatamente a aplicação do princípio da
boa-fé nessa situação.

Mesmo para proteger terceiros de boa-fé, quanto é que se


vai ter que pagar para que haja a mini desapropriação por interesse
privado? O décuplo, dez vezes mais do que se pagaria se aquela
ocupação fosse feita de boa-fé.
Por que eu estou dizendo que esse artigo 1258, § único
só se aplica a construção? Porque tem uma palavra que tem no §
único que não tem no caput que é “se a construção tiver valor
consideravelmente superior”.

Na ocupação de boa-fé basta que essa construção tenha


valor superior. Se a ocupação for feita de má-fé, não basta que ela
tenha valor superior, ela terá que ter valor consideravelmente (só
quando for prédio) superior. Se for uma casinha, raramente uma
casinha terá valor consideravelmente superior.

Esse valor consideravelmente superior nem sempre é um


valor econômico, pode ser um valor social. Às vezes não é um prédio,
mas a pessoa construiu um hospital que pode não ter valor
consideravelmente superior, mas tem função social.

Quem construiu o hospital terá que realizar o pagamento


em décuplo, conforme o § único do art. 1258.

Vamos voltar ao primeiro exemplo em que o Washington


ocupou o meu terreno de boa-fé, mas neste caso, ele ocupou 50% do
meu terreno de boa-fé. É possível que você fique com metade do
meu imóvel? Sim, pois o CC não apenas criou a mini desapropriação
por interesse privado, mas ele também criou a maxi desapropriação
por interesse privado. Está no art. 1259, CC.

Quando você ocupa até 5% é a mini desapropriação, mas


o CC também percebeu que muitas vezes pessoas ocupam terrenos
alheios em áreas muito superiores a 5%.

Então, mesmo nessa ocupação de 50% é possível ter


desapropriação. Mas a diferença é que a mini desapropriação tanto se
aceita como ato de má-fé como de boa-fé. Já a maxi é só para quem
é possuidor de boa-fé.

Ou seja, quem está de má-fé jamais poderá ter essa


desapropriação favorável pelo CC. É só para quem está de boa-fé.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

E tem uma segunda diferença que ressai da leitura do art.


1259, CC. Se for maxi desapropriação, o Washington terá que pagar
para o Nelson o terreno que ele perdeu, a desvalorização do
remanescente e o valor da construção que se realizou no meu imóvel.

Se a sua casa vale 800 mil e metade dela está no meu


imóvel, você terá que me pagar 400 mil mais o valor da metade do
terreno que eu perdi e mais a desvalorização do remanescente. São 3
valores distintos que se deve pagar na maxi desapropriação do direito
privado, além de ter que ter boa-fé.

Qual é o limite mínimo de um imóvel urbano? 125 m2.


Está na lei de loteamentos, lei 6766. Se ele me tomou 100m2, o cara
não me deixou nada. Se vocês fossem meus advogados, o que vocês
me aconselhariam fazer?

Qual é o nome do instituto que se dá quando o Estado te


desapropria e você fica só com um resto de terreno que não vale
nada? Direito de extensão. Você diz que quer a desapropriação do
todo.

A pessoa fica com tudo e me indeniza cabalmente. Pois


para eu ficar com nada, é melhor receber indenização pela totalidade
do terreno e comprar outro do que ficar com um resquício de terreno.

O CC não fala nada, mas ao lado do art. 1259, vocês


coloquem a possibilidade de se pleitear direito de extensão toda vez
que o seu imóvel fique tão reduzido que ele perca completamente a
sua função social.

Se toda construção do Washington é feita no meu


terreno, eu aplico a figura da maxi desapropriação do direito privado?
Não. Eu aplico a acessão tradicional. Toda vez que a construção for
feita totalmente no terreno alheio eu uso a solução normal.

Se ele fez de boa-fé, ele perde a casa e será indenizado.


Mas se ele não fez de boa-fé, e o imóvel dele tem valor
consideravelmente superior, ocorrerá a acessão inversa.

Então, sempre saibam a diferença entre edificações que


invadem parcialmente terreno alheio aplicam-se os arts. 1258 e
1259. Mas quando a acessão é feita completamente no terreno
alheio, é o art. 1255, CC.

Se vocês constroem uma casa e ela é invadida pelo Flávio


que faz um muro de arrimo para evitar que a casa caia. Esse muro de
arrimo é acessão? Isso é benfeitoria necessária.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Qual é a diferença entre acessão e benfeitoria necessária?


Sempre lembrem, benfeitoria é uma obra ou despesa que se
incorpora a uma coisa já existente. A base da benfeitoria é que ela é
sempre uma coisa acessória.

A benfeitoria sempre se realiza para uma de 3 funções:


conservar, melhorar ou embelezar uma coisa já existente. Se ela é
feita para conservar, ela é necessária; se ela é feita para melhorar,
ela é útil; se ela é feita para embelezar, ela é voluptuária.

A benfeitoria é feita sempre em função de algo já


existente. Esse muro de arrimo é feito com a finalidade de conservar
a casa que já existe. Mas, se nessa casa que você invadiu você
constrói uma garagem, uma garagem é acessório ou é benfeitoria? É
uma benfeitoria útil, pois é uma obra feita para melhorar a casa.

Se o invasor coloca piso de granito na casa, é uma


benfeitoria voluptuária, pois é feita para embelezar a coisa já
existente.

Vocês têm que ter sempre em mente que a acessão inova


porque ela dá uma destinação econômica para onde nada existia até
então. A construção da casa em um terreno vazio que é o principal é
ela que dá função social. Então, essa que é a diferença entre acessão
e benfeitoria.

Quando vocês colocam piso de mármore ou um muro de


arrimo na casa de vocês tem que averbar no registro de imóveis?
Não.

Mas por que quando se constrói a casa deve-se averbar


no RGI? Porque a casa é acessão e acessão é modo de aquisição da
propriedade. Com isso, toda vez que eu tenho um terreno e construo
uma casa, tenho que averbar a construção dessa casa.

Tenho 3 palavras mágicas: matrícula, registro e


averbação. Matrícula é a certidão de nascimento do imóvel, é a
identidade física do imóvel. Quando é que muda a matrícula do
imóvel? Se eu vendo o imóvel para alguém a matrícula muda? Não. A
matrícula somente muda quando há desmembramento ou fusão que
muda a identidade física do imóvel.

Se o seu imóvel é ao lado é ao lado do meu e eu o


compro, a sua matrícula irá mudar pois mudou a sua identidade.
Muda a matrícula pois vou ter que fundir a sua matrícula com a do
meu outro imóvel.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando se dá o registro? O ato de registrar sempre se dá


quando vocês levam para o registro imobiliário qualquer situação em
que haja constituição de direito real sobre imóvel.

Quando se usa a averbação? Quando se leva ao registro


qualquer ato que não seja de aquisição de direito real. Ou seja, você
constrói uma casa, você averba a construção.

Então, acessão é modo de aquisição da propriedade e


benfeitoria é simplesmente acessório. Se vocês entram em terreno
alheio e colocam uma vaca para arar a área e um trator para fazer a
colheita das plantações. A vaca e o trator são acessórios ou
benfeitorias? Nenhum dos dois. São pertenças.

Qual é a diferença entre pertença, acessório e benfeitoria?


Acessão e benfeitoria se incorporam definitivamente à coisa. Já as
pertenças são bens móveis que mantêm a sua autonomia. Ou seja,
eles são utilizados na coisa, melhoram a coisa, mas mantêm a sua
autonomia. Art. 93, CC.

As pertenças não são partes integrantes da coisa, ao


contrário das benfeitorias que se incorporam.

Quando vocês vendem uma fazenda, no silêncio do


contrato, as benfeitorias são incluídas ou excluídas? São incluídas
porque o acessório segue o principal. No silêncio do contrato as
pertenças são incluídas ou não? São excluídas. Tem que colocar a
cláusula “porteira fechada” se quiser incluir as pertenças, visto que
essas mantêm a sua autonomia.

Aquele abraço e muitas felicidades para vocês. Amanhã


veremos usucapião.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Rio, 07.11.2007 – 3ª AULA

Hoje vamos discutir sobre usucapião. Lembrem da aula de


ontem, não é isso? Rua! Registro usucapião e a acessão são os
modos de aquisição de propriedade e ficou faltando o usucapião, o
último, termino com ele agora. Vou dar o conceito. Coisa que eu
gosto muito de fazer é ditar conceito, vamos lá.

Usucapião. Modo de aquisição da propriedade e de outros


direitos reais pela posse prolongada da coisa, observando os
requisitos legais.

Amigos, esse conceito que eu dei é muito importante por


dois aspectos. Primeiro: enganam-se os que pensam que usucapião
é, apenas, modo de aquisição de propriedade. Não é. A usucapião é
modo de aquisição de outros direitos reais.

Vocês sabiam que vocês, por usucapião, podem adquirir


uma servidão? Por usucapião poderiam adquirir um usufruto? Podem,
mas na aula de hoje eu resumo, simplesmente, como a usucapião
como modo de aquisição da propriedade.

Mas, saibam que usucapião é passível de aquisição de


outros direitos reais. Essa é a primeira observação.

A segunda observação que deflui desse conceito é a mais


interessante. Aqui tem a posse e aqui tem a propriedade.

O que é posse? É o poder de fato de qualquer coisa. O


que é propriedade? É o poder de direito de qualquer coisa. Posse é o
poder de fato. Propriedade é o poder de direito.

Digam sem pestanejar, já. Qual é o único viaduto que


vocês conhecem que faz a ponte entre a posse e a propriedade?
Usucapião.

Gente, usucapião é o viaduto que faz a travessia entre a


posse e a propriedade. Por quê? Porque a usucapião pega uma
situação eminentemente fática que é a posse e converte ela, no
passar do tempo, em direito de propriedade. Essa é a mágica da
usucapião.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Agora, por que a aula da usucapião é longa? Porque esse


viaduto, essa ponte Rio Niterói, que separa essa posse dessa
propriedade está cheia de pedágio. Existem muitos pedágios nesta
ponte chamado usucapião.

Por que pedágio? Porque existem vários requisitos de


acesso ao outro lado da ponte. E, só quem passar pelos vários
pedágios alcança o seu destino. É essa a lógica da usucapião.

A usucapião é modo originário ou modo derivado para


aquisição da propriedade? É originário. Ah, originário, isso. 99% da
doutrina da jurisprudência realmente entendem que a usucapião é
modo originário. Eu também entendo. Só Caio Mário que traz uma
posição diferenciada.

Por que todo mundo diz que usucapião é modo originário.


Pelo seguinte: por que, quando acontece modo originário de
aquisição de propriedade, é quando não há qualquer relação jurídica
entre o usucapiente e o antigo proprietário da coisa.

Toda vez que não há qualquer relação jurídica entre o


novo proprietário, o que é o novo proprietário? O usucapiente e o
antigo proprietário, eu falo de modos originários.

Modos originários de aquisição são todos aqueles em que


não existe o fenômeno da transição. Ou seja, o antigo proprietário
não transmite nada para o novo proprietário.

E, de fato, é o que acontece na usucapião. Porque na


usucapião, olha o que eu vou falar, o usucapiente não recebe a coisa
do antigo proprietário. Ele recebe a coisa contra o antigo proprietário.
A despeito do antigo proprietário, o novo proprietário
exclui o antigo, não existe relação jurídica entre eles. É por isso que a
usucapião é modo originário de aquisição de propriedade.

Quais, então, as duas conseqüências relevantes disso


num concurso público? Primeira conseqüência eu vou perguntar para
vocês. Quando vocês conseguem êxito numa sentença de usucapião,
vocês ao registrarem a sentença de usucapião, têm que pagar ITBI?
Não. Por que não tem que pagar ITBI? Porque ITBI é imposto de
transmissão de bens imóveis.

Como a usucapião é modo originário, não existe modo


transmissão nenhuma, porque o antigo proprietário não transmitiu
nada para o novo proprietário. Então, não tem que pagar o fato
gerador do ITBI. Modo de aquisição originário. Então, isso é que é
importante.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Segunda conseqüência prática. O que vocês acham disso?


Washington olha aqui. Você é proprietário de um terreno, certo? E
você deu esse terreno em hipoteca para mim, Nelson, em razão de
uma dívida. Você tem dívida comigo, você tem hipoteca.

Sabe o que aconteceu com esse terreno que está


hipotecado? O Washington e Nelson, não fiscalizaram esse terreno. E
o que acontece? O nosso amigo Flávio Gomes entra no terreno, ele é
um sem-terra, e você fica aqui, vamos supor 6 anos, Flávio. E você
consegue a usucapião.

A pergunta do concurso era: quando Flávio Gomes


consegue usucapião desse terreno aqui, a hipoteca que existia contra
Washington ela existe contra o usucapiente? Ela subsiste? Não. Claro
que não. Por que claro que ela não subsiste? Porque usucapião é
modo originário.

E sabe qual é a vantagem de usucapião ser modo


originário? Olha que bacana. É que, quando o usucapiente se torna
dono, ele recebe a propriedade líquida, imaculada, isenta de visto. Ele
recebe a propriedade, como se a propriedade não tivesse restrição
anterior.
Então, a grande vantagem da usucapião como modo
originário é exatamente essa possibilidade do usucapiente não ter
que arcar com os ônus reais que haviam contra o antigo proprietário,
por ser modo originário.

Agora, ontem vocês estudaram comigo registro. Registro


é modo originário ou derivado? É claro que é derivado.

E se registro é modo derivado, eu pergunto: Washington,


o seu imóvel está hipotecado. Você vende aqui para o Flávio Gomes.
A minha pergunta é a seguinte: você vende para o Flávio Gomes. A
hipoteca que existia contra você ainda incidirá para o Flávio? Claro
que incidirá, porque se registro é modo derivado, toda aquisição feita
através do registro mobiliário transfere para o novo proprietário todos
os encargos e restrições que haviam contra o antigo.

Então, essas são as discussões concretas em concurso


público de saber a diferença entre usucapião como modo originário e
os outros modos de aquisição de propriedade que seriam modos
derivados. Esse é o primeiro ponto da aula.

Sempre tem aluno falando assim: Nelson, tudo bem que o


usucapiente não tem que pagar ITBI, porque usucapião é o modo
originário.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Agora, a pergunta que eu faço para vocês é: e quando


vocês conseguem usucapião do imóvel, vocês têm que pagar, por
exemplo, é um apartamento que vocês conseguem usucapir. Vocês
têm que pagar o IPTU dele? Vocês têm que pagar ou não, porque é
modo originário. Claro que tem que pagar.

Por quê? Porque é obrigação propter rem e tem que pagar


os ônus reais. Por quê? Porque, mesmo sendo modo originário, os
ônus reais anteriores que não foram pagos eles incidem sobre a
coisa. É por isso que o usucapiente tem que pagar IPTU atrasado,
Imposto Rural atrasado, só que nos últimos 5 anos, porque o resto foi
comido pela prescrição do crédito tributário.

Então, sempre paga. Nunca confundam ITBI com aquelas


tributações reais que são IPTU e aqueles outros. Aí é diferente.

Então, pessoal, agora com o fim desses esclarecimentos


eu vou entrar na aula de usucapião propriamente dita, lhes dizendo
que a usucapião tem requisitos, que são requisitos pessoais,
requisitos reais e requisitos formais.

Usucapião tem requisitos reais, pessoais e formais.


Vamos começar pelos pessoais. Olha aqui, por que tem muita gente
boa que escreve na prova: usucapião é a mesma coisa que prescrição
aquisitiva. E eu detesto essa aproximação.

Usucapião não tem nada a ver com prescrição aquisitiva.


Por que não tem nada a ver? Eu não posso, por que prescrição é o
quê? É o modo de extinção de pretensões. Não é isso? Usucapião não
é modo de extinção de pretensões. É modo de aquisição de
propriedades.

Sabe qual é a única semelhança entre prescrição e


usucapião? A única semelhança entre elas é o artigo 1244 do Código
Civil. Porque o 1244 me diz que todas as causas que impedem,
suspendem ou interrompem a prescrição se aplicam à usucapião.

Então, gente, primeiro cuidado que vocês têm que ter em


questão aberta que trate de usucapião. Todas aquelas causas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição, elas também
impedem, suspendem ou interrompem a usucapião. É a única coisa
em comum que existe entre prescrição e usucapião.

Então, querem ver um exemplo? Washington, vamos


supor que você quer o usucapir o terreno, e o prazo de usucapião é

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

de 10 anos. 10 anos, gente, é o prazo para que o Washington


usucapir desse terreno aqui. 10 anos.

Aí o que acontece, pessoal? Ele consegue completar o


prazo. Todo feliz, faceiro e fogoso, Washington ajuíza ação de
usucapião. Quando é que ele ajuíza ação de usucapião? Quem é o réu
principal? Existe litisconsórcio passivo necessário.

Mas, quem é o litisconsorte mesmo? O proprietário, não


é? Então, ele vai lá e procura o proprietário. O que ele descobre? Que
o proprietário era o seu Francisco. Só que, olha bem Washington, o
proprietário, seu Francisco, morreu quando você tinha 8 anos de
posse.

E, aí, pergunta-se: e, depois, nos meus dois anos quem


ficou? Foram os 4 filhos dele. Ou seja: Huguinho, Zezinho, Luizinho e
Pedro. Só que Pedro tem 14 anos de idade. E todos esses herdeiros
são maiores. Os três são maiores, e Pedro tem 14 anos de idade.

Pergunta: ele conseguiu ficar aqui? Não. Sabe por que ele
não conseguiu ficar aqui? Porque quando deu oito anos um dos
herdeiros não era absolutamente incapaz? Cobre a prescrição quando
é absolutamente incapaz, contra o menor de 16 anos? Não.

Então se não ocorre a prescrição quando não é


absolutamente incapaz, o que não ocorre também? A usucapião. A
usucapião pelo art. 1244 não ocorre também.

Então, esse prazo aqui ficou interrompido ou suspenso?


Suspenso. Porque sempre sai com as diferenças entre as causas
interruptivas e as causas suspensivas.

Todas as causas suspensivas da prescrição e, por


conseguinte, da usucapião, são causas subjetivas, são causas
personalíssimas. Marido contra mulher, pai contra filho, contra
absolutamente incapaz. Então, isso aqui é causa suspensiva. Então
parou o tempo.

Só que tem bons alunos concentrados lá atrás que falam:


Nelson, mas espere aí, só não usucapiu contra ele. Mas, o usucapiu o
resto do terreno. Por quê? Porque os outros são maiores. O usucapiu
o resto do terreno? Não.
Por que esta causa suspensiva vai se comunicar aos
outros? Olha isso é pergunta de tudo quanto é concurso.

Por que isso aqui não é um inventário que está aberto? O


inventário é um bem divisível ou indivisível? Indivisível. Então essa

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

cláusula se comunica aqui. Ou seja, sabe o que eu quero dizer


Washington? Que o seu prazo de oito anos só volta a correr no
momento em que esse menino completar 16 anos.

Só quando ele completar 16 anos que volta a correr. Volta


a correr de onde? Parou. Por quê? A prescrição não corre contra o
absolutamente incapaz. Quando ele tiver 16 anos volta a correr. Esse
exemplo foi apenas para vocês botarem na cabeça.

Todo examinador adora colocar uma situação aqui no


meio. Tem um caso suspensivo ou interruptivo da usucapião que
vocês têm que analisar exatamente, porque isso é muito importante
na hora da constatação do prazo.

Então são requisitos pessoais. Por que são requisitos


pessoais? Porque não há usucapião de marido contra mulher, não há
usucapião de pai contra filho, não há usucapião contra o
absolutamente incapaz.

Então, sempre fiquem atentos a essas causas suspensivas


ou impeditivas ao curso da prescrição. Bacana, gente? Sempre
fiquem ligados com isso.

Agora que eu falei disso aqui, nós vamos entrar na parte


dos requisitos reais da usucapião. Requisitos reais é uma parte
importante da aula.

O que eu vou perguntar a vocês é qual o tipo de imóvel é


passível de usucapião? Qual o bem móvel pode ser usucapido? Qual
não pode? Então, vamos começar do fácil.

Há possibilidade de usucapião de bem público? Não. Para


vocês não. Ou seja, numa prova múltipla escolha os bens públicos
são inusucapíveis, tanto pelo art. 183 como pelo art. 191 da
Constituição Federal que impedem a usucapião de bens públicos

E quando eles impedem usucapião de bens públicos, é de


qualquer bem público. Quais sejam: bens de uso comum do povo,
bens de uso especial e bem dominical.

Os dominicais são chamados também de que?


Patrimoniais. Dominicais ou patrimoniais. Ou seja, não tem usucapião
bem de uso comum do povo, não tem usucapião de bem de uso
especial e não tem usucapião de bem dominical.

Só para relembrar os bens de uso comum do povo são


aqueles afetados em favor da coletividade, como rua, praia e praça.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Os bens de uso especiais são aqueles que são afetados em favor de


uma atividade da administração como, por exemplo, o prédio do
fórum.

E os bens dominicais, são afetados? Não, porque eles são


utilizados para uma atividade patrimonial do poder público, mas,
mesmo assim, eles são inusucapíveis porque os artigos 183 e 191
assim o querem.

Agora, não é só a Constituição que diz que o bem público


é inusucapível, o artigo 102 do Código Civil, na mesma linha reitera e
diz que bem público não é passível de usucapião, art. 102 do CC.

Só que vocês são meus alunos, e não vão me


decepcionar, eu pergunto o seguinte: O que é que você acha da
seguinte situação? Tem um imóvel que pertence ao Estado do Rio de
Janeiro que está largado, abandonado, e vem um particular, entra lá
dentro e fica por 10 anos nesse bem, que é o bem público mas está
abandonado.

O particular deveria usucapir? Deveria. Sabe por que


deveria? Porque este bem é formalmente público, mas ele não é
materialmente público. Essa distinção é importante e é o que o
examinador quer ouvir isso em uma prova dessas.
Qual a distinção ente um bem formalmente público e um
materialmente público? O bem materialmente público é aquele que
pertence a pessoa jurídica de direito público e recebe a função social.

Já o bem formalmente público pertence a pessoa jurídica,


está registrado no nome do estado, mas não é dotado de função
social, não recebe destinação relevante.

A minha posição e que é a mesma posição de Celso


Bastos, que é a mesma posição de alguns outros autores que é a
seguinte: claro que haverá usucapião se o bem for formalmente
público porque ele não ostenta função social.

Mas Constituição não permite? Opa eu estou


interpretando a constituição em um sentido integrativo. E em um
sentido integrativo sabe o que eu penso? Que quando o artigo 183 e
191 proíbem a usucapião de bem público, é de bem materialmente
público.

E sabe por que a Constituição só proíbe a do


materialmente público? Porque Celso Antônio Bandeira de Melo fala o
seguinte: “o bem particular tem função social, o bem público é função

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

social.” Ou seja, se é exigida função social do bem particular, quanto


mais do bem público.

Então o que eu quero que você bote na cabeça é que


existe um mito, qual mito? O mito da imprescritibilidade do bem
público. Tirem esses mitos da cabeça, tirem esses dogmas do
raciocínio de vocês.

Agora, não venham me bater amanhã se cair em uma


prova de múltipla escolha, pois nestas provas não cabem usucapião
de nenhum imóvel público. Isso só serve para um prova aberta, pois
o examinador quer ver se vocês conseguem sair do raciocínio
puramente legislativo, tá bom?

Então, vamos para a segunda questão dos direitos reais.


Alunos, a segunda questão dos direitos reais é a seguinte: Cabe
usucapião de um bem que pertence a uma sociedade de economia
mista ou uma empresa pública?
Vou perguntar, em tese cabe? Claro que em tese cabe,
porque uma sociedade de economia mista e empresa pública são
pessoas jurídicas de direito privado e se elas são pessoas jurídicas de
direito privado e paraestatais e o que diz o artigo 98 do CC? O art. 98
do CC diz que bens públicos são aqueles que pertencem a pessoa
jurídica de direito público.

Então os bens dessas empresas são particulares e,


naturalmente, são bens usucapíveis. Só que lá vou eu de novo e
agora com apoio do STF. O STF diz que esse critério puramente
formal do CC não compensa, porque que não compensa?

Porque imagine vocês a Petrobras, é pessoa jurídica de


direito privado, não é? É sociedade de economia mista, não é? Mas
alguém admite a possibilidade de usucapião de uma refinaria? Não,
ninguém admite. E por que ninguém admite? Porque, apesar deste
bem pertencer a uma pessoa jurídica de direito privado, esse bem
recebe uma destinação pública, está afetado a uma finalidade pública
e, uma vez que tem finalidade pública, ele se torna inusucapível.

Eu quero abrir novamente a noção que vocês têm, e qual


que é a noção? A questão do bem se ele é público ou é privado não é
pela origem, é pela sua finalidade, pelo seu destino, pela sua
efetividade.

Nós vivemos em uma época hoje no Brasil em que não


interessa mais o rótulo e o que interessa é a destinação, é a
finalidade. Se o bem pertence a uma sociedade de economia mista ou

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

uma empresa pública, mas ele recebe uma finalidade pública esse
bem se torna inusucapível, posição do STF.

Agora, digo mais, terceira pergunta que eu faço: Gabriel


você entrou nesse terreno aqui e ficou 10 anos e você quer o
usucapião deste terreno onde você morou 10 anos e você ajuíza a
ação contra o proprietário, só que você descobre que esse terreno
não está registrado no nome de ninguém, você acha que isso é raro?

A coisa do terreno sem dono no Brasil é algo comum,


acontece toda hora, nosso sistema é muito desorganizado. Pergunta:
Cabe o usucapião de imóvel que não esta no nome de ninguém?
Então, eu vou dizer as duas posições: tem a posição dos
administrativistas e eles entendem que quando o Brasil foi descoberto
as terras se tornaram públicas e no que elas se tornaram públicas e
ninguém registrou ate hoje continua sendo bem público, portanto, é
inusucapível.

Só que como todos os administrativistas são uns


derrotados é obvio que a posição deles caiu porque o STJ adora os
civilistas. E o que os civilistas mostraram para o STJ e há cinco o STJ
acolhe? Que o terreno que não este em nome de ninguém não é bem
publico não, é res nullius, é coisa de ninguém.

E já caiu no MPF, são chamadas terras adéspotas. Terras


adéspotas, terras sem dono. E se é adéspota, que é sem dono, não é
bem público, é bem privado, e se é bem privado e passível de
usucapião.

Agora, o STJ é bem claro e criterioso, sabe o que ele diz:


que nada impede, todavia, que o poder público venha em defesa, na
contestação, e com base na lei 6383/76, consiga o poder público na
contestação demonstrar que este imóvel já sofreu ação
discriminatória.

O que é uma ação discriminatória? É uma ação ajuizada


pelo poder público para discriminar aquilo que é público do que é
privado, ou seja, vou repetir, Gabriel, nada impede que a União, o
estado ou o município chegue na contestação e diga seu juiz, alto lá,
antes do Gabriel completar 10 anos nós ajuizamos uma ação
discriminatória.

E a finalidade desta ação discriminatória é mostrar que


aquele imóvel pertence ao poder público. Mas se essa ação não for
ajuizada, prevalece a tese de que aquele bem era um bem privado e,
portanto, usucapível. Então para perceber que vocês entenderam:

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essa presunção de que o imóvel é res nullius é uma presunção


absoluta ou relativa? É relativa.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do professor: Não


é que ela neste caso se manifestaria, ela pode, mas ela deve ser
chamada. Por mais que o imóvel seja sem dono é litisconsórcio
necessário.
Então vai chegar a União vai ver que esse cara está
querendo este imóvel, esse imóvel é sem dono, mas o que eles vão
dizer? Mas nós ajuizamos uma ação discriminatória, então
necessariamente as Fazendas sempre vão saber dessa demanda? Em
qualquer processo, vão tentar uma saída para isso.

Agora, gente, continuando na questão dos requisitos


reais. Bem de família é usucapível? Em primeiro lugar, há dois tipos
de bens de família. Então, o que acontece, existem dois tipos de bens
de família: o bem de família voluntário e o bem de família legal.

O bem de família voluntário é aquele que está no artigo


1711 do CC que é instituído pela própria entidade familiar. O bem de
família legal que é a impenhorabilidade do imóvel residencial da lei
8009/90. Impenhorabilidade do imóvel residencial significa o quê?
Bem de família legal.

Eu pergunto: Cabe a usucapião sobre o bem de família? É


obvio que cabe, tanto na modalidade voluntária quanto na
modalidade legal. Sabe por quê?

Gabriel, se você entrou nesse bem de família aqui, ficou


10 anos morando lá, tranqüilo, em paz e ninguém te incomodou. É
por quê? É porque aquele só era formalmente um bem de família,
mas não era materialmente um bem de família. Ele tinha cara de um
bem de família, mas não tinha destinação, legitimação e merecimento
de bem de família.

É por isso que um bem de família é perfeitamente


usucapível. Só se torna bem de família se receber a destinação
adequada a sua origem. Então, é claro que tem usucapião.

Mais uma última: Olha, vou fazer uma pergunta para


quem não pegou. É a ultima dos requisitos reais. Washington, eu doei
este imóvel para você, esse terreno, você é meu amigo, doei um
terreno em Itaboraí para você.

Só que o Washington é um calhorda e não quis receber


esse presente com carinho e você se tornou dono, mas nunca foi lá,
beleza? Só que eu sou um cara esperto e doei o bem para ele com

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

uma clausula de inalienabilidade. Você nunca vai lá, mas também


nunca poderá vender, nem nunca vai poder doar. Então, eu te doei
com clausula de inalienabilidade.

Como o Washington nunca foi lá, o que aconteceu? O


Flávio Gomes começou a possuir o terreno vazio e ficou lá 10 anos.
Flavio é possível usucapir um terreno com cláusula de
inalienabilidade? É? Por quê? Se a cláusula de inalienabilidade não
pode nem doar e nem vender. Por que pode usucapir?

Lá no início da aula, porque o usucapião é modo originário


de aquisição de propriedade. Como o usucapião é modo originário,
quando o usucapiente se torna dono, todas as restrições que existiam
contra o antigo proprietário não incidem mais contra o usucapiente,
ou seja, a usucapião faz com o usucapiente receba a coisa límpida.

O que a cláusula de inalienabilidade impede, o que a


cláusula de inalienabilidade impede são os modos derivados de
aquisição, jamais os modos originários de aquisição.

Vamos trabalhar com os requisitos formais do usucapião.


Eu quero ouvir de vocês um número de zero a dez, vamos fazer um
bingo aqui. Quantas modalidades de usucapião temos no Brasil, de
zero a dez? Nós temos sete, são sete modalidades e trabalharemos
as sete com vocês. Sabe o que vocês vão ver hoje?

Vocês vão ver que eu tenho duas usucapiões


extraordinárias, duas ordinárias, uma urbana, uma rural e uma
coletiva. Totalizando sete modalidades de usucapião. Agora, eu
atravessarei os requisitos formais delas. Começando pela usucapião
extraordinária.

Pessoal quem estiver copiando vai para o artigo 1238 do


CC ele versa sobre a usucapião extraordinária. Não vou ficar lendo
artigo não, vou fazer logo um bate-bola com vocês sobre quais são os
requisitos para fazer usucapião.

O primeiro requisito está estampado na leitura do 1238 é


esse aqui: É o PMP, posse mansa e pacífica. Rafaela, você pode botar
numa prova que posse mansa e pacífica é a posse daquele possuidor
que é amigo dos vizinhos, convida eles pro almoço, joga conversa
fiada com o vizinho, você pode falar que isso é uma posse mansa e
pacífica? É obvio que não.

Posse mansa e pacífica é aquela que não sofreu oposição


judicial séria em toda sua trajetória. Reforçando: é aquela que não
sofreu oposição judicial séria. Agora, vou explicar através de

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exemplos para vocês sempre lembrarem: O Washington ele queria


usucapir um imóvel em 10 anos, dez anos é o prazo.

O Washington já estava lá há 8 anos, todo feliz e


tranqüilo. Estava faltando dois anos e o que é que aparece? O
malvado Flávio Gomes, que é o proprietário do terreno. O que você
faz Flávio quando vê o Washington no terreno? Qual é a ação que o
proprietário ajuíza contra o não proprietário mesmo?

Ajuíza uma ação reivindicatória. Agora olha como no


Brasil é como vocês sabem, que a nossa justiça é lenta você Flávio só
ganha essa demanda contra Washington quando ele já estava lá há
12 anos.

Com 12 anos vem uma sentença procedente e com


trânsito julgado. Ai nessa hora o Flávio falou: eu tenho a sentença
julgada e sai do meu terreno. Ai o Washington responde: ganhou,
mas não levou, porque eu já tenho 12 anos, já tenho mais que o
prazo necessário para a usucapião.

Você leve Washington? Não. Por quê? Porque esse


momento da sentença vai retroagir para gerar a interrupção do prazo
de usucapião a contar de quando? Do ajuizamento da demanda pelo
art. 219, parágrafo primeiro do CPC.

Vou repetir para quem não ficou atento: por mais que a
sentença tenha sido proferida quando o prazo da usucapião já foi
ultrapassado, essa sentença terá o efeito de interromper a prescrição
retroativamente ao momento do ajuizamento da demanda.
E qual é o momento do ajuizamento da demanda em uma
comarca como o Rio de Janeiro? A distribuição do feito, ou seja,
pessoal, ajuizamento da demanda, distribuição, protocolou. Art. 219,
parágrafo primeiro do CPC.

O que isso quer dizer? Qual é o momento em que a posse


perde a sua mansidão e a sua pacificidade? Quando há uma oposição
judicial séria. E quando houve oposição judicial séria? Quando o
devido processo legal foi ajuizado.

Nesse momento interrompeu-se o prazo de usucapião. É


isso que vocês têm que saber.

Se vocês têm uma trajetória de possuir o bem e durante


toda posse ninguém ajuizou contra vocês uma ação possessória ou
uma ação reivindicatória, se não houve esse ajuizamento, essa
demanda, ótimo. A posse de vocês manteve a mansidão e a
pacificidade.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Mas, se por acaso essa sentença foi julgada


improcedente? Muda alguma coisa? Claro que muda, sabe por quê?
Porque a oposição judicial não foi séria. Então, se a sentença foi
improcedente, Washington conseguiu a usucapião porque essa ação
foi ajuizada de maneira irresponsável, leviana e você consegue o
usucapião.

Então moral da história, essa sentença só provoca esse


efeito interruptivo retroativo se ao final a demanda for julgada
procedente. Ai você pergunta assim: Nelson, mas uma notificação
extrajudicial não interrompe o prazo de usucapião? Não, claro que
não.

Gente, como é que vocês admitem que a usucapião pode


ser paralisada por uma medida extrajudicial. Jamais. A usucapião tem
uma função social da posse relevante de mais para ser paralisada por
notificação extrajudicial, é só o devido processo legal com o
contraditório e com ampla defesa que fazem com que a posse perca
sua mansidão e sua pacificidade.

Muito bem pessoal, agora olha aqui: número 1 a posse


tem que ser mansa e pacífica, e número 2, qual que é o segundo
requisito para que se consiga uma usucapião extraordinária? PAD,
posse com animus domini.

O que é animus domini? É o desejo do possuidor de ser


dono da coisa. É a intenção do possuidor em ser proprietário, ou seja,
o possuidor sabe que não é dono, até mesmo sabe quem é o
proprietário, até conhece o proprietário, mas qual é o objetivo do
possuidor com animus domini? Ele quer dar uma rasteira no
proprietário, ele quer substituir o proprietário, ele tem a intenção de
ser o novo dono, essa que é a posse com animus domini.

Eu tenho um terreno em Montes claros e aí gente como


eu confio demais no Vitor, coloquei o Vitor como capataz no meu
terreno. E eu durante 18 anos paguei um salário mínimo para o Vitor
para ele ser capataz da minha fazenda. Gente durante esses 18 anos
eu nunca fui à fazenda. Deixei o Vitor lá feliz.

Pergunta: Depois de 18 anos o Vitor pode usucapir? Não.


Por quê? O que falta à usucapião? Se vocês falarem que o que falta é
animus domini na prova é ZERO! O que falta ao Vitor é uma coisa
muito pior, é posse. Tomem cuidado. Muito antes de vocês pensarem
em animus domini vocês têm que pensar que é carecedor de ação um
cara que nem ao menos tenha posse.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Ou seja, é posse com animus domini. Então, primeiro tem


que saber se o cara tem posse. O Vítor não tem posse, ele é mero
detentor. Detentor não pode ajuizar ação de usucapião.

O Vítor é detentor porque ele não possui a coisa em nome


próprio, ele a possui em nome alheio. Ele é um mero subordinado,
um mero cumpridor de ordens. O art. 1198, CC traz a lume a
hipótese de haver um detentor.

Como o detentor é apenas um longa manus do possuidor,


como ele é apenas um simples instrumento do possuidor, detentor
não pode aju8izar ação de usucapião porque detentor não tem posse.

Vamos supor que eu tenho um outro terreno lá em


Montes Claros e esse outro terreno eu arrendei para o Gabriel. O
Gabriel é arrendatário do Nelson há 15 anos. Depois desses 15 anos
ele vai usucapir o terreno? Não, pois falta para ele, nesse caso,
animus domini.

Nesse exemplo o Gabriel tem posse. Se ele tem posse


porque ele é arrendatário, por que ele não tem animus domini? Esse
é um exemplo onde ele tem posse, mas ele tem apenas a posse
direta.

Ou seja, todas as vezes que alguém entra no imóvel de


vocês em virtude de uma relação jurídica contratual, seja como
locatário, arrendatário ou usufrutuário, eu falo que esse cara que
entrou tem posse direta. Ele está na coisa por um contrato que o
investiu na posse.

Então, sempre lembrem, toda vez que há um possuidor


direto, o possuidor direto não tem animus domini, pois todo dia que o
arrendatário está no terreno, ele se lembra que enquanto ele exerce
a posse direta, o proprietário nunca deixou de exercer a posse
indireta do art. 1197, CC.

Então, como é que o cara pode ter animus domini se o


tempo inteiro ele reconhece que só está na coisa em virtude de uma
relação jurídica com o possuidor indireto?

Quem não tem animus domini? São as pessoas que estão


na coisa investidas de uma relação jurídica contratual porque são
possuidores diretos. Esses não têm animus domini.

Zé Rainha invadiu o terreno de vocês, tirou vocês de lá e


ficou no terreno 10 anos sem ninguém incomodar. Zé Rainha vai
usucapir? Vai, pois ele possui animus domini.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Animus domini não é a intenção do possuidor de ser o


dono da coisa? Zé Rainha tinha alguma relação jurídica contratual
com o proprietário? Não. Zé Rainha entrou na coisa para se tornar o
dono.
Mesmo ele tendo posse de má-fé e não tendo justo título
ele irá usucapir, pois usucapião extraordinária não exige boa-fé e
nem justo título. Então, se ele ficar lá durante 10 anos sem ninguém
incomodar, houve posse mansa e pacífica? Houve. Ele tem posse com
animus domini e posse mansa e pacífica, então ele pode
tranqüilamente usucapir.

Vocês têm que ter muito cuidado com os requisitos da


usucapião extraordinária.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do prof.: Essa


questão da interversão da posse é muito legal, mas eu só vou discutir
com vocês daqui a duas semanas. Se eu entrar na interversão da
posse, a gente se perde um pouquinho. Mas o que ele está
perguntando é um locatário, um capataz nunca vai usucapir? Vão,
mas em hipóteses especiais.

Filipe, se você entrou em um terreno largado, que não


tinha ninguém, teve posse mansa e pacífica, teve posse com animus
domini e a única coisa que você fez nesse tempo todo em que
possuiu o terreno foi murar o terreno e um vez por semana ia lá para
ver se estava tudo bem.

Você não morou lá, não realizou nenhuma atividade


econômica, não teve nenhuma função social a sua posse, mesmo
assim, ele vai usucapir? Vai, em 15 anos.

No CC/2002 eu tenho 2 usucapiões extraordinárias. Uma


de 15 e outra de 10 anos. No art. 1238, CC o caput é de 15 anos e o
§ único é de 10 anos.

Quais são essas 2 modalidades de usucapião


extraordinária? É o seguinte: quando vocês são possuidores, mas não
ostentam qualquer função social, vocês não dão moradia, não
edificam e vocês não plantam, vocês vão usucapir em 15 anos.

Mas se você, além de possuir, morar no imóvel ou der


qualquer forma de função social, qual é o seu prêmio? O prazo cai
para 10 anos. É a usucapião extraordinária com função social do §
único do art. 1238.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Miguel Reale usa uma terminologia legal. Ele fala que isso
aqui é a posse trabalho e a posse trabalho tem mais mérito do que a
posse simples.

Art. 1238, caput é a posse simples e art. 1238, parágrafo


único é a posse trabalho. Mas essa posse trabalho não passa de uma
interessante expressão que resume a idéia da função social da posse.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do prof.: Gente,


olha que ótima pergunta: Nelson, quer dizer que o Felipe vai usucapir
sem ter dado função social nenhuma? Numa ponderação de
interesses o legislador ainda acha que é mais importante para o
ordenamento jurídico prestigiar um possuidor mesmo que ele não
tenha dado função social do que um proprietário desidioso.

Mas se esse possuidor ainda deu função social, essa


ponderação tem que ser mais branda, no sentido de que ele deve
demorar menos tempo para usucapir.

Então, essa é a idéia. A posse para ser posse em si, não


requer uma função social, mas se ela é posse e ainda tem função
social, melhor ainda. O ordenamento jurídico torna-a merecedora de
uma redução de prazo. Isso sim é a aplicação da proporcionalidade
no art. 1238, CC.

Vamos falar sobre usucapião ordinária. A usucapião


ordinária tem residência no art. 1242 do CC. Quais são os requisitos
que a usucapião ordinária exige e que não são exigidos para a
extraordinária? Justo título e boa-fé.

Justo título e boa-fé sempre andam juntos.

Justo título é uma das questões mais difíceis do direito


civil. Eu vou dar um exemplo para vocês que corresponde a toda e
qualquer questão de justo título de concurso público.

Sempre que o examinador vai perguntar de justo título


ele vai pensar nesse exemplo.

Washington, eu vendo para você uma fazenda. Você


adquiriu a fazenda por escritura pública de compra e venda.
Washington, você está morando nessa fazenda há 11 anos. Após 11
anos o Flávio Gomes aparece e diz que Nelson fez uma venda a non
domino e que o bem pertencia a ele.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Flávio ajuíza ação reivindicatória para retirar Washington


de lá. O que Washington pode alegar em defesa? Usucapião. Ele vai,
pela súmula 237 do STF, alegar usucapião em defesa.

E por que ele vai alegar usucapião em defesa? Primeiro,


durante 11 anos ele não teve posse mansa e pacífica? Teve. Ele teve
uma posse sem sofrer qualquer oposição judicial séria.

Segundo, ele teve animus domini? Teve, tranquilamente


que Washington teve a intenção de dono. Terceiro, ele teve justo
título? Teve. O que é um justo título? Ele tem um justo título.

Justo título, pessoal, é um documento em tese apto a


transferir a propriedade. Simples, não é? Mas o que eu quero dizer, e
agora fica fácil para vocês visualizarem. Justo título, pessoal, é
qualquer documento que dá ao adquirente, que dá a Washington a
falsa suposição de que ele é o dono da coisa.

Ou seja, por que o justo título não é qualquer documento


chulé (sem validade)? O justo título é um documento que
extrinsecamente, externamente ele é perfeito. Qualquer um de vocês
na sala de aula se olhar para um justo título, vão dizer eu vou
comprar esse imóvel, porque é idôneo para transmitir propriedade.
Ou seja, o justo título é um documento que em tese é perfeito para a
aquisição de propriedade.

Então, qual é o problema dele? O problema é que apesar


dele ter uma aparência perfeita, ele contém um vício que impede que
essa propriedade seja verdadeiramente transmitida.

Em 99% dos casos em concurso público, qual é esse


vício? É a aquisição a non domino. É ele ser proveniente de quem não
é proprietário. Apesar do título de aparência de legítimo, na verdade,
esse título não transferiu a propriedade porque ele é eivado de
nulidade.

Qual é a mágica da usucapião? O tempo nesse meu


exemplo foi de 11 anos. O que o tempo fez? O tempo é como se
fosse uma vacina que cura o título, é como se fosse uma fórmula
milagrosa que elimina o defeito do justo título.

O tempo faz a mágica de converter o justo título em um


título justo para transmitir propriedade. Então, aqueles vícios são
sanados pelo longo prazo.

E foi isso que aconteceu com Washington. Ele ficou ali


mais de 10 anos e conseguiu sanar o vício. Se Washington não era

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

proprietário porque o título era a non domino, ele se tornou


proprietário pela usucapião porque o justo título fea esse milagre.

Quem é que deve usucapir em prazo mais curto? O cara


que tem usucapião extraordinária ou ordinária? Usucapião ordinária.

Quem tem mais merecimento? Aquele que estava na


coisa com base no justo título ou sem? É claro que esse que possuía
justo título tem mais merecimento.

É por isso que os prazos de usucapião ordinária são


prazos de 10 e 5 anos. São prazos mais curtos do que o prazo de
usucapião extraordinária.

Daniele se, por acaso, um cara pega um papel e escreve


que está te transmitindo um terreno no Leblon. Esse papel é justo
título? É óbvio que não. Justo título é um documento em tese idôneo
a enganar pessoas de capacidade de entendimento razoável, ou seja,
é um documento que externamente induz alguém a acreditar que
está adquirindo propriedade.

Eu só posso falar que você tem um justo título na mão


quando esse documento exerce idoneidade. Não é qualquer
documento que pode ser chamado de justo título.
Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do prof.: Esse é
justo título, mas não é justo título para fins de usucapião. É justo
título para fins de posse. A sua pergunta foi ótima porque quando eu
for dar aula de posse, eu vou falar que o conceito de justo título para
fins de usucapião é muito mais fechado do que o conceito de justo
título para fins de posse.

Justo título para fins de usucapião não é qualquer título, é


só o título idôneo para transmitir propriedade. Esse que você deu o
exemplo é justo título apenas para a posse. Eu vou mostrar na aula
de posse que ele tem alguns efeitos, mas não gera usucapião.

A questão mais importante do justo título é a seguinte:


para que um juiz considere que você tenha justo título, esse justo
título tem que ser registrado? Antes da vigência do CC/2002 50%
dizia que tinha que ser registrado e 50% dizia que não.

Os que diziam que só poderia ser considerado justo título


o título registrado tinham o seguinte argumento: como é que uma
pessoa pode ter a falsa convicção de que é dona da coisa se não
levou o título ao registro?

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Mas eu não concordava com essa idéia. Eu ficava com


Pontes de Miranda que entendia que era óbvio que o cara que tem
justo título não precisa registrá-lo para ele ser considerado justo
título. Por uma simples razão: se alguém aqui na sala tem o justo
título e chegou a registrá-lo, não precisa ajuizar usucapião porque
você já é dono.
Então, o cara que tem justo título e já registrou, ele é
dono, ele não precisa ajuizar ação de usucapião contra ninguém. É
por isso que prevalecia essa tese de que justo título não precisava ser
registrado.

O NCC/2002 acabou com essa polêmica do justo título.


Todo mundo abre o art. 1242, CC. Nós temos 2 usucapiões
ordinárias. A do caput que é a usucapião ordinária simples e a do §
único que é a de 5 anos que é chamada de usucapião tabular.

O art. 1242 fala que se você tem posse, animus domini,


mas se você tem justo título e boa-fé o prazo cai para 10 anos.

O § único do art. 1242 está dividido em 3 partes. Art.


1242, § único: “Será de 5 anos o prazo previsto neste artigo se o
imóvel houver sido adquirido, onerosamente,....”. Essa é a primeira
parte. Eu pergunto: se você tem um formal de partilha, e esse é o
seu justo título, você irá usucapir em 10 anos ou em 5 anos? Em 10
anos, pois formal de partilha não é justo título oneroso. É gratuito.

Para cair para 5 anos tem que ser um justo título


oneroso, como um contrato de compra e venda, uma promessa de
compra e venda e por aí vai.

Agora, uma escritura de doação um formal de partilha


deve-se contar 10 anos.

Vou continuar a ler o artigo. Art. 1242, § único: “... se o


imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório...”.

Aí, vocês podem me perguntar: Nelson, esse usucapião


xige que o usucapiente tenha registrado. Você não disse que o cara
que registrou não precisa usucapir se ele já é dono?

Sublinhem a expressão “com base no registro cancelado


posteriormente”.
Washington, vamos supor que eu te vendi esse imóvel e
você conseguiu registrar essa compra e venda no ofício imobiliário,
tornando-se, assim, dono. Ele conseguiu registrar e estava com o
imóvel registrado no nome dele há 6 anos.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Após 6 anos aparece Flávio Gomes, ajuíza uma ação de


invalidade do título c/c cancelamento do registro e ajuíza uma ação
reivindicatória para te retirar do imóvel. O que ele alega em defesa?
Usucapião, pois ele vai dizer em defesa que residiu no imóvel com
registro por mais de 5 anos.

Esse usucapião do § único se chama usucapião tabular


porque ´uma proteção maior para aquele possuidor que não só tinha
justo título, mas que também registrou esse justo título e conseguiu
ficar com esse justo título registrado pó, no mínimo, 5 anos antes
dele ter sido cancelado. Aí ele pode alegar usucapião em defesa.

O cara que tem justo título, mas que nunca conseguiu


registrar vai conseguir o usucapião em 10 anos. O cara que tem justo
título, registrou e nunca foi cancelado o registro dele precisa pedir
usucapião? Não.

O cara que tem justo título, registrou e após 5 anos foi


cancelado o registro, pode alegar usucapião em defesa pela
usucapião tabular. Alguns autores chamam isso de convalescença
registral.

Por que convalescença registral? Porque aquele vício do


título convalesce em 5 anos pelo fato daquele título ter sido
registrado. Essa é a vantagem dessa redução.

Eu pedi para vocês dividirem o § único do art. 1242 em 3


etapas, pois não adianta tudo isso se Washington não tiver dado
função social à posse. O § único do art. 1242 exige que você tenha
dado moradia ou realizado investimentos produtivos nesse imóvel.

Quais são os 3 requisitos simultâneos: aquisição onerosa


do justo título, que ele tenha sido cancelado, no mínimo depois de 5
anos do registro e que tenha dado função social à posse. Essa é a
usucapião ordinária.

Só mais um detalhe: não basta ter justo título, tem que


ter boa-fé. Possuidor de boa-fé é aquele que tem a falsa convicção de
que é o dono da coisa. Eu só posso chamar de possuidor de boa-fé o
cara que ostente justo título.

Só tem boa-fé a pessoa que fala que o terreno é dela


porque tem justo título. A boa-fé é o elemento subjetivo, mas que é
amparado pelo aspecto objetivo que é o justo título. O justo título é o
elemento objetivo que presume o elemento subjetivo da boa-fé.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Inclusive, isso é a leitura do art. 1201, § único, CC que


será analisado nas aulas de posse.

O justo título é o elemento objetivo que ampara o


elemento subjetivo da posse de boa-fé. Isso acontece porque a boa-
fé que eu estou trabalhando nos direitos reais é a boa-fé subjetiva.
Não confundam essa boa-fé com a boa-fé objetiva dos direitos das
obrigações. E eu só posso falar que o possuidor tem boa-fé se ele
tiver justo título.

Qual é a diferença entre animus domini e boa-fé? Quem


tem animus domini só tem a intenção de ser dono, mas sabe que não
é dono. Mas quem tem boa-fé tem a falsa convicção de que é o dono
da coisa.

Quantas modalidades de usucapião faltam? Faltam três.

Vamos falar de usucapião especial. A usucapião especial


se distingue em usucapião especial urbana e em usucapião especial
rural. Elas estão na CRFB/88. A usucapião urbana está no art. 183,
CRFB/88 e a usucapião rural está no art. 191, CRFB/88.

Elas são modalidades de usucapião especial. São


especiais pois são modalidades de usucapião que exigem uma intensa
função social. A função social da posse aqui ainda é mais exigida do
que nas modalidades tradicionais da usucapião. Não é por menos que
a usucapião demanda apenas um prazo de 5 anos de posse em
qualquer uma de suas modalidades.

O CC também trouxe para o seu corpo essas modalidades


de usucapião. A urbana no art. 1240, CC e a rural no art. 1239, CC.
Não houve mudança porque isso é matéria constitucional. Jamais o
Código civil poderia alterar o sentido dessas usucapiões que estão na
CRFB/88.

Vou fazer 14 perguntas de concursos para vocês sobre


usucapião urbana.

Pedro, você está sem lugar para morar e encontrou no


Grajaú um terreno vago. E você ficou nesse terreno de 200 m2 por
três anos. Depois de 3 anos você teve que viajar para ver uma tia
doente e pediu para o Flávio ficar tomando conta do imóvel enquanto
você viaja.

Flávio ficou 2 anos no imóvel tomando conta. Pedro pode


juntar o seu período de posse com a posse do Flávio para pedir a
usucapião urbana já que o prazo dele é de 5 anos? Flávio é o

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

detentor do terreno, está tomando conta. Com isso, não pode juntar
o tempo para pedir a usucapião.

Não pode juntar o tempo porque o requisito básico da


usucapião, seja ela urbana ou rural é a pessoalidade da posse, que
quer dizer que na usucapião urbana e rural o possuidor tem que
possuir pessoalmente. Ele não pode possuir através de outras
pessoas.

Isso ocorre porque a índole da usucapião especial é


justamente dar tratamento diferenciado a quem realizou uma
ocupação pessoal sobre a coisa.

Qual é a única chance do Pedro conseguir usucapião? Se


o Flávio ficar lá mais 12 anos, totalizando 15 anos e conseguindo a
usucapião extraordinária.
Na usucapião extraordinária e na ordinária, você não
precisa possuir em pessoa. Se eu começo a possuir, eu posso colocar
um arrendatário, alguém tomando conta, que eu é que vou usucapir
depois de completado o prazo. Mas esse fenômeno é só na
extraordinária e na ordinária.

Esse fenômeno não acontece na usucapião urbana e rural


que exige pessoalidade da posse.

Pedro, vamos supor que você ficou nesse imóvel 3 anos e,


após esse tempo, Washington aparece perguntando se você não
podia vender a sua posse para ele.

Gente, pode vender posse? Juridicamente vender posse é


um absurdo porque posse é algo informal. Posse não transita pelo
registro. Mas, na prática as pessoas no Brasil fazem contratos de
cessão de posse.

Então, Pedro fez um contrato de cessão de posse para


Washington que ficou no terreno mais dois anos. É possível juntar o
tempo de posse do Pedro com o tempo de posse do Washington para
a usucapião especial? Também não, pois não se permite em matéria
de usucapião especial a chamada acessio possessionis.

Não se admite a acessão de posse em razão da


pessoalidade da posse.

Quanto tempo Washington vai ter que ficar lá se ele


quiser usucapir? Vai ter que ficar 5 anos.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Olha o art. 1243, CC: “O possuidor pode, para o fim de


contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua
posse a de seus antecessores (art. 1207), contanto que todas sejam
contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1242, com justo título e de
boa-fé”.

O art. 1243 está prevendo a acessio possessionis. O CC


permite essa acessão de posse. Anotem ao lado do art. 1243 que
quando ele permite a acessio possessionis, é só para usucapião
extraordinária do art. 1238 e usucapião ordinária do art. 1242.

Se por acaso Pedro quer usucapir um bem em 15 anos


(usucapião extraordinária) e fica 7 anos. Pode Washington ficar 8
anos no imóvel e depois juntar? Na usucapião extraordinária
tranqüilamente é possível a acessio possessionis, visto que não se
exige pessoalidade.

Washington terá que provar ao juiz que ele recebeu a


posse do Pedro. Tem que haver documento ou tem que haver
testemunhas demonstrando que ele é sucessor do Pedro.

Além de demonstrar que ele sucedeu o Pedro na posse,


ele tem que demonstrar efetivamente que Pedro possuiu por sete
anos e que ele efetivamente possuiu por 8 anos. Aí ele conseguiria a
acessio.

Mas essa acessio jamais poderia ser aplicada na urbana


ou na rural porque exige pessoalidade.

Olha o que diz o enunciado 317 do CJF: “A acessio


possessionis de que trata o art. 1243 não encontra aplicação nos
arts. 1239 e 1240 em face da normatividade da usucapião
constitucional dos arts.183 e 191 da Constituição”.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do prof.: Mesmo


que ele tenha adquirido a posse com instrumento qualquer de
cartório de títulos e documentos, desde que ele tenha possuído
pessoalmente 5 anos. Mas ele não pode pegar os 2 anos do João e
juntar com os 3 anos dele.

Pedro, você estava possuindo um imóvel há 3 anos. Você


morre e deixa sua viúva e 8 filhos. Mas quando você morreu só a sua
viúva morava contigo. E a sua viúva ainda ficou lá mais dois anos. A
sua viúva pode juntar o tempo de 3 anos que você possuía com o
prazo de 2 anos após a sua morte e pedir usucapião? Pode.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Mas por que pode se é proibida acessio possessionis? Mas


isso não é acessio possessionis. Isso é sucessio possessionis. A
sucessão de posses é a sucessão de posse causa mortis.

Por que pode transmitir causa mortis e não pode inter


vivos? Pode na causa mortis porque está mantida a pessoalidade. A
usucapião é da pessoa ou e sua entidade familiar. É por isso que
pode juntar com a viúva.

Art. 226, CRFB/88. Quais são as 3 entidades familiares


que vocês conhecem? Casamento, união estável e família
monoparental.

Então, se o Pedro morre e sua esposa fica, ela continua.


Se você morre e sua companheira fica, ela continua. Se você morre e
seu filho fica, ele continua.

Mas os 8 filhos de Pedro terão direito à propriedade? Não,


pois para fins de sucessio possessionis, a entidade familiar não é a
família. É a entidade familiar que estava no imóvel ao tempo do óbito
e continuou até o final.

Não basta ser família, tem que estar no imóvel na época


em que ele morreu.

Pergunta de aluna: se for um incapaz, que não corre


prescrição contra ele, com é que acontece? Resposta do prof.:
Sempre quando você pensa que não corre prescrição contra o incapaz
você pensa o seguinte: e se o proprietário desse terreno é um
menino de 14 anos? Se o proprietário desse terreno é um menino de
14 anos, esse povo só vai usucapir, só vai começar a contar o prazo
da usucapião no momento em que ele completa 16 anos. Isso se dá
com relação ao proprietário e não ao possuidor.
Pedro, você e o Washington têm uma relação
homoafetiva. Você morre. O Washington pode continuar os dois anos
que faltam? Pode, pois o rol de entidades familiares no direito
brasileiro é exemplificativo pelo princípio do afeto, da solidariedade,
da dignidade da pessoa humana nós não podemos reduzir o conceito
de família a um conceito puramente formal, pois ele é cultural.
Então, em qualquer situação, mesmo nas outras famílias
que não estão abrangidas pelo art. 226, CRFB/88 nós temos a
possibilidade da sucessio possessionis.

Pedro, você conseguiu possuir esse terreno por 5 anos.


Esse terreno tem 250 m2 conforme diz a CRFB/88. Durante esse
período o Pedro construiu uma mansão nesse terreno. Ele pode
usucapir? Claro que pode. A CRFB/88 não fala que há um máximo de

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

250 m de construção. A CRFB/88 fala que deve ter 250 m de área do


terreno.

Dentro dessa área do terreno vocês podem construir o


que quiserem. Onde a CRFB/88 não limitou, não cabe ao intérprete
limitar. Então, é por isso que ele tranqüilamente pode usucapir.

A finalidade da usucapião especial constitucional não é


discriminar rico e pobre. A finalidade é dar propriedade a quem não
tem.

Então, se o Pedro não tem imóvel registrado no nome


dele e esse é o primeiro, pouco importa para a Constituição se a
usucapião é de uma mansão ou de um barracão. O que interessa é
que ele está recebendo sua primeira propriedade e ele não tinha
nenhuma.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do prof.: Mas a do


rural eu vou falar depois. Daqui a pouco eu chego no imóvel rural.

Pedro, você ficou 5 anos possuindo um imóvel e esse


imóvel mede 750 m2. Depois de 5 anos você contrata um advogado e
pergunta se pode usucapir esse imóvel em 5 anos. O advogado diz
que não pois ele é maior do que 250 m2.

Pedro insiste dizendo que quer usucapir. O advogado fala


para ele limitar o seu pedido de usucapião para 250 m2. O advogado
está correto? Não, pois isso seria confisco contra o direito de
propriedade.

Imagine que eu sou proprietário desse lote de 750 m2 e


todo dia eu passo lá de carro e vejo que o Pedro está lá. E penso que,
por enquanto, ele pode ficar lá pois só irá usucapir em 10 ou 15 anos.

Depois de 5 anos, ardilosamente vem o possuidor e reduz


o seu pedido a uma fraca, a 250 m2. Esse pedido tem que ser julgado
improcedente pois ele fere o princípio da segurança jurídica. Seria
uma forma de confisco contra o meu direito fundamental de
propriedade.

O que Pedro deveria ter feito desde o primeiro dia da


posse se ele quisesse usucapir em 5 anos? Ele deveria ter cercado
terreno e restringido a parte dele a 250 m2. Ele deveria ter praticado
atos de posse restrito a apenas 250 m2.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando a Constituição fala em no máximo 250 m2, não é


que o terreno tenha que ter 250 m2 não. O terreno pode ser muito
maior. Mas são 250 m2 de posse.

Se ele possuiu 250 m2, cercou e demonstrou que ele só


quer essa área, o juiz vai julgar procedente e o restante do terreno
continuam com o proprietário.

O juiz irá desmembrar a matrícula. Haverá uma matrícula


nova para o usucapiente e a matrícula do proprietário será reduzida a
500 m2.
Pedro é casado com Raimunda. Vocês possuem um
imóvel de 500 m2. Dá para você pedir 250m e a Raimunda pedir
205m? Não, pois esses 250 m2 são para a entidade familiar.

Pedro, você possuiu um imóvel de 250 m2 e nesse imóvel


por 5 anos você fez o seu consultório odontológico. Você consegue
usucapião? Não, pois essa usucapião é para fins de moradia. A
usucapião urbana não é apenas o requisito da pessoalidade. É
pessoalidade mais moradia.

Se for utilização mista, ou seja trabalha e mora lá, não


tem problema nenhum. O que não pode é ser um imóvel puramente
comercial.
Pessoa jurídica consegue usucapião urbana ou rural? Não,
pois pessoa jurídica não mora, pessoa jurídica tem sede.

Pessoa jurídica pode possuir um terreno por 15 anos e


usucapir? Pode. Pessoa jurídica pode obter usucapião ordinária ou
extraordinária.

Pergunta de aluna: aquela hipótese que você falou da


entidade familiar. O que seria entidade familiar para a usucapião?
Resposta do prof.: A entidade familiar é restritamente o núcleo
composto por pai e filhos. Se tiver uma prima morando junto, ela
pode ocupar os outros 250 m2.

Pedro, você ficou 4 anos e 10 meses nesse terreno. Que


terreno é esse? É um terreno muito valioso de 250 m2. Faltando 2
meses para usucapir você recebe um telegrama dizendo que a tia
dele que mora no Ceará morreu e deixou para você e para cada um
dos seus 17 irmãos, 1/18 de um casebre avaliado em R$ 300,00.

Ele consegue o usucapião? Teoricamente pela


Constituição e pelo CC ele não consegue porque diz a Constituição e o
CC que ele não pode ser proprietário de outro imóvel, seja inter vivos
ou causa mortis.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Se vocês fossem o Pedro, o que vocês fariam? Vocês


renunciariam a herança.

Se ele não renuncia a herança, mesmo assim vocês como


juízes dariam a usucapião para ele? Dariam por quê? Pois quando a
Constituição fala que não pode ter outro imóvel ela quer dizer outro
imóvel que propicie direito fundamental de moradia.

Quando você tem 1/18 de um imóvel, isso não te propicia


mínimo existencial nenhum. É claro que só se torna incompatível o
fato de você ser proprietário de outro imóvel capaz de lhe conceder
moradia.

Pedro, você completou o prazo de 5 anos sem ter imóvel


nenhum. Mas ainda não ajuizou a ação de usucapião. Se, 3 meses
após completar o prazo de 5 anos ele compra um imóvel. Quando ele
for ajuizar ação de usucapião mais tarde isso vai prejudicar?

Claro que não. Quando a Constituição diz que não pode


ter outro imóvel, é do primeiro dia de posse ao último dia do quinto
ano de posse.

Se o Pedro já teve um dia na vida um outro imóvel e


vendeu antes de começar a posse, não tem problema. Se o Pedro
depois de ter completado o lapso aquisitivo compra outro imóvel,
também não tem problema. O problema é ele ter outra propriedade
nesse espaço de tempo de 5 anos para completar a usucapião.

Se o Pedro conseguiu essa usucapião de 5 anos por


sentença, ele pode vender esse imóvel depois da sentença ter
transitado em julgado? Claro que pode, não é dele? E se ele vender
amanhã ele pode ajuizar uma nova usucapião urbana? Não. Há
também proibição constitucional.

Usucapião urbana e rural só pode ser obtida uma única


vez. Se vocês conseguiram uma usucapião urbana, vocês podem
conseguir depois uma usucapião ordinária ou extraordinária? Pode,
sem problema nenhum.

O que não pode é usucapião urbana seguida de outra


urbana; uma urbana seguida de uma rural; uma rural seguida de
uma rural e uma rural seguida de uma urbana. Nesses casos não
pode, pois você está vulnerando o desiderato social, que é dar
propriedade a quem não tem.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Isso tudo foi para lhes mostrar a usucapião urbana com


todos os seus requisitos.

Amanhã eu vou começar a aula com a usucapião urbana


coletiva, vou falar sobre a concessão especial de uso para fins de
moradia, depois vou falar sobre a usucapião rural e vou terminar
falando das técnicas processuais da usucapião.

Rio, 08.11.2007 – 4ª AULA

Bom dia, vamos continuar usucapião.

Ontem eu conversei com vocês sobre usucapião.


Efetivamente é uma matéria longa. A cada dia que passa fica mais
difícil de dar aula sobre usucapião, pois sempre surgem questões
novas.

Eu falei que existem 7 formas de usucapião. Eu já estava


na usucapião especial urbana e na usucapião especial rural. E eu
havia dito 14 coisas sobre a usucapião urbana.

A usucapião urbana que eu tratei está no art. 183 da


CRFB/88 e no art. 1240 do CC foi a usucapião urbana individual que
possui os seguintes requisitos: imóvel até 250 m, não ter sido
proprietário naqueles 5 anos de outro imóvel, o imóvel é para
moradia e pessoalidade da posse

Eu vou estudar com vocês agora a usucapião coletiva que


está no estatuto da cidade no art. 10. Mas tem uma outra coisa da
usucapião individual que está no estatuto da cidade que eu tenho que
falar antes.

Santino, você fica 5 anos morando em um apartamento


que não é seu. Tem usucapião urbana de apartamento? Claro que
tem e está no art. 9o do estatuto da cidade.

O art. 9o do estatuto da cidade vai além do CC na


usucapião urbana, pois a usucapião urbana no CC e na CRFB/88 fala
em terreno de até 250 m2. Só que a usucapião urbana individual do
art. 9o do estatuto da cidade tem uma outra finalidade. Fala em
terrenos ou edificações.

Por que edificações? Apartamento é imóvel urbano.


Então, o que acontece? Nada impede que qualquer um de vocês entre

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

em um apartamento, tenham posse com animus domini e consigam a


suscapião urbana de um apartamento de até 250 m2.

A grande discussão é se é 250 m 2 de área interna do


apartamento ou se é a área de 250 m2 somando as áreas comuns do
prédio. O que vocês acham? É só a área útil interna.

E tanto é verdade que nós temos o enunciado 314 do CJF


que fala: “Para os efeitos do art. 1240 não se deve computar para
fins de limites de metragem máxima a extensão compreendida pela
fração ideal correspondente à área comum”.

Isso quer dizer que o próprio CJF confirma que pode


usucapir apartamento. Quem será citado nessa demanda? O síndico
representando o prédio e todos aqueles outros posteriormente:
estado, União, município e por aí a gente vai. Então, essa era a
última coisa que eu queria ter dito a respeito da usucapião urbana
individual para que nós possamos começar a usucapião urbana
coletiva.

Qual é o prazo da usucapião especial? 5 anos. Tem mais


alguma outra usucapião com o prazo de 5 anos sem ser essa? A
usucapião ordinária tabular do § único do art. 1242, CC. Qual é a
diferença entre elas?

Qual é a diferença entre a usucapião especial urbana


individual ou a rural individual que também é de 5 anos e aquela
usucapião do art. 1242, § único que também é de 5 anos? A primeira
diferença é que para ter aquela usucapião do art. 1242, § único não
há limite de metragem do imóvel. Pode ser qualquer metragem. Já na
usucapião rural ou urbana individual tem limite de metragem (250
m2).

A segunda diferença é que nessas modalidades especiais


da Constituição o cara não pode ter nenhum outro imóvel. Já no CC,
se alguém quer ter usucapião ordinária de 5 anos pode conseguir a
usucapião ordinária mesmo ele já tendo 28 imóveis? Pode. Não se
exige que aquele seja o primeiro imóvel dele.

A terceira diferença é a seguinte: na usucapião especial


exige-se moradia com pessoalidade. Na usucapião de 5 anos do CC
não se exige moradia com pessoalidade.

A quarta diferença é que a usucapião do art. 1242 para


ser de 5 anos exige justo título e boa-fé. Já a usucapião especial não
exige justo título e nem boa-fé. Basta animus domini que já é
suficiente.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A única coisa que elas têm em comum são os 5 anos. No


resto, elas são completamente diferentes.

Vamos para a usucapião coletiva. Vamos dar um exemplo


para vocês entenderem.

Beto imagina que tem um terreno que é uma favela no


Rio de Janeiro. Uma favela de 100 mil m2. Nessa favela tem mil
famílias. Cada família deve ocupar mais ou menos 100 m2. Beto, você
está ocupando uma área de 100 m2.

Primeira pergunta: Beto ficou nessa área de 100 m2 por 5


anos, ele não tem outro imóvel e ele morou lá pessoalmente pelos 5
anos. Ele consegue a usucapião urbana individual? Não, pois para se
ajuizar uma ação de usucapião urbana individual é necessário ter a
planta do imóvel (art. 942, CPC).

E você, Beto, não tem como trazer a planta do imóvel


porque esse lugar em que você vive não existe no registro do Rio de
Janeiro. O que existe é essa gleba. A divisão do terreno que os
favelados fizeram foi uma situação fática que não está documentada.

Então, ele não consegue a usucapião individual. Isso é


injusto pois há uma prevalência da forma sobre o acesso à
propriedade. Para corrigir essa injustiça foi criada a usucapião
coletiva (art. 10, lei 10.257/2001).

Qual é a finalidade da usucapião coletiva?

Verdadeiro ou falso? A usucapião coletiva é, na realidade,


uma ação ajuizada por um litisconsórcio ativo de mil famílias de
possuidores pedindo a coisa toda? Essa afirmação é falsa, pois essa
ação não é um mega litisconsórcio ativo. Essa ação visa defender
interesses metaindividuais. Existem interesses individuais
homogêneos relacionando essas pessoas.

Por isso que quem vai ajuizar essa demanda é a


associação de moradores. A associação de moradores pelo art. 12 do
estatuto da cidade é substituta processual. Ela tem legitimação
extraordinária justamente para ajuizar essa ação em nome próprio na
defesa do interesse da coletividade.

É interessante que vocês coloquem em uma prova que


isso é uma ação que defende interesses metaindividuais, interesses
individuais homogêneos.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A maioria dos moradores faz uma assembléia e autorizam


que essa associação de moradores possa ajuizar essa ação de
usucapião coletiva. Quando o juiz dá a sentença, não dará a você
essa área específica e individualizada. A sentença do juiz não será um
título para que você possa matricular essa área fisicamente localizada
e diferenciada.

O juiz vai dar para o Beto uma fração ideal. A sentença


vai transformar todas essas pessoas em condôminos. Vai formar um
condomínio necessário. E cada uma dessas pessoas terá uma fração
ideal idêntica a dos outros, mesmo que alguém ocupasse parte do
terreno maior que os outros.

Isso não interessa, pois essa não é uma ação que visa
satisfazer interesses individuais. Essa é uma ação coletiva e todos
terão a mesma área. Mas, na prática, todos vão continuar onde
estão.

Mas, a título de propriedade, você vai ter fração ideal, que


é muito melhor do que posse, visto que posse é algo provisório.

É por isso que a usucapião coletiva tem o mérito de


defender interesses individuais homogêneos e dar acesso ao
patrimônio mínimo para as pessoas.

Flávio, você é um desses possuidores. Mas você, ao


contrário dos outros, não tem 5 anos de posse. Você só tem 2 anos
de posse porque você comprou essa posse do Washington que tinha 3
anos de posse. Juntando os 3 anos de posse anteriores com os dois
anos de posse, Flávio consegue a usucapião?

Se eu falei que não cabia acessio possessionis na


usucapião urbana. Por que vocês acham que pode? Aqui pode porque
o art. 10 do estatuto da cidade admite a acessão de posse na
usucapião coletiva, pois o juiz não está preocupado com a situação
peculiar de cada um dos possuidores. Ele quer deferir essa usucapião
ao todo.

A única chance desse bem ser individualizado é na inicial


a associação dos moradores faz o pedido quanto a área inteira, que
corresponde à gleba que estava registrada no ofício imobiliário.

Se por acaso algum dos possuidores só tem 3 anos e não


tem tempo nenhum para juntar, mesmo assim ele consegue?
Consegue, pois o juiz não está interessado na trajetória de cada um.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Sabe qual é a pergunta que o juiz vai fazer? Os atos


possessórios dessa coletividade começaram a 5 anos atrás? 5 anos
não é a posse de cada um. 5 anos é o início de ocupação dessa
favela. É por isso que o juiz concede essa sentença deferindo essa
usucapião e todos eles serão condôminos necessários.

Ou seja, com a usucapião coletiva nós eliminamos a


injustiça de questões formais e damos propriedade a essa
coletividade.

Só uma pergunta: Gente, vocês se tornam proprietários.


Posteriormente esse condomínio pode ser dissolvido? Pode, mas
somente com o voto de 2/3 dos moradores no sentido da dissolução.
Essa usucapião coletiva é muito boa pois a partir do
momento em que essa propriedade é regularizada, o próprio
município poderá realizar função social dentro dela podendo fazer a
urbanização da favela.

Se o juiz desse na sentença para cada um aquela área


específica, o município não poderia urbanizar. Mas a partir do
momento em que cada um tem uma fração ideal, o município pode
criar todas as condições necessárias para a habitabilidade digna
dessa região porque o morador não vai poder se opor para que obras
sejam realizadas para que esse local seja melhor para se viver.

Agora, essa usucapião é para a população de baixa renda.


Então, não existe usucapião coletiva em favor de ricos que se unem
em um condomínio e depois de um tempo descobrem que aquilo que
eles compraram foi uma venda a non domino.

Considera-se que tenha baixa renda a pessoa que receba


até 3 salários mínimos.

Pergunta de aluna: inaudível. Resposta do prof.: Isso, se


um levar o lugar de outro,cabe ação possessória. O esbulho é dentro
da área que eles efetivamente ocupam e cabe ação possessória. A
dificuldade é que um não pode reivindicar contra o outro. Condômino
não pode reivindicar contra condômino, mas reintegração de posse
cabe.

Vocês devem estar se perguntando por que eu não


trabalhei com vocês o art. 1228, §§ 4o e 5o que trata da
desapropriação indireta praticada quando não há função social de
determinado bem. Eu vou trabalhar isso com vocês por
aproximadamente 1 hora na aula de posse.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Eu não posso tratar disso com vocês na aula de


propriedade porque aquela desapropriação é função social da posse.
Não é função social da propriedade.

Uma observação: eu falei que usucapião coletiva é coisa


de favelado, não foi? Mas e se essa favela pertencer ao município do
Rio de Janeiro, é possível a usucapião coletiva se ela for bem público?
Não. Havia previsão de usucapião coletiva de bem público no estatuto
da cidade, mas o presidente Fernando Henrique vetou pois a CRFB/88
impede a usucapião de bem público.

A maioria das favelas se consolidou sobre bens públicos.


Então, a maioria das favelas não poderia ser beneficiada por esse
novo modelo jurídico porque é bem público.

O que o próprio FHC fez para compensar essa proibição


da usucapião coletiva? Criou a chamada concessão especial de uso
para fins de moradia. MP 2220/2001 tendo sido republicada como MP
2172-32/2001.

O que é essa concessão especial de uso para moradia? Ela


se divide em duas: individual e coletiva. Como é a individual?
Patrícia, imagina que você ficou 5 anos nesse imóvel. Ele tem menos
de 250 m2 e você não é proprietária de nada, a não ser possuidora
desse imóvel.

Só que esse bem é público. O que essa MP te concede?


Ela te concede direito especial de moradia. Mas qual é a vantagem?
Proprietário você não será, pois o bem continua sendo público. Essa
concessão de uso não é usucapião, mas é metade do caminho, pois a
Patrícia e a sua entidade familiar terão a garantia de que até a sua
morte você continua morando lá transmitindo-se esse direito de
moradia para os seus herdeiros.

Você tem a posse como um direito real. É o registro de


uma posse. Não é mais aquela posse precária, é uma posse que é
levada ao registro imobiliário.

Quais são as situação em que a Patrícia pode perder essa


concessão especial? Quando ficar provado que existe desvio de
finalidade, ou seja, ela utilizar aquilo para fins comerciais ou quando
você adquiriu um outro imóvel. Fora isso essa garantia não se perde
com o passar do tempo.

Quando se dá a concessão coletiva? Ela se dá naqueles


casos em que a favela é favela que pertença ao poder público. Nesse
caso, a associação de moradores não terá direito à usucapião. Ela

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

terá direito à concessão especial e todos os favelados terão a


perspectiva de estabilidade.

Qual é o prazo de posse para conseguir a concessão


especial? 5 anos. São os mesmos requisitos da usucapião. 5 anos,
cada terreno não pode ter mais de 250 m2. A única diferença é que
ao invés de você ter propriedade, você terá direito real de moradia.

Está nessa MP que só é possível que o Estado atenda essa


concessão especial se esse prazo de 5 anos foi alcançado até a
vigência da MP, ou seja, até 2001. Vale dizer, só serve essa
concessão de uso para quem começou a possuir em 1996 e terminou
em 2001.

Se a pessoa começou a possuir em 2007 e fez 5 anos, ela


não vai te adiantar nada porque ela só veio para regularizar situações
anteriores.

A Patrícia começou a possuir esse imóvel em 2007. Em


2012 ela completa esse prazo e descobre que esse bem é público.
Você pode pleitear a concessão especial em juízo? Pode.

Qual é um princípio implícito da CRFB/88? Proibição do


retrocesso. O que é o Estado democrático de direito? O Estado
democrático de direto quer implementar direitos fundamentais
sociais. Direito fundamental de moradia é direito fundamental social.
Art. 6o, CRFB/88.

Se direito social é direito fundamental e isso é dito por


Daniel Sarmento e por Ingo Sarlet, qual é a conclusão? Vem uma
medida provisória e concede um direito social fundamental, qual seja,
concessão especial. E, de repente, essa norma diz que é até só 2001.

Isso é retrocesso social que não se admite no estado


democrático de direito. Agora eu não preciso mais da vedação ao
retrocesso.
Vocês lembram o que eu pedi para vocês incluírem no art.
1225 na primeira aula? Os dois novos direitos reais. E qual era um
deles? Concessão de uso para fins de moradia.

Vai ter muita gente falando que ele se incorporou, mas só


até 2001. Mas gente, nada se incorpora na legislação até 2001 se
tratando de direito social fundamental.

Vamos falar sobre usucapião rural. A usucapião rural


começou na CRFB/88 ou já havia antes? A usucapião urbana foi
inventada pela CRFB/88. A usucapião rural não. Ela existe desde a

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Constituição de 1934. E antes da CRFB/88 ela era regida pela lei


6969/81 que foi recepcionada pela CRFB/88 e continua em vigor.

Constituição não revoga lei. Constituição recepciona ou


não recepciona e suprime ou mantém a eficácia.

É a lei 6969/81 que rege o aspecto procedimental da


usucapião rural. O aspecto procedimental da usucapião coletiva está
no estatuto da cidade. Mas é claro que se aplica subsidiariamente o
art.941 do CPC que é o procedimento da usucapião em geral.

Vou fazer 3 perguntas de concurso sobre a usucapião


rural.

Flávio era funcionário público estadual. Ele se aposentou e


foi morar no campo. Lá ele começou a possuir um terreno de 40
hectares e ficou morando lá por 5 anos. Durante esses 5 anos ele
viveu à dispensa da sua aposentadoria como funcionário público
estadual. No final desses 5 anos você consegue a usucapião rural?
Não, pois na usucapião rural não basta moradia. Tem que ter moradia
mais trabalho.

A intensidade da função social na usucapião rural é maior


do que na usucapião urbana. Por isso que a usucapião rural é
chamada de usucapião pro labore, pelo trabalho, tendo em vista que
morar não basta, tem que morar e produzir.
Pode ser qualquer tipo de produtividade. Mas somente
com a moradia não caberá usucapião. A usucapião rural é bem de
produção, por isso é que não basta moradia.

Alessandra, você e seu marido moram em uma cobertura


no Grajaú e vocês possuem vários animais nessa cobertura. Vocês
têm 4 vacas na cozinha, 8 bodes na sala, na piscina tem 7 jacarés.
Esse imóvel é urbano ou é rural? É urbano. A definição de imóvel é
pela localização.

A Constituição no ar. 191 fala em imóvel situado em zona


rural. Essa cobertura está localizada na zona urbana. Então, para ser
imóvel urbano, ele tem que estar localizado em área urbana,
independente da destinação dada a ele.

Como é que eu sei que o imóvel está localizado na zona


urbana? No plano diretor vocês conseguem descobrir exatamente
qual é o imóvel que se encontra em área urbana ou em área
urbanizável.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Tudo aquilo que não estiver um área urbana ou


urbanizável no plano diretor, por exclusão será zona rural.

O art. 32 do CTN até diz quais são os requisitos para o


imóvel deixar de ser rural e passar a integrar a urbi. Tem uma série
de requisitos de saneamento e outros para que ele possa se tornar
um imóvel urbano.

A questão não é de destinação. A questão é de localização


para estabelecer uma coisa ou outra.

Patrícia começou a possuir um terreno rural em 1983 com


todos os requisitos que a lei exigia para a usucapião rural. Você
possuiu até 2007. Ou seja, você está há 24 anos possuindo esse
imóvel.

Quando você vai pedir usucapião, descobre que esse é


um imóvel público, terra devoluta.

Qual é a diferença entre res nullius e terra devoluta?


Terra devoluta, apesar de ser chamada desta forma, está registrada
em nome do poder público. É um bem público patrimonial que não
recebe qualquer destinação. Res nullius seria se não tivesse sofrido
processo discriminatório, se não fosse registrado.

Ela descobriu que é um imóvel público. Ela vai conseguir


usucapir ou não? Vai. Mas como irá usucapir se não cabe usucapião
de bem público? Como ela começou em 1983 e terminou em 1988,
antes da CRFB/88.

Se ela completou o prazo antes da CRFB/88, o que dizia o


art. 2o da lei 6969/81? Ela permitia usucapião de terra devoluta. E
por que você ganhou a usucapião se o seu pedido é de 2007? Porque
na época em que você terminou o período aquisitivo, não existia
ainda a CRFB/88. E só com a CRFB/88 é que se passou a vedar a
usucapião de qualquer bem público, incluindo terras devolutas.

Patrícia, esse terreno particular você começou a possuir


em 1983 até 2007. Só que a área que você possuiu é uma área de 35
hectares. Você consegue usucapião?

Quando é que ela vai começar a contar o tempo? Só a


partir da CRFB/88, pois nessa lei no art. 1o antes da CRFB/88 a área
máxima era de 25 hectares. Então, a área de terreno que ela
usucapiu estava acima do máximo permitido.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, só pode contar a partir da CRFB/88, pois ela


retirou esse caráter do art. 1o aumentando a área de 25 para 50
hectares. A lei 6969/81 está toda em vigor, exceto os dois primeiros
cuja eficácia foi suprimida pela norma constitucional.

Vamos agora falar sobre aspectos relevantes sobre a


parte processual da usucapião.

Rafael, você começou a possuir um imóvel em 2007. Ele


quer uma usucapião extraordinária, já que ele não tem justo título e
nem boa-fé com moradia e vai conseguir em 10 anos.
Em 2017 ele consegue a usucapião, mas ele não ajuíza a
ação de usucapião e continuou morando lá. Em 2020 aparece o
proprietário Flávio que percebendo que Rafael não ajuizou a ação de
usucapião, ajuíza a ação reivindicatória para tirar o Rafael do seu
imóvel.

Quando ele ajuíza a ação reivindicatória, Rafael alega


usucapião em defesa (súm. 237, STF). Por que ele vai alegar
usucapião em defesa se ele não tem propriedade, já que a
propriedade pertence ao Flávio? Qual será o fundamento da alegação
da usucapião em defesa?

Quando o Rafael completou o prazo ele adquiriu domínio,


ou seja, a usucapião em defesa é uma exceção de domínio. Ele está
alegando domínio em defesa.

Domínio são as faculdades que o proprietário tem de


usar, fruir e dispor da coisa. O Rafael vai alegar exceção de domínio.

Quando o Rafael alega domínio em defesa, o que ele quer


demonstrar com isso? Qual é a conseqüência se essa reivindicatória é
julgada improcedente?

Se essa reivindicatória é julgada improcedente ele já pode


registrar essa sentença de improcedência da reivindicatória e leva-la
como título para a usucapião? Não pode porque vocês aprenderam
que a pessoa só pode registrar a sentença se for na ação especial de
usucapião do art. 941, CPC.

Mas vamos por partes. Primeiro, por que ele perdeu a


ação reivindicatória? Porque ele só pode reivindicar, o proprietário,
que queira recuperar o domínio. Mas ele não pode recuperar, pois ele
já perdeu o domínio. Proprietário que perdeu o domínio não pode
reivindicar. Por isso que o juiz vai julgar improcedente a pretensão do
Flávio.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Rafael, você ganhou a primeira batalha porque o juiz


julgou improcedente. Qual vai ser a segunda batalha? Ele agora vai
ajuizar uma ação de usucapião extraordinária desse imóvel.
Ele irá ajuizar uma ação de usucapião porque ele se deu
bem contra o proprietário, mas agora ele terá que convocar todos em
litisconsórcio passivo necessário.

Ele terá que convocar o proprietário, os confinantes, o


Estado e eventuais interessados.

Se o juiz julga procedente e você ganha a ação de


usucapião, qual é a natureza da sentença de usucapião? Declaratória
de domínio e constitutiva de propriedade.

É declaratória de domínio porque ela vai declarar que


você já tem aquele domínio há muito tempo, desde quando
completou os requisitos reais, formais e legais da usucapião.

Mas ela é constitutiva de propriedade porque aquela


sentença vai servir como título para ser levado ao registro. E quando
o Rafael registrar ele vai ser constituído como proprietário.

Uma sentença pode ser constitutiva e declaratória. Uma


sentença pode ter várias cargas eficaciais.

É claro que a carga eficacial preponderante é a


declaratória,visto que ele nunca ganharia a usucapião se o juiz não
observasse que lá atrás ele já adquiriu o domínio.

Existem pessoas que já têm o domínio, mas não têm a


propriedade? Existe. O usucapiente quando consegue a usucapião,
mas não registra tem o domínio, mas não tem a propriedade.

E existem pessoas que têm a propriedade, mas não têm o


domínio. É o caso do proprietário que após a usucapião que continua
sendo formalmente proprietário, mas não tem domínio. O domínio
está com o possuidor.

Art. 1241, CC: “Poderá o possuidor requerer ao juiz seja


declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”.

O certo seria falar em domínio. Mas o CC não faz a


distinção entre propriedade e domínio. Mas o CPC faz. Se vocês forem
no art. 941, CPC vocês verão que está escrito que a ação de
usucapião tem a finalidade de declarar o domínio.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Olha o § 1o do art. 1240: “O título de domínio e a


concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a
ambos, independentemente do estado civil”. Mas não existe título de
domínio. Existe título de propriedade. Titularidade é propriedade.

Rafael, quando você completou o prazo de usucapião,


você não ajuizou a ação de usucapião. Se ele não ajuizou a ação de
usucapião, mas já tem todos os requisitos, pode o Flávio vender a
fazenda para Patrícia? Pode.

Dois anos depois o Rafael resolve ajuizar ação de


usucapião. Ele vai ajuizar contra o Flávio ou contra a Patrícia que é a
atual proprietária? Contra a Patrícia.

A Patrícia pode alegar em defesa que contra ela não tem


usucapião, pois na época em que ele completou a usucapião o
proprietário era o Flávio. Ela pode alegar isso? Claro que não, pois
esse ato de disposição do proprietário é ineficaz perante o
usucapiente.

É ineficaz, pois quando o Flávio dispôs do imóvel, já não


tinha mais o poder de disposição. O domínio já estava com o Rafael.
O Flávio não poderia dispor daquilo que ele já não mais tinha. É um
caso de ineficácia relativa.

A Patrícia tinha que ter pesquisado o histórico desse


imóvel e ver que tinha uma pessoa que já estava lá há muito tempo e
que poderia entrar com ação de usucapião.

Rafael, você já tinha cumprido o prazo de usucapião e


nada do Flávio ajuizar ação reivindicatória. Você já estava no imóvel
há mais de 13 anos. De repente, Zé Rainha invade o terreno que
Rafael possuía.

Qual é a ação que Rafael tem contra Zé Rainha?


Reivindicatória ele tem? Não. Reivindicatória é só de quem tem
propriedade, pois só quem tem propriedade tem seqüela e poderá
reivindicar.

Tem reintegração de posse? Claro que tem. Ele não foi


esbulhado? Ele não era possuidor?

Como eu não dei aula de posse, eu não vou ficar


discutindo reintegração de posse, mas ele pode.

O possuidor que está neste terreno também não tem uma


ação possessória contra o Zé Rainha? Teria.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Qual é a vantagem do possuidor que tem usucapião


contra o Zé Rainha? A ação de que você tem contra ele, além da
possessória, é uma ação chamada publiciana.

Essa ação publiciana é a mesma coisa que a ação


reivindicatória. É igual, só muda o nome. A ação publiciana é uma
espécie de ação petitória só que é ajuizada por aquele que tem
domínio, mas não tem propriedade.

O Rafael tem o mesmo remédio que o Flávio teria, mas


não se chama reivindicatória porque o nomen iuris reivindicatória é
específico para aquele que já registrou o imóvel no seu nome.

A ação publiciana não visa defender uma posse qualquer.


A ação publiciana visa defender um domínio. Então, é uma ação
muito mais forte contra o Zé Rainha do que uma mera ação
possessória.

Lembram que no primeiro exemplo o Flávio ajuizou uma


ação reivindicatória contra o Rafael e o Rafael alegou em defesa
usucapião com exceção de domínio?

Vocês me falaram que o juiz julga improcedente a


reivindicatória e o Rafael tem que ganhar uma segunda batalha que é
ajuizar ação de usucapião.

Existe alguma espécie de usucapião que vocês conhecem


que se o Rafael consegue derrotar o Flávio na reivindicatória, ele não
precisa ajuizar uma ação de usucapião autônoma, ele pode pegar a
sentença improcedente da reivindicatória e registrar a propriedade no
seu nome imediatamente sem uma segunda demanda? Existe. Na
usucapião rural e na usucapião urbana.

Na usucapião rural, pelo art. 7o da lei 6969/81 e na


usucapião urbana pelo art. 13 da usucapião urbana.

Isso acontece porque elas são normas especiais que


consagram que quando a usucapião rural ou urbana são alegadas em
defesa, elas são consideradas como pedidos contrapostos, ou seja, é
quando o réu na contestação além de deduzir sua defesa, deduz uma
pretensão contra o autor.

Normalmente réu não deduz pretensão. Quem deduz


pretensão é o autor. E quando o réu resolve deduzir pretensão de
contra ataque, é pela via da reconvenção. Só que a vantagem do
pedido contraposto é que ele não necessita das formalidades do art.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

315, CPC da reconvenção, pois o contra ataque está nos mesmos


autos.

Flávio ajuíza reivindicatória contra Rafael. Rafael em


defesa diz para o juiz que o Flávio não tem direito a ganhar e que ele
tem prazo de usucapião e que ele quer que esse prazo seja
declarado. Ou seja, ele alega em defesa a usucapião e não precisa de
outra ação.

Quando você alega um pedido contraposto em defesa, por


que esse pedido faz com que não seja preciso ajuizar outra
demanda? Porque quando o juiz for dar a sentença, esta será
formalmente uma, mas formalmente dúplice.

Em uma só sentença o juiz vai decidir dois pedidos. O


pedido de Flávio contra Rafael e o pedido contraposto de Rafael
contra Flávio. É por isso que como essa matéria entra na parte da
motivação e da disposição da sentença, o pedido contraposto fará
coisa julgada e é por isso que não será necessário você ajuizar outra
ação de usucapião.

Isso tudo que eu falei cabe na usucapião ordinária e


extraordinária? Não cabe, pois na usucapião ordinária e
extraordinária deve-se ajuizar uma outra ação de usucapião.

Quando Flávio ajuíza a reivindicatória contra Rafael, já


que Rafael está alegando em defesa usucapião extraordinária, Rafael
pode reconvir com usucapião? Cabe reconvenção de usucapião?
Alexandre Freitas Câmara entende que cabe e eu concordo com ele.

Cabe a reconvenção por uma simples questão de


efetividade processual que é o que se busca.

Por que se vai impor um sacrifício para o Rafael de ter


que ajuizar uma outra demanda se ele pode contra atacar utilizando
o art. 315, CPC com a reconvenção?

A posição de Alexandre Câmara não é majoritária porque


a maioria da doutrina diz que não cabe reconvenção na usucapião sob
o argumento de que só pode existir reconvenção quando houver
coincidência entre as partes da ação principal e da reconvenção.

Quem é o autor da reivindicatória? Flávio. Quem é o réu


da reivindicatória? Rafael. Quem seria o autor da usucapião? Rafael.
Quem seria o réu na usucapião? A coletividade.
A doutrina majoritária diz que não pode pela via da
usucapião haver ampliação do pólo subjetivo passivo da demanda.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Mas eu acho que em prol da efetividade deveria caber


reconvenção.

Alguém nessa sala de aula admite que o Rafael possa


deduzir pedido contraposto em defesa para não precisar de ação
autônoma, mesmo essa usucapião sendo ordinária ou extraordinária?
Passa a admitir.

O art. 1241, CC admite que a usucapião possa ser obtida


de forma direta.

Art. 1241, CC: “Poderá o possuidor requere ao juiz seja


declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”. Está
escrito em algum lugar neste artigo que tem que ser pela via de uma
ação? Não.

Quando ele diz que vai requerer, nós devemos interpretar


tanto em via de ação quanto em via de pedido contraposto.

Quais são as três diretrizes do NCC: socialidade, eticidade


e operabilidade. O NCC veio para dar efetividade, veio para dar
operabilidade aos direitos, para torná-los reais. E, é claro, que essa
norma tem que ser interpretada de acordo com essas diretrizes.

O enunciado 315 do CJF fala: “O art. 1241 permite que o


possuidor que figura como réu em ação reivindicatória formule pedido
contraposto e postule ao juiz que seja declarada adquirida mediante
usucapião a propriedade imóvel, valendo a sentença como
instrumento para registro imobiliário”.

Mas o Estado não participou dessa demanda, os


confinantes não participaram dessa demanda e os eventuais
interessados também não participaram. Qual deve ser o cuidado do
juiz toda vez que o pedido contraposto é deduzido em defesa na
usucapião?

É convocar para a ação reivindicatória todos esses


eventuais interessados e o MP como custus legis.

O MP, em princípio, participa da usucapião quando


alegado em defesa? Não. Ele participa na ação direta de usucapião.
Mas por que isso ocorre? Porque o MP só intervém nas causas que
alteram o registro imobiliário. E só se altera o registro público na
ação de usucapião direta.

97
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando a usucapião é alegada em defesa, em princípio


muda o registro? Não. Mas se a usucapião em defesa é deduzida em
pedido contraposto aquela sentença servirá como título para registro?
Servirá.

Então, o juiz deverá chamar todos os interessados e o MP


e deverá fazer isso porque se depois houve o registro sem ter
chamado todos os interessados, o município pode alegar que a
decisão foi ineficaz perante não ter trânsito em julgado, visto que ele
não foi chamado. Aliás, essa decisão é inexistente perante o
município, já que ele é litisconsorte necessário obrigatório.

Vamos falar sobre propriedade fiduciária. Art. 1361 até


1368, CC.

Washington, o seu sonho é ser proprietário de uma Uno


Mille. Mas ele está sem dinheiro. Então ele chega ao Banco Alfa e
pega um empréstimo para comprar esse carro. O Banco Alfa
transmite para a Roma Veículos o valor correspondente ao carro.
Quando isso acontece, você aliena o seu carro em confiança para o
Banco Alfa.

Alienação em fidúcia, alienação em confiança. Washington


é o alienante, também chamado de fiduciante. O Banco Alfa é o
adquirente do carro, também chamado de credor fiduciário.

Essa relação contratual chamada alienação fiduciária


vincula duas pessoas: Washington e Banco Alfa. A Roma Veículos não
te nada a ver com a alienação fiduciária.

Em relação a Roma Veículos, se surgir uma lide é em


relação a algum defeito do produto.

Vamos descrever quais são as 4 características


fundamentais de uma propriedade fiduciária. A primeira é o
desdobramento da posse. Washington, o carro era seu e você o
alienou para a instituição financeira.

Aconteceu o desdobramento da posse porque ele era o


proprietário e tinha a posse. Ele transferiu a propriedade para o
Banco Alfa. Apesar de ele ter transferido a propriedade do carro para
o Banco ele não continua na posse da coisa? Continua com a posse
direta da coisa.

Washington passa a ter posse direta e o Banco passa a


ter posse indireta. Como se faz o desdobramento da posse? Quais são
as 4 faculdades do proprietário sobre a coisa? Usar, fruir, dispor e

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

reivindicar. Washington irá usar e fruir. Já o Banco tem o poder de


dispor e de reivindicar.

Houve o desdobramento da posse onde os poderes de


usar e fruir ficaram com o possuidor direto, visto que esse se torna o
depositário desse veículo.

Mas a propriedade é do Banco Alfa e é por isso que o


Banco continua com as faculdades de dispor e de reivindicar.

Olha o art. 1361, §2o: “Com a constituição da propriedade


fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor o
possuidor direto da coisa”.

Olha o art. 1363: “Antes de vencida a dívida, o devedor, a


suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo a sua destinação,
sendo obrigado como depositário”.

Ele pode usar e fruir a coisa porque ele é possuidor direto


e depositário do bem.

A segunda característica é o constituto possessório.


Constituto possessório é uma inversão no título da posse pela qual
aquele que possuía a coisa em nome próprio, passa a possuir em
nome alheio.

Washington, você transferiu a propriedade do carro para


o Banco Alfa e você continuou na posse. Teve a tradição do carro?
Claro que houve. Mas como foi que houve se ele não entregou o carro
para o Banco? Não houve a tradição real, que é a entrega da coisa.
Não houve a tradição simbólica que é a entrega das chaves.

Mas houve a tradição ficta, que é o constituto


possessório.

O constituto possessório é uma ficção. Washington não


possuía a coisa em nome próprio? Ele vai continuar possuindo a
coisa, não mais como dono, mas sim como depositário. Houve uma
inversão no título da posse pelo qual aquele que era possuidor a título
de dono, como proprietário, virou possuidor em nome alheio. Agora
ele virou depositário.

É claro que houve a tradição, pois o Banco Alfa agora é


que é o proprietário. Mas essa tradição não necessita da entrega da
coisa. Essa tradição se subentende pela cláusula constituti que é uma
cláusula no contrato onde há o constituto possessório.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Olha o art. 1267, § único, CC: “Subentende-se a tradição


quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório;
quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se
encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na
posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico”.

Houve a tradição pela via de uma ficção que é o


constituto possessório.

A terceira característica é a propriedade resolúvel. O


Washington combinou com o Banco Alfa que ele vai pagar essa dívida
em 36 prestações de R$ 400,00.

Enquanto ele paga essas prestações o Banco tem a


propriedade? Tem. E essa propriedade é marcada pela perpetuidade?
Não. Essa propriedade é resolúvel.

Propriedade resolúvel é exceção. Em regra, você se torna


proprietário até a hora que você queira dispor da coisa. Mas a
propriedade resolúvel é uma propriedade que já nasce submetida a
uma condição resolutiva, ou seja, nasce submetida a um evento
futuro e incerto que, no caso, é a integralização do pagamento das 36
prestações.

No dia em que o Washington integraliza o pagamento das


36 prestações a propriedade do Banco se resolve, acaba e o
Washington vai conseguir o chamado resgate ou a remancipação.

O que é resgate ou remancipação? É o fato do devedor,


do alienante se converter em proprietário da coisa. Mas isso irá
acontecer se o Washington cumprir o evento futuro e incerto que é
pagar todas as prestações na medida integral.

Quando o Washington está pagando ele apenas tem a


posse e não tem a propriedade. Enquanto ele está pagando ele não
tem propriedade, mas ele tem o quê? Ele tem um direito eventual.

Direito eventual é muito mais do que uma expectativa de


direito. Direito eventual é um direito subjetivo que já está
incorporado ao seu patrimônio, mas que será consolidado na medida
em que houver um evento futuro. Ele é um direito que já foi
concebido, mas ainda não nasceu.

Quando você paga o último dos 36 meses, o direito que


era eventual se torna um direito adquirido. Cada prestação que ele
paga ele está amortizando uma parcela do débito.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, a propriedade do Banco é uma propriedade


resolúvel.

Quando o Washington terminar de pagar a última


prestação e se tornar dono ele tem que buscar o carro em algum
lugar? Não.

No final do pagamento da última prestação ocorre uma


tradição? Ocorre, mas é uma tradição ficta chamada tradição brevi
manu.

Tradição brevi manu é o contrário do constituto


possessório. Toda propriedade fiduciária tem no começo um
constituto possessório e no final uma brevi manu.

O conceito de brevi manu é o contrário do de constituto


possessório. O constituto é a inversão do título da posse pelo qual
aquela coisa que era possuída em nome próprio passa a ser possuída
em nome alheio.

Tradição brevi manu é uma inversão do título da posse


em que o bem que era possuído em nome alheio passa a ser
possuído em nome próprio.

Até o último pagamento o Washington possuía a coisa em


nome alheio. Quando você pagou a última, você passou a possuir
como proprietário, em nome próprio.

O nome é brevi manu porque o Washington não terá que


buscar a coisa em lugar nenhum, ele já está com as mãos sobre a
coisa.

Art. 1361: “Considera-se fiduciária a propriedade


resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com o escopo da
garantia, transfere ao credor”. (O professor mandou sublinhar
“garantia”).

Propriedade fiduciária no CC no Brasil é só de bens


móveis. Existe propriedade fiduciária de bem imóvel? Existe, mas em
lei especial. Tem a lei 9514/97 que trata da propriedade fiduciária
imobiliária. Mas no CC é só bem móvel.

O código de vocês tem o art. 1368-A? Ele fala que as


demais espécies de propriedade fiduciária submetem-se às disciplinas
específicas das leis especiais. Esse artigo foi incluído pela lei
10.931/2004.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O mérito desse artigo é dizer que propriedade fiduciária


no CC é de coisa móvel e infungível, mas nada impede que exista
propriedade fiduciária de bem imóvel e que haja também propriedade
fiduciária de bens móveis fungíveis, mas em outras leis.

Por que no CC propriedade fiduciária além de ser em


coisa móvel deverá ser infungível? Porque como é que uma pessoa
vai dar em garantia algo que seja fungível? Pois não há possibilidade
de conservação da coisa.

Isso ocorre para que haja garantia da instituição


financeira. Como é que a instituição financeira vai ter garantia que
você vai pagar alguma coisa se o bem é fungível e ele pode ser
depreciado? Então, a coisa tem que ser infungível.

Tem a lei do mercado financeiro (lei 4278/65) que trata


de alienação de títulos, que é muito comum em bolsa de valores.

Washington fez um contrato de alienação fiduciária com o


Banco Alfa. Alienação fiduciária em si é direito real ou é direito
obrigacional? É uma relação obrigacional. Isso é um contrato.

O contrato de alienação fiduciária é um contrato principal


ou acessório? É acessório, pois ele visa sempre garantir o
empréstimo. Ele serve como contrato acessório para garantir.

Washington, quando você assinou esse contrato com o


Banco Alfa esse contrato já é um negócio jurídico válido, pois atende
os requisitos do art. 104 (agente capaz, objeto lícito e forma prescrita
em lei).

Esse contrato já tem eficácia? Já, ele já tem eficácia


obrigacional, ele já produz efeitos obrigacionais entre as partes.
Quando é que a alienação fiduciária passa a ser
propriedade fiduciária? Quando registra porque passa a ter eficácia de
direito real, vira direito real chamado propriedade fiduciária.

A alienação fiduciária é apenas o contrato, é o negócio


jurídico entre as partes. Quando negócio jurídico é registrado no
registro de títulos e documentos, deixa de ser apenas uma alienação
fiduciária e passa a ter eficácia erga omnes, vira direito real.

É muito interessante para o Banco que haja o registro no


cartório de títulos e documentos para que a sociedade saiba que esse
veículo está garantido por um contrato anterior de alienação
fiduciária. Então, notem, direito real requer o registro.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Olha o §1o do art. 1361, CC: “Constitui-se a propriedade


fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento
público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e
documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos,
na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a
anotação no certificado de registro”.

Esse § 1o está dizendo que se o Washington tem carro,


não precisa levar o título ao cartório de títulos e de documentos.
Basta fazer a anotação da alienação fiduciária no certificado de
registro de veículo.

Vocês concordam com isso? Não. vocês não devem


concordar. Onde está escrito “ou” no § 1o, vocês coloquem “e”. É
conjunção aditiva.

Pela interpretação literal este artigo está dizendo que


basta você levar no Detran que já existe a propriedade fiduciária. Mas
Detran é cartório?

Pelo art. 236 da CRFB/88 o Estado não tem o poder


cartorial. Este poder de cartório só tem pessoas de direito privado
que tenham a permissão para realizar esses serviços públicos por
delegação. Então, nunca o Detran poderá fazer papel de cartório.
Então, qual é a lógica se for um carro? Primeiro leva no
cartório de títulos e documentos e depois também no Detran, pois no
Detran não é para fins registrais, mas sim para fins de organização
administrativa de circulação de veículos.

O papel do Detran não é ser cartório. O papel dele é de


documentar a organização de veículos de uma forma mais
simplificada. O papel do Detran é colocar no CRV para fins
probatórios, mas não para constituir direito real.

O Banco Alfa esqueceu de anotar esse gravame de


alienação fiduciária no certificado de registro de veículo. Washington
vendeu esse carro para a Patrícia. Ela foi ao Detran, viu que o carro
não possuía gravame e o comprou. Além disso, Washington deixou de
pagar as prestações para o Banco Alfa.

Banco Alfa ajuíza busca e apreensão contra você. O que


você pode fazer? Opor embargos de terceiro pela súmula 92 do STJ.
Por que ela pode opor embargos de terceiro? Porque ela é terceiro de
boa-fé. Ela é terceiro de boa-fé porque para fins probatórios, para
conhecimento da sociedade, bastaria a Patrícia ir ao Detran.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Não há possibilidade do Banco Alfa retirar o carro pois ela


é terceiro de boa-fé. Mas é claro que a conduta do Washington é de
estelionato, pois ninguém pode dispor de coisa que não lhe pertence.
A coisa pertence ao Banco Alfa, pois está registrado no cartório de
títulos e documentos.

A propriedade fiduciária é um direito real de garantia.


Alguém pode me dizer outros dois direitos reais de garantia famosos?
Penhor e hipoteca.
Por que a propriedade fiduciária quando registrada como
direito de garantia é melhor que o penhor e que a hipoteca para o
credor? Bem móvel é objeto de garantia pela via do penhor ou da
hipoteca? Penhor, o bem móvel é empenhado.

Por que a alienação fiduciária é melhor do que o penhor?


Porque se isso aqui fosse penhor, enquanto o Washington estivesse
pagando a dívida, com quem ficaria a posse da coisa? Com o credor
Banco Alfa.
Sempre quando há o penhor, a coisa empenhada sai das
mãos do proprietário e vai para as mãos do credor. Então, o penhor
sob o ponto de vista da situação econômica em sociedades como a
nossa é extremamente falho, pois retira do Washington a
possibilidade de fruir da coisa enquanto ele está pagando.

Existe possibilidade de hipoteca de bem móvel? Navio e


aeronave. Vamos supor que pudesse ter hipoteca de carro também.
Por que alienação fiduciária é muito melhor do que hipoteca?

Na hipoteca, enquanto você está pagando, a coisa


continua com o devedor. Mas a hipoteca não é muito boa para os
credores, visto que é direito real de garantia em coisa alheia.

Por que a hipoteca é direito real de garantia em coisa


alheia? Enquanto o devedor está pagando a hipoteca, a coisa é dele.
O banco é credor da hipoteca, mas a hipoteca se dá sob coisa alheia,
que pertence ao devedor.

Por que a alienação fiduciária é muito melhor? Porque


quando o banco emprestou dinheiro para o Washington, enquanto ele
está pagando, o carro pertence ao banco. O banco tem propriedade.
Então, isso é um direito de garantia sobre coisa própria.

Então, se amanhã o Washington não pagar, o banco não


tem que tirar nada de você. O carro já é dele.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A Caixa Econômica não faz mais hipoteca. Agora a Caixa


só trabalha com propriedade fiduciária. Na medida em que aumenta a
segurança jurídica do credor, espande o crédito.

No concurso público, por que é importante saber que é


direito real de garantia em coisa própria?

Washington, essa propriedade fiduciária foi registrada.


Vamos supor que enquanto ele está pagando as 36 prestações ele faz
uma dívida enorme com a Rafaela de R$ 30.000,00 em nota
promissória.

Nota promissória é título executivo e a única coisa que ele


tem é o carro. Você pode executar o carro dele? Não, pois o carro
não é dele. O carro é do banco.

A vantagem da alienação fiduciária é que o credor tem a


segurança de que esse bem é impenhorável por outros credores do
fiduciante, pois esse bem não pertence a ele, mas sim ao credor.

Se fosse na hipoteca, o Banco perderia, pois a coisa


pertence ao devedor. Qualquer credor privilegiado, como o trabalhista
que aparecesse, o Banco perderia a possibilidade de reaver o bem.

Essa é uma grande vantagem de ser direito de garantia


em coisa própria.

A alienação fiduciária tem uma segunda vantagem que é


boa para o devedor.

Banco Alfa é credor de Washington que está pagando as


36 prestações. De repente, o Banco Alfa faz uma grande dívida com o
Banco Real. O Banco Real que é credor do Banco Alfa pode penhorar
esse carro que pertence ao Banco Alfa? Não, pois a quarta
característica da propriedade fiduciária é que esse patrimônio é um
patrimônio em afetação.

Esse assunto é moderno. O melhor cara que escreve


sobre patrimônio de afetação no Brasil é o Menin Shaiub (?).

Vamos supor que cada um que está na sala tenha 3


apartamentos. Esses 3 apartamentos servem como garantia para os
credores de vocês.

A doutrina moderna vem criando uma coisa bem diferente


que é o patrimônio de afetação que são bens que não estão no
patrimônio geral do devedor. Eles pertencem ao devedor, estão no

105
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

nome do devedor, mas formam um patrimônio separado, imune à


ação dos credores.

Por que esse carro está imune aos credores do Banco


Alfa? Porque ele está afetado, reservado em favor do Washington.
Esse bem está reservado ao dia em que Washington acabar de pagar
as 36 prestações e fizer o resgate da coisa para ele.

Washington sabe que enquanto ele paga, por mais que a


instituição esteja mal das pernas, ele terá a garantia de que aquele
bem é intocável, pois é patrimônio de afetação.

Não dá para o Banco Real pegar o bem pois é patrimônio


de afetação, mas dá para o Banco Real pegar alguma coisa? O Banco
Real pode penhorar os R$ 400,00 que ele paga ao Banco Alfa? Pode,
mas é penhora de créditos do art. 671, CPC.

O crédito pode, mas o bem em si não, pois ele é


patrimônio de afetação.

Se a empresa quebra e o carro é levado à falência


equivocadamente, como se fosse um bem do falido. O Banco Alfa tem
que participar do concurso de credores? Qual é o pedido que ele faz?
Ingressa com pedido de restituição. Isso está no art. 85 da lei
11.101/05.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do prof.: No caso


da falência do Banco Alfa, o Washington vai fazer o pedido de
restituição pois é patrimônio de afetação.

Eu falo que esse patrimônio de afetação é uma tendência,


pois pela lei da construção civil, lei 10.931, qualquer pessoa nessa
sala que resolva comprar um apartamento em construção, muitas
construtoras já estão colocando que aquele prédio que está sendo
construído é um patrimônio em afetação.

Qual é a vantagem para quem compra? É a tranqüilidade,


pois se a construtora quebrar nomeio do caminho, o prédio não será
atingido pelo credores trabalhistas e tributários, pois o prédio está
afetado em favor dos adquirentes da construção.

Eu não vou acabar essa matéria hoje. Eu estou acabando


a parte introdutória dessa matéria.

Vocês já viram que eu tenho como características:


desdobramento da posse, constituto possessório, propriedade
resolúvel e o patrimônio de afetação.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Amanhã eu vou falar sobre o que acontece quando há o


inadimplemento do fiduciante, quais são as conseqüências da mora e
do inadimplemento dele, ação de busca e apreensão, vou comparar a
alienação fiduciária com o leasing e vou falar sobre a prisão civil do
depositário infiel.

Gente, aquele abraço.

Rio, 09.11.2007 – 5ª AULA

Essa é a última aula dessa parte do módulo. Depois, só


daqui a duas semanas. Gente, e essa última aula começa de onde eu
parei. Eu parei em propriedade fiduciária.

Quais são as quatro características de propriedade


fiduciária? Desdobramento da posse, constituto possessório,
propriedade resolúvel e patrimônio de afetação. Ou seja, essas são as
quatro características. A propriedade fiduciária é um direito real de
garantia em coisa própria, pois o bem pertence ao credor.

Então, vocês lembram na aula de ontem qual era o sonho


de menino de Washington? Um Uno Mille Fire. E aqui está
exatamente o Banco Alfa, onde ele tinha que pagar exatamente 36
prestações de 400 reais, e quando você acabasse de pagar, você
teria o resgate, a remancipação, você se tornaria proprietário em
caráter definitivo.

Começando a aula, oficialmente. O Washington deu o


cano no Banco Alfa. O Washington foi inadimplente. Não pagou a
prestação para Alfa. Pergunta: o que acontece diante do
inadimplemento?

Artigo 1364 do Código Civil. “Vencida a dívida e não paga,


fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a
coisa a terceiros, e aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das
despesas de cobrança e a entregar o saldo, se houver algo, ao
devedor”.

Vocês lembram que enquanto o fiduciante está pagando,


o que o fiduciante tem? A faculdade de usar e fruir. Mas, o credor
fiduciário continua com a faculdade de dispor e reivindicar.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, pessoal, se ele continua com as faculdades de


dispor e reivindicar, o que acontece quando o fiduciante, que é o
Washington, deixa de pagar? Se ele deixa de pagar a instituição
financeira pode dispor do bem.
O que é dispor do bem? Ela pode pegar este bem, que é a
garantia do contrato dele, que a garantia do empréstimo é
exatamente o valor da garantia deste bem.

Então ela tem que dispor do valor do bem, para sua


satisfação. E é isso que ocorre. Segundo o artigo 1364, ela vai dispor
deste bem para se pagar.

Só que eu estou com uma dúvida, gente. Se ela vai dispor


deste bem, mas este bem está na posse direta do fiduciante, pois é o
fiduciante que está usando e fruindo da coisa, qual é a ação que o
fiduciário ajuíza, Flávio Gomes, para pegar o bem, porque o carro
está na mão do Washington. Qual é a ação? Busca e apreensão.

Por que a ação é de busca e apreensão, se o nome é


reivindicatório? Gente, porque a busca e apreensão é uma ação
reivindicatória. Mas ela tem um nomen iuris específico de busca e
apreensão.

Mas a busca e apreensão tem a natureza de demanda


reivindicatória. É exatamente isto que a instituição financeira faz. Ela
ajuíza ação de busca e apreensão pelo procedimento do decreto-lei
911/69, justamente para reaver aquele bem, contra quem
injustamente possua.

Eu estou falando em reaver o bem contra quem


injustamente o possua. Por que a posse de Washintgon é uma posse
injusta? Alguém pode me falar?

Pelo seguinte: porque no momento que ele não pagou,


por exemplo, era dia 05, e ele não pagou, ele foi automaticamente
constituído em quê? Mora. Em mora ex re.

O que é mora ex re? É a mora automática, no art. 397 do


Código Civil. O cara não pagou, automaticamente ele caiu em mora.
Quando ele cai em mora, a posse dele já é considerada injusta, por
isso que você vai reaver.

Agora, o que eu peço a todos os meus alunos, peguem os


seus Códigos e abram o decreto-lei 911/69. Abram ele, porque ele foi
profundamente alterado, com a entrada em vigor da lei 10.931/2004.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Ele foi profundamente alterado, porque o decreto-lei


911/69 era uma aberração, ungida pelo regime autoritário. E, agora,
na minha opinião ele ficou muito bom. Abram o decreto 911 aí, ele
ficou muito bom agora com as investidas todas provocadas pela lei
10.931/2004.

O que acontece? Primeira coisa, gente. Olha como é bom


conhecer obrigações para depois conhecer direitos reais. Por que é se
você já foi constituído em mora, Washington, o que diz o artigo 3o do
decreto-lei, que só será concedida liminar, a instituição financeira só
consegue liminar se você devedor, Washington, for notificado pelo
cartório de títulos e documentos, comprovando o protesto cambiário?

Por que ele precisa protestar se já está em mora? Porque


essa necessidade do protesto ou da notificação do cartório de títulos
e documentos não é para constituir em mora. Já foi constituído desde
o dia do vencimento. É para comprovar a mora. Essa é uma de
caráter comprobatório. Só para comprovar.

Então, sempre a instituição financeira tem que comprovar


a mora. Comprovada a mora, através do protesto cartorário ou da
notificação do cartório de títulos e documentos, a instituição
financeira consegue a liminar.

E, agora,.começam as grandes mudanças. Por quê?


Gente, o regime antigo era péssimo, agora olha o regime atual como
ele gera segurança jurídica. Como ele gera incentivo à atividade
econômica.

É concedida essa liminar, olha, quem está acompanhando


o
pelo art. 3 . Você, Washington, tem 5 dias para fazer o pagamento
integral da dívida. Vamos entender o que é pagamento integral?

Olha só pessoal. Washington, vamos supor que esse


carro, de 20 mil reais, você já tinha pago 6 mil reais e estão faltando
14 mil, não é Washington? Só que você não pagou 3 prestações que
totalizam 1.800,00 reais.

Então, olha gente, todo mundo presta atenção que é


muito importante isso. O saldo devedor em aberto dele é 14 mil. O
que falta pagar é 14 mil. Mas, o débito em atraso é de 1.800,00
reais.

O que diz essa lei agora no parágrafo segundo do art. 3o.


Diz que a única chance de o devedor fiduciante livrar a cara é fazer o
pagamento integral do saldo devedor em aberto.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quem paga os 14 mil qual a conseqüência? A


conseqüência é que ele vai consolidar a propriedade. Cai a garantia, e
a propriedade do Washington se torna plena. A propriedade que era
resolúvel termina e ele se torna proprietário pleno.

Vou fazer uma pergunta para vocês. Pode o Washington


chegar na instituição financeira e falar assim: instituição eu não
quero pagar o saldo devedor em aberto, eu vou só pagar aquilo que
está em atraso.

Eu só quero purgar a mora. Ele pode? Claro que pode.


Mas a lei foi mané, a lei não diz isso. Então, o que eu quero dizer? Ao
lado do parágrafo segundo do art. 3o vocês digam que o devedor tem
duas opções para evitar que essa liminar possa gerar a perda do
bem.

Quais são essas duas opções? Ele paga integralmente o


bem e aí já se torna dono da coisa em definitivo ou então o quê? Ele
purga a mora pelo art. 401 do Código Civil. Mas, Nelson, se a lei não
disse isso é porque a lei ela não possibilitou. Vamos ver se alguém
entende de parte geral.

A possibilidade do devedor purgar a mora é um direito


subjetivo do devedor ou um direito potestativo? É um direito
potestativo. A possibilidade de purgar a mora é um direito
potestativo.

Ou seja, se o devedor na contestação quiser purgar a


mora, ele vai submeter o credor, toma aqui está o atraso. E o que
acontece quando ele paga o atraso? Normaliza a situação e ele volta
a pagar as prestações que faltam. Continua a propriedade fiduciária
no estágio anterior. Sempre isso é possível.

Pessoal, se o devedor Washington, se você nesses 5 dias


não purgar a mora ou não realizar o pagamento integral, a instituição
financeira vai consolidar a propriedade (art. 3o, parágrafo 1o).

Sabe o que significa isso pessoal? Significa que a


instituição financeira vai pegar aquele carro e naquele carro não tinha
uma anotação no CRV – Certificado de Registro de Veículo, dizendo
que ele estava submetido à alienação fiduciária?

Aquela anotação vai cair, vai ser cancelada, e o novo


proprietário pleno desse carro passa a ser a Alfa. Ela era a
proprietária resolúvel. Agora se tornou a proprietária plena. O carro é
dela sem qualquer restrição. Não vai voltar mais para ninguém. Ela
fica com o bem.

110
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

E se ela fica com o bem, notem, ela ficou com o bem em


que momento, na sentença? Não. Cinco dias após a efetivação da
liminar, ou seja, a liminar foi efetivada por quê? Porque o carro foi
apreendido.

Efetivou a liminar, ela se torna proprietária. Isso é bom


para ela. Isso é ótimo. E como é que era antes? As instituições
financeiras só tinham chance de vender o veículo antes quando
chegava a sentença.

E quando chegava a sentença, oito anos depois, sabe o


que acontecia? O carro já estava um lixo, não valia nada. Estava
completamente estragado, ou seja, quem é que queria financiar carro
novo no Brasil, com uma legislação tão medíocre?

Agora não, qual que é? Não pagou no dia o teu contrato


de alienação fiduciária? Cinco dias depois da busca e apreensão
efetivada, já vai lá e consolida. Consolida significa que ela pode ficar
com o carro para ela ou transferir para terceiros, vender.
Eu não vim aqui para ler lei. Eu vim aqui para falar o que
a lei não falou. Primeiro, se ela fica com o carro Washington, o carro
não vale R$ 20 mil?

O seu saldo devedor em aberto não é R$ 1.800,00? Se ela


vender o carro por R$ 20 mil, o que ela tem que fazer? Restituir para
ele tudo aquilo que diz respeito ao que ele pagou. Restituir para o
Washington toda a verba anterior, senão haveria enriquecimento sem
causa.

Ou seja, repetindo, ela vai e recebe R$ 20 mil, mas se ele


já pagou X, ela vai restituir, toma Washington aquilo que você já
pagou. Nelson, de onde você tira isso? Eu tiro do art. 53 do CDC.

O art. 53 do CDC torna nula todas as cláusulas


contratuais, e o CDC é explícito, nulas todas as cláusulas contratuais
encontradas de alienação fiduciária, façam previsão de que haverá,
não apenas a perda do bem como a perda de todas as prestações.

Ele não vai perder as prestações. Você vai ter de volta as


prestações. É claro que das prestações que você pagou você terá
uma multa, mas você terá essas prestações.

Então, o primeiro aspecto, gente, tem que haver


restituição. Agora, o segundo aspecto é o mais legal. Vocês estão
concordando comigo que a instituição financeira pode ficar com o
carro? Pode. Alguém aqui na sala vê algo de errado?

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Tem alguma agressão, algum dispositivo do Código Civil,


quando tem uma norma e diz que o credor pode ficar com a coisa?
Existe uma cláusula que os civilistas sempre consideravam como
nula, que é a cláusula comissória.

O que é a cláusula comissória? É uma cláusula inserida no


contrato dizendo que, caso o vendedor não pague a dívida, o credor
poderia ficar com a coisa.

Nelson, por que essa cláusula comissória normalmente é


nula? Tem razão. Essa cláusula comissória normalmente é nula por
uma questão muito simples.

Se, por acaso, você está pagando um apartamento de um


milhão, ele está hipotecado, certo, o apartamento vale um milhão,
mas a sua dívida é de duzentos mil, mas em garantia você tem um
apartamento de um milhão.

Se você não paga a dívida de duzentos mil e o credor


tiver um apartamento de um milhão, o que é isso? Isso é
enriquecimento sem causa.

Então, a finalidade da nota comissória é evitar o


enriquecimento sem cláusula do credor. O que vocês acham, então
do art. 1365 do Código Civil. Olha o que ele diz: “É nula, a cláusula
que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em
garantia, se a dívida não for paga no vencimento”.

O que esse art. 1365 está proibindo? A cláusula


comissória.

Eu pergunto: esse artigo 1365 mantém a eficácia ou


perdeu a eficácia? Claro que ele perdeu. Por que ele perdeu a
eficácia? Porque o § 1o do art. 3o desse decreto-lei 911, o que ele
está dizendo?

Ele está dizendo que a instituição financeira pode ficar


com a coisa. O § 1o do art. 3o ele aceita a cláusula comissória. Ele
aceita por que a lei está dizendo que o credor pode ficar com o carro
para si.

Agora, o único cuidado, Washington, é: pode ficar com o


carro, mas tem que restituir as prestações que você já pagou. Só
esse cuidado deve ser adotado.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então eu não vejo ilegalidade nenhuma que a instituição


financeira tem que ficar com a coisa à medida que o consumidor
receba de volta os valores que forem pagos.

Isso é questão de concurso. A matéria é nova e


exatamente a lei não conseguiu fazer a previsão de todas as
situações. Agora eu vou continuar.

Olha que interessante. Você Washington não pagou, nem


purgou a mora. Não pagou nem purgou a mora e o que aconteceu? A
liminar foi efetivada, e a propriedade foi consolidada.

Eu pergunto; Washington ainda pode contestar essa


demanda? Pode. Diz no caso o § 3o do decreto-lei 911: qual é o prazo
que ele tem para contestar? 15 dias. Ele tem 15 dias para contestar.

Quando ele for contestar, o que aconteceu com o carro? O


seu carro já está no setor financeiro e já foi vendido.

Nelson isso não existe. Existe. Vocês não estudam


processo civil? É a mesma coisa que acontece agora na nova
legislação da execução de quantia certa na fase de cumprimento de
sentença do art. 475 do CPC.

Quando você vai fazer impugnação ao cumprimento de


sentença, cara, já dançou. A mesma coisa na nova execução do tipo
extrajudicial.

Quando você for exatamente embargar aquela execução


extrajudicial, o credor já pegou o seu patrimônio. É isto que está
acontecendo. Então isso não é uma inovação só aqui não. Isso é uma
tendência do processo civil de efetividade do valor do credor.

Para que eu vou contestar, não é, Washington, se o carro


já foi embora? É esse que é o grande barato. O Washington pode
contestar, alegando que ele não foi inadimplente por que ele quis.
Ele, na verdade, foi conduzido ao inadimplemento por uma série de
cláusulas abusivas que estavam inseridas nessa relação de consumo.

Sabe o que o Washington consegue se ficar provado que


realmente você é que foi levado agora, em razão dessas cláusulas
abusivas? Vocês estão prontos, pessoal?

Diz o § 6o: na sentença que decretar a improcedência da


busca e apreensão – então a busca e apreensão serão julgadas
improcedentes, por falta da legitimidade da busca e apreensão – o

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

juiz condenará a instituição financeira a pagar uma multa de 50% do


valor do financiamento, além das perdas e danos.

Multa é perda e danos? Não, multa é sanção. Perdas e


danos é o prejuízo que você provar. A multa é automática, uma
sanção. Agora, perdas e danos ele vai ter que provar.

Mas isso é para mostrar o quê? Primeiro eu quero ouvir


de vocês. Se Washington chegou na contestação e falou assim:
Senhor Juiz eu fui levado ao inadimplemento, por essas causas
abusivas aqui, ou seja, ele está usando do dispositivo do § 3o, legal, o
que o Washington está fazendo toda vez que ele chega na defesa e
diz: Senhor Juiz, eu é que fui levado ao inadimplemento.

O que é isso que ele está fazendo? Isso é um pedido


contraposto. Ele está contra atacando para dizer que ela é que é
responsável pela sua mora, pelo seu inadimplemento.

É por isso que a sentença que julga improcedente a busca


e apreensão, além de evitar o erro da instituição financeira, vai te dar
essa multa de 50%, mais as perdas e danos dentro desse caso
concreto. Essa é que é a noção do pedido contraposto, o contra
ataque nos próprios autos.

Então, o que vocês acharam dessa legislação? O que ela


tem de bacana? Ela faz o equilíbrio entre o credor e o devedor. Ao
mesmo tempo em que o credor é beneficiado pela efetividade, o que
diz a lei?

Se a instituição se precipitar o credor pode depois


conseguir a improcedência e obter a multa. E por que você vai ter a
multa? A propriedade já consolidou e já vendeu.

Então, esse é o procedimento novo. Agora, o melhor vem


agora. E se a instituição financeira conseguiu uma liminar, mas ela
não apreendeu o carro, não encontrou o carro e nem Washington
pagou essa dívida. O que a instituição financeira faz? Converte a
busca e apreensão em ação de depósito.

Então, a ação de depósito já não está nessa lei, ela já é


retida precipuamente pelo CPC, art. 902 e seguintes.

Mas eu só quero que vocês me digam o seguinte: ação de


depósito. Qual é a finalidade da ação de depósito? A finalidade da
ação de depósito é fazer com que o bem que não foi entregue seja
depositado pela instituição financeira ou que a dívida seja paga.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Na ação de depósito o bem não é depositado pelo


devedor. Qual é a conseqüência? Prisão civil de até um ano pelo art.
652 do Código Civil.

Afinal, onde está a inconstitucionalidade da prisão do


depositário infiel no contrato de alienação fiduciária? Eu não quero
500 argumentos. Eu me contento com dois argumentos.

Primeiro lugar, pessoal. Como é que é a posição hoje do


Supremo com relação à prisão civil do depositário infiel nesses
contratos? É pela prisão ou é contra? O STF, por oito votos a zero,
está em andamento uma ação, todo mundo anota: é o RE 466343,
oito votos a zero contra a prisão.

O STF vai mudar seu entendimento, só estão faltando três


votos. Está suspenso e daqui a pouco vêm esses três votos e eu vou
explicar por que ficou suspenso.

Mas, por hora, quais são os argumentos dizendo que esse


art. 652 que trata da prisão civil tem vício de inconstitucionalidade.

Primeiro lugar, pessoal, a prisão civil do depositário infiel


está no art. 5o, inciso LXVII, da CRFB/88, que fala que os dois últimos
casos de prisão são de alimentos e do depositário infiel.

Então, eu pergunto: se a norma constitucional trata


dessas hipóteses de prisão, e elas estão catalogadas no art. 5o, que é
o artigo que cuida das garantias fundamentais, essas normas têm
que ser interpretadas de modo restritivo.

Certamente, por quê? Elas, na verdade, ofendem o direito


de liberdade da pessoa humana. Perfeito. E se ela é interpretada de
forma restritiva, onde é qu` e está a inconstitucionalidade dessa
prisão?

É o seguinte: qual a natureza de um contrato de depósito


típico. Qual é a natureza de um depósito típico? Quando eu, Nelson,
entrego para a Cíntia este código para você ser depositária por algum
tempo, qual é a sua obrigação no final do contrato? Restituir.

A obrigação dela é guardar, conservar e restituir ao final


do contrato. Então eu pergunto Cíntia: quando o Washington compra
um carro da instituição financeira Alfa, e ele está pagando 36
prestações de quatrocentos reais, e ele é chamado de depositário.

115
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando ele está pagando as prestações o objetivo dele


como depositário é restituir a coisa ao final do contrato? Não. Ao
contrário, o objetivo dele é ficar com a coisa para si.

Então, se o objetivo dele é ficar com a coisa para si, este


não é o depósito típico. Este é o depósito atípico, porque ele não fica
com a coisa para restituir. Ele fica com a coisa para si.

Essa é uma primeira questão. E ainda dentro dela, é mais


importante talvez. Que o Ministro Carlos Brito ressaltou para provar
que este é um depósito atípico, e é um depósito atípico de verdade, a
questão é: no contrato de depósito normal, clássico, enquanto o
depositário tem a coisa ele pode usar e fruir da coisa?

Ele não pode usar e fruir. Ele só pode conservar. Agora eu


pergunto: Washington, você como depositário pode usar e fruir do
carro? Pode.

Que depósito é esse em que o possuidor direto não pode


usar e fruir? Isso desnatura a natureza do depósito. Se desnatura a
natureza dele, e desnaturar é da natureza, se ele é desnaturado não
cabe a prisão.

A prisão só caberia nas hipóteses de depósito típico. Esse


é o primeiro argumento.

Agora, o segundo argumento é um argumento ainda mais


amplo. Por que quem defende a tese de que não há prisão por que é
um depósito atípico, ainda aceita a prisão do depositário quando é
depósito típico? Aceita, ainda aceita.

Agora, tem uma segunda posição que não aceita a prisão


nem de depósito típico, de nenhuma espécie de depósito. Qual? É
aquela posição que vocês já conhecem, que o Brasil aderiu ao pacto
de São José da Costa Rica, nós aderimos em 1992 a esse pacto, e por
que essa é a questão que eu quero saber exatamente de vocês.

Esse pacto diz que só caberia nos países signatários


prisão civil por alimentos. Por depósito nunca caberia. Só por
alimentos.

Então, eu pergunto: por que essa convenção é tão


poderosa, a ponto de passar por cima do art. 5o, LXVII da CRFB/88?
Por uma questão prática. Existem dois tipos de convenções que o
Brasil pode realmente realizar: convenções do direito patrimonial e
convenções sobre direitos humanos.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando as convenções do direito patrimonial entram no


nosso ordenamento e internalizam por força de lei ordinária. Esse é o
sistema dualista.

Mas, quando a convenção é relativa aos direitos


humanos, ela entra no nosso sistema interno por força de lei
fundamental, com força constitucional.

Isso é claro porque o art. 5o, § 2o da Constituição, versa


sobre o chamado bloco de constitucionalidade. O que é o bloco de
constitucionalidade? É uma cláusula geral no art. 5o, parágrafo único
que diz: os direitos fundamentais não são apenas aqueles que estão
na Constituição.

Também são aqueles que estão incorporados por tratado


ou convenções internacionais. Portanto, esse é um bloco de
constitucionalidade.

E se é o tratado que versa sobre os direitos fundamentais,


além do art. 5o, § 2o que diz que ele é recepcionado por força de
norma fundamental, eu pergunto: há necessidade de um decreto do
poder executivo para que esse tratado possa ser aplicado no direito
brasileiro ou não?

Por que não há necessidade de um decreto executivo?


Porque o art. 5o, § 1o da Constituição fala que as normas dos direitos
fundamentais têm eficácia imediata.

Como é o nome dessa eficácia imediata? Eficácia vertical.


Por que se trata de eficácia vertical? Porque aqui estão os direitos
fundamentais, aqui está exatamente o Juiz e aqui está o legislador.

Eficácia vertical quer dizer quando vem uma norma de


direito fundamental, ela se põe de cima para baixo, e o legislador tem
que acatá-la. Que legislador? Legislador subalterno, legislador
infraconstitucional.

O que é o legislador infraconstitucional? É o cara que fez


o artigo 652, que tem que acatá-la. Então, isso aqui já nasce com o
vício de inconstitucionalidade.

Mas isso é tão óbvio. Por que o STF parou? Porque o


Ministro Celso Mello vai dar os 9 a 0. Ele falou que precisa parar por
que essa discussão é muito importante à luz da emenda
constitucional 45, que trouxe o art. 5o, § 3o, da Constituição, todo
mundo leia comigo neste instante, o que ele traz de diferente:

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Art. 5o, parágrafo 3o: “os tratados e convenções


internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais”.

Ou seja, ele está dizendo que só um estudo maior para,


efetivamente, chegar a que conclusão? Há ou não necessidade desse
tratado ter sido aprovado com esse quorum qualificado. A tendência
de se dizer é: esse quorum qualificado é só para as convenções que
tenham sido subscritas após a emenda 45.

As anteriores não se submetem a esse quorum


qualificado. Elas já entram no ordenamento com essa força de norma
fundamental. Então é só vocês entenderem isso. Essa é a discussão
que agita o STF hoje em dia, no tocante à prisão civil.

Então, vamos à propriedade superficiária. Olha, quem for


trabalhar com o Código Civil, nesta matéria, pode acompanhar
comigo pela leitura do arts. 1369 ao 1377.

Primeiro ponto. Imagine que esse terreno é do Flávio. O


que acontece, Flávio, você recebeu isso de herança. É um terreno
enorme que você tem, na Barra da Tijuca, que você recebeu de
herança. Só que, apesar de você ter recebido esse terreno, você não
tem muito dinheiro.

Aí chega um incorporador de uma construtora forte do Rio


de Janeiro. Vamos fazer o seguinte Flávio: nós queremos fazer um
shopping. E nós queremos edificar no seu terreno. Aí o Flávio diz:
beleza, vamos fazer um contrato?

E aí o Flávio faz um negócio jurídico, um contrato, com


essa construtora, pelo qual ela vai edificar a acessão que é o
shopping.

Quando esse shopping ficar pronto e esse negócio jurídico


for registrado no ofício imobiliário, essa construção será de
propriedade do construtor, enquanto o solo continua a pertencer ao
proprietário Flávio.

Notem, o Flávio que é o proprietário do solo, continua


sendo proprietário. Mas esse cara que fez a construção passa a se
chamar proprietário superficiário. Duas propriedades superpostas,
horizontalmente fracionadas. Tem dois proprietários ao mesmo
tempo.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Essa possibilidade de fracionamento de uma propriedade


em duas, um fica com o terreno e o outro adquire a propriedade das
acessões.

Isso quebra ou suspende qual o princípio milenar que


vocês conhecem e que estudaram comigo? Suspende o princípio da
acessão. Qual é o princípio da cessão? Que esta construção teria que
pertencer a quem? Ao dono do solo.

Ou seja, qual o princípio clássico do artigo 1243 que é o


acessório segue o principal. Esse princípio é suspenso. Por que esse
princípio é suspenso? Porque na vigência da propriedade superficiária,
eu não aplico o princípio da acessão.

Haverá um fracionamento das propriedades. Mas isso é


bom? É ótimo. É o famoso juntar a fome com a vontade de comer. E
por que juntar a fome com a vontade de comer, meu amigo
Washington? Olha como esse instituto dá função social.

O Flávio é o proprietário. Esse terreno é dele e ele não


tem dinheiro. Se esse terreno ficasse largado, abandonado, o que ia
agir sobre o seu imóvel? Aquelas sanções do estatuto da cidade,
contra o proprietário é desidioso.

Mas, agora não. Agora o cara construiu no seu imóvel e


esse imóvel está recebendo função social. Aí o Flávio fala: mas o que
eu quero com isso?

Você ganha, por que esse cara aqui vai ter que te pagar,
por que está fazendo uso da sua propriedade. Então é ótimo para
você? Olha, por que é ótimo para o construtor?

É ótimo para o construtor por que ele não vai ter que
desembolsar uma grana enorme comprando o terreno. Então, por
isso que eu digo que é juntar a fome com a vontade de comer para
os dois.

Portanto, gente, abra o Código Civil no artigo 1369: “O


proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de
plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura
pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis”.

Notem, aqui novamente, só se pode falar em direito real


imobiliário quando o negócio jurídico é objeto de registro. Enquanto
não se registra é impossível falar em direito de superfície. É
impossível se falar em propriedade superficiária, antes desse registro.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Vai começar o show de perguntas. Perguntas que podem ser


respondidas no art. 1369.

É possível na opinião de vocês que o Flávio seja dono de


um terreno e ele tem um prédio velho lá. O prédio está caindo aos
pedaços. O prédio tem 90 anos, e está pessimamente conservado.

Aí vem uma empresa dessa de publicidade, muito bacana


e fala assim: Flávio nós queremos a propriedade superficiária e nós
vamos ficar com esse prédio que você já fez e vamos reformar todo
ele, e vamos ficar com a nossa propriedade superficiária.

Nós vamos reformar todo ele e ficar com ele. É possível


isso? Entenderam gente?

No primeiro exemplo o que aconteceu? Não tinha nada


construído e veio essa construtora, ela fez a acessão e ela se tornou
proprietária da acessão.

Nesse segundo o proprietário superficiário não quer


construir nada. Ele quer apenas pegar o que já tem e reformar e ser
proprietário disso: isso é possível? Pela leitura literal do código não é.

E olha o que diz o art. 1369: “O proprietário pode


conceder a outrem o direito de construir”, ou seja, a propriedade
superficiária, pela leitura bem pessoal do artigo 1369, esse direito de
superfície se daria sobre um bem incorpóreo.

Por que incorpóreo? Porque no momento em que foi feito


o contrato, nada existe ainda. O que existe é o projeto de construir.
Então, o Código Civil na letra da lei, não aceitaria essa possibilidade.

Mas sabe o que eu quero falar com vocês? Pode sim.


Sabe como se chama isso? Superfície por cisão.

O que é superfície por cisão? A quem pertencia antes essa


construção e esse prédio? Ao Flávio, não é? No instante em que
houver uma superfície, o que haverá? Uma cisão. Que cisão? Só o
terreno continua com o Flávio. O prédio já pertence ao proprietário
superficiário.

Nelson, de onde você tirou isso, se o Código não fala?


Isso é uma interpretação do art. 1369 conforme a Constituição,
porque a Constituição não quer dar função social?

A superfície com cisão não é uma excelente forma de dar


função social aos prédios destruídos no Rio de Janeiro, que o

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

proprietário não faz nada neles, por que não tem grana, não tem
vontade? Não é ótimo alguém pegar e falar: a propriedade é minha e
eu vou revitalizar a cara da cidade.
Nelson dá para a gente ir atrás de você? Dá para ir atrás
no enunciado 250 do CJF. Olha o que diz o enunciado 250: “admite-
se a constituição do direito de superfície por cisão”. Ou seja, o
pessoal chama de interpretação bem progressista do art. 1369 do
Código Civil.

Flávio esse direito de superfície que você concedeu ao


construtor, essa propriedade que a construtora adquiriu sobre as
acessões é uma propriedade perpétua ou resolúvel? Resolúvel. A
propriedade superficiária tem natureza resolúvel.

Vou dar um exemplo: o Flávio em 2007 ele registrou o


contrato de superfície. Sabe o que vai acontecer com esse contrato?
A construtora será proprietária desse shopping, dada as acessões que
nós fizemos por 30 anos.

Em 2037 o que vai acontecer com a propriedade e as


acessões que a construtora fez com ela? Para quem voltam as
acessões? Para o proprietário do solo. Ele volta a ser proprietário de
tudo.

Por quê? Porque a propriedade se resolveu, em virtude do


exemplo, que aqui é futuro e certo. Qual? O tempo. O termo
aconteceu e, aí, ele passa a ser proprietário de tudo.

É por isso que eu pedi que vocês anotassem o que no


caderno? Que só no momento em que ocorre o termo é que o
proprietário do solo vai adquirir as acessões.

Ou seja, houve uma suspensão ao princípio da acessão.


Por que uma suspensão? Porque no final do contrato a acessão vai
acontecer? Vai. Por quê? Porque o dono do principal vai se tornar
dono do acessório.

E olhem se isso não é verdade no art. 1375: “Extinta a


concessão, o proprietário do solo passa a ter propriedade plena,
independente de indenização se as partes não houverem estipulado o
contrário”.

A lei fala em concedente e em concessionário. Mas eu


prefiro o termo da doutrina: proprietário do solo e superficiário.

Ou seja, gente. Se por acaso a construção foi criada por


esse cara, o proprietário do solo vai adquirir a acessão pela primeira

121
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

vez. Concordam? Mas, e se for superfície por cisão? Ele vai adquirir a
acessão pela primeira vez? Ele vai resgatar a acessão.

Mas, esse artigo que eu li, que é o art. 1375, diz o


seguinte: qual é a regra? É que, quando volta para o proprietário no
silêncio do contrato, ele tem que pagar pelo valor das acessões ou
não? Não.

Gente, alguém nessa sala pode me dizer? Por que é que o


Flávio, depois de 30 anos ele vai ficar milionário, tendo um shopping
para ele, sem pagar nada? Como é que ele consegue isso?

Pelo seguinte: é porque a construtora, naqueles 30 anos


ela ganhou todo o dinheiro que ela precisava, explorando
economicamente aquela área.

Ela se beneficiou, por que naqueles 30 anos ela que


obteve todos os ganhos econômicos relativos à propriedade
superficiária. A única coisa que o Fábio recebe, se for convencionado
nesses 30 anos, é o solarium.

O que é um solarium? O solarium é uma espécie de


aluguel, que você recebe por essa situação.

Veja se não é isso que diz o art. 1370: “a concessão da


superfície será gratuita ou onerosa”. Ou seja, ela também pode ser
gratuita.

Se onerosa, estipularão as partes o pagamento. Que


pagamento? O solarium. Se ele será feito de uma só vez ou
parceladamente. É essa que é a situação.

Agora, notem amigos. Está dizendo no primeiro artigo que


vocês leram na aula, que é o artigo 1369, que este contrato feito
entre o proprietário e o superficiário tem que ser um contrato com
prazo ou pode ser contrato sem prazo.

O que vocês acham? Tem que ser com prazo. Aliás, está
lá, por tempo determinado, tem o prazo sempre. Ou seja, o Código
Civil não admite que se faça direito de superfície sem prazo.

Por que ele não admite? Porque seria muito perigoso. Por
que seria muito perigoso? Se houvesse aqui uma relação de
superfície sem prazo, o que o Flávio poderia fazer no segundo ano?
Interpelar o proprietário superficiário e dizer: eu quero isso de volta.
Eu quero isso tudo para mim. Acabou.

122
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

As superfícies, gente, normalmente elas são feitas para


durar 30 anos, 50 anos, 70 anos. Ela não pode se submeter
instabilidade a essas situações.

O que vocês acham do art. 1372: “O direito de superfície


pode transferir-se a terceiros e por morte do superficiário, a seus
herdeiros”.

Amigos, aqui está a propriedade superficiária. É de 30


anos o meu exemplo. A minha pergunta é: quando deu 14 anos de
superfície, pode a construtora vender essa propriedade superficiária?
Joãozinho pode comprar? Pode. Por quê? Porque isso é uma
propriedade como outra qualquer.

Ela pode ser alienada gratuita ou onerosamente. Mas,


sabe qual é a pergunta que vai cair no concurso? Vamos ver se vocês
estão bem em matemática. Quantos anos mais Joãozinho poderá ser
proprietário? 16 anos. Por quê? Já não tinham passados 14 anos?

Se a propriedade da construtora é resolúvel, a de


Joãozinho também é resolúvel, por que eles adquiriram da mesma
maneira. Então é possível sim, tranqüilamente.

E mais, vamos supor que fui eu, Nelson, que adquiri a


superfície. E quando deu 14 anos eu morri. O que aconteceu com
essa propriedade superficiária? Vai para os meus herdeiros. Por
quantos anos? 16 anos, também.

Ou seja, o art. 1372 fala claramente que o direito de


superfície é plenamente transmissível. Agora, notem, é sempre
transmissível dentro do prazo fixado no negócio jurídico, porque essa
propriedade é resolúvel. É da essência dela.

Olha o que diz o art. 1359: “Resolvida a propriedade pelo


implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se
também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o
proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a
coisa do poder de quem a possua ou detenha”.

Então, o terceiro recebe a propriedade com a


característica resolúvel anterior, e mais eu quero ver se vocês são
corajosos. Se eu sou o superficiário, eu posso dar essa minha
propriedade em garantia, em hipoteca?

Gente, eu posso constituir ônus reais sobre ela?


Tranqüilamente, eu posso hipotecá-la. Eu posso fazer uma

123
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

propriedade fiduciária em cima dela. Eu posso fazer ônus reais sobre


ela.

Eu fiz uma hipoteca da propriedade superficiária e você é


a credora. Eu não te paguei a dívida dos 300 mil. O que é que você
vai penhorar como credora hipotecária? Tudo? Não, ela só vai
penhorar a propriedade superficiária.

Ou seja, o que vai ser levado à venda é a propriedade


superficiária. Se uma pessoa conseguir arrematar isso em hasta
pública, Flávio você continua a ser o dono do terreno e o arrematante
passa a ser o novo proprietário superficiário. Por quantos anos? Pelo
prazo que faltar exatamente naquela disposição contratual.

Olha o que diz o enunciado 249 do CJF: “a propriedade


superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais de
gozo e de garantia, desde que o prazo não exceda a duração da
concessão da superfície”.

Amigos, eu quero ver se vocês estão bem na aula de


Direito Tributário. O município vai cobrar IPTU de quem? Do Nelson,
que é o superficiário ou do Flávio que é o proprietário do solo? Do
Flávio. Dêem uma olha no art. 1371: “o superficiário responderá
pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel”.

Pelo art. 1371 quem vai pagar, então, o IPTU? O


superficiário. Vocês concordam com esse artigo? Vocês não
concordam. Nem eu. Sabe por quê? Quando está escrito no art. 1371
“responderá” não é como contribuinte, é uma responsabilidade
solidária.

O contribuinte obviamente é o proprietário do solo. É ele


que é o contribuinte. E mais, lei ordinária não pode criar novo fato
gerador para o contribuinte. É só lei complementar, pela Constituição
Federal, art. 146. Agora, nada impede que lei ordinária crie hipótese
de responsabilidade solidária.

Então, aqui vocês vão colocar no art. 1371 ao lado do


superficiário responderá solidariamente, porque o art. 128 do CTN
permite que a lei ordinária possa criar responsabilidade solidária.
Sabe o que isso quer dizer? Que o município pode ir contra quem?
Um ou outro, ou os dois.

Agora, eu quero saber de vocês: pode ter uma cláusula


contratual entre eles, dizendo qual vai pagar? Pode, mas isso não é
problema do município. Se o município for no Flávio e você tiver

124
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

repassado esse caso para mim, você tem regresso contra a minha
pessoa.

Então, nesse particular aqui pessoal, olha o enunciado 94


do CJF: “a parte tem plena liberdade para deliberar no contrato, o
rateio de encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto de
concessão de superfície”.

Gente, a mesma coisa quando vocês alugam um


apartamento. Quem é que paga realmente o IPTU, não é o
proprietário? Quem paga o condomínio, não é o proprietário? Mas o
que eles dispõem no contrato? Que o pagamento tem que ser feito
por quem? Pelo locatário. Ou seja, se o inquilino não pagar o
proprietário paga e, depois, cobra do locatário.
Então, existe essa economia privada, que é para facilitar
a vida dessa gente toda.

Vamos supor que eu quero vender a superfície. Eu tenho


que te dar direito de preferência? Tem.

E se você quiser vender o solo, você pode? Pode. Olha o


que diz o art. 1373: “Em caso de alienação do imóvel ou do direito de
superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência,
em igualdade de condições”.

A única coisa que o Código não diz é: e se esse direito de


preferência não for concedido? Qual é a conseqüência? Eu não dei
direito de preferência para você Flávio? E vendi minha superfície para
o João.

Vocês vão ao lado desse artigo fazer uma remissão ao


art. 504. Por que vai se aplicar ao lado do art. 1373. Por que vai se
aplicar a mesma norma que se aplica ao condomínio. O condômino,
quando vende uma fração do seu condomínio, não tem que dar
preferência a outro condômino?

Pois é, e o art. 504 o que ele diz? Ele diz, pessoal, que se
essa preferência não for dada, aquele outro que não foi notificado
tem o prazo de 180 dias para depositar o dinheiro.

E quando ele deposita o dinheiro o que acontece com


aquela venda? Será desconstituída. Aquela venda será desconstituída
porque no prazo decadencial de 180 dias ele foi lá e pagou aquele
valor. Então, é só para a gente complementar uma coisa com a outra.

Vamos a outro exemplo: está rolando um prazo de


superfície de 30 anos. Quando deu 28 anos, vem o Estado do Rio de

125
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Janeiro e quer desapropriar essa área. Quem vai ser indenizado? O


proprietário do solo ou o superficiário?

Quem está colando no Código Civil vai ler no art. 1376


que tem uma saída meio estranha. Ele diz: “no caso de extinção do
direito de superfície em conseqüência de desapropriação, a
indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor
correspondente ao direito real de cada um”.

Então, o que a doutrina mais antenada diz, notem tudo


vai depender do tempo em que se desenvolve a desapropriação. Se a
desapropriação ocorre já chegando ao final da superfície, quem é o
mais prejudicado?

O proprietário do solo, porque ele já estava com aquela


expectativa de ser proprietário das acessões e o superficiário já tinha
fruído de todos os direitos econômicos que eram de seu interesse.

Então qual é a visão doutrinária? Quanto mais próximo do


final da superfície, maior é a indenização do proprietário do solo, em
detrimento do superficiário.

Agora, se essa desapropriação se der no início da


concessão, é claro que a verba maior se dirigirá ao superficiário, pela
frustração de todas as expectativas que ele tinha de obter
rendimentos daqui.

A outra situação que eu tenho é a seguinte: Flávio, você


me deu o direito de superfície para que eu fizesse um shopping nesse
seu terreno. Ele me deu a superfície, passou o prazo de dois anos, e
eu nada de construir o shopping. O terreno continua vago.

O que o Flávio pode fazer, à medida que ele notifique o


superficiário, e o superficiário nada de construir, o que eu posso
fazer? Art. 1374: “antes do termo final resolver-se-á a concessão se
o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi
concedida”.

Onde está “destinação diversa” sabem o que vocês têm


que colocar? Não concedeu função social à propriedade. Toda vez que
não foi concedida a função social ao bem, é claro que houve o
inadimplemento de uma obrigação de fazer por parte do superficiário.
O inadimplemento de uma obrigação de fazer.

E esse inadimplemento gera a resolução contratual, à luz


do art. 475 do Código Civil. Art. 475, resolução contratual pelo

126
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

inadimplemento. Ou seja, gente, a colocação que eu faço é: o


proprietário não precisa ficar esperando acabar o prazo de 30 anos.

Você já deve agir, à medida que a função social é


negligenciada pelo superficiário. Só que, eu tenho uma coisa a lhes
contar. É que existe direito de superfície fora do código civil? Existe,
gente, no Estatuto da Cidade.

Abra o art. 21 do Estatuto da Cidade. Ele também traz o


direito de superfície. E o que tem lá: o Estatuto da Cidade ou o
Código Civil? O Estatuto da Cidade já tinha essa previsão antes do
Código Civil.

Aí, sabe o que o aluno é acostumado a fazer? O aluno,


que um tarado pelo estudo do Direito Civil clássico vai dizer: Nelson,
se o Estatuto da Cidade veio antes e o Código Civil depois, então tem
a lei anterior, a lei posterior, ocorreu a revogação.

Não tem nada disso, não existe antítese entre as normas,


existe um diálogo de fontes. Há um diálogo de fontes entre o Código
Civil e o Estatuto da Cidade. Há uma relação de complementaridade.
Um vai ajudar o outro. Então, eu pergunto: quando é que se aplica o
Estatuto da Cidade e quando é que se aplica o Código Civil.

Washington, você tem um terreno em Ipanema e aí chega


o Luciano Huck e diz assim: eu quero o direito de superfície do seu
terreno. Para que Luciano? Ah, por que eu vou construir. Eu tenho
direito de superfície e vou construir uma Academia de Ginástica nova.

Código Civil ou Estatuto da Cidade? Código Civil. Por quê?


Porque apesar de ser um imóvel urbano, essa acessão de superfície
visa a dar de alguma forma função social à cidade? Não. Ela não visa
dar função social à cidade. Ela não está ligada a nenhum dos planos
de urbanização da cidade do Rio de Janeiro. Ela serve,
principalmente, a interesse particular. Então é Código Civil.
Agora, você tem um terreno em Ipanema, chega o César
Maia e fala assim: Washington, nós estamos precisando desse
terreno para fazer garagem no subsolo com mil vagas. Estatuto da
Cidade. Por quê?

Porque esse direito de superfície já atende ao plano


diretor e à função social da cidade. Mas, você está falando em direito
de superfície do subsolo. O direito de superfície não se dá no solo. Ele
pode ser embaixo, na superfície ou ele pode ser uma simples
construção.

127
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Ou seja, eu pergunto para vocês: Washington tem um


terreno em Ipanema de frente para a praia. Pode chegar o morador
do prédio de trás que tem um apartamento e falar: eu quero o direito
de superfície aéreo do seu imóvel.

Pode? Inclusive já fazem isso aqui na Lagoa Rodrigo de


Freitas. Por que o cara quer o direito de superfície aéreo? Por que ele
não quer que amanhã você construa e perca a bela vista que ele tem
da praia.

Então ele adquire esta superfície, ou seja, aqui você não


pode construir, justamente por um interesse privado do vizinho. Isso
não é Estatuto da Cidade, isso é Código Civil. Isso é relação
contratual. Direito de Superfície aéreo.

Agora, se por acaso, isso aí ninguém vai questionar. Tem


uma fazenda do Washington lá no interior do Rio de Janeiro, zona
rural, e é feito um grande colégio no direito de superfície pelo
município de Vassouras faz lá uma escola rural.

É Estatuto da Cidade ou Código Civil? Código Civil. Por


que, apesar de ter função social, o Estatuto da Cidade só é aplicado
aonde? Zona urbana. Então por isso é que vocês têm que ter o
cuidado. Quando é que é Código Civil, quando é que é Estatuto da
Cidade, para a gente fazer a dimensão exata das duas situações.

Vou fazer uma última observação: no Estatuto da Cidade


o direito de superfície pode ser feito sem prazo? Pode. Olha só o art.
21 fala: “por tempo determinado ou por tempo indeterminado”.

Quer dizer então que sendo o plano diretor a meta da


cidade, havendo a possibilidade de fazer na superfície para atender
uma função social da propriedade, pode ser por tempo
indeterminado? Pode.

Mas note, esse contrato é sem prazo. O que a doutrina


ensina e eu coloco no meu livro também é que apesar do contrato ser
sem prazo, certamente o direito do superficiário deve ser
resguardado.

Imagina se o proprietário chega 1 mês depois e fala que


como o contrato é sem prazo, está te notificando para você ir
embora. Isso geraria muita insegurança jurídica.

Então, para evitar essa insegurança jurídica, eu peço que


seja aplicado o § único do art. 473 do Código civil, pois quando uma

128
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

das partes faz um contrato sem prazo com a outra o que a qualquer
tempo um deles pode fazer? Não pode denunciar? Não ode resilir?

Mas o § único do art. 473 traz uma norma de grande


função social. Ele diz: “Se, porém, dada a natureza do contrato, uma
das partes houver feito investimentos consideráveis para sua
execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de
transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos
investimentos”.

Então, esse art. 473, § único visa evitar o abuso do direto


potestativo do proprietário de tentar denunciar aquele contrato de
forma abrupta, retirando as garantias que o proprietário superficiário
poderia ter sobre a coisa.

Pergunta de aluna: Pode ter usucapião de direito de


superfície? Resposta do prof.: Pode, mas isso é muito raro. Eu vou
dar o único exemplo em que se pode admitir usucapião de direito de
superfície.

Roberta eu tenho o direito de superfície desse imóvel


aqui, que pertence ao Fábio. Você quer comprar? Você compra e
adquire o direito de superfície por um negócio jurídico.
Aí você está lá, quando você adquire dois anos depois,
chega o Fábio e pergunta: minha filha, o que você está fazendo aí
nesse imóvel? Eu adquiri direito de superfície do Nelson. Ele diz que
você foi enganada. Esse cara fingiu para você que era superficiário do
meu imóvel. Então minha filha você foi enganada. Foi uma superfície
a non domino.

Mas se porventura você ficou lá 10 anos, no mínimo, o


que você vai alegar em defesa? Que você teve justo título não de
proprietária, mas justo título de superficiária.

Então, você vai adquirir usucapião da superfície. O solo


vai continuar pertencendo a quem? Ao Flávio. Você vai ter usucapião
da superfície. Mas por quanto tempo? Pelo tempo que ele colocou no
contrato. Porque senão, poderia ficar lá a vida inteira, pois a
propriedade superficiária é ??? mesmo quando adquirida por
usucapião.

Mas vocês viram como esse exemplo é raro? Roberta,


normalmente se você entra no terreno, você nunca vai usucapir a
superfície. Você vai usucapir a propriedade. Por que quem entra no
terreno tem animus domini ou animus superficiaris? Tem animus
domini.

129
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Ninguém entra em um terreno e fica lá por 20 anos e diz


que apenas quer ser o superficiário.

Pergunta de aluno: E se, por exemplo, depois de acabado


o prazo, quando resolve a propriedade o proprietário do solo não
aparece? Resposta do prof.: Se acabou o prazo e o proprietário do
imóvel deixa eu ficar lá, aí eu usucapi tudo.

Vamos começar Promessa de compra e venda. A


promessa de compra e venda faz a passagem entre a propriedade e a
posse. Ela tem um pouco de propriedade e um pouco de posse e nos
remete às aulas que eu venho dando há 2 semanas. Será uma forma
de preparar o raciocínio de vocês para semana que vem.

A promessa de compra e venda é um direito obrigacional


ou é um direito real? Ela nasce como uma relação obrigacional e pode
posteriormente se tornar um direito real.

Nelson e Washington fazem um contrato onde Nelson é o


promitente vendedor e o Washington é o promitente comprador.
Nelson vai vender esse imóvel em 30 prestações de R$ 1.000,00.
Isso é uma promessa de compra e venda.

A promessa de compra e venda é o mais importante de


todos os contratos preliminares.

Contrato preliminar é o contrato que é realizado entre as


partes cuja finalidade é a futura realização de um contrato definitivo.
A finalidade das partes é a futura realização de um contrato
definitivo.

Quando Washington acabar de pagar a última das 30


prestações de R$ 1.000,00, o que ele exigirá de Nelson? Ele exigirá a
escritura definitiva de compra e venda, que é o contrato definitivo.

Isso é uma relação obrigacional, pois quando eu assinei a


promessa de compra e venda e ela se tornou um negócio jurídico
válido, passou a produzir obrigações.

Qual é a obrigação do Washington? Dar quantia certa de


R$ 1.000,00 por mês. E qual é a obrigação do Nelson? Fazer, pois
quando ele acabar de pagar a última prestação eu terei que outorgar
a escritura definitiva de compra e venda.

Em primeiro lugar, essa promessa de compra e venda não


foi registrada. Quando o Washington terminou de pagar a última

130
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

prestação e o Nelson se nega a outorgar a escritura definitiva de


compra e venda.

O que o advogado do Washington deve fazer? Ele deve


ajuizar uma ação de adjudicação compulsória ou também chamada
de ação de outorga de escritura do art. 466-B do CPC.
Por que ele vai ajuizar essa ação? Ele vai ajuizar essa
ação porque o Nelson tinha a obrigação de fazer e ao se recusar em
outorgar a escritura, se tornou inadimplente da obrigação de fazer.
Com isso, Washington está pedindo uma tutela específica.

O juiz vai mandar Nelson assinar a escritura, mas se este


se mantiver inerte, o juiz irá substituir a sua vontade e irá outorgar
aquela escritura que o particular não outorgou.

A obrigação de outorgar a escritura do Nelson é uma


obrigação fungível ou infungível? É uma obrigação fungível, pois se o
Nelson desaparecer, o juiz o substitui.

Quando Washington consegue essa outorga de escritura,


a leva para o RGI tornando-se, desta forma, proprietário em
definitivo.

Por que o Washington conseguiu essa outorga de


escritura mesmo sem ter registrado perante o RGI? Porque a outorga
de escritura não está relacionada ao registro. A outorga da escritura
está relacionada ao plano da relação obrigacional.

Súmula 239 do STJ: o direito à adjudicação compulsória


não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no
cartório de imóveis.

O segundo ponto é o seguinte: Washington estava


pagando a dívida, sem estar com a promessa registrada. Enquanto
ele estava pagando, Nelson perguntou a Rafaela se ela queria
comprar esse imóvel. Rafaela, então, comprou o imóvel que o
Washington estava pagando.

Esse negócio jurídico entre Nelson e Rafaela é válido?


Claro que é.Esse negócio jurídico possui agente capaz, objeto lícito e
forma prevista em lei.

Quando Washington termina de pagar o imóvel, fica


sabendo que Nelson o vendeu para Rafaela. Washington pode ajuizar
ação de outorga de escritura onde a adjudicação compulsória se dá
em face de Rafaela? Não, pois quem prometeu outorgar escritura a

131
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

ele foi o Nelson. E como essa é uma relação obrigacional, somente


faz efeito entre as partes.

A Rafaela é terceira e o Washington não tem seqüela, pois


ele é apenas credor de uma relação obrigacional.

Nelson indeniza por perdas e danos Washington, mas


Rafaela fica com a propriedade para si.

A outorga de escritura, a adjudicação compulsória é uma


ação pessoal que só pode ser exigida contra aquele que prometeu ou
pelos sucessores. Mas não contra terceiros.

O terceiro ponto é o seguinte: Washington, o que você fez


no dia seguinte da assinatura do contrato antes sequer de ter pago a
primeira prestação? Ele registrou a promessa de compra e venda.

O que nasce para Washington? Nasce o direito real à


aquisição.

A promessa de compra e venda que era um direito


obrigacional, agora também é um direito real à aquisição que nasce
do registro.

Qual é a conseqüência? Se há registro, nós podemos falar


em seqüela. Se há seqüela, é claro que há oponibilidade erga omnes.

Vocês podem estar pensando que vocês já estudaram


essa matéria não como direito real à aquisição, mas sim como direito
real de aquisição.

Quando você fala de direito real de aquisição, dá uma


falsa idéia de que quando a pessoa registra, a coisa já é dele. Mas a
coisa não é dele. Quando ocorre o registro, não se adquire a
propriedade.

O nome é direito real à aquisição porque quem registra


passa a ter o direito de garantia. Qual é o direito de garantia que
passa a ter a pessoa que registra? Ela passa a ter o direito real a
adquirir a coisa no futuro se pagar a integralidade das suas
prestações.

Ou seja, está dizendo que se você registrou, você terá


direito a uma futura aquisição da propriedade se pagar integralmente
as suas prestações. Isso é que é direito real à aquisição.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Washington, você registrou e pagou tudo. E foi ao


encontro de Nelson pedindo que ele lhe outorgue a escritura. Nelson
diz que vendeu o imóvel para Rafaela.

Pode Nelson vender o imóvel para Rafaela se Washington


registrou a promessa de compra e venda? Pode, pois não obstante
registrada, a propriedade continua sendo do Nelson. A única coisa
que ele tem é o direito de garantia.

Washington tem, nesse caso, ação de adjudicação


compulsória contra Rafaela? Tem, pois ele efetuou o registro. E como
ele efetuou o registro antes, ele tem a seqüela e ele pode buscar a
coisa contra Rafaela.

Por que ele vai tirar a coisa da Rafaela se o negócio


jurídico entre Nelson e Rafaela é válido? Não me digam que é porque
ele tem seqüela, porque ele registrou ou porque é erga omnes, pois
isso eu já sei.

Porque não obstante o negócio jurídico seja válido, ele é


ineficaz perante o promitente comprador.

Por que se trata de um caso de ineficácia relativa,


também chamada de inoponibilidade? É uma ineficácia relativa
porque houve o registro anteriormente. Ou seja, se ele registrou,
esse negócio jurídico é ineficaz, não produz efeitos porque ele
registrou e pagou integralmente as prestações a posteriori.

Se, por acaso Nelson vendeu para Rafaela quando


Washington já tinha registrado, mas Washington no sétimo mês pára
de pagar, tornando-se inadimplente, qual é a conseqüência disso?

Nelson irá ajuizar uma ação de resolução da promessa de


compra e venda que, sendo julgada procedente, irá desconstituir a
promessa de compra e venda.

O que acontece com a venda feita para Rafaela se a


promessa de compra e venda feita para Washington foi
desconstituída? A venda que já era válida torna-se plenamente eficaz.

Por que a única pessoa que poderia se opor à eficácia


relativa ou a inoponibilidade, não poderá mais se opor, por que o
negócio jurídico dele foi desconstituído, foi resolvido, retirado do
mundo jurídico. É essa que é a noção.

Então, pessoal, o terceiro capítulo da novela, Washington


termina bem para você, na medida em que você realize o registro.

133
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Agora, tem uma questão muito maneira, que é a do 4o


Capítulo, que é a seguinte: o Código Civil não é o único instrumento
legal que trata de promessa de compra e venda.

A promessa de compra e venda já existe em outras


normas, no decreto-lei 58/37 que trata de lotes rurais. Na lei
6766/79 com lotes urbanos e, com a atual 10.931/2004 que cuida da
incorporação imobiliária, que é quando vocês compram apartamento
em construção. Tem promessa de compra e venda nessas três leis.

O decreto-lei 58/37 trata da aquisição de lotes rurais com


promessa de compra e venda. Lei 6766/79 promessa de compra e
venda de lotes urbanos e a lei 10931/2004 que trata, também, da
promessa de compra e venda na incorporação imobiliária.

Pois bem, o que essas três leis têm em comum? Essas


três dizem que, quando é feita a promessa de compra e venda de
compra de lote ou de compra de apartamento em construção, elas
são irretratáveis.

Ou seja, essas leis chamam a promessa de compra e


venda de compromisso de compra e venda. Por que elas são
irretratáveis.

Existem normas de ordem pública que fazem com que em


todas essas leis haja irretratabilidade. Aliás, eu vou até dizer quais
são os artigos e os fundamentos, também, para ajudar.

Nos lotes rurais a irretratabilidade da promessa de


compra e venda é da súmula 166 do STF. Na lei 6766/79 está no art.
25, § 6o, da referida lei e na última, 10.931/2004, está no art. 32, §
2o da lei 4.591/64. Apesar de não ser da lei 10.931/2004, ela alterou
o art. 32, parágrafo 2o da lei 4.591/64 as aquisições de incorporações
imobiliárias se tornam irretratáveis.

O Código Civil, então, trata da promessa de compra e


venda de imóveis não loteados. Então, vamos ver se vocês
entenderam. Washington, se você quer me vender um apartamento
hoje com promessa de compra e venda é Código Civil.

O que é imóvel loteado? É quando tem um loteador e ele


quer te vender um lote urbano ou rural ou quando tem um construtor
que quer fazer um prédio e quer te vender um apartamento.

Por que existem nessas normas a exigência da


irretratabilidade? Por que gente? Tudo aqui é relação de consumo.

134
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando a gente compra um lote, vocês são consumidores, quem vai


atender vocês é um profissional loteador.

Quando vocês compram apartamento em construção


quem está vendendo para vocês é um incorporador, é um fornecedor.
Se nesses contratos houvesse cláusula de retratação ou a chamada
cláusula de arrependimento, o que o construtor faria?

Ele venderia o apartamento para vocês. Vocês pagariam


duas ou três prestações, chegaria o construtor e falaria assim: olha
desculpa eu me arrependi, toma o dinheiro de volta que vocês me
pagaram.

E sabe o que ele está ganhando? Ele ia especular com o


bem. À medida que o bem valorizasse, ele venderia de novo para
outra pessoa.

Então, para proteger os adquirentes desses bens, que são


vulneráveis diz-se que são irretratáveis.

E por que se chama de promessa de compra e venda?


Compromisso. Gente, para quem está noivo nesta sala. Alessandra, o
que é mais forte. Fazer uma promessa de casamento ou um
compromisso de casamento? Compromisso não é muito mais forte?
Por quê? Por que a promessa nasce para ser descumprida.
Compromisso não, compromisso é irretratável.

É por isso que nessas leis a gente fala que é compromisso


de compra e venda. Agora, na promessa de compra e venda do
Código Civil, nada obsta que seja inserida que cláusula? Cláusula de
retratação. A chamada cláusula de arrependimento.

Gente, por que nas relações com o Código Civil pode


haver cláusula de arrependimento? Porque as relações entre o Código
Civil são de relativa igualdade entre as partes. Ou seja, quando o
Washington me vende um apartamento, não é relação de consumo. É
uma relação privada, é uma relação entre dois particulares.

Então, há a possibilidade mais ampla do exercício da


autonomia privada da fixação de cláusula de arrependimento. Isso é
no Código Civil. Não nessas leis. Duas conclusões importantíssimas.

Primeira: Washington, se há uma cláusula de


arrependimento. São 35 prestações de mil reais, não são? O que
acontece se eu me arrependo e falo já na oitava prestação.
Washington eu não quero mais te vender esse imóvel não. Eu quero
me arrepender. O que é esse direito que eu, Nelson, tenho.

135
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

É o direito de pedir denúncia. De resilição unilateral. O


que é resilição unilateral? É o potestativo de uma das partes de
desconstituir o negócio jurídico. Precisa de alguma motivação? Não
precisa de motivação nenhuma.

Eu tenho essa cláusula no Código. Então o que eu tenho


que fazer Washington? Devolver tudo aquilo que você me pagou. Mas
tem essa possibilidade porque há essa cláusula aqui, de
arrependimento.

Normalmente quem aí já viu esse contrato, sempre o


direito de arrependimento está ligado a que? Arras. Sempre tem o
valor de arras ligado a uma idéia de direito de arrependimento. Arras
ou cláusula penal de acordo com o contrato.

Pergunta de concurso: Até quando eu posso exercer esse


direito potestativo de arrependimento que está na cláusula? Até o
último pagamento.

Porque quando ele paga a última prestação, o vendedor


já não pode mais se arrepender. Alguém pode me dizer por que não
posso mais me arrepender depois que o Washinton pagou a última
prestação? Porque quando o Washington pagou a última prestação
ele já adquiriu o domínio.

Como ele adquiriu o domínio se ele nem ajuizou a outorga


de escritura? Ele tem o domínio, ele não tem é a propriedade. Por
que ele já tem domínio?

Porque ele pagou todas as prestações. Se ele já pagou


tudo, o que sobrou da propriedade? Só a titularidade, só o meu
nome. Só a titularidade no Registro de Imóveis.

Agora, para ele todo poder e domínio estão com ele. Ele
está usando. Ele está assumindo. Ele tem disposição. Ele já tem o
domínio e eu tenho a propriedade.

Moral da história. Só é possível falar em direito real a


aquisição no Código Civil. No Código Civil quando? Três coisas
tiverem acontecido: você tenha registrado, você tenha integralizado o
pagamento e que não haja cláusula de arrependimento.

Se houver cláusula de arrependimento e eu não quiser


outorgar a escritura definitiva, você não pode exigir o direito à
adjudicação compulsória só é possível se não houver cláusula de
arrependimento. Tomem muito cuidado com esta cláusula de
arrependimento.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Por que não pode ter esta adjudicação compulsória se


tinha cláusula de arrependimento. Como é que o Juiz vai substituir a
vontade de uma pessoa que quis se arrepender? O juiz só pode
substituir a vontade, se não existir essa cláusula de arrependimento.
Isso é fundamental.

Então olha: o direito a outorga de escritura adjudicação


compulsória contra terceiros requer registro. Mas o direito à outorga
de escritura contra a parte, não precisa de registro. Por quê? Porque
é relação obrigacional. Não precisa de registro, mas não pode ter
cláusula de arrependimento.

Então pessoal eu vou fazer duas conclusões e vou ler o


código civil. Primeira conclusão: quando eu faço um contrato com
vocês, eu sendo um loteador, cabe cláusula de retratação? Não.

Quando vocês acabam de pagar, vocês precisam ir atrás


de mim que sou o loteador para exigir a outorga de escritura? Vocês
fizeram a promessa de compra e venda e pagaram tudo, vocês não
têm que ir atrás de mim que sou o vendedor para ter a outorga de
escritura? Não, pois isso é o chamado contrato preliminar impróprio.
O STJ trabalha muito com isso.

Por que nos compromissos de compra e venda dessas leis


há contrato preliminar impróprio?

Se eu faço um contrato com vocês e não há previsão de


cláusula de arrependimento, por que o comprador tem que buscar
uma escritura definitiva, pedir uma outorga de escritura ao vendedor
se o vendedor no dia da promessa de compra e venda já disse que
não iria se arrepender?

Se o vendedor já disse que não iria se arrepender, não há


necessidade de lhe pedir uma segunda declaração de vontade.

É por isso que todas essas leis dizem que imediatamente


quando você acabou de pagar a última prestação, você pega a prova
da quitação e leva imediatamente ao registro imobiliário.

Você não precisa fazer a escritura definitiva. Por isso que


é contrato preliminar impróprio. Por que se chama impróprio? Porque
não precisa fazer depois escritura definitiva. Não precisa fazer a
compra e venda definitiva.

137
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

No código civil o contrato preliminar é próprio ou


impróprio? É próprio, pois sempre a promessa de compra e venda
deve ser seguida da compra e venda definitiva por escritura pública.

Olha o art. 26, § 6o da lei 6766/79: “Os compromissos de


compra e venda, as cessões e promessas de cessão valerão como
título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando
acompanhados da respectiva prova de quitação”.

Ou seja, isso é uma demonstração de que o que é melhor


na sociedade brasileira: o contrato preliminar próprio ou impróprio? O
impróprio, sabe por quê? Pois atende as três diretrizes do código civil
brasileiro.

Primeiro ele atende a diretriz da eticidade, porque


necessariamente ele faz com que haja maior confiança da sociedade
no cumprimento das relações obrigacionais porque o comprador já
sabe que não vai ter o risco de amanhã ter que correr atrás do
vendedor e o vendedor vai fazer o quê? Desaparecer, sumir, ou seja,
isso gera confiança e amplia a boa fé objetiva.

Segundo: atende o princípio da socialidade, porque O


Brasil é um país pobre e o que acontece? Se alguém compra um lote
tem que fazer escritura definitiva de compra e venda isso gera custo.

O único cara que fica chateado com isso tudo é o dono do


cartório que não vai ganhar dinheiro com uma segunda escritura
ridícula e repetitiva de um ato que já foi feito.

Terceiro: atende ao princípio da operabilidade, sabe por


quê? Pois evita milhares de ações de adjudicação compulsória.

A justiça não fica abarrotada porque ninguém precisa


ajuizar ação de adjudicação compulsória, pois não precisa correr
atrás do vendedor que sumiu ou que morreu.

Agora, o CC não, ele trabalha com o contrato preliminar


próprio e eu quero ler os artigos 1417 e 1418 com vocês.

Eu quero uma nota de zero a dez para o artigo 1417:


”Mediante promessa de compra e venda, em que não se pactuou
arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular e
registrada no Cartório de Registro de imóveis, adquire o promitente
comprador direito real à aquisição do imóvel”.

Perfeito, nota dez. Está dizendo o que o direito real a


aquisição só surge se não houver cláusula de arrependimento.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

E se há cláusula de arrependimento eu não posso exigir a


aquisição de quem quer que se arrependa. Então, necessariamente,
um se liga ao registro e a inexistência da cláusula de arrependimento.

Pergunta de aluno: inaudível. Resposta do professor: Não,


nesse caso se exige. Ela perguntou: Nelson, se não houver cláusula
de arrependimento não dá para fazer como aqui imediatamente
mudar no registro imobiliário.

Vamos ver o artigo 1418: “ O promitente comprador,


titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de
terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos a outorga da
escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no
instrumento preliminar; e se houver recusa, requerer ao juiz a
adjudicação do imóvel”. Esse artigo tem dois erros.

Esse artigo está dizendo que o promitente comprador


quando registra pode exigir do Nelson, que é o devedor, ou do
terceiro, que é a Rafaela a outorga da escritura definitiva de compra
e venda. Onde está o erro?

Você só precisa ter direito real para exigir da Rafaela.


Para exigir do vendedor você não precisa ter registro nenhum. Isso é
um retrocesso do art. 1418.

Aonde está escrito que ele tem que ser titular de um


direito real para exigir a adjudicação compulsória do vendedor está
errado, pois ele precisa apenas ter integralizado as prestações,
mesmo que ele não seja titular de direito real nenhum.

Isso é um retrocesso, pois se nós interpretarmos


literalmente o art. 1418, a súmula 239 do STJ perde a sua eficácia.

Nós devemos dizer que o Código civil é que foi redigido de


uma forma retrógrada, pois o projeto é da década de 70.

Olha o que diz o enunciado 95 do CJF: Para o promitente


comprador exigir a adjudicação compulsória do vendedor, é
dispensável o registro.

Outro erro foi a parte final do artigo. “e se houver recusa


requerer ao juiz a adjudicação”.

Se não há cláusula de arrependimento, por que o NCC


manteve exatamente a velha noção da necessidade da outorga de
escritura definitiva quando simplesmente bastava o Código civil ter

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

dito que se acabou de pagar, basta pegar o recibo de quitação e levar


para o registro imobiliário.
Aliás, essa é a posição da doutrina mais moderna que diz
que apesar do atraso, do anacronismo do art. 1418 todos os
particulares devem ser incitados a provocar o Judiciário.

Se acabou de pagar e não tem cláusula de


arrependimento, vai diretamente no Cartório. Quem tem essa posição
é o maior autor do Brasil de promessa de compra e venda que é o
José Osório de Azevedo.

A última pergunta da aula de hoje é a seguinte:


Washington, você pagou tudo e não registrou. Só que o Nelson, que é
o vendedor, sumiu e você não consegue me achar.

Se você pagou tudo, está morando no imóvel e não


registrou, ao invés de ajuizar a outorga de escritura, ele pode ajuizar
usucapião? Pode, sabe por quê? Porque a promessa de compra e
venda mesmo sem ser registrada, quando quitada, é justo título para
fins de usucapião.

Eu tirei isso da lição que vocês tiveram na aula de


usucapião. Quando vocês terminam de pagar, vocês já possuem o
domínio. E se o domínio já é dele, ele já adquiriu a usucapião.

A única coisa que falta é por sentença você constituir a


propriedade, pois esta ainda está no nome do promitente devedor.

Então, aquela promessa de compra e venda quitada é


título para usucapir.

O registro não tem relação com isso. A única finalidade do


registro é dar proteção contra terceiros em caso de venda.

Se ele ficou lá 10 anos pagando, aquilo é justo título.

Se ele chegou a registrar esse justo título, o que acontece


com essa promessa de compra e venda? Cai para 5 anos o prazo da
usucapião. A promessa de compra e venda é uma interessante via de
usucapião.

A última pergunta é agora: Washington terminou de


pagar, você não tem a outorga de escritura , não tem a
adjudicação compulsória. Quem invade o seu terreno? Zé Rainha. O
promitente comprador tem ação reivindicatória?

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Lembrem da aula de ontem que eu falei na usucapião do


possuidor que já completou o prazo de usucapião mas ainda não é
dono.

O possuidor que já completou o prazo de usucapião mas


ainda não registrou tem reivindicatória? Não, mas ele tinha a ação
publiciana.

Mas a jurisprudência concede a reivindicatória ao


promitente comprador que já integralizou as prestações. Isso é
jurisprudência tranqüila do STJ. Por quê? Porque lê já tem o domínio.

A única coisa que o proprietário tem quando você já


acabou de pagar é simplesmente o nome no registro.

Qual será o interesse desse proprietário de ajuizar uma


ação reivindicatória contra o Zé Rainha se ele já recebeu todo
dinheiro e não está morando mais lá.

Já Washington se não tiver uma reivindicatória, como é


que você faz? Entra com uma reintegração de posse? Mas essa não é
tão efetiva quanto à demonstração de cara de que você é o
proprietário.

Então, é por isso que ele tem a reivindicatória por


extensão nessa altura do campeonato.

Enunciado 87 do CJF: Considera-se também justo título


para fins de usucapião a promessa de compra e venda devidamente
quitada.
Enunciado 253 do CJF: O promitente comprador titular de
direito real tem a faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel
prometido a venda.

Então, vocês estão vendo que o promitente comprador


tem a faculdade de reivindicar mesmo ele não sendo proprietário.

Um grande abraço para vocês. Daqui a duas semanas


falaremos sobre posse.

Pergunta de aluna: inaudível. Resposta do prof.: Eu falei


errado, mas eu conserto. O que você não terá é o direito real a
aquisição se houver a inserção de uma cláusula de arrependimento.
Você não terá o direito real a aquisição se houver essa cláusula de
arrependimento porque você não pode forçar a ??? a uma pessoa que
não teve vontade de transmitir.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Porém, se ele pagou a última prestação, houve a


decadência do direito potestativo e ele vai conseguir.

Rio, 21.11.2007 – 6ª AULA

Nosso assunto é posse.

Não posso começar uma aula de posse sem fazer uma


homenagem às duas pessoas que mostraram o caminho das pedras
que são Savigny e Ihering.

Savigny era um gênio. O cara tinha 23 anos de idade


quando ele disse que posse era igual a corpus mais animus. Savigny
dizia que para o cara ser possuidor ele tinha que ter corpus mais
animus.

Corpus era o poder físico sobre a coisa. Então, segundo


Savigny, possuidor era a pessoa que tinha contato material com o
bem, que tinha atuação física sobre a coisa.

O segundo elemento fundamental para a posse segundo


Savigny era o animus, que é a intenção do possuidor de ser o dono
da coisa, a vontade do possuidor de ser o proprietário. Essa intenção
de dono era o animus.

Na concepção de vocês a teoria de Savigny é objetiva ou


subjetiva? É uma teoria subjetivista, pois ele dá muito valor ao
elemento psicológico do animus, ao elemento intencional da vontade
de ser dono. Por isso a teoria dele até hoje é conhecida como teoria
subjetiva da posse.

Beto, se por acaso eu te alugo o meu apartamento, você


é meu inquilino. Vem o Zé Rainha e quer invadir esse apartamento. O
inquilino pode ajuizar ação possessória contra Zé Rainha na teoria de
Savigny? Não, pois inquilino não tem animus domini.

Inquilino tem corpus, mas inquilino não tem animus.

Na teoria do Savigny inquilino, comodatário, usufrutuário,


todos esses possuidores eram pessoas que não tinham animus
domini, não tinham vontade de serem proprietários. Então, se eles
não tinham animus domini, eles não eram possuidores.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Como Savigny chamava essa galera que tinha corpus,


mas não tinha animus? Detentor. Savigny dizia que o detentor era
aquela pessoa que tinha corpus, mas não tinha animus.

Então, possuidor tinha corpus e animus. Detentor só tem


corpus e não pode exercer ações possessórias. As ações possessórias
seriam privativas de quem tem corpus mais animus.

Ihering fez a teoria dele no final do século XIX e dizia que


posse era igual a corpus.

A diferença entre posse e propriedade é que a posse é o


poder de fato sobre a coisa e propriedade é o poder de direito sobre a
coisa.

Sendo a posse o poder de fato sobre a coisa, segundo


Ihering, o possuidor é aquele que dá visibilidade ao domínio, é aquele
que exterioriza a propriedade.

Para Ihering o possuidor é quem dá destinação econômica


à coisa. Como vocês estão vendo, a noção de corpus do Ihering é
muito mais ampla do que a noção de corpus do Savigny.

Imagina que vocês chegaram em uma fazenda enorme no


interior do Rio de Janeiro. Vocês começam a caminhar pela fazenda e
acham um maço de cigarros perdido no chão e o pega para vocês,
visto que estava perdido.

Vocês continuam caminhando e encontram materiais de


construção, mas não tem ninguém lá. Sabe o que vocês pensam?
Deve ter alguém aí, deve ter algum dono.

Se vocês não encontraram ninguém naquela hora


exercendo poder físico sobre a coisa, alguém está dando visibilidade
ao domínio. Alguém está concedendo destinação econômica à coisa.
Alguém está exteriorizando a propriedade, mesmo que não esteja lá.

A noção do Ihering é que o possuidor é justamente aquela


pessoa que é o aparente proprietário, é aquele que se conduz como o
proprietário se conduziria. É aquela pessoa que se comporta como
normalmente o proprietário se comportaria perante a coisa.

A rasteira decisiva de Ihering em Savigny foi com relação


ao animus. Ihering disse que para o cara ser possuidor tanto faz
como tanto fez se ele tem o animus. O elemento psicológico é
desprezível.

143
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Ele dizia isso, pois não havia como entrar na cabeça do


possuidor para descobrir se ele tinha ou não a intenção de ser dono.
Para Ihering o animus é secundário.

Ihering despreza o elemento subjetivo da posse. É por


isso que a teoria de Ihering é chamada de teoria objetiva da posse,
justamente por desprezar o elemento subjetivo de animus.

Para ele o importante é que querendo ou não ser dono, o


cara se conduza como dono, que dê destinação à coisa como o
proprietário daria.

Na teoria do Ihering se eu alugo um apartamento para


você e Zé Rainha resolve invadir esse apartamento alugado. O
locatário tem ação possessória contra o Zé Rainha? Tem. Na teoria do
Ihering, aqueles que eram detentores, como locatários, comodatários
e usufrutuários se convertem em possuidores.

Visto que todos eles têm corpus, todos eles dão


destinação econômica à coisa, dão visibilidade ao domínio,
exteriorizam a propriedade.

O fato deles não terem animus não é considerado na


teoria de Ihering. Por isso, a teoria de Ihering sob o ponto de vista
econômico é superior à de Savigny, pois se os detentores na teoria
de Savigny se tornam possuidores na de Ihering, amplia-se a
proteção possessória.

Muitas pessoas que até então não tinham tutela


possessória passam a tê-la em virtude da teoria de Ihering ser uma
teoria mais abrangente.

Qual é a grande distinção entre a teoria subjetiva de


Savigny e a teoria objetiva de Ihering? A grande distinção é na
distinção quanto a quem são os detentores.

Para o Savigny a distinção entre detentor e possuidor é


uma distinção feita sob o aspecto subjetivo. Se tem animus, é
possuidor. Se não tem animus, é detentor.

Já para o Ihering existem detentores também. Só que


para o Ihering a diferença entre detenção e posse não é uma
diferença subjetiva. É uma diferença objetiva.

Para Ihering a diferença entre a detenção e a posse não


está no aspecto psicológico da pessoa. Está objetivamente na lei. É a
lei objetivamente que diz quem é possuidor e quem é detentor.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

É o ordenamento que separa posse da detenção e não


questões psicológicas, subjetivas.

O CC/2002 adotou qual dessas teorias? Adotou a teoria


de Ihering. Art. 1196, CC.

Art. 1196, CC: “Considera-se possuidor toda aquele que


tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes
inerentes à propriedade”.

Ihering disse que é possuidor quem exerce de fato


poderes de proprietário, é quem age como se proprietário fosse, é
quem dá destinação econômica à coisa que o dono normalmente
concederia.

Esse é o conceito de posse.

O código em algum momento homenageou a teoria do


Savigny? Sim, residualmente na usucapião. Visto que para usucapir
não basta ter a posse de Ihering. Tem que ter posse mais animus
domini.

Mas fora a usucapião, nós não trabalhamos com Savigny.


Nós trabalhamos com a teoria possessória de Ihering.

O código começa o estudo do direito das coisas pela posse


ou pela propriedade? Pela posse.

Nós começamos nossos estudos pela propriedade porque


propriedade é mais fácil do que posse.

Temos vários temas para estudar nessa aula de posse e o


primeiro deles é o desdobramento da posse.

Washington, vamos supor que você é proprietário de um


sítio. Se você é proprietário, você tem a titularidade, o bem está
registrado no seu nome.

Como proprietário, quais são as propriedades que


Washington tem perante a coisa? Usar, fruir, dispor e reivindicar.

Quando o proprietário tem todos esses poderes reunidos


com ele, possuirá propriedade plena ou alodial.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Flávia pede a Washington para que ela seja usufrutuária


da sua fazenda e ele aceita. Com isso, Washington transfere para
Flávia as faculdades de usar e fruir.
Nesse instante a Flávia adquire a posse direta da fazenda.
E o Washington que deu o bem em usufruto continua com a posse
indireta do bem. Ou seja, surgiu o fenômeno do desdobramento da
posse.

O desdobramento da posse sempre é emanado de uma


relação jurídica do proprietário com um terceiro que se investe na
posse direta da coisa.

O proprietário Washington através de uma relação jurídica


de direito obrigacional ou de direito real outorga à Flávia a posse
direta da coisa. Mas nesse tempo em que Flávia é usufrutuária,
Washington não perde a posse indireta.

Um cara que mora no imóvel só pode ser chamado de


possuidor direto quando ele está ali em virtude de uma relação
jurídica que ele realizou com o proprietário.

Se Washington não tivesse dado o bem em usufruto para


Flávia, ele próprio estaria morando na coisa e teria a posse da coisa.

Como se chama a posse quando é o próprio proprietário


que a exerce? Posse.

Gente, se ele é proprietário, ele é proprietário e


possuidor.

Exemplo de relação jurídica de direito obrigacional onde


Flávia tem posse direta: locatária, comodatária, arrendatária.

Exemplo de relação jurídica de direito real onde ela teria


posse direta: usufruto, direito de habitação, direito de uso, direito de
superfície.

A posse direta sempre tem duas características: toda


posse direta é temporária.

Quando acaba a relação jurídica, o que acontece com


esses poderes de usar e fruir que estão com a Flávia? Voltam para
Washington que volta a ter a propriedade plena da coisa.

A segunda característica da posse direta é que ela sempre


é derivada.

146
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando Washington entregou para Flávia os poderes de


usar e fruir, ela se tornou usufrutuária. Se fosse um direito real de
uso, a Flávia teria mais ou menos poderes do que com o usufruto?
Menos poderes, pois quem tem direito real de uso Não pode fruir, só
pode usar.

O conteúdo dos poderes do possuidor direto, ou seja, até


aonde o possuidor direto terá poderes é derivado da posse indireta.

Quem estabelece a extensão dos poderes do possuidor


direto é o possuidor indireto através do contrato. É o proprietário no
contrato que vai dizer até aonde será maior ou menor a extensão da
posse direta.

É por isso que a posse direta é sempre uma posse


derivada da posse indireta. Não derivada da pessoa do possuidor,
mas derivada da relação jurídica que lhe deu origem.

Como Washington tem posse se ele não mora no imóvel,


se ele o deu em usufruto para Flávia? Isso ocorre pois nós adotamos
a teoria de Ihering. Se nós tivéssemos adotado a teoria do Savigny,
somente seria possuidor quem morasse na coisa.

Na teoria do Savigny, teria a posse o possuidor direto ou


o possuidor indireto? Nenhum deles, pois para ter a posse seria
necessário ter o corpus mais o animus. E, no caso, a Flávia tem o
corpus e o Washington tem o animus.

Então, nunca poderia haver desdobramento da posse na


teoria de Savigny.

O desdobramento da posse só é possível na teoria do


Ihering, pois possuidor não é quem mora, mas quem dá destinação
econômica para a coisa.

Quem está dando destinação econômica para a coisa? Os


dois. O possuidor direto porque está morando lá e o Washington
através da pessoa do possuidor direto, através de uma relação
jurídica colocou um terceiro na coisa para dar visibilidade ao domínio.

É por isso que a posse indireta é conhecida como posse


mediata, visto que o possuidor indireto está possuindo através da
pessoa do possuidor direto.

Nós podemos dar destinação econômica à coisa


pessoalmente ou através de outra pessoa.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando há o usufruto é interessante porque justamente


há esse desdobramento.

Se fosse locação, o inquilino é possuidor? É, ele está


morando lá. Mas o inquilino paga todo mês aluguel para o
proprietário, que são frutos civis. Um está fruindo em pessoa e o
outro está recebendo frutos civis.

Os dois estão fruindo. Um está fruindo a coisa in natura e


o outro está fruindo as rendas obtidas da exploração da coisa. Essas
posses são chamadas de posses paralelas porque são duas posses
que correm ao mesmo tempo paralelamente sem que uma inviabilize
a outra.

O possuidor direto e o indireto possuem ao mesmo tempo


sem que a posse de um obstrua a do outro. Por isso é que são posses
paralelas.

Ihering falava que aqui havia a chamada espiritualização


da posse, pois Washington que é o proprietário não está possuindo
em corpo, ele está possuindo em espírito, ou seja, a Flávia é a pessoa
que está na coisa, mas Washington está possuindo através dela.

Por isso é que se chama espiritualização da posse ou


posse mediata ou posses paralelas.

Flávia, Zé Rainha invade esse imóvel em que você é


usufrutuária. Quem tem ação possessória contra o Zé Rainha? O
proprietário ou o usufrutuário? Os dois. Precisa de litisconsórcio ativo
entre os dois na ação possessória? Não, pois são duas ações
possessórias autônomas.

Cada um tem uma ação autônoma contra o Zé Rainha


porque são dois possuidores distintos, paralelos. Um não tem nada a
ver com a vida do outro. Cada um tem proteção possessória
completamente diferente da do outro.

O possuidor direto tem ação possessória contra o


indireto? Tem, basta pensar o seguinte: Rafaela, eu te dou esse
imóvel em comodato por 5 anos. Nesse imóvel em que você é
comodatária você tem posse direta. Vamos supor que após três anos
de contrato eu chegue e fale para você sair do imóvel e se você não
saísse, iria te retirar a força.

Rafaela tem ação possessória contra o proprietário para


evitar que ele a tire de lá? Claro que tem. O possuidor direto tem
ação possessória contra o possuidor indireto porque na constância da

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

relação jurídica o possuidor direto tem proteção possessória contra


erga omnes, contra qualquer agressor, mesmo que eventualmente
esse agressor seja o proprietário.

O possuidor indireto também tem ação possessória contra


o possuidor direto. Aproveitem o mesmo exemplo.

Rafaela, você é comodatária por 5 anos. Quando


completou 5 anos de contrato eu peço o imóvel de volta e Rafaela se
nega de sair do imóvel. Nessa hora o proprietário tem ação
possessória contra o comodatário?

Sim, porque como terminou a relação jurídica a obrigação


do possuidor direto é restituir a posse para o possuidor indireto.
Como isso não ocorreu, a posse da Rafaela que era uma posse justa
se tornou uma posse injusta por precariedade.
Art. 1197, CC: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa
em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou
real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o
possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”.

Quem leu entende que a posse direta é temporária, é


derivada da indireta e que o possuidor direto tem ação possessória
contra o indireto. Só faltou colocar ao final do artigo “e vice-versa”.

Faltou dizer que o possuidor indireto também tem ação


possessória contra o indireto.

Olha o que diz o enunciado 76 do CJF: o possuidor


indireto tem direito de defender sua posse contra o indireto e este
contra aquele.

Tem aluno que chega na prova e fala que isso é bipartição


da posse, ou seja, a posse seria bipartida na figura dos possuidores
direto e indireto.

Eu não gosto de bipartição, eu gosto de desdobramento.


Rafaela, se eu te alugo um apartamento, você é inquilina e
possuidora direta e eu sou proprietário e possuidor indireto.

Rafaela pode sublocar esse imóvel? Se não tiver vedação


contratual, pode. Nesse caso, teremos três possuidores: o
proprietário, o locatário e o sublocatário.

Nessa tripartição quem tem a posse direta é o


sublocatário e a posse indireta pertence à locatária e ao proprietário.
São dois possuidores indiretos e um possuidor direto.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O desdobramento da posse se verticaliza, ele pode descer


em vários graus e não apenas entre duas pessoas.

Apesar do desdobramento da posse ter de dado entre três


pessoas nesse exemplo, o que se desdobra é a posse direta ou a
indireta? É a indireta, pois a posse direta é sempre de uma pessoa,
qual seja, quem está no elo final da cadeia, quem está morando na
coisa.

Então, o que se desdobra é a posse indireta.

Se vocês compreenderam bem desdobramento da posse,


que é a mesma coisa que posses paralelas, eu pergunto para vocês:
vamos supor que um cara morre e ele deixou uma fazenda de
herança e três herdeiros.

Que posse os três herdeiros têm sobre essa fazenda que


eles acabaram de herdar? É uma composse.

Composse é uma posse exercida por mais de uma pessoa,


simultaneamente, sobre uma coisa em estado de indivisão.

Alguém nessa sala é capaz de dizer aonde está situada a


posse de cada um dos herdeiros? Impossível, pois na composse cada
um dos compossuidores vai possuir 1/3 do todo. Cada um tem uma
fração ideal, uma quota abstrata de 1/3 do todo.

A fração de cada um não se localiza materialmente dentro


da propriedade.

A composse é uma posse pro indiviso.

A posse ou comunhão pro indiviso é sempre essa situação


em que há no aspecto prático uma posse comum que é exercida por
várias pessoas ao mesmo tempo.

Por isso que um não pode excluir o outro do todo. Cada


um deles pode usar cada uma das partes pelo simples fato de ter 1/3
da propriedade.

Vamos supor que o inventário está em andamento e os


três herdeiros resolvem dividir a área de cada um dentro do terreno.
Terminou a composse? Terminou, pois na medida em que eles
estabelecem as suas áreas fáticas de atuação, a posse que era pro
indiviso virou uma posse pro diviso.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A composse cessou porque agora eu tenho três posses


independentes, cada um só pode utilizar sua área específica.

Havendo posse pro indiviso eu tenho composse. Havendo


divisão fática, localização material de posse, havendo individualização
de posse termina a composse porque a posse se tornou pro diviso.

Eu tenho um apartamento e alugo quartos para


estudantes. O quarto 1 eu aluguei para a Rafaela e o quarto 2 para o
Washington. Que posse Rafaela tem do quarto dela e que posse
Washington tem do dele? Ambos têm posse direta.

Só tem um banheiro nessa casa. Que posse eles têm do


banheiro? Composse direta, pois um não pode excluir o outro da
atuação. É uma posse comum.

Art. 1199, CC: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa


indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios,
contanto que não excluam os dos outros compossuidores”.

Na composse nunca existirá atuação exclusiva. Várias


pessoas terão acesso à posse da mesma coisa.

Se esse apartamento é meu e da Flávia, nós dois temos


composse direta, pois o dinheiro do aluguel pertence aos dois.

A composse não é excludente do desdobramento da


posse.

Perguntaram no penúltimo concurso em Goiás qual seria


a diferença entre posses paralelas e composse. Posses paralelas são
duas posses autônomas sobre a mesma coisa, mas que se dá em
níveis distintos, um não interfere no outro.

Já a composse são duas posses que se dão no mesmo


grau sobre a mesma coisa.

Os herdeiros no momento da abertura do inventário têm


composse e condomínio, pois ao mesmo tempo eles têm co-
propriedade e composse. No meio do inventário eles resolvem dividir
a sua área de atuação. O que cessou: o condomínio ou a composse?
Só a composse. O condomínio continua.

Terminou o inventário e saiu o formal de partilha. Quando


sai o formal de partilha fica definida a área de cada um. O que
acabou? O condomínio. Cada um passa a ter propriedade autônoma.

151
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Muitas vezes a composse anda junto com o condomínio.


Mas não necessariamente existe condomínio onde existe composse.

Se Zé Rainha e Deolinda invadiram o seu terreno eles têm


condomínio? Não, pois eles não são donos de nada. Mas eles têm
composse? Sim. Eles têm composse, mas não têm condomínio.

Se vocês moram em um prédio de apartamentos, vocês


têm propriedade individual sobre o apartamento de vocês. Mas as
áreas comuns do prédio são condomínio e composse.

Vamos falar sobre detenção. Iherihg dizia que o detentor


era um miserável, pois tinha tudo para ser possuidor, mas no país
onde ele nasceu havia um artigo do código civil que dizia que ele
nunca poderia ser possuidor.

Detenção é uma posse desqualificada pelo ordenamento


jurídico.

Efetivamente existem 4 situações em que o cara tinha


tudo para ser possuidor. Por isso que a teoria de Ihering foi adotada
pelo código civil. O nosso código civil entende que as hipóteses de
detenção são hipóteses normativas.

O primeiro caso vocês já estudaram comigo, que é o caso


do servidor da posse.

Flávio, se você é caseiro da minha fazenda e está nela há


28 anos como caseiro tomando conta, você usucapiu? Não, pois você
teve 28 anos de detenção e não de posse.

O fâmulo da posse é aquela pessoa que não exerce atos


de posse em nome próprio. Ele exerce atos de posse em nome alheio.
Ele é um mero subordinado. O fâmulo da posse é uma pessoa que
apenas pratica atos materiais de conservação da coisa, mas em nome
de outrem.

Ele é um longa manus do verdadeiro possuidor. O


servidor da posse não é possuidor porque ele não dá destinação
econômica à coisa. Ele não exerce o elemento econômico, ele apenas
é um subordinado, é um cumpridor de ordens.

Para ser servidor da posse tem que ter contrato de


trabalho assinado? Sem ganhar salário? Não.

152
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Em uma questão de prova para você saber se o cara é


detentor ou possuidor, basta perguntar se ele está na coisa com
autonomia ou se ele está cumprindo ordens.

Se ele está em uma situação de subordinação a alguém,


ele não é possuidor, mas sim detentor da posse. Art. 1198, CC.

Art. 1198, CC: “Considera-se detentor aquele que,


achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a
posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções
suas”.

Esse artigo fala que o sujeito não é possuidor por uma


opção legislativa.

Zé Rainha invade essa fazenda que Flávio é o caseiro. O


Flávio tem ação possessória contra Zé Rainha? Não. Detentor não
tem legitimidade ativa para ajuizar ação possessória. Para ajuizar
ação possessória tem que ser possuidor.

O juiz só admite a possessória quando você prova na


inicial que você é o possuidor.

O servidor da posse não pode ajuizar a possessória, mas


ele pode se utilizar da autotutela, ele pode utilizar o desforço
imediato, desde que com moderação, razoabilidade.

Se eu paro de pagar o salário do Flávio, paro de ir na


minha fazenda e o Flávio vai ficando por lá sem que eu pague salário.
Ele pode deixar de ser detentor e passar a ser possuidor?
Tranqüilamente. O Flávio só é detentor enquanto é cumpridor de
ordem.

Na hora que a situação concreta revela que você tem


autonomia e já não mais é cumpridor de ordem, deixou de ser
detentor e passou a ser possuidor.

Art. 1198, § único, CC: “Aquele que começou a


comportar-se de modo como prescreve este artigo, em relação ao
bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o
contrário”.

A prova de que não há mais detenção, mas sim posse


incube àquele que era detentor e quer se mostrar possuidor.

153
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Olha o que diz o enunciado 301 do CJF: É possível a


conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação
na hipótese de exercício em nome próprio do atos possessórios.

O possuidor é quem exerce posse em nome próprio. Olha


o art. 1204, CC: “Adquire-se a posse desde o momento em que se
torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes
inerentes à propriedade”.

Essa é a diferença do possuidor do art. 1204 para o


detentor do art. 1198.

Vamos ver os outros tipos de detentores.

Eu empresto meu apartamento para o Santino ficar lá por


dois meses. Durante esses dois meses ele será possuidor ou
detentor? Ele é detentor. Esse é um ótimo exemplo de permissão ou
tolerância.

Permissão é uma autorização expressa para o uso da


coisa.

O permissionário é o cara que fica na coisa em caráter


transitório e revogável a qualquer tempo.

A idéia da permissão é justamente uma situação do


exercício de um direito potestativo.

O direito potestativo se dá quando você unilateralmente


pode alterar a situação jurídica do outro sem que este outro possa a
isso se opor.

A permissão pode ser verbal. Basta que na situação


concreta se deduza que houve a autorização expressa para o uso
transitório da coisa.

Como diferenciar na prova uma permissão de um


comodato verbal? Se vocês estão no imóvel como comodatários,
vocês têm detenção ou posse direta? Posse direta, pois comodato é a
relação jurídica entre o proprietário e o comodatário.

A prova para saber se é um comodato verbal ou uma


permissão incumbe a quem está fazendo uso da coisa.

Ele teria que trazer testemunha demonstrando de que


apesar de ter sido tudo verbal confirmando tudo o que ocorreu.

154
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

É muito melhor ser possuidor direto do que ser detentor.

Qual é a diferença de uma permissão para uma


tolerância? Tolerância é a autorização tácita para o uso de um bem.

Há uma outra diferença: sempre quando há uma


permissão, primeiro se permite e depois começa-se a fazer uso. A
permissão é sempre prévia. Já a tolerância só se dá a posteriori. Só
lá na frente que se considera que houve uma tolerância.

Leandro, vamos supor que eu sou seu vizinho, eu moro


no 101 e você no 102. Só que eu tenho vaga de garagem e você não
tem. Mas Leandro tem um carro e pergunta a Nelson se pode utilizar
sua vaga de garagem. Isso é permissão.

Mas vamos supor que ele coloque o carro na vaga do


Nelson sem pedir. E como Nelson não tem carro, vai deixando
estacionar o carro na sua vaga.

Se ele fica 5 anos com o carro todo dia na minha vaga,


ele vai usucapir a minha vaga de garagem? Não, pois não são 5 anos
de posse, são 5 anos de detenção ou tolerância.

Foram 5 anos que eu tolerei porque foram 5 anos de


consentimento tácito para o uso da coisa, foram 5 anos em que eu fui
condescendente.

Como distinguir tolerância de posse? Você tem que entrar


na cabeça do usuário e perguntar se ele sabia que estava na esfera
de vigilância alheia. Se ele sabia que estava sendo vigiado,
fiscalizado, é tolerância.

A pessoa que faz uso da coisa na tolerância sabe muito


bem que a qualquer hora a situação dela pode ser rompida. Ele não
pediu autorização, mas ele sabe que a situação dele é transitória e
que a qualquer hora ele pode ser retirado.
Eu tenho um terreno no Recreio e o abandonei.
Washington permaneceu nele por 20 anos e ajuizou usucapião.

Eu alego em defesa que Washington não tem direto a


usucapir porque durante esse tempo ele não teve posse eu tolerei
que lá ele permanecesse. Esse argumento cola? Não. Vocês jamais
podem confundir o proprietário que tolera com o proprietário que é
inerte.

155
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando o proprietário tolera que alguém use o que é seu


esse proprietário está fiscalizando. Então, você não tem posse. Tem
apenas detenção.

Mas quando o proprietário é inerte, ou seja, abandona o


que é seu, quem entra lá já é um possuidor que poderá usucapir se
tiver todos os requisitos do Código civil. Então, essa é a diferença
entre a tolerância e a inércia.

É justamente com base nesses raciocínios que cada vez


mais alguns autores, e eu também coloco isso no meu livro de
direitos reais, dizem que a tolerância vai ter que sumir do mapa em
razão da supressio com o abuso de direito.

Porque nos tempos atuais é muito difícil você acreditar


em uma história de um proprietário que tolerou que alguém ficasse
no que é seu por 5 ou 10 anos. Não tolerou nada.

Se tolerou por 5 ou 10 anos, houve, na verdade,


supressio que é a supressão do seu direito subjetivo pelo não
exercício por um tempo determinado.

Se você não exerce o seu direito por um determinado


tempo, o seu não exercício faz nascer no outro, que é o possuidor,
uma legítima expectativa de confiança de que você abandonou a
coisa, fazendo com que ele se tornasse possuidor da coisa.

O STJ tem precedente de supressio em matéria de


questões possessórias para que vocês saibam que toda tolerância
tem que ser por prazos curtos.
Tolerância em prazos longos hoje em dia já indica
justamente a questão da supressio que é abuso do direito.

Art. 1208, CC: “Não induzem posse os atos de mera


permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição
os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência
ou a clandestinidade”.

Se não induz posse, esses atos induzem detenção.

Terceira situação em que nós não temos posse, mas sim


detenção. Exercício de violência ou clandestinidade.

Leandro, você é possuidor de um terreno. Zé Rainha


invade esse terreno e te põe pra fora. O que imediatamente você
pode fazer contra o Zé Rainha antes de ajuizar a ação possessória?
Pode exercer a autotutela.

156
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quantos dias você tentou voltar a esse imóvel usando a


autotutela? 10 dias. Por 10 dias Leandro não aceitou a invasão e ficou
tentando voltar.

Nesses 10 dias em que o Zé Rainha está no imóvel


tomando conta de tudo ele tem posse? Não. Ele tem detenção, pois
ele está fazendo exercício da violência.

Enquanto a pessoa exercita a violência, ela não adquiriu


posse. Ele é mero detentor. O direito não poderia permitir que uma
pessoa que use a força seja privilegiada pelo ordenamento jurídico.

Se o Zé Rainha fosse possuidor pelo simples fato de estar


na coisa, o que ele poderia fazer quando o Leandro começasse a
reagir? Ele poderia ajuizar uma ação possessória contra o Leandro.
Ou seja, o ordenamento jurídico seria obrigado a agir para defender
um agressor, um esbulhador.

É por isso que enquanto ele está usando a violência, ele


só é detentor. Essa é a segunda parte do art. 1208, CC.
Leandro, no 11º dia você foi embora. Nesse dia Zé Rainha
virou possuidor? Virou. Ele virou possuidor porque ele parou de
exercer a violência.

Mas vocês vão aprender daqui a pouco que ele passa a


ter uma posse injusta. Mas já deixou de ser detentor, ou seja, já
cessou o exercício da violência.

Quarta e última situação em que nós podemos falar que


não existe posse, mas sim detenção. Vamos ao exemplo.

O Flávio estava me contando que ele não tem onde morar


e fica perambulando pela rua. Ele, então, pediu para o Carlos, aqui do
Praetorium, para morar em uma caixa de papelão na esquina.

Hoje chegaram uns policiais e mandaram ele sair de onde


estava dormindo. Ele disse para os policiais que ele tinha posse do
cantinho da rua onde ele estava dormindo.

Ele está errado. Ele não tem posse desse canto da rua
porque a rua é bem público. Não existe posse de bem público de uso
comum do povo e de bem público de uso especial.

Não existe posse desses bens porque os bens de uso


comum do povo e os de uso especial são bens inalienáveis, são bens
que estão fora do comércio. Por isso, ninguém pode possuí-los, visto

157
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

que esses bens são afetados à coletividade ou afetados ao exercício


de atividades públicas.

O art. 100, CC trata da inalienabilidade, da posição


desses bens públicos como bens imunes a qualquer posse de
terceiros.

Então, é claro que o que existe é detenção.

Isso é importante porque se a pessoa está morando na


rua a polícia pode usar de meios moderados para retirar essa pessoa
de lá, justamente porque é mero detentor.
Se ele fosse possuidor daquele canto da rua, só poderia
ser retirado de lá com ação possessória.

Washington, você está ocupando um terreno que estava


vago há 5 anos. Depois de 5 anos, chega uma pessoa e fala que esse
terreno pertence ao município do Rio de Janeiro. Isso é posse ou é
detenção? Isso é posse.

Como é posse se é bem público? É bem público, mas não


é bem público de uso especial ou de uso comum. É bem público
dominical ou patrimonial.

Quando o particular está em bem público patrimonial


detém posse, pois o bem público patrimonial é coisa fora do
comércio? Não. É bem que está dentro do tráfego jurídico.

Não obstante ele ter posse desse bem, ele consegue


usucapir? Não, pois não cabe usucapião de qualquer bem público.

Então, qual foi a vantagem dele ter tido posse se ele não
consegue usucapião? Vocês vão aprender a partir de amanhã que a
vantagem de ser possuidor ou de ser detentor não é a possibilidade
de conseguir a usucapião. É a vantagem de ser possuidor. É muito
melhor ser possuidor do que ser detentor.

O possuidor vai ter direito às benfeitorias que ele fez na


coisa, vai ter direito aos frutos, ele só pode ser posto para fora por
ação possessória.

Não tem posse de bem público de uso comum do povo e


de uso especial à luz do art. 100 do CC.

O Teatro municipal do Rio de Janeiro é bem público de


uso especial. O município pode arrendar a lanchonete do

158
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Washington? Pode. Em razão do contrato de arrendamento ele pode


se tornar um concessionário de um bem público.

Como concessionário de um bem público ele é possuidor.


Ele tem posse direta porque ele se relaciona com o estado, não como
detentor, mas através de uma relação contratual.

Eu queria fazer um resumo do que a gente já viu até


agora.

Hoje se eu pudesse falar para vocês qual é a natureza


jurídica da posse...

É um absurdo falar da natureza da posse como uma coisa


só. Com relação à natureza da posse eu tenho 3 dimensões.

A primeira é a seguinte: PR = PO. Isso quer dizer que o


proprietário é a mesma pessoa que o possuidor.

Quando o proprietário se confunde com a pessoa do


possuidor? Quando há propriedade plena, que ocorre quando ele é
proprietário e possuidor.

Qual é a natureza jurídica dessa posse? Eu posso dizer


que ela é um direito real? É, pois ela emana da propriedade. Ela não
passa de uma visualização da propriedade.

Washington, você é proprietário de um apartamento e


está morando nele. Essa posse não passa exatamente de um direito
real. Ela é uma derivação da propriedade.

Vamos ver a segunda dimensão.

Quando é que o proprietário coloca uma outra pessoa na


posição do possuidor? Quando acontece o desdobramento da posse.

No desdobramento da posse acontece um fenômeno


interessante que o proprietário transfere parcela do domínio para
outra pessoa. E aí esse terceiro passa a se chamar possuidor direto e
o proprietário passa a se chamar possuidor indireto.

Essa posse direta é sempre uma relação jurídica entre o


proprietário e o não proprietário.

Então, surge a posse quando eu sou proprietário ou surge


a posse quando o proprietário através de uma relação jurídica coloca
terceiro em posição de exercer poderes dominiais.

159
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A terceira dimensão é a seguinte situação: Leandro,


vamos supor que você encontre um terreno abandonado e começa a
morar nesse terreno abandonado. Você é possuidor? É.

Ele é o proprietário? Não. Ele tem relação jurídica alguma


com o proprietário? Não tem. Então, ele é o possuidor que não tem
qualquer vinculação com a pessoa do proprietário.

Sabe como eu chamo essa posse dele? Posse natural. O


que é posse natural? A posse natural é uma posse desvinculada de
qualquer relação jurídica com o proprietário.

É o contrário da chamada posse civil. A posse civil é


obtida através de uma relação jurídica.

A posse natural é independente de qualquer relação


jurídica com o proprietário.

O possuidor natural tem posse direta? Não, pois ele não


tem relação jurídica com ninguém. Ele apenas tem posse ou posse
natural.

O proprietário que não está morando no imóvel tem posse


indireta? Não tem. Ele será chamado de proprietário sem posse.

No primeiro caso ele é possuidor porque tem direito real


de propriedade, no segundo caso ele é possuidor porque tem relação
jurídica com o proprietário e no terceiro caso ele tem posse porque a
posse natural é um ato-fato.

Ato-fato é qualquer conduta humana que produz efeitos


jurídicos independente do elemento volitivo.

Então, a posse natural é um ato-fato. Ela não é um


negócio jurídico realizado com ninguém. Ela não se trata de um
negócio jurídico onde se exige agente capaz, objeto lícito e ato
prescrito em lei.

Se o sujeito que vocês estão analisando não está nem no


caso 1 ou no caso 2 ou no caso 3, então ele é detentor. O detentor é
sempre alguém que por exclusão está fora desses casos.

Sempre verifiquem se o cara é empregado de alguém, se


ele está ali em situação de caráter transitório, é permissionário ou
por tolerância. Mas se não tiver nessas hipóteses, você já começa a

160
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

pensar de que forma podemos conciliá-lo a uma hipótese de


possuidor.

Art. 1228, CC: “O proprietário tem a faculdade de usar,


gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha”.

O art. 1228 está dizendo que a partir de agora o detentor


tem legitimação passiva nas ações reivindicatórias. A
constitucionalidade da palavra detentor neste artigo é objeto de
discussão.

Alguns autores como Alexandre Câmara dizem que ele é


inconstitucional, pois ele entende que o detentor jamais poderia estar
no pólo passivo de uma ação reivindicatória.

Se eu sou proprietário de um apartamento e Washington


está lá possuindo. Esse proprietário que não é possuidor ajuíza uma
ação reivindicatória. Mas vamos supor que no ajuizamento da ação
reivindicatória eu não ajuizei contra o Washington, eu ajuizei contra
Zezinho que é caseiro dele. Eu confundi.

O art. 1228 está dizendo que o detentor é parte legítima


para ser réu nessa demanda reivindicatória. Se fosse isso, o
Alexandre Câmara teria razão total, pois o detentor não pode ser réu
na ação reivindicatória porque se essa ação for julgada procedente
contra ele e transitar em julgado contra ele, pode ser executada essa
decisão contra Washington?

Claro que não, pois viola o devido processo legal, viola o


contraditório, visto que o possuidor não foi parte na demanda. Então,
é claro que seria inconstitucional.

Mas eu mostro que o código civil agiu certo ao colocar o


detentor no art. 1228. É pelo seguinte, essas duas hipóteses do
servidor da posse e da permissão, a doutrina chama isso de detenção
dependente.

Detenção dependente porque as pessoas que estão ali são


dependentes do possuidor, do proprietário.

Quando o Zé Rainha entra no terreno de alguém


exercendo a violência, ele é detentor, mas ele é detentor dependente
de alguém? Não. A detenção dele é a chamada detenção autônoma.

Quem detém a coisa porque está fazendo uso da violência


é o detentor autônomo.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Se eu sou proprietário de um bem e o Zé Rainha o invade


usando a violência, contra quem eu vou ajuizar a reivindicatória?
Contra o Zé Rainha que é o detentor. Ele não é possuidor porque ele
está fazendo uso da violência.

Na palavra detentor que está no final do art. 1228 é


legítima nos casos de detenção autônoma. É contra esse detentor
autônomo que eu vou ajuizar a minha ação reivindicatória.
Eu terminei essa parte e de agora até 12:30h eu vou
começar outra questão que é a questão mais importante da aula.

Vou começar agora a falar sobre a classificação da posse.


Toda posse é classificada pelos seus vícios e toda posse pode padecer
de um vício objetivo ou de um vício subjetivo.

Toda vez que alguém falar em vício objetivo da posse,


essa posse é uma posse injusta.

A posse injusta é uma posse que padece de vícios


objetivos.

Quais são as três situações em que a posse pode ser


injusta? Pela violência, clandestinidade ou precariedade. Art. 1200,
CC.

O código civil não conceitua o que é uma posse justa.


Então, vocês vão conceituar por exclusão. Posse justa é aquela que
não sofre de nenhum dos 3 vícios do art. 1200, CC. É aquela que não
foi adquirida por violência, clandestinidade ou precariedade.

A posse justa é aquela que foi adquirida de modo regular,


conforme o direito.

Posse violenta é aquela adquirida pela força ou pela


ameaça. É aquela adquirida pela vis absoluta ou pela vis compulsiva.

Posse clandestina é aquela posse adquirida às ocultas,


sem ofensividade. É aquela posse adquirida na calada da noite. A
posse clandestina não é marcada pela força ou pela ameaça a
ninguém. O que a pessoa usa é a possibilidade de esconder o fato de
quem deveria saber.

Imaginem que o Flávio tem uma mansão em Búzios. Mas


o Flávio sempre fica no Rio de Janeiro. Em um desse períodos em que
ele está no RJ, Zé Tainha, um pescador, entra na sua casa sabendo
que você está aqui no Rio de Janeiro.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A posse de Zé Tainha é justa ou injusta? Injusta, pois ele


se utilizou da clandestinidade.

Zé Tainha fez uma rave na mansão e chamou todos que


moram em Búzios. Só o Flávio não ficou sabendo. Ainda assim é
clandestina a posse? A clandestinidade não é erga omnes, a
clandestinidade é contra quem deveria saber.

Precariedade é o abuso do direito de quem retém


indevidamente o bem além do prazo normal de devolução.

Rafaela, você é minha comodatária por 5 anos. Quando


acabou o prazo do comodato você disse que não iria sair do imóvel.
Durante os 5 anos do comodato ela tinha uma posse direta e justa.
Quando terminou o prazo e ela disse que não iria sair, ela passou a
ter posse injusta por precariedade.

O possuidor precário é justamente aquele que se recusa a


restituir o bem quando termina a relação jurídica que lhe deu origem.
Então, a posse da pessoa que era justa se converte em injusta pela
precariedade.

Na precariedade o possuidor que tem a coisa em nome


alheio quer se converter em possuidor em nome próprio.

Se isso fosse uma aula de penal eu diria que se aplicariam


os artigos 157, 155 e 168 do Código penal.

O art. 157 é o roubo. O cara que usa a violência está


roubando o que é de vocês. O cara que se utiliza da clandestinidade,
pratica um furto na calada da noite. E a precariedade é a apropriação
indébita, é justamente aquela pessoa que já faz uso da coisa em
nome alheio, mas indevidamente quer converter esse uso da coisa
em nome alheio em uso da coisa em nome próprio.

Por que é que no exemplo que eu dei do Zé Rainha, a


posse dele era violenta e no outro exemplo a posse dele usando a
violência era detenção? Nunca esqueçam. Toda vez que vier uma
questão de concurso dizendo “Fulano tem posse violenta” ou “Fulano
tem posse injusta por violência”.

Se alguém tem posse violenta, é por que essa violência


está ainda sendo executada ou um dia já se executou? É porque um
dia já se executou porque se por acaso Zé Rainha ainda está usando
da violência, ele não tem posse. Ele tem detenção.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Naqueles 10 dias em que o proprietário estava tentando


entrar no imóvel o Zé Rainha só tinha detenção. Mas no 11º dia em
que você desistiu de brigar com o Zé Rainha, ele deixou de ser
detentor e passou a ter posse violenta pelo uso da força ou da
violência.

Toda posse que se chama violente é para dizer que um


dia aquilo começou com o uso da violência, mas que a violência já
cessou. Tanto é que deixou de ser detenção e virou posse.

E o mesmo ocorre com a clandestinidade. Se fala que a


posse é clandestina, é porque um dia o Zé Tainha começou aquilo
usando da clandestinidade, mas essa clandestinidade já cessou e
agora é uma posse clandestina.

Esses vícios da posse querem nomear o modo pelo qual


se deu a aquisição da posse. Por isso é que se chama vício objetivo.

A pessoa adquire a posse com base na violência,


clandestinidade ou precariedade. É um desses vícios que macula a
posse e esta se torna injusta.

Qual é a diferença entre esses três elementos? Tem uma


diferença que é captada de forma bem visível. Violência e
clandestinidade são vícios que se dão a priori. Já a precariedade é um
vício que se dá a posteriori.

Toda pessoa que exerce uma posse violente ou


clandestina, qual foi o momento em que se deu a violência ou a
clandestinidade? No início da posse. O cara já começou a possuir
usando a violência ou a clandestinidade.

Já na precariedade não é isso que acontece. Na


precariedade antes de ter uma posse precária, tinha uma posse justa.
E essa posse justa no meio do caminho perdeu o caráter de posse
justa e se tornou posse injusta. A precariedade sempre envolve uma
situação de uma posse que um dia já foi justa e se torna uma posse
injusta.

O Zé Rainha que começou a posse violenta e fica no


terreno por mais dez anos, ele pode usucapir? Se ninguém incomodá-
lo pode? Pode. Ele pode ter usucapião extraordinária que não exige
justo título nem boa-fé.

Os vícios da violência e da clandestinidade são vícios


sanáveis pela usucapião. Se há posse mansa e pacífica, será possível
a usucapião.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A maioria dos doutrinadores não admite que a


precariedade seja sanada. Eles tiram isso de uma interpretação
equivocada do art. 1208, CC.

Olha o art. 1208, CC: “Não induzem posse os atos de


mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua
aquisição ao atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a
violência ou a clandestinidade”.

Alguns autores dizem que esse art. 1208 apenas diz que
cessa violência e clandestinidade. Então, o vício da precariedade seria
um vício insanável.

É claro que vocês já perceberam que essa leitura literal


não pode vingar.

Por que o art. 1028 só menciona a cessação da


clandestinidade e da violência e não menciona a precariedade? É
claro que nesse artigo não há que se falar na precariedade porque a
violência e a clandestinidade são vícios originários. E se eles são
vícios que se dão no início, lá na frente eles podem desaparecer.
Apesar da literalidade do art. 1208, mesmo a
precariedade pode sanar.

Washington, vamos supor que você foi meu locatário por


30 meses. Nesses 30 meses em que ele foi meu inquilino ele teve
posse? Ele teve posse direta. Ele teve animus domini? Não.

Locatário e comodatário não têm animus domini porque


eles sabem que eles estão na coisa em decorrência de uma relação
jurídica com o proprietário.

Acabou o contrato de locação, Washington parou de pagar


o aluguel, mas ele não quer sair do imóvel. Que posse ele passou a
ter agora? Injusta por precariedade.

Vamos supor que ele não quer sair e ele fica mais 27 anos
no imóvel e eu me desinteressei completamente em pleitear o
imóvel. Ele tem a usucapião?

A posse dele nasceu sem animus domini. A doutrina


tradicional diz que a posse dele nunca é sanada pela usucapião, pois
a posse nunca perde o caráter pelo qual ela foi adquirida.

Ela não foi adquirida com o caráter de posse sem animus


domini? Então, por mais que ele tenha ficado lá sem pagar aluguel

165
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

por 30 anos, ele nunca vai usucapir porque a posse fica presa a sua
causa originária que, no caso, não havia animus domini.

Art. 1203, CC: “Salvo prova em contrário, entende-se


manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida”.

E nesse “salvo prova em contrário” não pode entrar a


usucapião do Washington? Pode. Esse “salvo prova em contrário” tem
sido respondido na jurisprudência justamente para se admitir o
fenômeno da interversão da posse.

Interversão da posse significa alteração do caráter da


posse. A interversão do caráter da posse se dará nos casos em que
com o passar do tempo altera-se a conduta do possuidor perante a
coisa.

Washington a sua posse era direta e justa. Como passar


do tempo a posse dele que era despida de animus domini passou a
ter animus domini porque o cenário concreto demonstra que ele
parou de pagar aluguel e o proprietário em nenhum momento
reivindicou a coisa. Então, isso gera uma alteração no caráter da
posse.

A interversão da posse não passa da emanação do


princípio da função social da posse. Quem é que eu tenho que
privilegiar depois de 27 anos sem pagar aluguel: o proprietário
desidioso ou o possuidor? O possuidor.

Tem até precedente do STJ nesse sentido admitindo a


interversão da posse.

Olha o enunciado 237 do CJF: É cabível a interversão da


posse na hipótese em que o então possuidor direto demonstrar ato
exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto tendo
por efeito a caracterização do animus domini.

O ato inequívoco de oposição que Washington praticou foi


parar de pagar aluguel e não devolveu o imóvel. Como o proprietário
nada fez, como tempo nota-se a interversão da posse e o nascimento
do animus domini.

Vamos ver vício subjetivo da posse. Vício subjetivo não se


relaciona com posse justa ou injusta, mas sim com posse de má-fé.

Posse de má-fé é a posse subjetivamente viciada.

166
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Boa-fé para uma aula de usucapião não é o mesmo


conceito para uma aula de posse. Para fins de usucapião o possuidor
de boa-fé é aquele que tem a falsa convicção de que é o dono da
coisa.
Possuidor de boa-fé para fins de posse de forma geral é
aquele que ignora não culposamente o vício da posse.

Art. 1201, CC: “É de boa-fé a posse, se o possuidor


ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”.

Qual é o conceito que está mais determinado? O meu ou


o do código? O meu, pois faltou o código dizer que o possuidor ignora
não culposamente o vício.

Eu tenho dois conceitos de boa-fé: um psicológico e outro


ético. O conceito do Código civil é um conceito psicológico, mas eu
não me contento com esse conceito, mas sim como ético.

Então, como eu transformo o conceito do art. 1201 em


ético? Basta incluir ao lado de “ignora” a expressão “não
culposamente”.

Patrícia, imagina que você vende para o Washington por


R$ 100 mil um terreno ao lado do Pão de Açúcar. A posse que ele
tem é de boa ou de má-fé? É de má-fé.

O código civil diz que possuidor de boa-fé é aquele que


ignora o vício. Se esse conceito fosse suficiente, ele seria um conceito
de boa-fé psicológico, ou seja, Washington ignora o vício da posse.

Só que isso iria gerar insegurança jurídica porque esse


conceito de boa-fé meramente psicológico protege o cara que é
desidioso, que não providenciou a documentação.

Possuidor de boa-fé é o cara que ignora o vício da posse


mesmo tendo agido com toda diligência. Ele ignora pois praticou um
erro escusável, que qualquer pessoa nessa sala poderia ter caído.

Eu alugo um apartamento para Rafaela. Depois aparece


Washington dizendo que ele te alugou um apartamento que não era
dele. Nesses 6 anos a sua posse foi de boa ou de má-fé? Foi de boa-
fé, pois mesmo ela tendo sido cuidadosa, ela alugou apartamento de
quem não era dono.

Isso não é boa-fé objetiva porque a boa-fé objetiva está


no direito das obrigações. Essa é uma boa-fé subjetiva.

167
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A boa-fé tem que ser ética. Não basta que o possuidor


seja ignorante. Ele pode ser um ignorante que ignorou tendo sido
diligente e cuidadoso.

Qual é o momento em que a Rafaela deixa de ser


possuidora de boa-fé e passa a ser possuidora de má-fé? Quando
você passa a ter ciência dos vícios da posse.

E quando é que o possuidor passa a ter ciência dos vícios


da posse? A partir da citação.

Só é possível retirar alguém do estado da boa-fé diante


do devido processo legal.

Então, a citação é o momento da conversão da boa-fé em


má-fé.

Art. 1202, CC: “A posse de boa-fé só perde este caráter


no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam
presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”.

Interpretando o art. 1202 conforme a Constituição, qual é


o momento em que uma pessoa não ignora mais que possui
indevidamente? A partir da citação.

A posse injusta está ligada a vício objetivo porque a


questão incide na forma como se adquiriu a posse. São vícios que se
percebe de forma objetiva.

A boa-fé quando se converte em má-fé é um vício


subjetivo porque é uma questão de índole interna. Eu tenho que
aferir a motivação do possuidor sobre a coisa.
Os vícios objetivos e subjetivos da posse são
independentes? É possível que uma posse seja justa e de má-fé ou
injusta e de boa-fé? Claro que pode. Não há necessária
correspondência entre vício objetivo e vício subjetivo.

Às vezes a posse pode ser viciada objetivamente e ser


uma posse de boa-fé. Às vezes a posse é justa e é uma posse de má-
fé.

É importante saber se a posse é justa ou injusta porque


só pode ser réu em ação possessória uma pessoa que tem posse
injusta.

É importante saber se a posse é de boa-fé ou de má-fé


para fins de direito aos frutos, direito às benfeitorias e direito à

168
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

usucapião ordinária. Só pode ter usucapião ordinária quem tem posse


de boa-fé. FIM

Rio, 22.11.2007 – 7ª AULA

Em matéria de efeitos da posse nós temos 4 efeitos:


direito aos frutos, direito às benfeitorias, direito às ações
possessórias e direito ao usucapião.

Desses 4 eu não vou tratar com detalhes do direito ao


usucapião, pois essa matéria já foi estudada.

Qual é a diferença entre a posse ad interdictae e posse ad


usucapionem? Posse ad interdictae é aquela que faculta o possuidor
manejar os interditos possessórios.

Interditos possessórios são as ações possessórias.

Quem tem posse interdictae? Qualquer possuidor. Basta


ser possuidor que você pode ajuizar ação possessória, mesmo que
aposse seja injusta, de má-fé ou indireta.

Eu não estou dizendo quem vai ganhar a lide. Eu estou


dizendo quem tem legitimidade para ajuizar o interdito possessório.

Quem não tem posse ad interdictae é o detentor. O


detentor não pode ajuizar ação possessória.

Se todo e qualquer possuidor tem posse ad interdictae, o


mesmo não se diga da posse ad usucapionem. Nem todo possuidor
tem posse ad usucapionem.

Para ter posse ad usucapionem, além da posse deve-se


ter animus domini. Sem animus domini, a pessoa tem apenas posse
ad interdictae.

Mas se tiver animus domini, além de ajuizar ação


possessória, você também pode pleitear usucapião.

Então, a posse ad interdictae é para todos e a posse ad


usucapionem é apara alguns cuja posse é qualificada pelo animus
domini.

Vamos falar sobre o direito aos frutos com relação à


posse. Essa matéria é própria da parte geral do código civil.

169
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Frutos são utilidades da coisa que se reproduzem


periodicamente. Frutos são bens imóveis por acessão natural.

Se eu sou dono de um terreno, a maçã que está na


árvore é bem imóvel por acessão natural. Deixa de ser imóvel quando
eu tiro o fruto e passa a ser bem móvel.

Quais são os 3 tipos de frutos? Naturais, civis e


industriais.

Os naturais são aqueles obtidos diretamente da natureza.


Temos como exemplo o leite da vaca.

Os industriais decorrem da atuação do homem sobre a


natureza.

Se eu tenho uma fazenda e a arrendo, esse aluguel é


fruto? É fruto civil. Fruto civil é uma remuneração pela cessão da
posse a outrem.

Frutos são bens acessórios, bens imóveis por acessão


natural, são utilidades que a coisa produz periodicamente e que se
dividem em naturais, industriais e civis.

Qual é a diferença entre frutos e produtos? Poço de


petróleo é fruto porque os frutos produzem e reproduzem, já o
produto produz, mas ele não reproduz.

O produto, na medida em que ele vai sendo retirado, ele


se exaure, ele não se renova. Ao contrário dos frutos, visto que eles
não obstante serem retirados, eles são renovados periodicamente.
A quem pertencem os frutos naturais e industriais? Ao
proprietário. Art. 1232, CC.

Art. 1232, CC: “Os frutos e mais produtos da coisa


pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se,
por preceito jurídico especial, couberem a outrem”.

Princípio da gravitação jurídica significa que o acessório


gravita em torno do principal. Se eu sou proprietário de um terreno e
o solo é meu, os frutos também me pertencem.

Por que é que na parte final do art. 1232, CC está escrito


“salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem”?
Quando é que os frutos não pertencem ao proprietário? Qual é o
motivo jurídico dos frutos não pertencerem ao proprietário?

170
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Eventualmente o fruto não pertencerá ao proprietário.


Pertencerá a quem tem posse de boa-fé.

Beto, você é proprietário de um terreno desde 2000 e


você aluga esse imóvel recebendo frutos civis. Até hoje, ou seja, há
sete anos você vem recebendo aluguéis.

Em 2007 aparece Washington e diz que você não é o


dono da coisa. Washington ajuíza uma ação reivindicatória contra
Beto dizendo que ele não é dono. Hoje você foi citado para essa ação
reivindicatória

Caso Beto seja derrotado nessa ação reivindicatória terá


que restituir todos os aluguéis que recebeu durante esses sete anos?
Não, pois nesse período a sua posse foi de boa-fé.

Art. 1214, CC: “O possuidor de boa-fé tem direito,


enquanto ela durar, aos frutos percebidos”.

Frutos percebidos são aqueles colhidos na constância da


boa-fé.

Se o possuidor estava de boa-fé e deu função social à


posse, nada mais natural que a boa-fé dele seja homenageada.

Mas ele foi citado em novembro de 2007 e em 2010 a


ação reivindicatória do Washington foi julgada procedente. Esses
aluguéis que o Beto recebeu de 2007 a 2010 deverão ser restituídos
ao Washington? Tem, pois nesse período ele já estava de má-fé, foi
posterior à citação.

Como se chamam os frutos que o possuidor colhe já na


constância do processo? Frutos pendentes.

Frutos pendentes são os frutos fruídos na constância da


má-fé. Esses devem ser restituídos ao reivindicante, que é
Washington.

Art. 1214, § único: “Os frutos pendentes ao tempo em


que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as
despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os
frutos colhidos com antecipação”.

Quando o Beto foi citado, ele abandonou o imóvel e após


três anos, Washington ganhou a ação.

171
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Washington teria direito de receber tudo o que Beto


embolsou durante esses três anos. Só que ele nada recebeu. Pode
Washington exigir do Beto tudo aquilo que ele teria recebido nos 3
anos se ele tivesse ficado ali depois da citação? Pode. São os frutos
despiciendos.

Frutos despiciendos são aqueles frutos que não são


colhidos por negligência do possuidor de má-fé.

Art. 1216, CC: “O possuidor de má-fé responde por todos


os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua,
deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-
fé; tem direito às despesas da produção e custeio”.

O proprietário faz jus a esses frutos despiciendos porque


se ele estivesse no terreno teria produzido sobre ele.

Se s sentença for julgada improcedente, o Beto nunca


esteve de má-fé.

O Beto tem direito aos frutos percebidos em decorrência


da boa-fé. Ele não tem direito aos frutos pendentes que são aqueles
colhidos após a citação.

Os frutos despiciendos, que são aqueles que o possuidor


ao momento em que foi citado deixou de colher por
irresponsabilidade e negligência.

Vamos falar sobre benfeitorias.

Benfeitorias são obras ou despesas efetuadas na coisa


para fins de conservação, melhoramento ou embelezamento.

Santino, você tem uma casa e nela você faz uma piscina.
Qual é a natureza dessa benfeitoria? Depende.

Nunca, de forma estanque, classifique benfeitoria como


necessária, útil ou voluptuária. Tudo vai depender do caso concreto
utilizando a regra da essencialidade.

Quando nós falamos em piscina, estamos acostumados a


pensar em piscina para diversão, em benfeitoria voluptuária. Mas
vamos supor que nessa casa funcione uma escola para crianças, essa
benfeitoria se torna útil.

E se nessa casa onde se construiu a piscina for uma


escola de natação, essa piscina é uma benfeitoria necessária. Então,

172
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

tudo depende da configuração da essencialidade. Isto é, deve-se


pensar na relação entre a coisa principal e a benfeitoria.
Quanto mais essencial para a exploração da coisa
principal for a benfeitoria, mais ela será necessária. À medida que a
essencialidade vai sendo reduzida cai para útil e, por fim, cai para
voluptuária.

Mariana, se por acaso você possui um terreno há muito


tempo e você gastou dinheiro pagando despesa de IPTU, com a
demarcação do terreno, com adubo para as plantas e ração para os
animais. Essa despesa é benfeitoria necessária, útil ou voluptuária? É
benfeitoria necessária.

Benfeitoria é qualquer despesa ou obra que se incorpora


permanentemente à coisa.

Se no terreno a Mariana coloca uma vaca para pastar e


um trator para puxar o arado. Essa vaca e o trator são benfeitorias?
Não, são pertenças.

Qual é a diferença entre uma benfeitoria e uma pertença?


A benfeitoria sempre se incorpora permanentemente à coisa. Já as
pertenças não se imobilizam. Elas continuam sendo bens móveis com
a sua autonomia perante a coisa.

Quando eu vendo a fazenda, a vaca e trator entram no


negócio ou não? Não entram. Apenas entram no negócio se tiver
cláusula de porteira fechada.

Se não tiver essa cláusula, eles não entram no negócio


porque são bens imóveis autônomos.

Se eu tenho um terreno e nesse terreno eu levanto uma


casa, que tipo de benfeitoria é essa casa? Isso não é benfeitoria. Isso
é acessão.

Qual é a diferença entre benfeitoria e acessão? Acessão é


modo de aquisição da propriedade. Quando eu faço uma acessão, a
acessão está inovando onde até então nada existia.

A marca da acessão é o efeito da inovação. Eu estou


dando destinação econômica à coisa onde até então nada havia. Essa
é a característica das construções.

É por isso que quando a casa fica pronta deve-se averbar


a sua construção no RGI, pois é modo de aquisição da propriedade.

173
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Mas se eu tenho uma casa e coloco uma garagem nessa


casa, essa garagem é benfeitoria, visto que as benfeitorias são
sempre coisas acessórias. A benfeitoria é sempre uma obra feita em
função de uma coisa já existente. Eu faço a garagem para dar mais
comodidade ao uso da casa.

A benfeitoria é uma coisa acessória e a acessão é o


principal.

Quais são as conseqüências da realização de benfeitorias


para o possuidor de boa-fé ou para o possuidor de má-fé?

Flávio, imagina que você é um invasor do MST e você


entra em um terreno que tem uma casa. Como a casa está caindo, o
Flávio gasta seu dinheiro fazendo um muro de arrimo evitando que a
casa caia.

Amanhã quando o invasor for posto para fora, o


retomante vai ter que indenizar o invasor pela benfeitoria que ele
fez?

Ele é um possuidor de má-fé, pois ele não ignora os vícios


da posse. Então, por que ele vai ser indenizado? Porque trata-se de
uma benfeitoria necessária.

E por que a benfeitoria necessária tem que ser


indenizada? Porque essa benfeitoria necessariamente teria que ser
realizada pelo proprietário se ele lá estivesse.

Em razão disso, mesmo sendo possuidor de má-fé ele é


indenizado para evitar enriquecimento sem causa.
Se fosse possuidor de boa-fé também teria indenização?
Teria.

Qual é a diferença entre entrar em terreno alheio de boa-


fé ou de má-fé se vai ser indenizado do mesmo jeito? Tem. É a
novidade do art. 1222, CC.

Se por acaso quem fez a benfeitoria necessária foi o


possuidor de boa-fé, ele será indenizado pelo valor atual da obra.

Mas se quem realizou a benfeitoria foi o possuidor de má-


fé, o retomante tem o direito potestativo de escolher se vai indenizar
pelo valor atual da obra ou se pelo gasto realizado em sua edificação.
O retomante passa a ter uma opção a mais. Ele escolhe o que lhe for
economicamente mais interessante.

174
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Isso é para demonstrar que a posse de boa-fé tem mais


valor do que a posse de má-fé e o código deve reconhecer isso em
nível jurídico.

Flávio, além de fazer esse muro de arrimo, você colocou


um banheiro a mias nessa casa. Você vai ser indenizado por esse
banheiro que você construiu? Não, pois possuidor de má-fé só tem
indenização por benfeitoria necessária. Não tem indenização por
benfeitoria útil.

Benfeitoria útil visa dar mais comodidade à coisa.

Mas Flávio, se você estivesse de boa-fé e colocasse esse


banheiro você seria indenizado? Seria.

Possuidor de boa-fé é indenizado pelas benfeitorias


necessárias e úteis.

Flávio, você que é possuidor de má-fé, ao invadir essa


casa fez uma piscina olímpica. Você será indenizado por ela? Não.

E se você tivesse de boa-fé, seria indenizado pela piscina?


Também não, pois mesmo o possuidor de boa-fé não tem indenização
pela benfeitoria voluptuária.

Por que isso ocorre? Porque as benfeitorias voluptuárias


não passam de um capricho do possuidor. E esse capricho não
interessa ao retomante. Então, não haverá indenização mesmo se
estivesse agindo de boa-fé.

O que o possuidor de boa-fé pode fazer caso o retomante


diga que não vai indenizar a benfeitoria voluptuária? Ele poderá usar
o seu direito de levantar a benfeitoria voluptuária.

No caso da piscina, o possuidor de boa-fé poderá levantá-


la? Não, pois para levantar a benfeitoria voluptuária, o possuidor não
poderá acarretar danos à coisa.

Nas hipóteses em que o levantamento trouxer danos à


coisa, não há sequer a chance de levantar a benfeitoria voluptuária.

Possuidor de boa-fé recebe indenização pelas benfeitorias


necessárias, pelas benfeitorias úteis e poderá levantar as benfeitorias
voluptuárias, desde que retire a coisa sem que haja dano.

O possuidor de má-fé recebe indenização apenas pelas


benfeitorias necessárias.

175
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O possuidor de boa-fé tem direito a mais o quê com


relação às benfeitorias necessárias e úteis? Ao direito de retenção.

Direito de retenção é uma faculdade concedida ao


possuidor de boa-fé de manter a coisa consigo para depois do prazo
de devolução em caso de recusa de indenização por benfeitorias
necessárias e úteis realizadas de boa-fé.

Flávio, você entra no meu terreno e, de boa-fé, você faz o


muro de arrimo (benfeitoria necessária) e também faz uma garagem
(benfeitoria útil).

O que eu, que sou o proprietário, posso fazer? Eu tenho


duas opções: ou eu ajuízo uma demanda reivindicatória ou eu ajuízo
uma demanda possessória.

Independente de qual demanda Nelson irá ajuizar, é


fundamental que vocês entendam que Flávio como réu na
contestação vai dizer que o Nelson não tem direito a nada e pedir que
seja julgada improcedente a sua pretensão.

Além disso, o Flávio diz na contestação que se o juiz


entender que a pretensão do Nelson seja procedente, ele pede
indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis que fez de boa-fé,
sob pena de enquanto Nelson não indenizar, ter o direto de retenção
sobre as benfeitorias úteis e necessárias.

O direito de retenção é uma exceção substancial argüida


pelo réu em defesa.

Quando vocês são réus vocês podem se defender de duas


formas: defesa direta de mérito e defesa indireta de mérito.

Defesa direta de mérito ocorre quando o réu nega todas


as afirmações do autor, diz que tudo que ele falou é mentira.

Defesa indireta de mérito ocorre quando você não


obstaculiza a fundamentação do autor, mas você traz um fato
impeditivo, modificativo ou extintivo ao direito do autor.

Qual é o fato impeditivo ao direito do autor que o Flávio


trouxe como réu? Direito de retenção. É um fato impeditivo, pois
mesmo que o Flávio seja derrotado na ação reivindicatória ou
possessória, é o famoso “ganha mas não leva”.

176
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Enquanto Nelson não indenizar Flávio, ele pode continuar


na posse da coisa, até que ele seja indenizado pelas benfeitorias
necessárias e úteis.
Essa exceção substancial é dilatória ou
peremptória? É dilatória porque ela apenas está adiando o momento
pelo qual o réu vai sair do bem. Isso parece com a exceção de
contrato não cumprido.

Exceção substancial peremptória ocorre quando você


alega prescrição em defesa, anulabilidade em defesa.

No caso da exceção substancial dilatória, você quer adiar


o êxito do seu adversário.

Qual é o prazo preclusivo para alegar retenção? É a


contestação, pois com as últimas reformas processuais acabou
qualquer possibilidade de uma sentença condenatória receber um
processo de execução autônomo.

Como não há possibilidade de exigir execução autônoma,


não mais há embargos de retenção, o último momento processual
para o réu se manifestar dizendo que fez benfeitorias necessárias e
úteis é na contestação.

Esse é o momento fundamental, seja em uma lide


possessória ou reivindicatória.

Qual é a diferença entre o direito de retenção e a posse


precária? Eu já disse que quem tem posse precária é quem retém a
coisa após o prazo normal para devolução.

A diferença é que a posse precária é uma posse injusta e


o direito de retenção é uma posse justa, visto que o direito de
retenção é obtido por sentença.

A pessoa que recebe o direito de retenção fica na coisa


como depositária do bem.

Quando a sentença diz: julgo procedente a pretensão de


Nelson, mas concedo a Flávio indenização pelas benfeitorias
necessárias e úteis e enquanto ele não for pago, ele terá retenção.
Isso quer dizer que o Flávio enquanto não for pago, fica
na coisa como responsável judicial ou depositário.

Nesse período em que ele vai ficar como depositário, ele é


possuidor ou detentor? Ele é possuidor.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Se o Zé Rainha invadir o imóvel, você que é o retentor


terá ação possessória contra o Zé Rainha? Tem, pois você não é
detentor, você é possuidor.

O depósito é uma relação jurídica. O possuidor direto não


é aquele que detém a coisa através de uma relação jurídica?

Art. 1219, CC: “O possuidor de boa-fé tem direito à


indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto
às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o
puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de
retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis”.

Então, o art. 1219, CC é o artigo que coloca a situação do


possuidor de boa-fé perante o direito de retenção.

Possuidor de má-fé tem direito de retenção? Não tem. O


direito de retenção é algo específico do possuidor de boa-fé.
Possuidor de má-fé apenas pode pedir indenização com relação às
benfeitorias necessárias.

Se o possuidor de má-fé realizou benfeitoria necessária,


ele poderá ajuizar ação ordinária de indenização, mas ele tem que
devolver o bem.

Já o possuidor de boa-fé tem a chance de opor a exceção


substancial de retenção.

O que acontece se o réu esquece de pedir o direito de


retenção na contestação? Ele perde o direito de retenção, mas ele
ainda pode em uma ação autônoma ser indenizado pelas benfeitorias
necessárias e úteis, mas sem a possibilidade de reter a coisa.
Direito de retenção é meio de coerção. E é um meio de
coerção porque enquanto o proprietário não pagar as benfeitorias
necessárias e úteis, o possuidor não devolve a coisa.

É um meio de coerção ofensivo ou defensivo? Defensivo.

A astreinte é meio de coerção ofensivo, pois impõe-se


uma multa à pessoa para que a sua conduta cesse.

Quando a relação é uma relação de locação, muda


alguma coisa no que se refere às benfeitorias? Muda. Essas regras
somente se aplicam quando não existe relação contratual entre o
retomante e o possuidor.

178
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quando não existe relação contratual entre o retomante o


possuidor, aplica-se o art. 1219 e o art. 1220 do código civil. Essas
normas dos arts. 1219 e 1220 são normas dispositivas, pois se eles
tinham um contrato, esse contrato pode ter regras diferenciadas.

No contrato de locação o inquilino quando faz benfeitorias


tem direito de indenização por quais? O inquilino tem direto de
indenização pelas benfeitorias necessárias. Só terá indenização pela
benfeitoria útil quando autorizado pelo proprietário para que a
realize. É o art. 35 da lei 8245/91.

Pode o inquilino assinar uma cláusula no contrato dizendo


que ele não vai ser indenizado nem pela benfeitoria necessária que
ele realizar? Pode. Como não é relação de consumo, isso está dentro
da autonomia da vontade dos contratantes.

Súmula 335 do STJ: “Nos contratos de locação é válida a


cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de
retenção”.

Essa cláusula seria válida porque não é uma relação de


consuma, é um contrato feito entre particulares.

Existe contrato de adesão fora da relação de consumo?


Em regra, os contratos de adesão surgem nas relações de consumo,
mas é óbvio que existe contrato de adesão entre particulares.

Contrato de adesão é aquele em que as cláusulas são


redigidas unilateralmente por uma das partes.

Se eu sou proprietário de um apartamento e chego para o


Washington com o contrato já pronto para ele assinar, isso não é um
contrato de adesão? É.

É válida a cláusula de renúncia à indenização pelas


benfeitorias necessárias em contrato de adesão? Não é válida, pois o
art. 424 do CC é muito claro: “Nos contratos de adesão, são nulas as
cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negócio”.

Por contrato de adesão, ninguém pode renunciar a


direitos decorrentes da relação contratual.

Então, a súmula 335 do STJ somente se aplica quando os


contratos entre particulares forem contratos negociados. Quando é
contrato de adesão eu não aplico a súmula 335 do STJ e aplico o art.
424, CC.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Vamos começar a falar de ações possessórias. Peço que


vocês dividam o caderno de vocês em ius possessionis e ius
possidendi.

Esqueci de falar que o enunciado 81 do CJF diz que o


direito de retenção também se aplica às acessões. O enunciado 81
está ligado ao art. 1219 do CC.

Esse enunciado diz que tem direito de retenção não


somente quem faz benfeitorias necessárias e úteis. Quem faz
acessões de boa-fé também tem direito de retenção.

Ius possessionis é o juízo possessório. E o ius possidendi


é o juízo petitório.

Ius possessionis é o direito de possuir com fundamento


exclusivo nos fatos da posse.

Ius possidendi é o direito à posse, com fundamento


exclusivo no direito de propriedade.

Eu sou proprietário de um terreno e o Flávio está há sete


anos possuindo este terreno.

Após sete anos, Flávio é posto para fora do terreno por


Nelson. O Flávio tem algum tipo de ação para que possa voltar ao
terreno? Sim, a ação possessória, visto que nesta ação a causa de
pedir é a posse.

Toda ação possessória é aquela que tem como causa de


pedir a posse e o pedido é a posse.

A causa de pedir pode ser próxima ou remota. Causa de


pedir remota é a história. No caso em tela, a história que o Flávio
conta é que ele exerceu a posse deste terreno por sete anos.

Causa de pedir próxima é a lesão que a pessoa sofreu no


seu direito subjetivo. No caso, a lesão que Flávio sofreu foi que ele foi
posto para fora do terreno.

Causa de pedir remota: Flávio tinha posse há sete anos.


Causa de pedir próxima: Flávio foi agredido na sua posse. Pedido:
Flávio quer sua posse de volta.

Quando o Flávio ajuíza a ação possessória, alguém está


discutindo propriedade em algum momento? Não. A única coisa que o

180
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Flávio está dizendo é que ele exercia o fato da posse e ele sofreu uma
agressão a essa posse pré-existente que ele tinha. É só isso que o
juiz quer saber em uma ação possessória.

Esses quesitos são suficientes para se exercer a ação


possessória.

Flávio, eu comprei o seu apartamento e registrei a


escritura de compra e venda no ofício imobiliário. Então, Nelson é o
novo dono. Quando Nelson vai para o imóvel, Flávio se recusa a sair
de lá.

Qual é a ação que Nelson tem para investir na posse


desse bem pela primeira vez? Imissão na posse.

A imissão na posse é uma ação petitória. Na ação


petitória a causa de pedir é a propriedade e o pedido é a posse.

A imissão na posse é uma ação petitória, pois nestas


ações o fundamento do autor é que ele possa pedir a posse, não por
ele tê-la exercido anteriormente, mas sim porque ele é proprietário.

Quando Nelson se tornou proprietário, passou a ter os


poderes de usar, fruir, dispor e reivindicar. Se eu sou proprietário eu
tenho direito à posse, pois usar e fruir são direitos decorrentes da
minha propriedade.

Causa de pedir: Nelson é o novo proprietário e, com isso,


eu tenho direito à posse.

Então, a posse nas ações petitórias não decorre de um


exercício de fato da posse. Ela decorre do direito de propriedade. Um
exemplo de ação petitória é a imissão na posse.

Washington é proprietário e possuidor de um terreno. Zé


Rainha invade esse terreno e põe Washington para fora. Qual é a
ação que Washington tem contra Zé Rainha? Petitória ou possessória?
As duas. Ele pode escolher uma ou outra.

Por que Washington pode ajuizar uma ação petitória


chamada reivindicatória? Porque ele está dizendo ao juiz que é o
dono do terreno e comprovando a sua titularidade. E, com isso, quer
reaver a posse, quer reaver os poderes de usar e fruir com base no
art. 1228, CC.

Então, ele vai mostrar que é dono e vai pedir a posse.´

181
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Além da reivindicatória ele tem a possessória. Ele tem a


possessória não pelo fato dele ser proprietário. Na possessória o juiz
não se interessa se a pessoa é proprietária.

O que o juiz quer saber na possessória se você exercia o


fato da posse, independente de você ser dono; se a sua posse foi
agredida e que você quer a sua posse de volta. Não a posse como
decorrência da propriedade, mas a posse como um fato em si
mesmo.

Então, quem é proprietário e possuidor pode optar pelo


juízo possessório ou pelo juízo petitório.

Se uma ação possessória está em andamento, é


completamente proibida a discussão de propriedade na constância
das ações possessórias.

No Brasil é proibida a chamada exceção de propriedade.


Art. 1210, § 2o, CC: “Não obsta a manutenção ou reintegração da
posse a alegação de propriedade”.

A alegação de propriedade não impede o êxito de uma


ação de reintegração ou de manutenção de posse. Esse artigo é a
base da proibição da exceção de propriedade.

Vamos voltar ao primeiro exemplo. Flávio você é


possuidor de um terreno há sete anos. Aparece Nelson, o
proprietário, e colocou você para fora. Neste caso, o Flávio tem uma
ação possessória.

Se no Brasil a exceção de propriedade fosse permitida, o


que aconteceria quando o Flávio ajuizasse ação possessória?

O Flávio conseguiria uma liminar e o juiz determinaria que


ele voltasse para o imóvel por uma liminar.

Mas, no momento em que Nelson fosse chamado para


contestar a possessória, alegaria que como ele é dono, ele pode fazer
o que quiser. O juiz, com isso, julgaria improcedente a demanda
possessória pelo fato da propriedade ser mais forte do que a posse.

Qual era a grave injustiça que existia por trás da


possibilidade da exceção de propriedade? A grave injustiça estaria na
situação anterior no fato da sentença do juiz dizendo que julga
improcedente a possessória porque Nelson é o proprietário.

182
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O Poder Judiciário estaria dando força para que o


proprietário retirasse à força o terceiro que estivesse ocupando o seu
imóvel. E quando esse terceiro der entrada na ação possessória,
alegue em defesa que você é dono, pois os juízes julgarão
improcedente a possessória.

A admissão da exceção de propriedade não só é um


estímulo à violência, como conduzia vocês a uma falsa noção de que
a propriedade é um direito superior e que a posse é um direito
inferior. E que a posse, no máximo, deveria ser protegida em caráter
temporário.

Mas isso mudou, pois a partir do momento que vem o


novo código civil e diz que o proprietário não pode alegar em defesa
que é dono.

O que acontece com Nelson se ele não pode alegar em


contestação que é dono? Nelson perde a ação possessória.

O único argumento que o juiz irá ouvir é que como o


possuidor foi agredido na sua posse pré-existente, julgo a demanda
procedente.
A sentença visa justamente proteger a situação de
ingerência sócio-econômica que o possuidor tem sobre a coisa.

Além disso, o outro recado do Judiciário é que nenhum


particular tem o monopólio da violência. Nenhum particular, mesmo
que seja proprietário do bem, não pode usar da força mesmo que
seja para reavê-lo.

A ação possessória do Flávio é julgada procedente, você


volta para o imóvel e o juiz determina que o Nelson, que é o
proprietário, seja posto para fora.

O proprietário Nelson é posto para fora e transita em


julgado a possessória. O que o Nelson faz? Ajuíza uma ação
reivindicatória. Isso é o mais correto, pois na reivindicatória Nelson
estará citando Flávio como réu e dando a ele a oportunidade de ter o
devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

E nessa ação petitória é que efetivamente o juiz vai


querer saber se o Nelson é o proprietário e se ele tem condições de
ganhar essa demanda.

Hoje há uma separação absoluta entre o plano do


possessório e o plano do petitório.

183
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Nelson Nery diz que hoje há uma espécie de condição


sucessiva ao exercício da demanda petitória, pois só se pode ajuizar
uma petitória após o trânsito em julgado da possessória.

Na pendência da demanda possessória, isto é, da citação


até o trânsito em julgado da possessória, fica proibida a discussão de
propriedade.

Na pendência da demanda possessória, eu ajuízo uma


reivindicatória contra Flávio. O que os juízes fazem ao receberem a
inicial dessa reivindicatória? Eles julgam extinto o processo sem
resolução do mérito (art. 267, IV, CPP), pois está faltando uma
condição, qual seja, que houvesse o trânsito em julgado da demanda
possessória.

Enquanto não há o trânsito em julgado da demanda


possessória, não há possibilidade de se ajuizar uma demanda
petitória.

Essa radical separação do plano do possessório para o


petitório não foi esquecida pelo CJF. Olha o que diz o enunciado 79 do
CJF: a exceção de propriedade como defesa ocorrida nas ações
possessórias foi abolida pelo código civil de 2002 que estabeleceu a
absoluta separação entre o juízo possessório e o juízo petitório.

Nelson ajuíza uma ação possessória contra Washington,


alegando que ele é dono do imóvel e quer retirar Washington de seu
imóvel. Nelson ajuizou mal a ação possessória, pois o fundamento da
possessória não é a propriedade.

Na contestação Washington diz que o dono é ele. O que


os dois estão fazendo de errado? Os dois estão usando a ação
possessória para discutir propriedade.

O STF em hipóteses como essa dizia na súmula 487 que


nesse caso, quando autor e réu usam de uma possessória para
discutir propriedade, o juiz tem que dar a vitória para aquele que
demonstrar ser o verdadeiro proprietário.

A súmula 487 ainda tem eficácia? Não, ela perdeu a


eficácia porque diante da proibição da exceção de propriedade no
direito civil brasileiro, caso o juiz vá dar uma sentença em ação
possessória e o juiz não veja que o autor provou a sua posse
anterior, sabe o que o juiz vai fazer? Vai julgar improcedente essa
ação possessória.

184
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O juiz não vai dar vitória para quem pareça ser


proprietário. O juiz vai julgar improcedente, pois na inicial ele não
demonstrou que era possuidor.

Quando o código civil diz que não interessa quem seja o


proprietário, isso quer dizer que quem deve ganhar a ação
possessória não é quem é proprietário, mas sim quem tenha
realizado a função social da posse.

Enunciado 78 do CJF: Tendo em vista a não recepção pelo


código civil da exceção de propriedade ou de caso de ausência de
prova para embasar decisão liminar ou sentença ancorada
exclusivamente no ius possessionis, deverá o pedido ser indeferido e
julgado improcedente, não obstante eventual demonstração de
direito de propriedade no meio litigioso.

A questão seguinte apenas irá acertar o aluno que lembra


do que eu ensinei há três semanas atrás.

Nelson e Washington tem uma discussão. Nelson ajuíza


uma ação possessória contra Washington dizendo que Washington
invadiu o seu terreno, que o esbulhou.

Pode o Washington dizer que é mentira e que ele não


invadiu a posse de ninguém e, além disso, ele diz que já tem prazo
para usucapião. Washington pode alegar usucapião em defesa?

Quando eu ensinei usucapião em defesa, falei em ações


reivindicatórias. O que eu estou perguntando é se ele pode alegar
usucapião em defesa em uma ação possessória.

Quando ele alega a usucapião em defesa ele está


trazendo uma exceção à propriedade, ele está alegando em defesa
que ele é proprietário. Mas isso é proibido pelo código civil de 2002.

Diante dessas duas observações vocês mantêm o ponto


de vista de que ele pode alegar em defesa a usucapião? Mantenham.
Então, ele pode alegar a usucapião em defesa.

O que o CC/02 proíbe é a alegação em defesa da exceção


da propriedade, mas quando se alega usucapião em defesa não é
exceção da propriedade, mas sim exceção de domínio.

Quando você alega usucapião em defesa, você não vem


com a história de que você é proprietário. Você alega que a pretensão
do Nelson é tão mentirosa e que Washington já estava na posse há
tanto tempo que já chegou a gerar domínio.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

É por isso, Washington, que você pode usar a súmula 237


do STF e alegar usucapião em defesa.

As ações petitórias são aquelas em que a causa de pedir é


a propriedade que não tinha posse.

Usucapião não é petitório. A causa de pedir da usucapião


é a posse.

Quando se alega usucapião em defesa não se está


embaralhando o petitório com o possessório. Vocês estão apenas
mostrando para o juiz como a ação possessória está fundada em
argumentos mentirosos porque você já tem até usucapião.

Vamos supor que o juiz se convença que você tem


usucapião e julga improcedente a possessória. Você pode pegar essa
sentença e registrar? Pode, pois mesmo sendo alegada a usucapião
em defesa a nova dicção do art. 1241 do CC diz que o possuidor pode
pedir ao juiz que seja declarada a usucapião.

Mas o art. 1241 em nenhum momento exige que seja


pela via da ação de usucapião. Então, pode ser declarada pela via da
defesa. Isso é um pedido contraposto.

É uma usucapião argüida em defesa em pedido


contraposto.

Vamos agora começar a estudar as ações possessórias.


Dividam o caderno de vocês em reintegração de posse, manutenção
de posse e interdito proibitório. Essas são as três ações possessórias.

Essas são as únicas ações possessórias que existem no


Brasil. Nunciação de obra nova e embargos de terceiros não são
ações possessórias, visto que essas são ações que tanto podem ser
utilizadas para defender a propriedade ou a posse.

Já essas três ações são para garantir a tutela específica


da posse.

Ação possessória é sinônimo de interdito possessório. Mas


nunca confundam interdito possessório com interdito proibitório.
Interdito possessório é gênero. Interdito proibitório é uma das
espécies do gênero interdito ou ações possessórias.

Como saber qual das três ações deve-se ajuizar? Tudo


depende do nível de hostilidade e aversão que a posse sofreu.

186
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Se você é possuidor e sofre uma ameaçazinha, você tem


o interdito proibitório. Se você sofre uma turbação, você tem a ação
de manutenção de posse. Mas se virou um esbulho, você tem a ação
de reintegração de posse.

Na medida em que se intensifica o grau de agressão à


posse, vocês vão subindo um andar. Na medida em que se intensifica
a agressão à posse é inversamente proporcional a reação do sistema.

Quanto mais forte é a agressão, mais forte é também a


reação do sistema a essa agressão.

Hoje até o final da aula trabalharei com a reintegração de


posse.

A base da reintegração de posse é o esbulho.

Esbulho é a privação física da coisa. O possuidor que é


esbulhado é aquele possuidor que perde o contato material com o
bem. Ser esbulhado é ser posto para fora do bem.

O problema de vocês é que toda vez que vocês pensam


em esbulho vocês lembram do Zé Rainha. E isso em uma prova de
concurso é nota 3, pois o Zé Rainha aparece no esbulho que se dá
com violência, mas o esbulho não se dá apenas por violência, eu
posso ter o esbulho por clandestinidade e por precariedade.

Ou seja, eu posso ter o esbulho toda vez que a aquisição


da posse se deu com a prática de um dos vícios do art. 1200 do
código civil.

Toda vez que a aquisição da posse se deu pela forma


injusta, o cara que entrou na posse é um esbulhador ou pela violência
ou pela clandestinidade ou pela precariedade.

É óbvio que se o Zé Rainha invade a fazenda de vocês a


socos e pontapés e põe vocês para correr, é claro que vocês estão
sendo esbulhados e que cabe ação de reintegração de posse.

Zé Tainha entrou na mansão de Flávio em Búzios. Ele


está esbulhando? Sim, é esbulho por clandestinidade.

Mesmo que Zé Tainha não tenha usado a força, no


momento em que Zé Tainha entrou, o Flávio foi excluído do poder
material sobre a coisa.

187
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Em questões de concurso, o mais importante é o esbulho


por precariedade.

Rafaela, você é minha comodatária por 5 anos. Durante


esse período você tem posse direta e justa. Acabou o prazo do
comodato e você não quer sair. Nesse momento a posse dela virou
uma posse precária.

Eu que sou o proprietário, que posse que eu tinha na


constância do comodato? Posse indireta.

Ela tinha posse direta, mas a posse direta dela virou


posse precária e ela está me esbulhando porque se ela não quer me
devolver, eu não posso entrar. Então, Nelson é esbulhado porque
perdeu a possibilidade de reaver o poder fático sobre a coisa.
Qual é a ação que eu tenho? Reintegração de posse.
Justamente na precariedade para retirar aquele inquilino e aquele
comodatário que não quer devolver.

Em concurso público tem dois complicadores. Primeiro: se


esse comodato fosse um comodato sem prazo, como eu faço para
retirar a comodatária? Primeiro eu devo interpelar a comodatária.

Vamos supor que eu a interpelo e dou um prazo de 30


dias para ela sair do imóvel. Esse prazo de 30 dias é fundamental
para constituir o comodatário em mora.

Rafaela estará me esbulhando a partir do 31o dia caso ela


não queira sair.

Nos contratos sem prazo, eu só posso falar em esbulho


quando cessa o prazo dado na interpelação. No dia seguinte que
cessou o prazo, a posse já virou uma posse injusta por precariedade
e aí existe a possibilidade de se ajuizar uma reintegração de posse.

Durante esses 30 dias a posse dela continua sendo justa.

Nenhuma pessoa pode ser ré em ação possessória


enquanto sua posse é justa. Só tem legitimidade passiva para ser réu
em ação possessória aquele que tem posse injusta.

Nelson faz um contrato com Washington de promessa de


compra e venda. Washington é o promitente comprador e está
comprando este imóvel em 36 prestações de R$ 1.000,00. Nelson é o
promitente vendedor.

188
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Enquanto ele paga as prestações, ele já está morando no


imóvel. Enquanto ele está pagando as prestações, ele tem posse
direta e Nelson tem posse indireta.

Na vigésima prestação o promitente comprador parou de


pagar. Pode o Nelson ajuizar uma ação de reintegração de posse
contra ele? Não, pois a posse dele é justa. É uma posse baseada em
um contrato de compra e venda.

Eu tenho primeiro que ajuizar uma ação de resolução do


contrato porque eu tenho que provar para o juiz que houve o
inadimplemento. Quando o juiz julgar procedente a ação de resolução
contratual, a posse dele que era justa se transforma em injusta.
Então, eu entro com o pedido sucessivo de cumulação de
reintegração de posse.

Pedido principal: resolução contratual. A posse do


Washington que era justa se transforma em injusta. Se a posse dele
virou injusta por precariedade, o pedido sucessivo deve ser de
reintegração de posse porque ele virou esbulhador.

Eu vou cumular o art. 475 do código civil que fala sobre a


resolução contratual provando o inadimplemento e o pedido sucessivo
de reintegração de posse.

Nunca ajuízem uma ação possessória conta alguém se a


posse dessa pessoa tem uma base contratual. A primeira coisa que se
deve fazer é tirar a base contratual do possuidor.

Tirando a base contratual a posse vira injusta e aí tem o


pedido sucessivo de reintegração de posse.

Violência, clandestinidade e precariedade são as três


formas de posse indireta que podem dar margem ao injusto.

Daniel, você tem um terreno de 20.000 m2. Zé Rainha


invadiu 3.000 m2 do seu terreno. E você continua com os outros
17.000 m2. Que ação Daniel ajuíza contra Zé Rainha para retirá-lo de
seu terreno? Reintegração ou manutenção?

Reintegração porque houve o esbulho parcial.

Esbulho não é apenas quando te retiram a posse do todo.


Esbulho é quando você é privado fisicamente da coisa, no todo ou em
parte.

189
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Vamos voltar ao exemplo do promitente comprador.


Dessa vez, Washington está pagando tudo direitinho. Enquanto ele
está pagando eu continuo como dono.

Nesse período em que Washington está quase terminando


de pagar, eu que ainda sou dono do imóvel fiz muitas dívidas com o
Santino. Estou devendo R$ 100 mil para o Santino.

Santino me executa e procura no meu patrimônio quais


bens podem ser penhorados e penhora o imóvel que eu estava
vendendo para Washington.

Santino conseguiu penhorar o imóvel porque a promessa


de compra e venda não foi registrada, visto que o imóvel continua em
nome do Nelson e não havia registro da promessa no RGI.

O oficial de justiça vai concretizar o mandado de penhora


e encontra Washington morando no imóvel.

Washington está sendo agredido em razão de uma dívida


que não é dele. A sua posse está sendo agredida em razão de uma
dívida que não é dele. Qual é a ação possessória que Washington tem
diante dessa agressão que ele está sofrendo? Reintegração de posse
ou manutenção de posse? Nenhuma das duas.

O correto é entrar com embargos de terceiro.

Você só pode falar em esbulho quando o esbulho é uma


agressão por violência, clandestinidade e precariedade.

Quando vai um oficial na sua casa dizendo que tem uma


dívida e que o seu imóvel está sendo penhorado, uma ordem de
arresto, de penhora ou de seqüestro não é esbulho. Isso
simplesmente é uma constrição judicial.
Atos de constrição judicial não geram esbulho.

Então, Washington vai usar os embargos de terceiro do


art. 1043, CPC. Através do embargos de terceiro Washington quer
excluir o imóvel da penhora porque no instante em que Nelson fez a
dívida com Santino esse bem já não estava sob a esfera de
responsabilidade patrimonial do devedor. Então, esse bem não pode
ser incluído como patrimônio do Nelson.

É essa a razão pela qual Washington opõe embargos de


terceiro excluindo esse bem da penhora.

190
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Nunca confundam um ato emanado pelo Judiciário com


uma agressão vinda de uma pessoa.

Washington pode opor embargos de terceiro mesmo sem


ter registrado a promessa de compra e venda? Pode. A súmula 84 do
STJ diz que o promitente comprador pode opor embargos de terceiro
mesmo não tendo registrado a penhora.

O registro da promessa de compra e venda é importante


para evitar que amanhã outra pessoa adquira a propriedade.

Só que eu não estou discutindo propriedade, eu estou


discutindo posse. Como a posse não se registra no Brasil, é
completamente despiciendo, secundário se indagar se a promessa de
compra e venda foi registrada ou não.

O registro da promessa de compra e venda só é


importante para uma futura discussão sobre essa outra venda desse
bem. Mas como eu estou discutindo uma questão de posse, tanto faz
se essa promessa de compra e venda foi ou não registrada.

Flávio, o município do Rio de Janeiro invadiu o seu terreno


usando de violência. Cabe ação de reintegração de posse contra o
Estado? Claro que cabe. O Estado é uma pessoa como outra
qualquer.

A única diferença é que se o agressor fosse um particular,


eu teria uma liminar inaudita autera pars contra o particular. Mas
sendo o agressor o Estado, não pode ser concedida uma liminar
possessória contra o Estado sem que antes seja ouvido o
representante do Estado à luz do art. 928, § único do CPC.

Se o procurador do município alegar que realmente o


município invadiu, mas que já construiu um posto de saúde no local.
Muda alguma coisa? Claro que muda.

O juiz vai julgar improcedente a ação possessória e vai


ocorrer uma desapropriação indireta.

O juiz vai dizer que diante da questão de ordem pública


que se agita, qual seja, a realização de uma obra que atende ao
interesse social, julgo improcedente a reintegração de posse e o
particular será indenizado.

Se o Estado nesse período em que ocupou a coisa,


mesmo que com posse injusta, realizou função social sobre o bem,

191
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

isso pode ser imprescindível para a quebra do êxito de uma ação


possessória sobre a coisa.

Zé Rainha invadiu o meu terreno e me colocou para fora.


Eu tenho ação possessória contra o Zé Rainha? Tenho.

Zé Rainha falsifica o título dessa propriedade como se


fosse dele e a vende para Santino que comprou pensando que fosse
do Zé Rainha.

Quando Nelson 3 meses depois resolve ajuizar


reintegração de posse, contra quem ele ajuíza reintegração de posse?
Contra quem o esbulhou ou contra quem está na coisa, ou seja,
contra Santino? Contra quem está na coisa. Deve-se ajuizar a
possessória contra quem está exercendo a posse agora.

Pode Santino alegar em defesa que ele é terceiro de boa-


fé e que ele não tinha noção do ato violento anterior do Zé Rainha
para ele conseguir êxito na sua defesa? Pode.
Normalmente, o que é fundamental em uma ação
possessória? É estudar se a posse é injusta ou se a posse é de má-
fé? Se a posse é injusta.

Normalmente a questão da boa-fé ou da má-fé é algo


irrelevante. O que interessa é se a posse é justa ou injusta.

Mas tem um caso no código civil em que é fundamental


averiguar a natureza da má-fé do ocupante pelo art. 1212.

Art. 1212, CC: “O possuidor pode intentar a ação de


esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa
esbulhada sabendo que o era”.

Só há êxito em uma ação possessória ajuizada contra um


terceiro se ele for um terceiro de má-fé. Terceiro de má-fé é aquele
que conhecia os vícios da posse.

Mas no meu exemplo o Santino foi ludibriado. Ele tinha


um justo título que dava a ele a falsa noção de que Zé Rainha era o
dono.

Então, Nelson perde porque Santino alega em defesa ser


um terceiro de boa-fé.

Existe alguma outra ação que eu posso ajuizar onde a


boa-fé do Santino não vai lhe ajudar em nada? Ação reivindicatória.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Na reivindicatória a posse do Santino não é importante


porque eu digo para o juiz que eu sou dono e que o Santino tem
posse injusta, independente de ser de boa-fé ou de má-fé.

Se eu não fosse proprietário e só fosse possuidor, eu não


teria chance contra o Santino com base no argumento de que ele é
terceiro de boa-fé.

É fundamental vocês entenderem que a base da


reintegração de posse é a existência de um esbulho.
Se por acaso o meu inquilino não quer sair do imóvel que
eu aluguei para ele, qual é a ação que eu ajuízo contra ele? Ação de
despejo. Despejo é a mesmo coisa que reintegração de posse. Só que
por uma peculiaridade tem esse nomen iuris distinto chamado
despejo.

Se alguém comprou um automóvel e parou de pagar as


prestações para o Banco Alfa, qual é a ação que o Banco Alfa ajuíza
para retomar esse automóvel? Busca e apreensão. Busca e apreensão
é a mesma coisa que reintegração de posse, mas por uma
peculiaridade recebeu o nome de busca e apreensão.

Tanto o despejo como a busca e apreensão passam a


idéia de um esbulho. Qual é o esbulho do inquilino? Precariedade.
Qual é o esbulho do cara que comprou o carro e parou de pagar?
Precariedade. Mas eles têm esses nomes específicos.

Amanhã a gente começa com manutenção de posse.

Rio, 23.11.2007 – 8ª AULA

Vocês lembram que ontem eu falei para vocês das ações


possessórias. E eu dividi as ações possessórias em 3: reintegração de
posse, manutenção de posse e o interdito proibitório. Essas são as
três ações possessórias.

A divisão que eu fiz entre essas três ações possessórias


tem como base o nível de agressão que a posse sofreu, o grau de
hostilidade que a posse sofreu.

Se você sofre esbulho, cabe a reintegração de posse, se


você sofre turbação, cabe manutenção de posse e se você sofre uma
ameaça, cabe interdito proibitório.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Só há possibilidade de alguém ajuizar uma ação


possessória se ficar comprovado que havia antes uma situação fática
de posse sendo exercida sobre a coisa.

Ou seja, não basta alguém ser proprietário para ajuizar


ação possessória. Ser proprietário isoladamente não significa nada no
mundo das ações possessórias.

Uma pessoa só tem chance de ir para frente com a ação


possessória se ficar provado que independente dela ser ou não
proprietária, ela exercia a posse como uma situação de fato e que
essa situação fática existente foi agredida.

Só é possível ajuizar ação possessória se ficar provado na


inicial que houve um ilícito contra a posse. E esse ilícito pode ser
esbulho, turbação ou ameaça.

Ontem nós já vimos que a reintegração de posse decorre


de um ato ilícito chamado esbulho. Eu contei várias histórias sobre a
reintegração de posse.

Então, eu tenho o prazer de começar a aula oficialmente


com a manutenção de posse.

A palavra chave da manutenção de posse é turbação.


Turbação é perturbação. O possuidor turbado é o possuidor
perturbado, incomodado, molestado, chateado, pentelhado.

Ou seja, possuidor turbado é aquele cara que sofre uma


agressão, mas essa agressão à posse não chega ao ponto de excluí-lo
do poder fático sobre a coisa.

Essa agressão reduz os seus poderes sobre a coisa, mas


não exclui a pessoa do poder fático sobre o bem.

Flávio, eu sou seu vizinho. No primeiro eu corto a cerca


que divide os dois terrenos e coloco o meu gado para pastar no
terreno do Flávio. No segundo dia, eu entro no seu terreno com uma
moto-serra e corto 50 árvores. No terceiro dia eu faço um buraco na
entrada da sua fazenda para você não poder entrar de carro nela.

O que eu, seu novo vizinho, sou? Juridicamente, eu sou


um turbador, pois em 3 dias seguidos eu pratiquei atos de turbação,
atos de incômodo, atos de moléstia.

194
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Mas em algum desses dias o Flávio foi excluído do poder


fático sobre o bem? Não. Em nenhum momento o Flávio foi
esbulhado. Mas a posse dele está sofrendo uma restrição.

Então, é para isso que se ajuíza uma ação de manutenção


de posse. Qual é a finalidade da manutenção de posse? É o fim da
agressão.

Notem a diferença da reintegração de posse para a


manutenção. Qual é a causa de pedir da reintegração? É uma posse
que já foi excluída. Aqui não. Aqui há uma posse que ainda é atual,
mas que está sendo incomodada.

Ou seja, na reintegração a pessoa recupera uma posse


perdida. Aqui você não quer recuperar, pois você ainda não perdeu.

Aqui você quer apenas que cessem as agressões atuais


que a posse vem sofrendo. Essa é a diferença entre a reintegração e
a manutenção.

Em uma prova de processo civil, é interessante que vocês


lembrem a diferença de intensidade entre o esbulho e a turbação.

Se um examinador perguntar se na classificação quinária


das ações de Pontes de Miranda em declaratórias, constitutivas,
condenatórias, mandamentais e executivas lato sensu, diferencie as
sentenças mandamentais das sentenças executivas.

Para vocês se mostrarem bons na prova sempre lembrem


da minha aula. Isto porque a sentença de reintegração é uma
sentença executiva e a sentença de manutenção de posse é uma
sentença com carga eficacial mandamental.

Por que dá para ver essa distinção? Na reintegração a


carga preponderante na sentença é executiva lato sensu porque
quando o juiz na sentença diz: determino que Zé Rainha saia do
imóvel em 15 dias.

É executiva lato sensu porque o juiz na sentença se


subroga na posição do devedor. Ou seja, o juiz nas sentenças
executivas não pede que o réu faça alguma coisa, ele não requer ao
devedor alguma conduta. Ele se substitui na posição do réu.

Aqui o que existe é uma coerção direta. As sentenças


executivas lato sensu são aquelas em que o provimento jurisdicional
se executa sem a necessidade de cooperação do réu.

195
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Simplesmente o juiz age com ou sem a colaboração do


devedor.

Todavia, a sentença na manutenção de posse é uma


sentença mandamental. É uma sentença mandamental porque ela
não tem um caráter e subrogação. Ela tem um caráter coercitivo. O
que o juiz está expedindo é uma ordem.

Por exemplo: Zé Rainha, não perturba mais o


Washington. Ou seja, o que ele está pedindo é um comportamento, é
uma conduta. Então não se trata de uma coerção direta. É uma
coerção indireta.

Eu estou dissuadindo você a não mais reiterar aqueles


atos turbativos que vinham até então sendo praticados.

Se a reintegração de posse e a manutenção de posse são


ações possessórias que dizem respeito a uma agressão atual, o
mesmo não acontece com o interdito proibitório.

No interdito proibitório já se consumou o ilícito


possessório ou ainda não se consumou? Não se consumou ainda o
ilícito possessório. O que há é simplesmente uma ameaça.

Há uma ameaça de que num momento muito próximo, de


que num momento iminente, as ameaças que estão sendo praticadas
contra o possuidor serão convertidas ou em uma turbação ou em
esbulho.

O justo receio do possuidor ao ajuizar o interdito


proibitório é que as ameaças que ele já está sofrendo possam
amanhã se transformar em uma turbação ou em um esbulho.

Então, uma pessoa só consegue ser feliz em uma ação de


interdito proibitório se ela provar que essas ameaças são ameaças
sérias, reais, idôneas, ou seja, o autor do interdito proibitório não
pode trazer para o juiz uma elocubração, um desvalio, uma idéia
simplesmente.

Ele tem que mostrar para o juiz concretamente que essas


ameaças são sérias, reais e graves e induzem a que em um futuro
próximo haja turbação ou esbulho.

O art. 5o, XXXV, CRFB/88 fala que não será excluída da


apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

196
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, é uma tutela inibitória, pois o autor de uma ação


de interdito proibitório quer inibir o ato ilícito porque inibindo o ato
ilícito não haverá o dano. Ele quer inibir o ato ilícito para evitar o
dano.

Então, o interdito proibitório não passa de uma tutela


inibitória que visa resguardar a sua posse para que você não tenha
futuro aborrecimento com turbação e esbulho.

Mariana, você tem uma fazenda em Pontal do


Paranapanema e está na piscina curtindo o sol. De repente você vê
que tem umas nuvens se aproximando. Depois você olha e percebe
que as nuvens se aproximaram com muita rapidez e percebe que a
chuva é para agora.

Mas quando você olha bem, aquilo não são nuvens. Na


verdade, são 84 mil sem terras com foice e martelo que estão se
aproximando da sua fazenda capitaneados por Zé Rainha.

Mariana vai ajuizar um interdito proibitório porque isso é


uma ameaça evidente e concreta de que Zé Rainha e sua turma em
breve vão converter o ato de hostilidade em uma turbação ou
esbulho.

Então, em uma ação de interdito proibitório, quando você


pede uma liminar ao juiz, essa liminar é decomposta em dois
momentos: no primeiro momento o juiz manda o Zé Rainha cessar a
ameaça, manda não concretizar a agressão. É um comando judicial.

Como Zé Rainha não tem medo de veto judicial, de


comando judicial, vem a segunda parte: caso Zé Rainha desobedeça
o veto judicial, haverá imposição de astreintes, haverá a imposição
de um preceito cominatório.

Zé rainha não tem medo de astreintes. Sabe o que


acontece? Zé Rainha concretiza a agressão e aquilo que até então era
ameaça se converte em esbulho.

Mariana terá que ajuizar uma nova ação de reintegração


de posse porque o que antes era ameaça virou esbulho?

Se vocês falarem para o examinador que ela não vai ter


que ajuizar uma nova ação ele vai dizer que conhece um princípio no
CPP chamado princípio da adstrição ou da congruência ou da
correlação que está nos arts. 128 e 460 do CPC.

197
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Esse princípio nos ensina que o juiz na hora de dar uma


decisão ele não pode ir além ou aquém do que foi pedido pelo autor
porque senão a sentença vai ser ultra, extra ou citra petita.

Então, como é que vocês dizem que não vai ter que
entrar com outra ação se mudou a causa de pedir e se mudou o
pedido? Nesse caso das ações possessórias não prevalece o princípio
da adstrição, da correlação ou da congruência porque aplica-se o
princípio da fungibilidade das ações possessórias disciplinado no art.
920 do CPC.

O princípio da fungibilidade nos ensina que uma ação


possessória pode ser convertida em outra ação possessória sem a
necessidade da propositura de uma nova demanda.

Nos mesmos autos é possível converter o pleito que era


de interdito proibitório em um pleito de manutenção de posse ou de
reintegração de posse.

A fungibilidade será admitida em duas hipóteses: a


primeira é essa que eu vos trago.
Mariana, você ajuizou um interdito proibitório. Mas deixou
de ser ameaça e virou esbulho. Neste caso, basta que ela atravesse
uma petição dentro do interdito proibitório e informe ao juiz que foi
esbulhada e peça um mandado de reintegração de posse.

O juiz vai perceber que houve alteração das


circunstâncias fáticas e entendendo que o que a Mariana falou é
verdade, ele converte a ordem de interdito proibitório em ordem de
reintegração de posse nos mesmos autos.

Então, a primeira hipótese de fungibilidade se dá quando


dentro da mesma lide possessória se dá a alteração do panorama
fático com a evolução da agressão. A ação possessória se adapta às
novas circunstâncias.

A segunda situação em que se aplica a fungibilidade se dá


quando, por exemplo, Washington sofreu um esbulho. Washington
ajuíza uma ação de manutenção de posse porque foi esbulhado.

Washington mandou muito mal, visto que se ele foi


esbulhado, ele não deveria ter ajuizado uma manutenção de posse,
mas sim uma reintegração de posse.

O juiz pode indeferir a inicial? Em regra, no processo civil,


ele indeferiria, porque ele julgaria inepta pelo art. 295, § único, IV do

198
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

CPC. Da narração dos fatos não decorreria logicamente a conclusão.


Haveria incompatibilidade entre o pedido e a causa de pedir.

Todavia, não se aplica esse raciocínio no mundo das


ações possessórias.

No mundo das ações possessórias, pela égide da


fungibilidade, o juiz irá receber não como ação de manutenção de
posse, mas sim como ação de reintegração de posse. O próprio
magistrado vai adequar a causa de pedir ao pedido.

Gente, duas observações finais sobre a fungibilidade das


ações possessórias. Primeiro, se por acaso vocês ajuízam uma
possessória, mas no fundo vocês queriam uma reivindicatória, o juiz
pode converter uma possessória em uma petitória ou uma petitória
em possessória? Não.

O âmbito da fungibilidade é restrito às possessórias entre


si. Não é possível o magistrado converter uma possessória em uma
petitória ou uma petitória em uma possessória.

Eu posso converter interdito em manutenção,


manutenção em reintegração, mas jamais possessória em petitória.

Em segundo lugar, se Mariana ajuizou uma reintegração


de posse contra o Zé Rainha, a reintegração foi julgada procedente,
transitou em julgado e depois do trânsito em julgado da reintegração
de posse, Zé Rainha pratica uma nova infração.

Pode nos autos daquela mesma ação que transitou em


julgado ser realizado novo pedido? Não. Só se pode aplicar a
fungibilidade entre as possessórias antes do trânsito em julgado.

Se transitou em julgado, vai ter que ajuizar uma nova


ação possessória. Então, essa possibilidade de intercâmbio entre uma
ação possessória pela outra pode se dar em grau recursal, o processo
pode estar na mão do relator desembargador, mas não pode ser
depois do trânsito em julgado do processo.

Eu tenho duas perguntas para ver se vocês entenderam o


interdito proibitório.

Washington eu sou o seu vizinho e te digo que você está


colocando a cerca que separa os dois terrenos no lugar errado e que
se continuar desta forma, vou entrar com uma ação no Judiciário
contra você. Washington, diante dessa ameaça você pode entrar com
o interdito proibitório?

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Não, com base no art. 153 do Código civil, visto que não
se considera ameaça o exercício normal de um direito.

Ameaça nunca é ato verbal. Ameaça é ato material.


Sempre entender ameaça como sendo ato material de ofensa à
posse.

Flávio, você é um grande compositor da música popular


brasileira. Mas tem gente que está falsificando o seu CD. Santino,
você é advogado do Flávio e você descobre que um lote de 10 mil
CD’s do Flávio será exposto a venda nas ruas do centro da cidade do
Rio.

Você pode ajuizar uma ação de interdito proibitório diante


dessa ameaça à posse dos direitos autorais de Flávio? Essa é uma
discussão bizantina do direito civil que só foi eliminada há dois anos
atrás com a edição da súmula 228 do STJ.

Essa súmula diz: é inadmissível o exercício dos interdito


proibitório para a proteção de direitos autorais.

Essa discussão é muito antiga porque havia uma dúvida


se era ou não possível posse sobre bens intangíveis.

Bens intangíveis são marcas, patentes, software, direitos


autorais etc.

Concluiu-se no direito brasileiro que só é possível posse


sobre coisas que são bens tangíveis, materiais e corpóreos.

Entendeu-se que não é possível a posse de bens


intangíveis porque a posse na teoria do Ihering é uma visibilidade do
domínio, é a exteriorização da propriedade. Então, como é que se
pode ter visibilidade sobre bens que são meras abstrações?

Como é que pode ter visibilidade sobre coisas que são


bens imateriais e que não são suscetíveis de serem apropriadas
fisicamente?
Então, prevaleceu a tese de que não cabe posse de
direitos autorais.

Rui Barbosa defendia a tese de que poderia haver ação


possessória para manter cargo público. E essa tese foi vencedora até
que entrou no lugar o mandado de segurança. Mas antes disso,
usava-se a possessória para a defesa de direitos em geral.

200
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Hoje não. Hoje a posse tem como objeto específico coisa.

Mas pode haver propriedade de bens intangíveis. Pode-se


ter propriedade imaterial, mas posse só se defere a coisas.

Art. 1210, CC: “O possuidor tem direito a ser mantido na


posse em caso de turbação, restituído no caso de esbulho e segurado
de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado”.

O art. 1210, CC faz a separação da causa de pedir das


três ações possessórias.

Na medida em que vocês já tenham visualizado o aspecto


material das ações possessórias, cumpre agora entrar em um ponto
novo, que são os aspectos procedimentais das ações possessórias.

Em sede dos aspectos procedimentais das ações


possessórias existem as ações possessórias de força nova e as ações
possessórias de força velha.

O que determina que uma ação possessória seja de força


nova ou de força velha? O prazo decadencial de ano e dia.

Essa divisão é uma divisão de procedimento, de rito.

Se por acaso um de vocês sofre uma agressão na posse e


vocês ajuízam uma ação possessória antes de ano e dia contada da
data da agressão, essa ação possessória terá qual rito? O rito de
força nova que é um rito especial, com a possibilidade da concessão
de liminar.

Mas se o Santino foi agredido na sua posse. Mas você é


lento e demora mais que ano e dia para ajuizar a ação possessória,
você ainda terá ação possessória, mas será sancionado só podendo
utilizar o rito de força velha que é o rito ordinário sem a possibilidade
de concessão de liminar.

Então, esse prazo de ano e dia é um prazo decadencial


porque se passou de ano e dia, você decai de um procedimento mais
abreviado e apenas lhe sobra um procedimento mais vagabundo que
é o ordinário.

Essa dicotomia força nova e força velha é adequada às


três ações possessórias? Não. Ela só é adequada à reintegração e à
manutenção de posse.

201
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Não existe interdito proibitório de força nova ou de força


velha. O art. 926 do CPC faz a divisão apenas no tocante à
reintegração e à manutenção de posse.

Todo interdito proibitório requer uma agressão que seja


iminente. se a agressão tem que ser iminente, como é que pode
existir um interdito proibitório de força velha? Como é que pode
existir uma agressão iminente já depois de ano e dia? É incompatível,
é inadequado.

É por isso que só a reintegração e a manutenção de posse


se adéquam a essa configuração bipartida da força nova e da força
velha.

Essa liminar que vocês ganham na ação de força nova é


uma liminar de natureza satisfativa ou cautelar? Satisfativa.

Qual é a diferença entre as liminares cautelares para as


liminares satisfativas?

As liminares cautelares são aquelas que visam garantir,


assegurar a utilidade e a eficácia de um outro processo que está em
andamento.

Não é o caso. O que nós temos aqui é uma liminar


satisfativa. Isso porque quando você pede uma liminar em ação
possessória o que você quer é uma antecipação de tutela, o que você
quer é o adiantamento da prestação jurisdicional de mérito.

O que você quer é que o magistrado lhe conceda hoje em


caráter provisório e revogável aquela decisão que ele só concederia
ao tempo da sentença.

É por isso que as liminares de natureza satisfativa são


chamadas de liminares de natureza material porque o que se quer
verdadeiramente é que a tutela seja atendida já no momento inicial
da demanda, que a tutela de mérito seja adiantada já para esse
momento inicial.

Se essa é uma liminar satisfativa, é necessário que o


possuidor agredido prove fumus boni iuris e periculum in mora? Não.
Ele só precisa provar fumus boni iuris do art. 927, CPC.

Qual é exatamente esse juízo de previsibilidade que ele


tem que trazer na inicial?

202
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O fumus boni iuris é o seguinte. O autor na ação


possessória tem que provar três coisas para o juiz: primeiro, que ele
exercia o poder de fato sobre a coisa; segundo, que ele sofreu uma
agressão e terceiro, que essa agressão se deu a menos de ano e dia.
Isso é o fumus boni iuris.

Não é necessário provar periculum in mora, pois o


periculum in mora só é necessário ser provado nas liminares de
natureza cautelar. Não nas liminares de natureza satisfastiva.

Se o possuidor trouxer prova documental (fotos


mostrando que a fazenda dele foi invadida, recorte de jornal) do art.
927, CPC, ele consegue essa liminar inaudita altera pars, sem a
necessidade da oitiva da parte contrária.

Se o autor da ação possessória não tiver prova


documental o juiz vai extinguir essa demanda? Não, o juiz vai
conceder ao autor uma segunda oportunidade, qual seja, uma
audiência de justificação.

Haverá uma audiência de justificação e nessa audiência


de justificação o autor da ação possessória irá trazer prova
testemunha, já que ele não havia conseguido prova documental
suficiente para demonstrar que a posse dele foi agredida.

O réu vai ser citado para comparecer na audiência de


justificação? Claro que o réu vai ser citado para comparecer.

O réu pode trazer as testemunhas dele? Claro que não.


Isso não é inconstitucional, isso não é violação ao contraditório.

O que acontece é que nessa audiência de justificação eu


estou ainda na fase inicial do processo possessório que é uma fase de
cognição sumária. É uma fase de cognição superficial e unilateral que
é deferida ao autor para que ele prove os requisitos do art. 927, CPC.

Então, se isso é uma fase unilateral, é claro que o réu não


pode trazer as provas dele. O contraditório vai ser diferido em uma
fase sucessiva.

E mais, se o réu pudesse trazer a prova haveria uma


inversão procedimental porque o réu só pode provar depois de ter
postulado. O réu já contestou aqui? Não. Então, se ele não contestou,
como é que ele vai provar?

203
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, o máximo que o réu, segundo o STJ, pode fazer é


contraditar a testemunha do autor. Ele pode questionar a testemunha
do autor, mas ele não pode trazer a sua prova nesse momento inicial.
Como isso aqui não é aula de processo civil, eu só estou
trazendo detalhes óbvios, eu vou fazer só mais uma pergunta:

Pergunta de aluna: inaudível. Resposta do prof.: o réu é


citado. Ele vai ser citado porque esse vai ser o comparecimento inicial
dele na demanda. Apesar de ser uma citação muito singular. Ele não
será citado para a defesa nesse momento.

É como diz na norma de execução: o réu será citado para


pagar em 24 horas. Na verdade, ele não é citado para pagar em 24
horas, ele é citado para formar a relação processual.

Se o juiz concede a liminar ou não concede a liminar na


audiência de justificação, qual é o recurso cabível contra essa
decisão? Agravo porque isso é uma decisão interlocutória. Agravo de
instrumento porque apesar da regra agora ser o agravo retido, é de
instrumento porque existe a urgência na necessidade de se revogar
essa ordem judicial.

Não vou entrar nessa parte processual, mas vocês


lembrem que há o agravo de instrumento com efeito suspensivo ou
de efeito ativo, conforme a decisão seja positiva ou seja negativa.

Como a aula é de direito civil, eu só quero perguntar o


seguinte para vocês: o juiz pode alterar a decisão dele fora da via da
liminar? Sem que a pessoa impetrasse o agravo? A posição do STF
hoje é negativa.

O juiz naquele caso se adere aos fundamentos que ele


concedeu naquela medida e ele só pode amanhã alterar a sua decisão
quando provocado pelo recurso do agravo.

Por que é que concedida ou não a liminar o processo sai


do rito especial e vai para o rito ordinário? Por que quando entra na
fase de contestação o processo passa para o rito ordinário, mesmo
tendo começado pelo rito especial?

Porque a necessidade de pressa, de celeridade judicial só


havia no sentido de saber se era caso ou não de concessão de liminar
para o autor.

Concedida ou não concedida acabou a pressa. Concedida


ou não a liminar, o processo sai do rito especial e a partir da
contestação ele vai para o rito ordinário.

204
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Santino, se você ajuíza uma ação possessória, mas você


foi lento e ajuizou depois de ano e dia, você tem uma ação de força
velha. Pode o Santino, que ajuizou ação de força velha, buscar tutela
antecipada do art. 273 do CPC para conseguir a liminar que ele não
obteve porque não é demanda de força nova?

A posição hoje majoritária na doutrina é que na demanda de


força velha é possível, à luz do art. 273, CPC, a obtenção de tutela
antecipada.

Quais são os argumentos dos processualistas? O primeiro


argumento é que os requisitos da liminar na ação de força nova não
são os mesmos requisitos da tutela antecipada do art. 273, CPC.

A tutela antecipada é independente da liminar da ação de


força nova. Essa liminar é uma liminar específica, é uma liminar
específica de tutela, enquanto o art. 273 é uma antecipação de tutela
genérica. São duas situações que não podem ser comparadas.

O segundo argumento dos processualistas é que qualquer


demanda que está no rito ordinário Não tem a possibilidade de
receber tutela antecipada? Então, por que a possessória também não
teria já que ela caiu para o rito ordinário?

Mas em prova de concurso eu dificilmente consigo


imaginar uma antecipação de tutela em uma demanda de força velha.
Basta vocês entenderem o seguinte: o que é mais fácil? Conseguir a
liminar do art. 927 do CPC ou conseguir a antecipação de tutela?

Conseguir a liminar do art. 927. Aqui, basta ter o fumus


boni iuris. Já no art. 273 eu tenho que ter um juízo de probabilidade,
de quase certeza. É muito mais grave do que o juízo de mera
possibilidade.

No art. 927 não se exige o periculum in mora. Já no art.


273, CPC exige-se o periculum in mora.

Qual vai ser o periculum in mora da pessoa que demora


mais de ano e dia para ajuizar a ação? Se houvesse periculum in
mora ele teria ajuizado ação logo depois da agressão.

Na prática, me parece quase que impossível a


antecipação de tutela diante de uma força velha.

205
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Se eu ajuízo uma ação possessória contra Flávio dizendo


que ele me esbulhou, que ele me agrediu, me colocou para fora. É
uma ação possessória.

Flávio pode chegar em defesa e dizer que não agrediu


ninguém, além de dizer que foi o Nelson que agrediu a sua posse e
ele pedir proteção possessória?

Quais são as três formas de defesa que vocês conhecem?


Contestação, reconvenção e exceção.

Quando o réu contesta, o réu deduz pretensão? Não.


Quando o réu contesta, ele não deduz pretensão.

A única forma de o réu deduzir pretensão é na


reconvenção. Art. 315, CPC.

Vocês podem me perguntar: como é que o réu irá deduzir


pretensão contra o autor? As ações possessórias não estão na regra.
São ações de natureza dúplice. Art. 922, CPC.

Quando surgem as ações de natureza dúplice no processo


civil? As ações de natureza dúplice surgem nos casos em que as
posições de autor e réu são imprecisas.

São aquelas ações em que a legitimidade ativa e a


legitimidade passiva são variáveis.

Quais são as ações dúplices mais tradicionais que vocês


conhecem? Uma ação demarcatória é uma ação dúplice? É, pois
qualquer um dos proprietários vizinhos pode demarcar. Qualquer um
pode ser autor e qualquer um pode ser réu.

Se dois condôminos querem dividir um terreno, a ação de


divisão é dúplice? É. Qualquer um dos condôminos pode ser autor e
qualquer um pode ser réu.

E o mesmo se diga das possessórias. As possessórias são


ações dúplices porque os conflitos possessórios são estáveis, ou seja,
o autor ou o réu podem se dizer possuidores da coisa. A situação
deles é uma situação marcada pela transitoriedade.

Como a posição de autor e réu são posições muito


transitórias, indeterminadas e voláteis, admite-se que o réu, que é o
Flávio chegue na contestação e deduza um pedido contraposto.

206
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Deduzir pedido contraposto é justamente a possibilidade


do réu deduzir uma pretensão contra o autor, ou seja, o réu não se
limita a defender. Ele faz o contra-ataque nos próprios autos sem a
necessidade de reconvenção.

É uma natureza dúplice porque quando o juiz der a


sentença, esta será formalmente uma, mas materialmente dúplice,
ou seja, o juiz vai dar uma sentença, mas vai julgar duas pretensões.

Primeiro o juiz vai dizer: julgo improcedente a pretensão


de Nelson contra Flávio. Em segundo lugar o juiz vai dizer: julgo
procedente o pedido contraposto de Flávio contra Nelson.

O que o réu Flávio ganha quando o juiz julga procedente


o pedido contraposto dele contra o Nelson? A sua defesa ganha
autoridade de coisa julgada.

Flávio consegue evitar o êxito do autor e a sua defesa


consegue autoridade de coisa julgada. A defesa dele agora está
coberta pelo manto da definitividade.

É por isso que as ações possessórias (art. 922, CPC) são


ações de natureza dúplice.

Mas cuidado, pois elas são ações de natureza dúplice mas


têm duplicidade limitada.

Quem estiver com o art. 922 do CPC na mão observará


que o tipo de pretensão que o réu pode deduzir em reconvenção é o
pedido de proteção possessória cumulado com indenização. São os
dois únicos pedidos que ele pode deduzir pela via dúplice.

Se o Flávio, que é o réu, na contestação fala que ele é


que quer se proteger do Nelson, ele é que quer pedir a reintegração,
quer indenização e desfazimento das construções que Nelson fez.

Se ele pede desfazimento das construções, pode ser pela


via dúplice? Não. Tem que ser pela via da reconvenção porque está
fora dos estreitos limites do art. 922 do CPC.

Por isso, lembrem-se: é uma ação dúplice, mas é uma


ação dúplice limitada até um determinado ponto previsto pelo art.
922 do CPC.

Todas essas questões que eu acabei de colocar concerne


à distinção entre as ações possessórias de força nova e as ações
possessórias de força velha.

207
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Já que vocês viram essa parte procedimental das ações


possessórias eu pergunto a vocês: vocês lembram daquele quadro
que eu fiz da divisão entre o juízo possessório (ius possessionis) e o
juízo petitório (ius possidendi).

O juízo possessório visa proteger uma posse como um


fato. A finalidade da ação possessória é preservar uma situação fática
de posse que era exercida, mas foi agredida.

A idéia do juízo petitório não era proteger a posse como


um fato, mas proteger a posse como direito. A causa de pedir era a
propriedade e a posse vinha justamente com outra noção, qual seja,
era decorrência de um direito de alguém sobre uma propriedade.

Se eu sou proprietário, eu tenho direito à posse, mas não


a posse como um fato, mas sim em razão de uma relação jurídica
emanada da propriedade.

Quando é que vocês utilizam a ação de imissão de posse


e quando é que vocês utilizam a via reivindicatória? Essas são as
duas ações petitórias mais relevantes.

Existem duas diferenças significantes. Primeira delas:


Nelson vendeu um apartamento para Washington. Washington
comprou o apartamento e o registrou no RGI.

Então, Washington é dono e quer entrar pela primeira vez


na posse. Mas o alienante Nelson continua no imóvel e diz que não
irá sair de lá. Qual é a ação que o novo proprietário tem para se
investir na posse pela primeira vez? Imissão da posse.

É a imissão porque essa ação tem duas características: é


uma ação ajuizada pelo adquirente para ter a posse pela primeira
vez.
O sujeito passivo da imissão da posse é o alienante da
coisa. Se o Washington virou dono, o que o Nelson transmitiu para
ele além da propriedade? A posse. Quando eu vendo uma coisa, eu
transfiro a propriedade e a posse.

No caso em tela, eu somente transferi a propriedade. A


posse eu quis guardar.

Então ele ajuíza a imissão de posse para consolidar os


poderes dominiais de usar e fruir da coisa. Washington já é
proprietário, e como tal tem direito à posse.

208
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Washington, você foi ao imóvel que eu te vendi e quem


estava lá era o Jarbas, o meu caseiro, que não queria sair de lá de
jeito nenhum. Que ação você tem para retirar o Jarbas de lá? A ação
de imissão de posse, já que essa ação é contra o alienante e contra
ou um detentor a ele vinculado.

Então, se é contra o Jarbas, também é imissão de posse.

Quando o Washington quis entrar pela primeira vez no


imóvel que ele acabou de comprar quem estava lá era Flávio que era
um comodatário de Nelson. Qual é a ação que o Washington, o novo
proprietário tem para tirar o Flávio do imóvel? Reintegração de posse.

Nelson tinha feito o contrato de comodato com Flávio.


Então, Nelson tinha a posse indireta e Flávio a posse direta. Nelson
transmitiu a posse indireta para Washington. E se ele é o novo dono e
tem a posse indireta, ele já pode ajuizar a ação de reintegração de
posse.

Olha o § único do art. 1267, CC: “Subentende-se a


tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto
possessório quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa
que se encontra em poder de terceiros”.

Eu te cedi a posse indireta e a possibilidade de você ter a


reintegração que é a restituição da coisa.
Quando Washington foi entrar pela primeira vez no
imóvel, Zé Rainha estava lá. Que ação Washington tem contra Zé
Rainha? Ação reivindicatória.

É a ação reivindicatória porque a reivindicatória é uma


ação que tem no pólo passivo não o alienante, mas o erga omnes. O
sujeito passivo na reivindicatória é o erga omnes, ou seja, como o
Washington é o novo proprietário e, de acordo com o art. 1228, CC,
você pode usar, gozar, dispor e haver a coisa contra quem
injustamente a possua.

Santino, você é dono deste imóvel, mas você foi embora


e o abandonou por 2 anos. Nesses 2 anos que você abandonou o
imóvel a Alessandra entrou no terreno. O Santino tem que ação para
retirar a Alessandra de seu imóvel?

Ele tem reintegração de posse? Não, pois somente há


ação possessória se você sofreu uma agressão a sua posse, ou seja,
se alguém te tirou de lá com violência, clandestinidade ou
precariedade. Não há ação possessória porque nenhuma posse foi
agredida.

209
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O Santino pode ajuizar ação reivindicatória porque a


palavra mágica da reivindicatória é reaver aposse que um dia você já
teve (art. 1228, CC).

Não necessariamente o Santino irá ganhar a


reivindicatória, mas tem direito a ela. Mas você é carecedor de ação
na reintegração de posse porque você não tem o fumus boni iuris,
qual seja, a sua posse ter sido agredida.

Felipe, você tem um apartamento no Grajaú e a Carvalho


Hosken (construtora) compra o seu apartamento porque ele trocou
esse apartamento por um novo desta construtora.

Como o prédio novo ainda não estava pronto, eles


acordaram o seguinte: Felipe iria ficar 6 meses morando no seu
apartamento e após esses 6 meses você entregaria para eles e iria
morar no novo apartamento.

No final do 6o mês o Felipe se negou a sair do imóvel.


Qual é a ação que a construtora tem para tirar o Felipe desse
apartamento? Ação de reintegração de posse.

A Carvalho Hosken já está possuindo esse apartamento


há 6 meses.

Felipe quando vendeu o apartamento colocou no contrato


a cláusula constituti, ou seja, que ele continua como comodatário do
imóvel. Isso é uma inversão do título da posse pelo qual aquele que
possuía a coisa em nome próprio passa a possuir em nome alheio.

O Felipe que possuía como proprietário passa a possuir


como comodatário. Ele passa a ter aposse direta do imóvel e a
construtora passa a ter uma posse indireta por uma relação jurídica.

Nesses 6 meses que Felipe tinha a posse direta, a sua


posse era justa. Mas se após o sexto mês ele não quer devolver, a
sua posse passa a ser injusta por precariedade. E se a sua posse é
injusta por precariedade, ele está esbulhando Carvalho Hosken e se
ele está esbulhando, cabe uma ação de reintegração de posse.

O constituto possessório é uma aquisição de posse por


ficção. Para você ser possuidor não precisa estar na coisa.
Simplesmente essa cláusula contratual – cláusula constituti – te
colocou na posição de possuidor.

210
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Nem sempre o autor da ação possessória vai ter que


demonstrar que a posse dele era uma posse no plano do fato real. Às
vezes esse fato da posse foi uma ficção, uma cláusula contratual.

O segundo e último exemplo que eu tenho antes de


avançar a aula é o seguinte: Washington, o seu pai, Sr. Paulo, é um
cara milionário. Mas Washington não gosta de dinheiro. Washington é
um monge budista e foi para o Nepal.

Você está há dez anos no Nepal quando recebe a notícia


que o seu pai morreu no Brasil.

Após um tempo, você resolve voltar para o Brasil para ver


o que o seu pai deixou de herança, para conhecer as fazendas que o
seu pai deixou em Goiás.

Quando você chega lá alguns anos após a morte do seu


pai, quem estava lá? Zé Rainha.

Washington, que nunca na vida colocou as mãos na


fazenda do seu pai, que ação ele tem para tirar o Zé Rainha de lá?
Ação de reintegração de posse.

Ele tem reintegração de posse pelo princípio de Saisine,


ou seja, quando uma pessoa morre, automaticamente transmite para
os herdeiros a propriedade e a posse dos seus bens.

Esse é outro exemplo de posse adquirida por ficção.

Está correto também quem penso em reivindicatória,


visto que por sucessão ele não adquiriu somente a posse, mas
também a propriedade. E cabe a reivindicatória porque o réu é o erga
omnes, o réu é o Zé Rainha.

É isso que as provas da PGE, PGM, Defensoria querem, ou


seja, que vocês saibam concatenar a mensagem teórica que eu
passei para vocês com o mundo prático.

Vamos estudar agora a chamada função social da posse.


Já estudamos a função social da propriedade nas aulas anteriores.

Em primeiro lugar, uma breve lembrança: para eu poder


falar de função social da posse eu vou lembrar o que é função social
da propriedade para ninguém confundir.

211
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O art. 5o, XXII, CRFB/88 diz que é garantido o direito de


propriedade e o inciso XXIII do art. 5o diz que a propriedade tem que
gerar a sua função social.

O que é função social da propriedade? A função social da


propriedade se materializa naqueles casos em que a pessoa tem
titularidade, tem o registro em seu nome, mas ela não concede a
este bem a destinação social que o ordenamento jurídico desejava.

Isso é uma propriedade sem função social, pois a pessoa


formalmente é proprietária, ela tem o imóvel em seu nome, mas ela
não concede a esse imóvel legitimidade e merecimento.

A pessoa do proprietário não atende às normas


urbanísticas, ambientais que dizem respeito a toda ação de função
social.

Vale dizer, ele concede utilidade individual ao bem, mas


ele frustra as expectativas metaindividuais sobre o exercício da
propriedade.

E a função social da posse? A função social da posse é um


plus em relação à função social da propriedade.

Vocês não concordam comigo que na função social da


propriedade eu estou avaliando se eu devo ou não sancionar um
proprietário inadimplente com a função social.

Ou seja, na função social da propriedade eu estou


querendo examinar se o proprietário na sua trajetória isolada
concedeu destinação social ao bem.

A função social da posse é um plus porque na função


social da posse alguém está dando função social à propriedade. Mas
esse alguém não é o proprietário, é o possuidor.

É um plus porque agora eu já não estou narrando para


vocês a trajetória isolada de um proprietário. Eu estou trazendo uma
situação de tensão entre duas pessoas: o proprietário que se
esqueceu de dar função social ao que é dele e um possuidor que
entrou lá e passou a dar a função social que o proprietário deveria ter
concedido.

Essa é a lógica da função social da posse.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

A função social da posse é uma propriedade que recebe


função social, mas não pelas mãos do proprietário, e sim através de
outra pessoa.

O que prevalece? A situação do proprietário pelo só fato


dele ser proprietário ou a certeza da situação jurídica do possuidor
que não é proprietário, mas que concedeu função social?

É claro que não existem respostas prontas, pois isso é


uma tensão entre direitos fundamentais. Isso é uma situação de
balanceamento, de colisão.

Então, é claro que não existem respostas a priori. Isso é


uma questão de proporcionalidade.

O legislador trouxe três hipóteses claras de ponderação


na função social da posse.

Numa questão de concurso eu quero que vocês digam que


existem três aplicações legislativas do princípio da função social da
posse. Em uma delas eu serei mais rápido e nas outras duas serei
mais demorado. Serei mais rápido naquelas que vocês já estudaram
comigo.

A primeira função social da posse se encontra na


chamada usucapião dos arts. 1238 e 1242, CC. A função social da
posse está na usucapião ordinária e na usucapião extraordinária.

Quando uma pessoa é possuidora e quer usucapir, o que


vai fazer variar o prazo de 15 ou de 10 anos? A função social da
posse.

Se um possuidor ficou possuindo o imóvel, mas ele cercou


o terreno, vigiou o terreno, tomar conta, ele irá usucapir em 10 ou
em 15 anos? Em 15 anos.

Mas se além desses atos de posse ordinária ele der


moradia ou realizar investimentos econômicos no bem, ele vai reduzir
o prazo de 15 para 10 anos se for usucapião extraordinária ou irá
reduzir de 10 para 5 anos se for a usucapião tabular (art. 1242, §
único, CC). Isso é uma aplicação normativa do princípio da
proporcionalidade.

A lei diz que se você for possuidor, você vai usucapir em


10 anos, mas à medida em que você for dando função social, o prazo
vai caindo para 5 anos.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Vocês entenderam porque não é função social da


propriedade, por que é da posse? É função social da posse porque eu
estou em uma situação de tensão entre o proprietário inerte e o
possuidor que concedeu função social. Isso é função social da posse.

A segunda situação de função social da posse é o art.


1210, §2o, CC que trata da vedação à exceção de propriedade.

A aula de ontem é uma excelente demonstração de


função social da posse.

O que é que o proprietário poderia fazer antes no novo


código civil quando fosse chamado como réu numa ação possessória?
O que ele poderia alegar em defesa em uma ação possessória? Ele
poderia alegar que ele era dono.

Enquanto o código civil de 1916 admitia a exceção de


propriedade, isso era uma demonstração clara de que o legislador
entendia que a propriedade era um direito superior à situação do
possuidor, que a propriedade sempre triunfava sobre a posse.

A visão de Ihering era a visão de Darwin. Ihering entendia


que assim como o homem vinha do macaco, a posse era um ser
primitivo e a propriedade era um ser visualizado sob uma ótica
contemporânea.

E se a propriedade era uma evolução sobre a posse, a


propriedade sempre tinha que triunfar sobre a posse.

Mas isso não é verdade, pois a posse não é melhor do que


a propriedade e a propriedade não é melhor do que a posse. Um não
tem nada a ver como o outro. São direitos fundamentais distintos.

A base constitucional da posse e está sendo da função


social é o direito fundamental de moradia do art. 6o da CRFB/88. É
um direito social fundamental.

Em homenagem a esse direito social fundamental de


moradia, o novo código civil fala que se vier uma ação possessória e
você Washington é o proprietário, é o réu, hoje em dia a sua
alegação em defesa de que você é o dono ajuda? Não.

Essa alegação não ajuda em nada porque no momento


em que o código civil veda a alegação de exceção de propriedade, o
recado do novo código civil é que quem vence a ação possessória é
quem estava dando função social à posse, independente dessa
pessoa ser ou não proprietária.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Não interessa quem é o proprietário. O que interessa é


manter a posição de quem estava dando ingerência sócio-econômica
à coisa.

Quem estava dando ingerência sócio-econômica? Quem


estava exercendo a posse como um fato? Quem estava dando
utilidade à coisa? Quem estava dando destinação ao bem? Quem
estava dando ao bem uma finalidade conforme a Constituição? É o
possuidor. Então, mantém-se o possuidor.

Essa é que é a razão que está por trás da vedação à


exceção a propriedade. É o prestígio da função social da posse.
A terceira situação de função social da posse é a chamada
desapropriação indireta judicial. Art. 1228, §4o, CC.

Só por uma curiosidade para quem tem o meu livro de


direitos reais, eu não falo da desapropriação indireta no instituto da
propriedade, eu falo no estudo da posse, pois isso é função social da
posse. Não é função social da propriedade.

Para falar sobre desapropriação indireta judicial eu vou


falar sobre um caso real que foi decidido pelo STJ e esse caso dá toda
base que vocês têm que ter para o entendimento da matéria.

É o famoso caso da favela Pulman lá de São Paulo. Em


1960, Flávio (vou usar um nome fictício) era dono de um grande
loteamento na periferia de São Paulo.

Mas Flávio abandonou esse loteamento e durante 20 anos


trinta famílias entraram no loteamento dele e fizeram uma favelinha
conhecida como favela Pulman.

Eles fizeram as suas casas e o município colocou


equipamentos urbanos na favela.

Depois de 20 anos Flávio voltou ao seu loteamento e viu


que tinha virado uma favela.

Ele resolve, então, ajuizar uma ação reivindicatória, visto


que ele é proprietário e ele tem direito à posse. Além do fato do art.
5o, XXII, CRFB/88 garantir o direito de propriedade.

Ele ajuizou a ação reivindicatória, mas não ganhou.

Em casa, vocês peguem o Resp no 65659 de São Paulo. O


que o STJ fez foi confirmar o voto do Desembargador José Osório.

215
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Quais foram os dois argumentos para o TJ de São Paulo


julgar improcedente a demanda reivindicatória?

Primeiro argumento: quando vocês estudam direito de


propriedade na faculdade, qual é o único exemplo que o professor dá
sobre perecimento? Ivo Pitangy tem uma ilha em Angra. Vem um
tsunami e a ilha é tragada pelo mar. Houve o perecimento da
propriedade, visto que perecendo a coisa, perece o direito.

O STJ vem com um exemplo de perecimento muito


melhor: o Flávio não pode reivindicar essa propriedade, pois a
propriedade dele pereceu visto que o loteamento dele foi tragado pela
favela. A realidade jurídica foi possuída pela realidade fática.

Segundo o STJ, esse documento que o Flávio tem, essa


escritura, esse registro é apenas uma relíquia histórica porque este
documento jamais poderia ter força maior do que a realidade criou.

A fotografia que o cartório tem desse imóvel não


corresponde à fotografia que a realidade tratou de criar nos últimos
20 anos.

Aquele loteamento é uma realidade no plano jurídico, mas


não é uma realidade no plano social. E que o Direito só pode ser
entendido como tal se ao aspecto normativo for agregado o aspecto
valorativo.

É por isso que julgou-se improcedente por esse primeiro


argumento.

O segundo argumento foi: hoje para o proprietário ajuizar


uma ação reivindicatória não basta ele ter titularidade, ele tem que
ter legitimidade. E ele só tem legitimidade se ele ostentar função
social.

E esse proprietário não ostentou função social porque ele


abandonou esse imóvel por longos anos a ponto de todas essas
famílias terem formado o seu meio de vida.

É por isso que a demanda foi julgada improcedente. E


olha a foiçada que o Tribunal ainda deu nele: “e peça indenização a
quem de direito”.

Vou ler dois extratos da decisão para vocês verem como a


coisa é séria.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

“No caso dos autos a coisa reivindicada não existe, é uma


ficção. Os lotes do terreno reivindicado não passam de abstração
jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria.
Loteamentos são realidades urbanísticas, que só existem dentro de
um contexto urbanístico. Se são tragados por uma favela
consolidada, por força de uma erosão social deixam de existir como
loteamento. A realidade concreta prepondera sobre a pseudo-
realidade jurídico cartorária. Esta não pode subsistir em razão da
perda do objeto do direito de propriedade”.

Isso não é comunismo, isso não é Karl Marx. Isso é


justamente uma aplicação concreta da desapropriação judicial
indireta.

Abram o art. 1228, § 4o, CC. Vamos começar.

Por que isso se chama desapropriação e não usucapião?


Isso se chama desapropriação porque por mais que o proprietário
perca a propriedade, ele será indenizado.

Se fosse usucapião, ele sequer seria indenizado. Então, é


uma desapropriação, ele vai perder a propriedade. É um modo de
aquisição originário da propriedade.

É judicial porque pela primeira vez no direito brasileiro


quem está desapropriando não é o Poder Legislativo e nem o Poder
Executivo, mas sim o Poder Judiciário. É o juiz que estará
desapropriando dentro do devido processo legal.

Por que indireta? Quando se dá a desapropriação indireta


no direito associativo? Primeiro o Poder público ocupa o imóvel de
vocês e depois ele te indeniza.

A mesma coisa acontece aqui. Primeiro esse pessoal


ocupa o imóvel e depois da ocupação, em um momento posterior, é
que o proprietário será indenizado. Então, isso é uma desapropriação
judicial indireta.

A desapropriação judicial indireta é constitucional? Claro


que é, pois o art. 5o, XXIV, CRFB/88 fala que a desapropriação por
interesse social se dará nas hipóteses previstas em lei.

Isso é uma nova espécie de desapropriação cuja


finalidade é satisfazer o interesse social dessas pessoas que se
estabilizaram nesse imóvel e a desapropriação por interesse social
pode ser reservada à discricionariedade do legislador que a instituiu
no art. 1228, §4o, CC.

217
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, essa é uma nova espécie de desapropriação criada


por lei. Portanto, claro que ela é constitucional.

Hoje eu vou ler 12 enunciados do CJF. Para vocês verem


como tem muita coisa no CJF sobre esse particular e o primeiro deles
é o enunciado 82 do CJF.

Enunciado 82, CJF: é constitucional a modalidade


aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4o e 5o do art. 1228.

A segunda pergunta é a seguinte: quem é que vai pagar o


Flávio? As trinta famílias ou o Poder público? A resposta é depende.
Tanto existem casos em que quem vai pagar são os próprios
possuidores e em outros casos quem pagará será o Poder público.

É claro que eu concordo com vocês que a regra geral é


que quem vai pagar vai ser o poder público.
É a regra geral porque se porventura essas famílias
pobres fossem obrigadas a indenizar o Flávio pela propriedade, seria
melhor jogar essa norma do Código civil no lixo, pois essa norma irá
perder toda a sua eficácia social porque essa gente não terá condição
econômica de indenizar o Flávio pela propriedade desapropriada.
Seria uma impossibilidade jurídica.

Ainda mais que eles já realizaram gastos de


investimentos nesse bem. Então, eles não poderiam ser castigados a
novamente pagar valores ao proprietário.

Nesse caso de famílias carentes quem vai indenizar será o


município, se for imóvel urbano e a União, se for imóvel rural.

Qual é o argumento para que a União indenize em caso


de imóvel rural e para que o município indenize em caso de imóvel
urbano? O argumento é que isso é uma desapropriação baseada no
interesse social e se o que se visa aqui é dar função social, é claro
que a iniciativa da regularização fundiária tem que ser do Poder
público.

Se é o poder público que está desapropriando, é ele que


deve indenizar. Quem desapropria é quem indeniza.

Vocês podem questionar que o poder público não está na


lide. Qual é a primeira conduta do juiz em ações como essa? Convoca
a União se for imóvel rural ou convoca o município se for imóvel
urbano.

218
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

O juiz traz a União e o município justamente para que se


faça coisa julgada perante elas para que elas sejam condenadas a
indenizar. Esse é o primeiro aspecto.

Quando é que quem vai indenizar são os próprios


possuidores? Está escrito no art. 1228, §4o, CC que tem direito a essa
desapropriação só quem é pobre? Não. Se não está falando de renda,
nem sempre é só o pobre que vai se beneficiar dessa desapropriação
indireta judicial.

Em Brasília, por exemplo, que é o local por excelência


desses conflitos, existem vários imóveis onde moram pessoas de
classe alta e classe média alta que estão fora de regularização e
essas famílias vão utilizar a desapropriação judicial e quem vai pagar
amanhã são essas pessoas que têm condições econômicas.

Deixa eu dar um exemplo para vocês entenderem bem


quando é que os possuidores vão pagar em pessoa.

Imagina que tem um terreno em Caxias e três amigos se


unem para fazer uma oficina de automóveis. Eles estão nessa oficina
há sete anos ganhando muito dinheiro com essa oficina.

Depois de sete anos o proprietário aparece e ajuíza uma


ação reivindicatória para colocar os três para fora da oficina.

Esses três podem alegar na defesa da ação reivindicatória


a desapropriação indireta judicial? Podem.

Olha os requisitos do art. 1228, §4o: são três famílias que


estão nesse terreno há mais de cinco anos e realizaram obras ou
serviços de cunho econômico. Isso já é suficiente para que o juiz
julgue improcedente a pretensão reivindicatória. As três famílias vão
ficar com a oficina e vão indenizar o proprietário pelo valor do
terreno.

Eles é que vão pagar, pois nesse caso a satisfação não é


de um interesse social ou urbanístico. É um interesse privado deles. E
se é um interesse privado, eles que paguem.

O código não fala que essa desapropriação indireta é para


fins de moradia.

Considerável número de pessoas é um conceito jurídico


indeterminado. E se esse terreno onde tem essa oficina é de 1000
m2, para um terreno deste tamanho, três famílias tendo sustento aqui
já é o suficiente para aplicar essa norma.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Então, esses conceitos jurídicos indeterminados “extensa


área” e “considerável número de pessoas” têm que ser aferidos em
cada caso concreto.

Não tem como sair com uma solução legislativa redigida a


princípio fechada. Varia de caso a caso.

O CJF entendeu o seguinte no enunciado 84: a defesa


fundada no direito de aquisição com base no interesse social deve ser
argüida pelos réus da ação reivindicatória, sendo eles próprios os
responsáveis pelo pagamento da indenização.

O enunciado 84 diz que quem deve pagar a indenização


são os próprios possuidores que se tornarão proprietários.

Eu sempre achei essa posição injusta, pois às vezes quem


deve pagar é o poder público.

Recentemente o CJF manteve parcialmente o enunciado


84 porque ele editou o enunciado 308.

Enunciado 308, CJF: a justa indenização que será paga ao


proprietário em caso de desapropriação judicial somente será
suportada pela Administração pública quando estiver no contexto das
políticas públicas de reforma agrária ou urbana em se tratando de
possuidores de baixa renda e desde que tenha havido a intervenção
do Estado nos termos da lei processual. Não sendo possuidores de
baixa renda, aplica-se o enunciado 84.

O enunciado 84 fica mantido nos casos em que os


possuidores não forem pessoas de baixa renda. Mas se forem pessoas
de baixa renda, quem vai pagar vai ser a União se for imóvel rural ou
o município se for imóvel urbano nas políticas sociais de reforma
agrária para imóvel rural e no estatuto da cidade para o imóvel
urbano.

Flávio ajuizou a reivindicatória. Os réus não se


manifestaram sobre a desapropriação indireta judicial. Pode o juiz de
ofício falar que é caso de desapropriação indireta judicial? Não pode.

A desapropriação indireta judicial tem que ser alegada em


defesa pelos possuidores. O juiz não pode nesse caso se manifestar
porque é uma questão de simples conveniência dos particulares. Eles
que aleguem que há o interesse na aquisição do bem, que há o
interesse na desapropriação. Isso é um pedido contraposto.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Os réus têm que deduzir o pedido contraposto dizendo


que a demanda deve ser julgada improcedente porque nós estamos
aqui há mais de cinco anos, é uma extensa área, nós somos um
considerável número de pessoas e realizamos um investimento
considerável.

O Flávio vai ser indenizado em dinheiro ou em títulos da


dívida pública? Em dinheiro, pois título da dívida pública é só
naquelas hipóteses constitucionais restritas de desapropriação sanção
dos arts. 182 e 184 da CRFB/88.

Como neste caso não se trata de desapropriação sanção,


ele tem que ser indenizado em dinheiro.

O §5o do art. 1228 fala que ele vai receber justa


indenização. O que é justa indenização?

Justa indenização é o valor de mercado desse imóvel?


Não, pois se ele fosse receber valor de mercado seria enriquecimento
sem causa.

Como é que uma pessoa que abandona o que é seu há


mais de cinco anos, que não dá destinação ao seu bem e os outros é
que investem no seu terreno, como é que ele vai se locupletar
ilicitamente recebendo o valor de mercado se a valorização do bem
não se debita à conduta dele, se a valorização se debita à conduta
dos que estavam possuindo o terreno?

Ele vai ser indenizado, mas a justa indenização será uma


ponderação dos interesses do proprietário com os interesses dos não
proprietários.

Podem os possuidores abater da indenização o valor que


eles gastaram com benfeitorias na coisa? Podem. Eles vão abater
com as benfeitorias que eles realizaram na coisa.

Vocês têm que perceber que o valor de mercado vai ser


de alguma forma reduzido em decorrência de gastos que essas
pessoas realizaram e que gerou valorização na coisa.

Então, a justa indenização tem que ser entendida não


como valor de mercado, mas como uma ponderação de interesses.

Isso aqui é uma desapropriação judicial indireta e ela tem


que ser alegada em defesa. Cabe desapropriação judicial indireta se
esse povo está possuindo o imóvel e o proprietário é o poder público?

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Vamos ver o enunciado 83 do CJF: Nas ações


reivindicatórias propostas pelo poder público não é aplicável o §4 o do
art. 1228 do Código civil.

A posição inicial do CJF no enunciado 83 era que se o


imóvel é público não cabe ao réu na defesa alegar desapropriação
judicial indireta.

Qual era a razão desse enunciado? Evitar uma usucapião


por uma via oblíqua. Ou seja, é possível usucapião de bem público?
Não.

Então, se fosse permitida a desapropriação judicial, o que


o Poder Judiciário estaria permitindo? Que bens públicos se
convertessem em bens particulares driblando a proibição da
usucapião.

Essa proibição só cabe se o bem público for de uso


comum do povo ou se for bem público de uso especial. Mas se for
bem público patrimonial, se for bem público dominical, que é bem
público desafetado, que não recebe destinação, é claro que os réus
podem alegar que o bem público estava abandonado e requerer a
desapropriação judicial indireta.

A boa notícia é que veio o enunciado 304 do CJF que diz o


seguinte: é aplicável à desapropriação judicial indireta as ações
relativas a bens públicos dominicais. Mantido parcialmente o
enunciado 83.

O enunciado 83 foi mantido parcialmente porque não cabe


desapropriação judicial indireta para os bens de uso comum do povo
e os de uso especial.

Esse povo entrou no imóvel e permaneceu cinco anos


nele. Quando o proprietário aparece, ao invés de ajuizar uma
reivindicatória, pode ajuizar uma reintegração de posse.

Pode-se alegar desapropriação judicial indireta em defesa


se a ação ajuizada não foi uma reivindicatória, mas sim uma
reintegração de posse? Claro que pode, do mesmo jeito.

O §4o do art. 1228, CC dá a idéia de que a desapropriação


judicial indireta só pode ser alegada em defesa em ações
reivindicatórias. Coloquem ao lado do artigo que na reintegração de
posse também pode.

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Porque se não fosse essa possibilidade plausível, o que o


proprietário faria para driblar a proibição da lei? Ele ajuizaria uma
reintegração de posse apenas para driblar essa impossibilidade.

Mas se os réus completaram cinco anos de posse com


todos os requisitos que estão no art. 1228, §4o, CC eles vão alegar
isso seja em nível de demanda reivindicatória, seja em nível de
reintegração de posse.

Flávio, se o juiz percebe que os réus na contestação


deduzem a desapropriação judicial indireta, o juiz tem que convocar o
MP? O MP deve obrigatoriamente participar dessas demandas.
Pelo art. 82, III do CPC o MP deverá intervir
obrigatoriamente nas demandas possessórias que envolvam
interesses coletivos.

Olha o que diz o enunciado 305, CJF: tendo em vista a


desapropriação indireta judicial o MP tem o poder-dever de atuar
sempre que envolva relevante interesse público determinado pela
natureza dos bens jurídicos envolvidos.

Quem entra nessa ação é o Estado, o MP e órgãos


ambientais. Órgãos ambientais devem entrar nessa ação porque às
vezes quem ocupou o imóvel está destruindo o meio ambiente.
Então, não é legítimo conceder propriedade a eles se eles estão
ofendendo a função social ambiental dos bens.

Nesse sentido há o enunciado 307 do CJF que diz o


seguinte: é obrigatória a intervenção de órgãos públicos competentes
para licenciamento ambiental e urbanístico.

Se vocês são juízes e percebem que todos os requisitos


do art. 1228, §4o estão presentes, vocês irão julgar improcedente a
reivindicatória. Enquanto o proprietário não for pago a propriedade
pode passar para o nome dos possuidores? Não pode.

A propriedade só pode passar para a nova titularidade


quando o proprietário for indenizado.

Enquanto o proprietário não for indenizado os possuidores


ficam com a situação provisória deles mantida, mas a titularidade
requer que o proprietário seja indenizado.

Caso contrário, seria confisco. Para que haja segurança


jurídica, vamos indenizar o proprietário e posteriormente haverá a
mudança da titularidade.

223
DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

Olha o enunciado 311 do CJF: caso o proprietário não seja


pago e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito,
estará autorizada a expedição de mandado para registro de
propriedade em favor dos possuidores.
O enunciado 311 diz que o proprietário tem que ser
indenizado, mas tem que ser indenizado dentro do prazo prescricional
que é o prazo prescricional de 10 anos.

Se em dez anos ele não for indenizado, prescreveu e os


possuidores passam a ter a propriedade independente de qualquer
indenização.

Quais são as sete diferenças entre a desapropriação


judicial indireta e a usucapião coletiva? Essa pergunta já caiu no MPF,
na Magistratura de Minas Gerais e no MP de São Paulo.

A primeira é a seguinte: a desapropriação gera


indenização e a usucapião é gratuita.

A segunda diferença é que a usucapião coletiva exige


moradia de cinco anos da coletividade. Já na desapropriação indireta
não precisa ter moradia, pode ser para trabalho.

A terceira diferença é que a usucapião coletiva é somente


para pessoas de baixa renda. Já a desapropriação judicial indireta
pode ser para pobre, rico ou classe média. Não tem um
favorecimento específico.

A quarta diferença é que a desapropriação judicial indireta


não exige um máximo de metragem do terreno. Já a usucapião
coletiva exige o máximo de 250 m2 para cada possuidor.

A quinta diferença é que quando a pessoa quer a


usucapião coletiva, ela não pode ter a titularidade de outro imóvel,
mas na desapropriação judicial indireta ele pode ter outros imóveis.

A sexta diferença é que na desapropriação judicial indireta


a pessoa não precisa ter animus domini. Já na usucapião coletiva a
pessoa precisa ter animus domini.

Se por acaso o Washington tem um terreno abandonado e


ele arrendou para 20 famílias. Essas 20 famílias durante oito anos
cultivaram arroz neste terreno.

Quando você ajuizar a sua reivindicatória de volta, eles


poderão pedir a desapropriação judicial indireta desde que eles te

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DIREITOS REAIS – PROF: NELSON ROSENVALD - 2007

indenizem pelo bem. Não tinham animus domini, mas podem pedir a
desapropriação.

A sétima diferença é que para ter a usucapião coletiva


não precisa ter boa-fé. Basta ter animus domini. Já para ter
desapropriação judicial indireta o possuidor tem que ter boa-fé.

Se a desapropriação judicial exige boa-fé, ela nunca vai


existir na verdade, pois 99% dos casos de ocupação de imóveis os
possuidores sabem que o imóvel não é deles.

Eu sempre entendi que onde está escrito boa-fé no §4o do


art. 1228, CC, essa boa-fé não é para ser entendida como boa-fé. É
para ser entendida como não sendo posse injusta.

Isso quer dizer que essa boa-fé significa que esses caras
que estão na posse da coisa há cinco anos não entraram lá por
violência, clandestinidade ou precariedade. Eles entraram lá porque o
bem estava abandonado.

Esse entendimento foi adotado pelo CJF no enunciado


309: os conceitos de posse e de boa-fé de que trata o art. 1201 do
CC não se aplicam ao §4o do art. 1228, CC.

O conceito de boa-fé do art. 1201, que é a ignorância do


vício, não é o conceito de boa-fé do art. 1228, §4 o. O conceito de
boa-fé do art. 1228, §4o é o de alguém que tenha entrado no bem
sem que a posse seja injusta.

São três as situações de função social da posse: na


usucapião a redução de prazo, a vedação da exceção de propriedade
e a desapropriação judicial indireta que é uma tensão entre
propriedade e posse e irão prevalecer os possuidores, desde que eles
tenham cinco anos, extensa área, boa-fé e desde que tenham dado
uma destinação econômica.

Então, essas são as situações ponderáveis de função


social da posse. Muito obrigado.

FIM

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