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Professora: Ana Carla P. Silva
A diferença entre ver e olhar é tanto uma Ver é imediato, olhar é mediado. A O olhar diz-nos que não temos o objeto e, É natural que venhamos a desenvolver uma
distinção semântica que se torna importante em imediaticidade do ver torna-o um evento todavia, nos dispõe no esforço de reconstituí-lo. relação de mercadoria com os objetos
nossos sofisticados jogos de linguagem, objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha O olhar nos faz perder o objeto que visto visualizáveis e visíveis. O olhar implica, de sua
tomados da tarefa de compreender a condição um fantasma. Vemos televisão, enquanto parecia capturado. Para que reconstituí-lo? parte, o invisível do objeto: a coisa. Ele nos
humana – e, nela, especialmente as artes –, olhamos uma paisagem, uma pintura. Para realmente captura-lo. Mas essa captura lança na experiência metafísica. Desarvora-nos
quanto um lugar comum de nossa experiência. que se dá no olhar é dialética: perder e a perspectiva, perturba-nos. Por isso o
Basta pensar um pouco e a diferença das A lentidão é do olhar, a rapidez é própria ao ver. reencontrar são os momentos tensos no jogo da evitamos. Todavia, ainda que a mediação
palavras, uma diferença de significantes, pode O olhar é feito de mediações próprias à visão. Há, entretanto, ainda outro motivo para implicada no olhar faça dele um acontecimento
revelar uma diferença em nossos gestos, ações temporalidade. Ele sempre se dá no tempo, buscar reconstruir o objeto do olhar: para não esparso, pois o olhar exige que se passeie na
e comportamentos. Nossa cultura visual é vasta mesmo que nos remeta a um além do tempo. perder além do objeto, eu mesmo, que nasço, imagem e esse passear na imagem traça a
e rica, entretanto, estamos submetidos a um Ver, todavia, não nos dá a medida de nenhuma com o sujeito, do objeto que contemplo – correspondência ao que não é visto, é o olhar
mundo de imagens que muitas vezes não temporalidade, tal o modo instantâneo com que construo enquanto contemplo. Olhar é também que nos devolve ao objeto – mas não nos
entendemos e, por isso, podemos dizer que o realizamos. Ver não nos faz pensar, ver nos uma questão de sobrevivência. Ver, por sua devolve o objeto - não sem antes dar-nos sua
vemos e não vemos, olhamos e não olhamos. choca ou nem sequer nos atinge. As mediações vez, nos liberta de saber e pode nos libertar de presença angustiada.
O tema ver-olhar – antigo como a filosofia e a do olhar, por sua vez, colocam-no no registro do ser. Se o olhar precisa do pensamento e ver
arte – torna-se cada vez mais fundamental no corpo: no olhar – ao olhar - vejo algo, mas já abdica dele, podemos dizer que o sujeito que O olhar está, em se tratando do uso filosófico
mundo das artes e estas o território por vitimado por tudo o que atrapalha minha olha existe, enquanto que o sujeito que vê, não do conceito, ligado à contemplação, termo que
excelência de seu exercício. Mas se as artes atenção retirando-a da espécie sintética do ver necessariamente existe. Penso, logo existo: usamos para traduzir a expressão Theorein, o
nos ensinam a ver / olhar, é porque nos e registrando-a num gesto analítico que m e faz olho, logo existo. Eis um a formulação para ato do pensamento de teor contemplativo, ou
possibilitam camuflagens e ocultamentos. passear por entre estilhaços e fragmentos a nosso problema. seja, o pensar que se dá no gesto primeiro da
Só podemos ver quando aprendemos que algo compor – em algum momento – um todo. atenção às coisas até a visão das ideias tal
Mas se não existo pelo ver, não estou implicado
não está à m ostra e podemos sabê-lo. O olhar mostra que não é fácil ver e que é como se vê na filosofia platônica. Paul Valéry
por ele nem à vida, nem à morte. Ver nos
Portanto, para ver / olhar, é preciso pensar. preciso ver, ainda que pareça impossível, pois disse que uma obra de arte deveria nos ensinar
distancia da morte, olhar nos relaciona a ela.
Ver está implicado ao sentido físico da visão. no olhar o objeto visto aparece em seus O saber que advém do olhar é sempre uma que não vimos aquilo que vemos. Que ver é
Costumamos, todavia, usar a expressão olhar estilhaços de ser e só com muito custo é que se informação sobre a morte. A morte é a imagem. não ver. Dirá Lacan: ver é perder. Perder algo
para afirmar uma outra complexidade do ver. recupera para ele a síntese que nos possibilita A imagem é, antes, a morte. Ver não m e diz do objeto, algo do que contemplamos, por que
Quando chamo alguém para olhar algo espero reconstruir o objeto. É como se depois de ver nada sobre a morte, é apenas um primeiro jamais podemos contemplar o todo. O que se
dele um a atenção estética, demorada e fosse necessário olhar, para então, novamente momento. Ver é um nascimento, é primeiro. O mostra só se mostra por que não o vemos.
contemplativa, enquanto ao esperar que alguém ver. Há, assim, uma dinâmica, um movimento - olhar é a ruminação do ver: sua experiência Neste processo está implicado o que podemos
veja algo, a expectativa se dirige à visualização, podemos dizer - um ritmo em um processo de alongada no tempo e no espaço e que, por isso, chamar o silêncio da visão: abrimo-nos à
ainda que curiosa, sem que se espere dele o olhar / ver. Ver e olhar se complementam, são nos instaura em outra consistência de ser. Por experiência do olhar no momento em que o
aspecto contemplativo. Ver é reto, olhar é dois movimentos do mesmo gesto que envolve isso, nossa cultura hipervisual dirige-se ao objeto nos impede de ver. Uma obra de arte
sinuoso. Ver é sintético, olhar é analítico. sensibilidade e atenção. avanço das tecnologias do ver, mas não do olhar. não nos deixa ver. Ela nos faz pensar. Então,
olhamos para ela e vemos.
Artigo originalmente publicado pelo Jornal do Margs, edição 103 (setembro/outubro). http://www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos