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Um Homem-Povo não morre porque constitui uin.

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unidade indestrutível. Abel Djassi (nome de Anmlcai
Cabral na clandestinidade) era um Homem-Povo ()•.
colonialistas assassinaram o Homem mas o Povo il.i
Guiné-Bissau continuou em luta e alcançou o '
mais nobre objetivo: a Independência Nacional.

"A mais brilhante manifestação de civilização e cultui i


não será dada por um povo que pega em arma; I>.M
defender a sua pátria, o seu direito à vida, ao progtfv.n
ao trabalho e à felicidade?" (Amílcar Cabral)

AMÍLCAR
CABRAL
CARLOS COMITINI

A ARMA
DA TEORIA
EDITORA CODECRI
m
Um Homem-Povo não morre
jamais porque constitui uma unida-
de indestrutível. Abel Djassi (nome
de Amílcar Cabral na clandesti-
nidade) era um Homem-Povo. Os
colonialistas assassinaram o Homem AMÍLCAR
mas o Povo da Guiné-Bissau con-
tinuou em luta e alcançou o seu
CABRAL
mais nobre objetivo: a Indepen- CARLOS COMITINI
dência Nacional da Guiné-Bissau.
Amílcar-Homem, filho, irmão,
esposo, pai, engenheiro-agrônomo;
A ARMA
Amílcar-Povo, poeta, combatente, DA TEORIA
máximo dirigente do Partido Afri-
cano da Independência da Gui-
né e Cabo Verde, um dos pais da
Pátria Africana. Amílcar Cabral,
revolucionário.
O primeiro artigo desta obra
reproduz o discurso pronunciado
por Amílcar, em nome dos povos
e organizações nacionalistas das
ex-colònias portuguesas na Africa,
na I Conferência de Solidariedade
dos Povos da África, Ásia e Amé-
rica-Latina (A Tricontinental de
Havana, Cuba), durante a sessão
plenária de 6 de janeiro de 1966.
As linhas mestras do pensamento
do autor estão contidas nesse céle-
bre discurso: domínio imperialista,
história e força motriz da história,
alavanca social da luta de li-
bertação.
Em A Cultura Nacional, confe-
rência na Universidade de Sy-
racusa, Estados Unidos, em 20 de
fevereiro de 1970 [primeiro ani-
COLEÇÀO T E R C E I R O MUNDO - V O L 04

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hisi Editora Codecri Ltda.
Rua Saint Roman, 142 — Copacabana
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Tel.: 287-5799
ber 22.071 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

rênc Editor
racL Jaguar
feve Arte
Douné / Rafa / Ziraldo
Gerente Editoriel CODECRI
Alfredo Gonçalves
R i o de J a n e i r o
Coordenação Editorial 1980
Glauco de Oliveira
A M Í L C A R C A B R A L - A A R M A DA T E O R I A
© 1980 Carlos Comitini

Direitos reservados desta edição à


Editora Codecri.

É vedada a reprodução total ou parcial desta obra


sem a prévia autorização da editora.

Capa
Ferdy Carneiro
Revisão
Márcia Rodrigues
Sumário
Diagramação /Arte-Final
Luiz Alberto Escòssia
Impressão
Cap. I
Sedegra S . A . , Gráficos e Editores
R u a Matipó, 101/115 A m í l c a r Cabral e sua obra 7
R i o de Janeiro — R J
C a p . II t,
O t e s t a m e n t o p o l í t i c o de A m í l c a r C a b r a l

Cap. Ill

A s s a s s i n a t o de A m í l c a r C a b r a l 77

Cap. IV

A a r m a da t e o r i a ( A m í l c a r C a b r a l ) 21

Cap. V
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R J . A cultura nacional ( A m í l c a r Cabral) 5,

C117 Amílcar Cabral : a arma da teoria / Coordenação [de] Carie*


Bibliografia 93
Comitini. — Rio de Janeiro : Codecri, 1980.
(Coleção Terceiro Mundo ; v. n. 4)

Bibliografia

1. Cabral, Amílcar, 1924-1973 2. Guiné-Bissau - Histó-


ria I. Comitini, Carlos 1. Título II. Título: A Arma de teoria III
Série

B
C D D — 923.26652
966.52
C D U - 92, Cabral, Amílcar
80-0283 966.52
Capítulo I

Amílcar Cabral e sua obra

A m í l c a r C a b r a l nasceu e m 1 2 d e S e t e m b r o de 1 9 2 4 e m
7

Bafatá (Guiné-Bissau). É e s t u d a n t e d o L i c e u de São V i c e n t e


(ilhas de C a b o V e r d e ) , q u a n d o c o m e ç a a a f i r m a r o seu c o m p o r -
t a m e n t o de r o t u r a c o m a p o l í t i c a a s s i m i l a c i o n i s t a praticada pelo
governo c o l o n i a l português. A p ó s a s u a chegada a L i s b o a e m
1 9 4 5 , data e m q u e inicia o s e s t u d o s universitários no Instituto
S u p e r i o r de A g r o n o m i a , m a n i f e s t a u m a grande preocupação e m
integrar-se nas c o r r e n t e s de p e n s a m e n t o p o l í t i c o e c u l t u r a l q u e
e n t ã o agitavam o m u n d o . T r a d u z essa preocupação p a r t i c i p a n d o
na c a m p a n h a pela p a z , n o s m o v i m e n t o s d a j u v e n t u d e progressis-
ta e s o b r e t u d o n o l a n ç a m e n t o das bases para a conscientização
dos estudantes a f r i c a n o s .
No p e r í o d o de férias de 1 9 4 9 , dirige u m p r o g r a m a c u l t u r a l
d a rádio e m C a b o V e r d e (na praia) o q u a l t e m considerável reper-
cussão <:in t o d o s os meios sociais das ilhas, a tal p o n t o q u e as a u -
toridades c o l o n i a i s p r o í b e m a s u a d i f u s ã o .
E m L i s b o a , Portugal, A m í l c a r e u m g r u p o d e c o m p a n h e i r o s ,
•--•i " d a n t e s a f r i c a n o s originários das colónias q u e m a n t i n h a esse
i> i l i a v a m várias lutas no sentido de r e e n c o n t r a r e m as suas
africanas e de a d o t a r e m e m c o n j u n t o o s m e i o s a d e q u a d o s
iln • n m h a t e c o n t r a o c o l o n i a l i s m o , é nesta perspectiva q u e p r o c u
• um («vitalizar a " C a s a D ' Á f r i c a " e a n i m a m algumas iniciativas
• " H u f l i l na " C a s a d o s E s t u d a n t e s d o I m p é r i o " .
« riam e m 1 9 5 1 o " C e n t r o de E s t u d o s A f r i c a n o s " q u e , pela
i i ç a o do seu programa de " r e a f r i c a n i z a ç ã o d o s e s p í r i t o s " ,
i c t u m a notável influência na f u t u r a constituição d o s organis-
m o ! p o l í t i c o s unitários.
J u l h o : A m í l c a r escreve u m i m p o r t a n t e R e l a t ó r i o , análise geral d a
N o t e r m o d o s seus e s t u d o s , A m í l c a r t r a b a l h a c o m o investi-
m a r c h a d a luta do P A I G C e das características e taras do c o l o n i a -
gador na Estação A g r o n ó m i c a de L i s b o a - o q u e lhe permite
lismo português, c o m o n o m e de " R a p p o r t G e n e r a l " ( R e l a t ó r i o
a p r o f u n d a r o s seus c o n h e c i m e n t o s sobre a situação d o povo por-
Geral).
tuguês. Regressa ao seu país natal e a í põe o seu saber tecnológi-
c o de e n g e n h e i r o - a g r ô n o m o ao serviço d a análise das realidades
d o s guineenses. F a z o r e c e n s e a m e n t o agrícola da G u i n é . C r i a o 1 9 6 2 - J u n h o : o P A I G C apresenta-se pela primeira vez diante das
C l u b D e s p o r t i v o l o c a l , interditado e m 1 9 5 4 pelo governo l o c a l . Nações U n i d a s c o m u m t r a b a l h o p r o f u n d o de análise e c r í t i c a ao
O b r i g a d o pela c o n j u n t u r a p o l í t i c a repressiva a d e i x a r G u i n é o n d e c o l o n i a l i s m o e d e defesa d o s interesses do p o v o na G u i n é e C a b o
só lhe é p e r m i t i d o p e r m a n e c e r u m a vez por a n o , alarga a s u a V e r d e , intitulado " O p o v o d a G u i n é perante as Nações U n i d a s " ,
experiência c o n c r e t a de luta c o n t r a a d o m i n a ç ã o c o l o n i a l : parti- da a u t o r i a de A m í l c a r C a b r a l .
c i p a n o m e a d a m e n t e na eclosão d o s m o v i m e n t o s nacionalistas de
A n g o l a , e n q u a n t o realiza t r a b a l h o s agronómicos sobre a c u l t u r a 1 9 6 3 - J a n e i r o : D e a c o r d o c o m a decisão do P A I G C , é d e s e n c a -
d o algodão e d a cana-de-açúcar. deada a luta a r m a d a , no d i a 2 3 .

E m 1 9 de S e t e m b r o de 1 9 5 6 , A m í l c a r C a b r a l e c i n c o d o s 1 9 6 4 - A m í l c a r C a b r a l dirige o 1 ? C o n g r e s s o d o P A I G C , e m C a s -
seus p r i m e i r o s c a m a r a d a s f u n d a m e m B i s s a u , o P A I G C (Partido sacá, nas regiões libertadas ao S u l , q u e o p e r o u u m a m u d a n ç a de-
A f r i c a n o da I n d e p e n d ê n c i a da G u i n é e C a b o V e r d e ) . U m a n o cisiva na m a r c h a d a luta ( 1 3 a 1 7 d e F e v e r e i r o ) .
m a i s t a r d e , ele t e m a iniciativa d a " R e u n i ã o d e c o n s u l t a e e s t u d o M a i o : A m í l c a r p a r t i c i p a e m T r e v i g l i o ( I t á l i a ) , n u m S e m i n á r i o or-
para o d e s e n v o l v i m e n t o d a luta nas colónias p o r t u g u e s a s " realiza- ganizado pelo C e n t r o F r a n z F a n o n de M i l ã o , c u j o t e m a d e dis-
d a e m Paris. Desse e n c o n t r o nasce c l a n d e s t i n a m e n t e e m L i s b o a , cussão é " A luta das classes e x p l o r a d a s pela sua e m a n c i p a ç ã o n o s
n o M A C (Movimento Anti-Colonialista). países s u b d e s e n v o l v i d o s d o m i n a d o s pelo i m p e r i a l i s m o " . A s u a
intervenção suscita e n o r m e interesse e m t o d o o m u n d o e é a m p l a -
I m e d i a t a m e n t e após o massacre de P i d j i g u i t i , e m 3 de
mente divulgada e m diversos países sendo o p r i m e i r o t e x t o d e
A g o s t o de 1 9 5 9 , regressa a Bissau onde preside e m 1 9 d e S e t e m - análise p r o f u n d a d a e s t r u t u r a social d a G u i n é .
bro a histórica r e u n i ã o d o P A I G C q u e d e c i d e a m o b i l i z a ç ã o prio-
e , ritária das massas c a m p o n e s a s .
1 9 6 5 - A m í l c a r escreve " A s palavras de O r d e m " q u e é o mais cé-
ru P a r t i c i p a , e m J a n e i r o de 1 9 6 0 , na C o n f e r ê n c i a d o s P o v o s lebre d o c u m e n t o d o P A I G C , n o q u a l se i n d i c a m as n o r m a s a se-
d< A f r i c a n o s , e m T u n i s e e m J u n h o d o m e s m o a n o d i u r n a conferên- Mlil na ação revolucionária a levar a c a b o e m G u i n é e e m C a b o
<
ri c i a de i m p r e n s a e m L o n d r e s , e m n o m e d o s povos e m luta c o n t r a Verde, em todos os domínios.
H i o c o l o n i a l i s m o l u s i t a n o . Neste a n o é p u b l i c a d o e m L o n d r e s , o fo-
P'' lheto " F a c t o s a c e r c a das colónias a f r i c a n a s d e P o r t u g a l " , de s u a 1 8 6 6 - J a n e i r o : Dirige a delegação do P A I G C à reunião e m H a -
A í a u t o r i a , sob o c o d i n o m e A b e l Djassi. E s t e t r a b a l h o serviu d e vana ( C u b a ) , q u e c r i o u a " O r g a n i z a ç ã o de S o l i d a r i e d a d e d o s
d c texto à 1? Conferência Internacional denunciando o colonialismo Povos da Ásia, A f r i c a e A m é r i c a L a t i n a " ( T r i c o n t i n e n t a l ) , na q u a l
jj! -1 português. f a i u m a intervenção q u e foi m u i t o d i s c u t i d a n o m u n d o e alta-
a ,a No m e s m o p e r í o d o i n c l u s i v e , começa a f u n c i o n a r e m G u i n é - miinte apreciada. E s s a intervenção é c o n s i d e r a d a , e m geral, c o m o
bei C o n a k r y o S e c r e t a r i a d o G e r a l do P a r t i d o s o b a c h e f i a de A m í l c a r uma c o n t r i b u i ç ã o teórica original n o p l a n o h i s t ó r i c o - f i l o s ó f i c o ,
Cabral. • <iue respeita à análise da m a r c h a d a luta d o s m o v i m e n t o s de
rên i l a ç ã o nacional e m Á f r i c a e d o s f u n d a m e n t o s e o b j e t i v o s da
rac lui.i
1 9 6 1 - A b r i l : t e m lugar a " C o n f e r ê n c i a das Organizações N a c i o -
fev
nalistas das Colónias P o r t u g u e s a s " ( C O N C P ) , criada e m R a b a t ,
1968 — Os crimes dos colonialistas portugueses, denuncia
Marrocos da qual A m í l c a r é u m dos principais promotores e on-
A m í l c a r perante a Comissão d o s D i r e i t o s do H o m e m na O N U .
de d e s e m p e n h a d u r a n t e u m d a d o espaço de t e m p o as funções
de P r e s i d e n t e , e m representação de t o d o s o s m o v i m e n t o s das co-
1 8 8 8 - J a n e i r o : Realiza-se a C o n f e r ê n c i a d e K a r t u m (Sudão) de
lónias lusitanas.

9
8

• a ^
S o l i d a r i e d a d e para c o m o s p o v o s das colónias portuguesas, a q u a l sempre considerou o h o m e m c o m o o valor supremo do U n i v e r s o " .
serve d e base à preparação d a C o n f e r ê n c i a d e R o m a . N e s t a , A m í l - J u n h o : T e m lugar a C o n f e r ê n c i a de R o m a de S o l i d a r i e d a d e para
car d e s e m p e n h a u m papel f u n d a m e n t a l e d e c i s i v o . c o m o s povos das colónias portuguesas, o n d e 1 7 1 organizações
A b r i l : N o v a d e n ú n c i a d e A m í l c a r c o n t r a o s p o r t u g u e s e s , perante n a c i o n a i s e i n t e r n a c i o n a i s , r e p r e s e n t a n d o 6 4 países, e s t u d a r a m e
a Comissão d c s D i r e i t o s do H o m e m na O N U . estabeleceram o s m e i o s de desenvolver a solidariedade p o l í t i c a ,
Novembro: Efetua-se e m Guiné-Conakry, um importante Semi- m o r a l e material à luta d o s p o v o s a f r i c a n o s c o n t r a o c o l o n i a l i s -
nário de Q u a d r o s , n o q u a l p a r t i c i p a m várias dezenas de q u a d r o s m o português. E s t a reunião foi a mais i m p o r t a n t e do a n o e repre-
p o l í t i c o s e m i l i t a r e s , s o b r e o s p r o b l e m a s f u n d a m e n t a i s da vida e s e n t o u u m a grande derrota d o s portugueses n o plano interna-
d a luta d o P A I G C . c i o n a l . A i n d a , nessa a l t u r a , o P a p a P a u l o V I r e c e b e u o s dirigentes
D e z e m b r o : O r g a n i z a d o por R i c h a r d H a n d y s i d e e p u b l i c a d o pelas d o P A I G C , F R E L I M O e M P L A ( M o v i m e n t o P o p u l a r peia L i b e r -
Edições S A T A G E 1 , a p a r e c e e m L o n d r e s , Inglaterra, u m a seleção tação de A n g o l a ) . A m í l c a r r e s p o n d e u a o Papa e m n o m e t a m b é m
de A g o s t i n h o N e t o e de S a m o r a M a c h e l .
de t e x t o s e d i s c u r s o s d o Secretário G e r a l do P A I G C .

1 9 7 0 — J a n e i r o : A edi+ora " F r a n ç o i s M a s p e r o " p u b l i c a o livro d e 1 9 7 1 — A b r i l : Pela v o z de C a b r a l , o P A I G C d e n u n c i a a situação


A m í l c a r " O P o d e r das A r m a s " , na s u a coleção " C a h i e r s L i b r e s " de f o m e nas ilhas d e C a b o V e r d e , e m E s t o c o l m o (Suécia) e lança
n ? 162. u m a p e l o à s o l i d a r i e d a d e i n t e r n a c i o n a l para u m a a j u d a c o n c r e t a e
' Fevereiro: A convite da Universidade de Siracusa (Estados Uni- urgente ao povo c a b o v e r d e n s e ; pede à O N U , e ao seu Secretário
< dos) A m í l c a r dá u m a conferência n u m a reunião especial organiza- G e r a l , U T h a n t , para q u e t o m e m e d i d a s exigidas pela situação.
d a e m h o m e n a g e m à m e m ó r i a d o D r . E d u a r d o M o n d l a n e , Presi- J u n h o : A m í l c a r fala e m n o m e d o s M o v i m e n t o s de L i b e r t a ç ã o
d e n t e da F R E L I M O ( F r e n t e de L i b e r t a ç ã o de M o ç a m b i q u e ) , co- africanos, na sessão de e n c e r r a m e n t o d a V I M ? C o n f e r ê n c i a d o s
varde e t r a i ç o e i r a m e n t e assassinado pelos c o l o n i a l i s t a s . A esta C h e f e s d e E s t a d o e d e G o v e r n o s d a Organização d a U n i d a d e A f r i -
conferência, c u j o t e m a era " L i b e r t a ç ã o N a c i o n a l e C u l t u r a " assis- cana ( O U A ) , realizada e m A d d i s - A b e b a , E t i ó p i a . O c h e f e do
t i r a m e m i n e n t e s personalidades universitárias vindas d e diversos P A I G C d e c l a r o u n a q u e l a c i m e i r a : " H á pessoas o u c o m b a t e n t e s
p o n t o s d o s E s t a d o s U n i d o s e d o C a n a d á e u m grande n ú m e r o d e q u e d e s e s p e r a m , m a s o s povos n u n c a d e s e s p e r a m . E necessário
representantes das organizações a m e r i c a n a s q u e se interessam c o n f i a r nos povos e nós, c o m b a t e n t e s d a liberdade a f r i c a n a , nós
pelos p r o b l e m a s d a Á f r i c a . N e s t a ocasião, A m í l c a r C a b r a l profe- q u e e s t a m o s p r o n t o s para m o r r e r e v i m o s c a m a r a d a s t o m b a r ao
riu t a m b é m u m a conferência sobre a luta do P A I G C e m N o v a nosso l a d o , nós não t e m o s q u a l q u e r razão para não acreditar no
j
r I o r q u e , na sede d a s Nações U n i d a s , e e m W a s h i n g t o n , p e r a n t e a destino da Á f r i c a , na c a p a c i d a d e de q u a l q u e r q u e seja o povo
H Comissão d o s Negócios E s t r a n g e i r o s d o C o n g r e s s o A m e r i c a n o , africano d e se libertar t o t a l m e n t e d o jugo c o l o n i a l e racista e de
pi à q u e seguiu u m a n i m a d o d e b a t e . t o m a r nas suas m ã o s o seu d e s t i n o , c o m o vós próprios o f i z e s t e s " .
A O m e s m o C o n g r e s s o a m e r i c a n o e d i t o u mais tarde u m a b r o c h u r a Naquela o p o r t u n i d a d e , A m í l c a r e n c o n t r o u - s e c o m o I m p e r a d o r
Haile Selassie, d a E t i ó p i a , M o k t a r O u l d D a d d a h , d a M a u r i t â n i a ,
d( c o n t e n d o a exposição d e A m í l c a r C a b r a l e o debate q u e e n t ã o
L e o p o l d S e d a r S e n g h o r , d o S e n e g a l , D a v i d D i a w a r a , da G â m b i a e
br teve lugar.
K e n e t h K a u n d a , da Z â m b i a .
W A b r i l : E m M o s c o u , U n i ã o S o v i é t i c a , c o m b a t e n t e s do P A I G C
a l < p a r t i c i p a m a o lado d e o u t r o s p a r t i d o s e m o v i m e n t o s de libertação >sto: Realiza-se a reunião do C o n s e l h o S u p e r i o r d a L u t a ( C S L ) ,
n a c i o n a l , na grande festa da c o m e m o r a ç ã o do centenário de órgão s u p r e m o do P a r t i d o e n t r e d o i s C o n g r e s s o s , s o b a presidência
L e n i n e , por m e i o d o seu S e c r e t a r i o - G e r a l . N a q u e l a o p o r t u n i d a d e : de A m í l c a r .
A m í l c a r disse: " C o m o u m ser h u m a n o integral, L e n i n e s o u b e
J a < a m a r e o d i a r . A m a r a c a u s a d a libertação d o h o m e m d e t o d a s O u t u b r o : O Secretário G e r a l d o P A I G C visita s u c e s s i v a m e n t e
espécies d e opressão, a a v e n t u r a m a r a v i l h o s a q u e é a vida h u m a n a , H e l s í n q u i a , L o n d r e s e D u b l i n , e n c o n t r a - s e c o m dirigentes s i n d i c a
t u d o o q u e há d e belo e d e c o n s t r u t i v o s o b r e o planeta. O d i a r o s listas britânicos e dá u m a conferência na C â m a r a d o s C o m u n s . A
inimigos d o progresso e d a felicidade d o h o m e m , o inimigo de imprensa britânica e a B B C dão a m a i o r c o b e r t u r a à visita. I n c l u -
classe, o s o p o r t u n i s t a s , a c o v a r d i a , a m e n t i r a , t o d o s o s fatores d e sive na Finlândia foi r e c e b i d o pelo Presidente d a R e p ú b l i c a — o
a v i l t a m e n t o d a consciência social e m o r a l d o h o m e m . P o r q u e ele q u e a c o n t e c i a pela p r i m e i r a vez a u m representante de u m movi-

10 11
m e n t o d e libertação — e p e l o M i n i s t r o d o s Negócios E s t r a n g e i r o s .
T u d o isto se t r a d u z i u e m e s t r o n d o s a s vitórias do P A I G C .
Capítulo II
1 9 7 2 — F e v e r e i r o : A m í l c a r C a b r a l , f a l a n d o na 1 6 3 ? sessão d o
" o n s e l h o de Segurança da O N U , realizada pela primeira vez e m
Á f r i c a , e m A d d i s - A b e b a ( E t i ó p i a ) , renova o c o n v i t e à A s s e m b l e i a O testamento político
d a s Nações U n i d a s para q u e e n v i e u m a delegação à Guiné-Bissau,
a f i m d e c o n h e c e r a realidade d o P A I G C .
de Amílcar Cabral
A b r i l : G r a n d e v i t ó r i a do P A I G C . U m a comissão especial das Na-
ções U n i d a s visita as regiões libertadas na G u i n é . *
J u n h o : Mais u m a r e u n i ã o c i m e i r a d a O U A , e m R a b a t ( M a r r o c o s ) .
A m í l c a r C a b r a l é c o n v i d a d o a falar diante d o s C h e f e s de E s t a d o
a f r i c a n o s , e m n o m e d o s m o v i m e n t o s de libertação desse C o n t i -
nente.
J u l h o : O t r a b a l h o d e A m í l c a r C a b r a l i n t i t u l a d o " S o b r e o Papel da
C u l t u r a na L u t a ' pela I n d e p e n d ê n c i a " é a p r e s e n t a d o n u m a reu-
nião d e p e r i t o s s o b r e as noções d e raça, i d e n t i d a d e e d i g n i d a d e , A situação e s t a b e l e c i d a n a G u i n é (Bissau) d e p o i s d e 1 9 6 8 e
realizada e m Paris pela U N E S C O , e para a q u a l o Secretário G e r a l os resultados d a luta de libertação n a c i o n a l encabeçada pelo povo
do P A I G C foi u m a das 2 0 personalidades c o n v i d a d a s . deste país — s o b a direção d o P A I G C — são comparáveis às d e u m
S e t e m b r o : A m í l c a r dirige a delegação d o P A I G C aos seguintes E s t a d o i n d e p e n d e n t e o n d e u m a parte d o t e r r i t ó r i o n a c i o n a l , n o -
países: C h i n a , J a p ã o e C o r e i a . E n c o n t r a - s e c o m S h i a n o u k , c h e f e t a d a m e n t e o s c e n t r o s u r b a n o s , é o c u p a d a por forças militares es-
de E s t a d o d e C a m b o j a e c o m K i m II S u n g , presidente da C o r e i a trangeiras.
do Norte. A s d e z e n a s d e o b s e r v a d o r e s i n s u s p e i t o s , d e várias n a c i o n a l i -
O u t u b r o : P e r a n t e a I V Comissão d a A s s e m b l e i a d a O N U , A m í l c a r dades e diversas profissões p u d e r a m visitar nosso país por vonta-
e m n o m e d o povo da G u i n é e C a b o V e r d e , é o p r i m e i r o represen- d e própria o u c o n v i d a d o s por nós e f i z e r a m relatos irrefutáveis
t a n t e de u m povo e m luta a usar a palavra na q u a l i d a d e d e obser- (verbais, e s c r i t o s , f o t o g r a f a d o s e f i l m a d o s ) s o b r e a situação preva-
v a d o r . A s u a b r i l h a n t e intervenção é a l t a m e n t e a p r e c i a d a pela lecente; vastas regiões libertadas d o jugo c o l o n i a l e u m a nova ex-
Comissão, q u e t o m a a decisão de a r e p r o d u z i r , na íntegra, nos re- periência p o l í t i c o - a d m i n i s t r a t i v a , e c o n ó m i c a , s o c i a l e c u l t u r a l e m
latórios da sessão. A m í l c a r é e n t ã o r e c e b i d o pelas mais altas indi- d e s e n v o l v i m e n t o nessas áreas, u m a v e z q u e a s forças patrióticas,
vidualidades: o Secreta rio-Geral da O N U , o Presidente da Assem- apoiadas pela p o p u l a ç ã o , l u t a m c o m sucesso c o n t r a o s c o l o n i a l i s -
b l e i a G e r a l , o Comissário-Geral A d j u n t o da Comissão de T u t e l a e tas para alcançar a libertação do país.
o Presidente d o C o m i t é d e Descolonização. Mais r e c e n t e m e n t e , e m A b r i l d e 1 9 7 2 , u m a Missão E s p e c i a l
das Nações U n i d a s , c o m p o s t a de representantes de três E s t a d o s
1 9 7 3 — J a n e i r o : N o d i a 2 0 , A m í l c a r C a b r a l é b a r b a r a m e n t e assas- m e m b r o s d a organização e c u m p r i n d o o m a n d a d o d a A s s e m b l e i a
sinado na G u i n é - C o n a k r y , por agentes d o c o l o n i a l i s m o português G e r a l desta e n t i d a d e , v i s i t o u as regiões libertadas d o nosso p a í s ,
infiltrados n o P A I G C , e a o m a n d o do general A n t o n i o S p í n o l a , onde p e r m a n e c e r a m por u m a s e m a n a . Pelas conclusões q u e a
nesse m o m e n t o g o v e r n a d o r c o l o n i a l d a Guiné-Bissau. Missão E s p e c i a l p ô d e t i r a r d e s t a visita de i m p o r t â n c i a histórica
foi possível c o n s t a t a r o seguinte: " Q u e a luta p e l a libertação d o
t e r r i t ó r i o c o n t i n u a a progredir e q u e Portugal não e x e r c e m a i s
n e n h u m c o n t r o l e a d m i n i s t r a t i v o sobre as vastas z o n a s d a G u i n é
(Bissau) é u m f a t o incontestável. . . S e n d o e v i d e n t e t a m b é m q u e
as populações das z o n a s libertadas s u s t e n t a m , s e m reservas, a po-
A Missão compunha-se de Horácio Sevilha Borja (Equador), na qualidade de
lítica e a s atividades d o m o v i m e n t o d e libertação, P A I G C , o q u a l .
presidente, Folke Lofgren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunís.a).

13
12
após nove a n o s d e luta a r m a d a , e x e r c e nessas regiões u m c o n t r o l e Isto f o i , c e r t a m e n t e , u m a c o n t e c i m e n t o n o v o , se não u m a
a d m i n i s t r a t i v o livre e d e f a t o e protege e f e t i v a m e n t e o s interesses nova experiência d e n t r o do q u a d r o d a luta d o s p o v o s p o r sua li-
d o s h a b i t a n t e s a p e s a r d a presença p o r t u g u e s a " . bertação da d o m i n a ç ã o i m p e r i a l i s t a . . . A c o n t e c i m e n t o realizado
T a l situação c o m p o r t a u m a c o n t r a d i ç ã o q u e , f a c e à a t i t u d e d e a c o r d o c o m a m o r a l i n t e r n a c i o n a l d e nossos dias, c o m a C a r t a
c r i m i n a l d o governo de L i s b o a , o q u a l i n t e n s i f i c o u essa guerra e as Resoluções das Nações U n i d a s .
c o l o n i a l de g e n o c í d i o c o n t r a o s d i r e i t o s l e g í t i m o s d o nosso povo
A A s s e m b l e i a N a c i o n a l do nosso p o v o e m G u i n é (Bissau)
à a u t o d e t e r m i n a ç ã o , à i n d e p e n d ê n c i a e a o progresso, d i f i c u l t a n d o terá sua primeira sessão e m 1 9 7 3 * no nosso país, assim q u e o s
a m a r c h a d a l u t a , r e p r e s e n t a u m entrave â plena manifestação d a preparativos para esse evento f o r e m f i n a l i z a d o s .
p e r s o n a l i d a d e d e nossa nação a f r i c a n a , forjada na luta. E l a desenvolverá logo a primeira missão histórica q u e lhe é
d e s t i n a d a : a p r o c l a m a ç ã o d o nosso E s t a d o N a c i o n a l , a p r o m u l g a -
ção da C o n s t i t u i ç ã o e a criação d o s órgãos e x e c u t i v o s c o r r e s p o n -
DECISÃO HISTÓRICA dentes.
Far-se-ão públicos o s resultados das eleições gerais e n o s s o
Para resolver esta c o n t r a d i ç ã o e para responder à exigência objetivo será i n f o r m a r a o p i n i ã o pública m u n d i a l e t o d a s as ins-
de u m a m a i s a m p l a e efetiva participação d o p o v o , a d i r e ç ã o na- tâncias n a c i o n a i s e i n t e r n a c i o n a i s a respeito desse i m p o r t a n t e
c i o n a l d o partido d e p o i s d e vários d e b a t e s , o p t o u pela criação, a c o n t e c i m e n t o histórico d a luta d o n o s s o p o v o .
m e d i a n t e eleições gerais livres e d e m o c r á t i c a s , d e u m a A s s e m - T e r e m o s nesse m o m e n t o r e a f i r m a d a a c e r t e z a d a vitória de
b l e i a N a c i o n a l P o p u l a r — a p r i m e i r a d a nossa história — a q u a l , nosso p o v o c o n t r a os retrógrados c o l o n i a l i s t a s portugueses. R e a -
e m s u a q u a l i d a d e de órgão s u p r e m o d a soberania d o povo será f i r m a m o s , igualmente, nossa c o n f i a n ç a n o a p o i o , s e m reservas
c h a m a d a a p r o c l a m a r a existência de u m E s t a d o N a c i o n a l e m morais e p o l í t i c a s , d o s E s t a d o s i n d e p e n d e n t e s d a Á f r i c a e de
G u i n é ( B i s s a u ) , a adotar u m e x e c u t i v o e a p r o m u l g a r u m a C o n s t i - todas as o u t r a s forças a n t i - c o l o n i a l i s t a s e anti-racistas d o s diversos
t u i ç ã o para nossa nação a f r i c a n a . c o n t i n e n t e s , às decisões q u e serão t o m a d a s e m nossa A s s e m b l e i a
É d e s t a m a n e i r a q u e a reunião d o C o m i t é S u p e r i o r d a L u t a N a c i o n a l P o p u l a r , à j u s t a c a u s a d a i n d e p e n d ê n c i a e a o progresso
( C S L ) , r e a l i z a d a d e 9 a 1 7 d e A g o s t o d e 1 9 7 1 * d e c i d e , por acla- de nosso P o v o .
m a ç ã o , q u e o partido deveria i m e d i a t a m e n t e t o m a r todas as me-
didas necessárias para efetuar e m 1 9 7 2 , nas regiõe libertadas, as 8 de Janeiro de 1 9 7 3
eleições gerais, e m sufrágio universal e s e c r e t o , pela c o n s t i t u i ç ã o Por u m C o n s e l h o S u p e r i o r d a L u t a
da primeira Assembleia Nacional Popular ( A N P ) em Guiné Amílcar Cabral.
( B i s s a u ) . C o m base nesta decisão histórica foi d e f i n i d o o processo
e o m é t o d o a seguir para a e s c o l h a d o s c a n d i d a t o s à A N P — nor-
mas p u b l i c a d a s n u m d o c u m e n t o i n t i t u l a d o " B a s e para criação d a
P r i m e i r a A s s e m b l e i a N a c i o n a l P o p u l a r d a G u i n é " , o q u a l foi apro-
vado pela reunião d o C o m i t é E x e c u t i v o da L u t a ( C E L ) , e m D e -
zembro de 1 9 7 1 .
O i t o meses d e p o i s ( J a n e i r o a A g o s t o ) d e u m a intensa c a m -
p a n h a d e i n f o r m a ç ã o , debates e discussões t a n t o nos o r g a n i s m o s
de base d o partido c o m o e m c o m í c i o s , as eleições f o r a m levadas
a . c a b o do f i m d e A g o s t o a 1 4 d e O u t u b r o , e m t o d a s as regiões
libertadas.

23-24 de Setembro: reunião da Primeira Assembleia Nacional Popular da Guiné-


PNMli *m Madina Boé.

Reunião do Conselho Superior da luta que adota a decisão de proclamar o novo 24 da Setembro, 8h 55 TMG: proclamação do Estado da Guiné-Bissau. Luiz Ca
ttUito presidente do Conselho de Estado.
Estado Independente da Guiné-Bissau.

14
Capítulo III

Assassinato de Amílcar Cabral

O d e s p a c h o da agência f r a n c e s a de n o t í c i a s A F P d i z i a , às 1 7
horas do dia 2 1 de j a n e i r o d e 1 9 7 3 :

21.1.
BULETIN ASSASSINAT CABRAL

M. S E K O U T O U R E , P R E S I D E N T D E L A R E P U B L I Q U E D E
G U I N E E A A N N O N C E C E T A P R E S M I D I Q U E M. A M Í L C A R
CABRAL, S E C R E T A I R E G E N E R A L DU PARTI A F R I C A I N
DE L I N D E P E N D A N C E POUR L A GUINEE BISSAO E T L E S
ILES DU CAP V E R T (PAIGC) " A E T E L A C H E M E N T E T
H O R R I B L E M E N T A S S A S S I N E H I E R , S A M E D I , A 22.30,
D E V A N T SA PROPRE MAISON, PAR L E S MAINS
EMPOISONNEES DE L'IMPERIALISME ET DU
COLONIALISME PORTUGUAIS
FIN A F P

S á b a d o , 2 0 de j a n e i r o , às 2 0 h o r a s , o P A I G C t e m u m a reu-
nião c o m u m a delegação da F R E L I M O ( F r e n t e de L i b e r t a ç ã o de
M o ç a m b i q u e ) dirigida p e l o presidente deste m o v i m e n t o , S a m o r a
Machel. O m o t i v o do e n c o n t r o foi i n t e r c a m b i a r p o n t o s de vista
sobre a f o r m a de c o o r d e n a r o a c i o n a r c o m u m c o n t r a o c o l o n i a -
lismo português.
Após a r e u n i ã o , A m í l c a r C a b r a l segue para u m a recepção na
e m b a i x a d a da P o l ó n i a . A s 2 2 h o r a s e 1 5 m i n u t o s , d e i x a o lugar e

17
dirige-se a seu d o m i c í l i o , s i t u a d o a 4 k m da e m b a i x a d a , chegan-
d o a í às 2 2 . 3 0 h s . T u d o está e m c a l m a d e n t r o d a casa. A n a , a es- O u t r o , entre os detidos, Lansana Bang, declarou, inclusive,
posa d o l í d e r , e n c o n t r a - s e na sala c o m seus f i l h o s . O Secretário q u e " o s imperialistas p r e p a r a v a m u m p l a n o d e agressão c o n t r a a
G e r a l do P A I G C e s t a c i o n a s u a v i a t u r a . N o m o m e n t o de entrar na República de G u i n é , T a n z â n i a e Z â m b i a " . D e n t r o desse e s q u e m a
casa é assaltado por u m g r u p o de n a c i o n a l i s t a s . A m í l c a r luta de- eles d e v i a m f o m e n t a r d e s o r d e n s d e n t r o d o s países c i t a d o s a favor
sesperadamente até que é assassinado por Inocêncio K a n i * . S e u d a ação subversiva e t i n h a m q u e infiltrar se n o P A I G C ,
FRELIMO eMPLA.
adjunto, Aristides Pereira, e outros quatro que o acompanhavam
são a m a r r a d o s e t r a n s f e r i d o s a b o r d o de u m a l a n c h a . T u d o isto para quê? O s c o l o n i a l i s t a s p o d e r i a m assassinar
Amílcar Cabral o u Eduardo Mondlane, mas nunca conseguiriam
C o n s u m a d o o c r i m e , I n o c ê n c i o K a n i liga por telefone ao
a c a b a r c o m o s p o v o s d e M o ç a m b i q u e , A n g o l a , São T o m é e P r í n -
e m b a i x a d o r de C u b a , O s c a r O r a m o s O l i v a , i n f o r m a n d o - o q u e s e u c i p e , C a b o V e r d e e Guiné-Bissau; p o v o s e m c u j a s veias c o r r e o
amigo A m í l c a r teve u m p r o b l e m a e s o l i c i t a n d o - l h e q u e o assista. sangue q u e a n t e s d e m a i s n a d a j á t i n h a g a n h o a liberdade. E a
A casa d e O l i v a situava-se a 3 0 0 m e t r o s de o n d e estava se c o n s u - prova disso é o s e g u i n t e :
m a n d o o assassinato e , c o m o este t i n h a o u v i d o a d e t o n a ç ã o d e
d i s p a r o s , c o m u n i c a - s e , u r g e n t e m e n t e , c o m o Presidente d a R e p ú -
blica d a G u i n é , S e k o u T o u r é . I n d e p e n d ê n c i a d a Guiné-Bissau — 2 4 d e S e t e m b r o d e 1 9 7 3
Independência de Angola — 11 de Novembro de 1 9 7 5
E s t e , p o r sua v e z , e n t r a e m c o n t a t o t e l e f ó n i c o c o m a direção
Independência d e M o ç a m b i q u e — 2 5 d e J u n h o d e 1 9 7 5
d o P o r t o e dá a o r d e m de interditar t o d o s o s n a v i o s , e nesse mo- Independência de São T o m é e P r í n c i p e — 1 2 d e J u l h o d e 1 9 7 5
m e n t o f o i i n f o r m a d o de q u e d u a s lanchas d o P A I G C t i n h a m re- Independência d e C a b o V e r d e — 5 d e J u l h o d e 1 9 7 5
c e b i d o a u t o r i z a ç ã o para d e i x a r o P o r t o , e m horas d a m a n h ã .
Destes m e s m o s veículos d e s e m b a r c a r i a m logo e m C o n a k r y
os assassinos de A m í l c a r e o s c o m b a t e n t e s d o P A I G C , sequestra-
d o s por eles.

OS ASSASSINOS ^

O s c r i m i n o s o s a c a b a r a m c o m a vida de A m í l c a r , mas horas


após ter sido c o n s u m a d o o bárbaro assassinato f o r a m c a p t u r a d o s .
U m d o s d e p o i m e n t o s mais i m p o r t a n t e s f o i f e i t o pelo o r g a n i z a d o r
do a t e n t a d o . Ioda Nagbogna, c o n h e c i d o pelo c o d i n o m e de B a t i a .
E s t e c o n f e s s o u q u e as a u t o r i d a d e s portuguesas t i n h a m - l h e
p r o m e t i d o : " P o r t u g a l estava prestes a dar a o s negros da G u i n é -
Bissau a independência, c o m a condição d e q u e : o P A I G C seja ex-
t e r m i n a d o ; t o d o s os c a b o v e r d e a n o s sejam e x c l u í d o s de t o d o
m o v i m e n t o n a c i o n a l i s t a pois Portugal p r e t e n d e conservar as ilhas
de C a b o V e r d e , que c o n s t i t u e m , para ele e seus a l i a d o s , u m a base
estratégica de i m p o r t â n c i a c a p i t a l " . O s guineenses de Bissau deve-
riam desprender-se de t o d o s o s c a b o v e r d e a n o s pois Portugal
" c o n s t i t u i r i a u m g o v e r n o " nas ilhas d e C a b o V e r d e e as suas for-
ças militares e s t a c i o n a d a s a í d a r i a m t o d a cooperação " a o s negros
d a Guiné-Bissau para assegurar-lhes a p r o t e ç ã o " .

I. Kani tinha sido comandante da marinha do P A I G C , afastado do cargo por fal-


tas graves.

18

19
Capítulo IV

A arma da teoria

Amílcar Cabral

I. F u n d a m e n t o s e objetivos da libertação n a c i o n a l e m relação


c o m a e s t r u t u r a social

O s povos e as organizações nacionalistas d e A n g o l a , C a b o V e r -


de, G u i n é , M o ç a m b i q u e e São T o m é e P r í n c i p e m a n d a r a m as suas
delegações a esta C o n f e r ê n c i a por d u a s razões p r i n c i p a i s : primei-
ro, porque q u e r e m o s estar presentes e t o m a r parte a t i v a neste
a c o n t e c i m e n t o t r a n s c e n d e n t e d a H i s t ó r i a da H u m a n i d a d e ; segun-
d o , porque era nosso dever p o l í t i c o e m o r a l trazer a o p o v o c u b a -
no, neste m o m e n t o d u p l a m e n t e histórico — 7 ? aniversário d a re-
volução e primeira C o n f e r ê n c i a T r i c o n t i n e n t a l — u m a p r o v a c o n -
creta d a nossa solidariedade f r a t e r n a l e c o m b a t i v a .
P e r m i t a m - m e p o r t a n t o , q u e , e m n o m e d o s nossos povos e m
luta e e m n o m e d o s m i l i t a n t e s de c a d a u m a das nossas organiza-
ções n a c i o n a i s , e n d e r e c e as m a i s c a l o r o s a s felicitações e saudações
fraternais a o povo desta Ilha T r o p i c a l , pelo 7 . aniversário do
t r i u n f o d a s u a r e v o l u ç ã o , pela realização desta C o n f e r ê n c i a na s u a
bela e hospitaleira c a p i t a l e pelos sucessos q u e t e m s a b i d o a l c a n -
çar n o c a m i n h o d a construção d u m a vida n o v a q u e t e m c o m o
objetivo essencial a plena realização das aspirações à liberdade, à
paz, a o progresso e à j u s t i ç a social de t o d o s o s c u b a n o s . S a ú d o
em particular o C o m i t é C e n t r a l d o P a r t i d o C o m u n i s t a C u b a n o , o
G o v e r n o R e v o l u c i o n á r i o e o seu líder e x e m p l a r — o C o m a n d a n -
te F i d e l C a s t r o — a q u e m e x p r i m o o s nossos v o t o s de sucessos
c o n t í n u o s e de longa vida ao serviço da Pátria C u b a n a , d o pro-
gresso e da f e l i c i d a d e d o seu p o v o , a o serviço d a H u m a n i d a d e .

21

1 *
S e a l g u m o u alguns d e nós, a o chegar a C u b a , t r a z i a n o s e u es- minoria insignificante, m u i t o s c u b a n o s não c o m u n g a r a m nas ale-
p í r i t o a l g u m a d ú v i d a sobre o e n r a i z a m e n t o , a f o r ç a , o a m a d u r e - is e esperanças das festas d o sétimo aniversário, p o r q u e são
c i m e n t o e a vitalidade d a R e v o l u ç ã o C u b a n a , essa d ú v i d a foi des- M I I I I I . I a Revolução. Nós l e m b r a m o s q u e é possível q u e vários

t r u í d a pelo q u e já t i v e m o s ocasião d e ver. U m a c e r t e z a inabalável • • l i n o s não estejam presentes nas c o m e m o r a ç õ e s d o p r ó x i m o a n i -


a c a l e n t a o s nossos corações e e n c o r a j a - n o s nesta luta d i f í c i l m a s irio, m a s q u e r e m o s a f i r m a r q u e i n t e r p r e t a m o s a p o l í t i c a da
gloriosa c o n t r a o inimigo c o m u m : n e n h u m a f o r ç a d o m u n d o será i m i t a aberta para a saída d o s i n i m i g o s d a R e v o l u ç ã o " c o m o u m a
c a p a z de destruir a R e v o l u ç ã o C u b a n a , q u e , n o s c a m p o s e nas c i - lição de c o r a g e m , de d e t e r m i n a ç ã o , de h u m a n i s m o e d e c o n f i a n ç a
d a d e s , está c r i a n d o não só u m a v i d a n o v a , m a s t a m b é m — o q u e é no p o v o , c o m o mais u m a v i t ó r i a p o l í t i c a e m o r a l sobre o inimigo.
mais importante — u m H o m e m novo, plenamente consciente dos E garantimos àqueles q u e , d u m p o n t o d e vista a m i g o , se p r e o c u -
seus d i r e i t o s e deveres n a c i o n a i s , c o n t i n e n t a i s e i n t e r n a c i o n a i s . p a m c o m o s perigos q u e essa saída possa representar, q u e nós, os
E m t o d o s o s c a m p o s da sua a t i v i d a d e , o p o v o c u b a n o r e a l i z o u povos d o s países a f r i c a n o s a i n d a p a r c i a l m e n t e o u t o t a l m e n t e d o -
minados pelo c o l o n i a l i s m o português, e s t a m o s p r o n t o s para m a n -
progressos i m p o r t a n t e s n o s ú l t i m o s sete a n o s , e m p a r t i c u l a r no
dar para C u b a t a n t o s h o m e n s e m u l h e r e s q u a n t o s sejam necessá-
a n o f i n d o — o A n o d a A g r i c u l t u r a . E s s e s progressos estão paten-
i I O S para c o m p e n s a r a saída d a q u e l e s q u e , por razões de classe o u
tes t a n t o na realidade material e q u o t i d i a n a c o m o n o h o m e m e n a
d e inadaptação, t ê m interesses e a t i t u d e s i n c o m p a t í v e i s c o m o s
m u l h e r c u b a n o s , na c o n f i a n ç a t r a n q u i l a d o s e u o l h a r f a c e a u m
interesses do p o v o c u b a n o .
m u n d o e m efervescência, o n d e as contradições e a s ameaças, m a s
t a m b é m a s esperanças e as c e r t e z a s , atingiram u m nível n u n c a R e p e t i n d o o c a m i n h o o u t r o r a d o l o r o s o e trágico d o s nossos
antes igualado.» antepassados ( n o m e a d a m e n t e da G u i n é e A n g o l a ) q u e f o r a m
D o q u e já v i m o s e e s t a m o s a aprender e m C u b a , q u e r e m o s re- transplantados para C u b a c o m o escravos, v i r e m o s hoje c o m o
ferir aqui u m a lição singular na q u a l nos parece estar u m d o s se- h o m e n s livres, c o m o t r a b a l h a d o r e s c o n s c i e n t e s e c o m o patriotas
gredos, se não o segredo, d a q u i l o a q u e m u i t o s não h e s i t a r i a m e m c u b a n o s , para e x e r c e r u m a atividade p r o d u t i v a nesta s o c i e d a d e
c h a m a r " o milagre c u b a n o " : a c o m u n h ã o , a i d e n t i f i c a ç ã o , o sin- nova, j u s t a e m u l t i r r a c i a l ; para a j u d a r a d e f e n d e r c o m o nosso san-
c r o n i s m o , a c o n f i a n ç a r e c í p r o c a e a f i d e l i d a d e entre as massas po- gue as c o n q u i s t a s d o p o v o de C u b a . Mas v i r e m o s t a m b é m para re-
pulares e o s seus dirigentes. Q u e m assistiu às grandiosas manifes- forçar t a n t o o s laços históricos, d e sangue e d e c u l t u r a q u e u n e m
tações destes ú l t i m o s d i a s e , e m p a r t i c u l a r , , a o discurso do C o - os nossos p o v o s a o p o v o c u b a n o , c o m o essa desconcentração m á -
m a n d a n t e F i d e l C a s t r o no a t o c o m e m o r a t i t o d o 7 ? aniversário, gica, essa alegria visceral e esse r i t m o c o n t a g i o s o q u e f a z e m da
terá m e d i d o , c o m o nós, e m t o d a a s u a g r a n d e z a , o caráter especí- construção d o s o c i a l i s m o e m C u b a u m f e n ó m e n o n o v o à face d o
f i c o — t a l v e z d e c i s i v o — deste f a t o r p r i m o r d i a l d o sucesso d a R e - m u n d o , u m a c o n t e c i m e n t o ú n i c o e, para m u i t o s , insólito.
v o l u ç ã o C u b a n a . M o b i l i z a n d o , o r g a n i z a n d o e e d u c a n d o politica-
mente o povo, mantendo-o e m permanente conhecimento dos N ã o v a m o s u t i l i z a r esta t r i b u n a para d i z e r m a l d o imperialis-
p r o b l e m a s n a c i o n a i s e i n t e r n a c i o n a i s q u e interessam a s u a v i d a , m o . D i z u m d i t a d o a f r i c a n o m u i t o c o r r e n t e n a s nossas t e r r a s —
e levando-o a participar na solução desses p r o b l e m a s , a vanguarda onde o fogo é ainda u m i n s t r u m e n t o i m p o r t a n t e e u m amigo trai-
da R e v o l u ç ã o C u b a n a , q u e c e d o c o m p r e e n d e u o caráter i n d i s p e n - çoeiro — o q u e p r o v a o estado de s u b d e s e n v o l v i m e n t o e m q u e
sável da existência d i n â m i c a d u m P a r t i d o f o r t e e u n i d o , s o u b e nos vai d e i x a r o c o l o n i a l i s m o — d i z esse d i t a d o q u e " q u a n d o a
não só interpretar j u s t a m e n t e a s condições o b j e t i v a s e as exigên- tua p a l h o t a a r d e , d e nada serve t o c a r o t a m - t a m " . A d i m e n s ã o
cias específicas d o m e i o , m a s t a m b é m f o r j a r a m a i s p o d e r o s a das t r i c o n t i n e n t a l , isso q u e r d i z e r q u e não é g r i t a n d o nem a t i r a n d o
a r m a s para a d e f e s a , a segurança e a garantia da c o n t i n u i d a d e d a palavras feias faladas ou escritas c o n t r a o i m p e r i a l i s m o , q u e
R e v o l u ç ã o : a consciência revolucionária das massas p o p u l a r e s vamos c o . seguir l i q u i d á - l o . Para nós, o pior o u o m e l h o r m a l q u e
q u e , c o m o se sabe, não é n e m n u n c a foi espontânea e m parte al- se p o d e d i z e r d o i m p e r i a l i s m o , q u a l q u e r q u e seja a s u a f o r m a , é
g u m a d o m u n d o . C r e m o s q u e esta é m a i s u m a lição para t o d o s , pegar e m a r m a s e lutar. É o q u e e s t a m o s a f a z e r e f a r e m o s a t é a li-
mas p a r t i c u l a r m e n t e para o s m o v i m e n t o s d e libertação n a c i o n a l quidação total d a d o m i n a ç ã o estrangeira nas nossas pátrias a f r i c a -
e, e m e s p e c i a l , para a q u e l e s q u e p r e t e n d e m q u e a s u a revolução nas.
n a c i o n a l seja u m a R e v o l u ç ã o . V i e m o s a q u i d e c i d i d o s a i n f o r m a r esta C o n f e r ê n c i a , o mais de-
A l g u n s não d e i x a r ã o de lembrar q u e , e m b o r a c o n s t i t u i n d o u m a t a l h a d a m e n t e possível, sobre a situação c o n c r e t a d a luta d e liber

22 23
tacão n a c i o n a l e m c a d a u m d o s nossos países e , e m p a r t i c u l a r , na- nfiiito que a o r i e n t a ç ã o (o d e s e n v o l v i m e n t o ) d u m f e n ó m e n o e m
queles e m q u e há luta a r m a d a . Fá-lo-emos perante a Comissão m o v i m e n t o , seja q u a l for o s e u c o n d i c i o n a m e n t o e x t e r i o r , d e p e n -
própria e t a m b é m por meio de d o c u m e n t o s , de f i l m e s , de d i p r i n c i p a l m e n t e d a s suas características internas. S a b e m o s t a m -
fotografias, de c o n t a t o s bilaterais e d o s órgãos d e i n f o r m a ç ã o c u - b é m q u e , no plano p o l í t i c o , por m a i s bela e atraente q u e seja a
b a n o s , no d e c u r s o d a C o n f e r ê n c i a . (nulidade d o s o u t r o s , só p o d e r e m o s t r a n s f o r m a r v e r d a d e i r a m e n t e
P e d i m o s permissão para u t i l i z a r esta o p o r t u n i d a d e d u m a ma- • nossa p r ó p r i a realidade c o m base no s e u c o n h e c i m e n t o c o n c r e -
neira q u e c o n s i d e r a m o s m a i s ú t i l . Na v e r d a d e , v i e m o s a esta C o n - to a nos nossos esforços e sacrifícios próprios. V a l e a p e n a l e m -
ferência c o n v e n c i d o s de q u e ela é u m a o p o r t u n i d a d e rara para brar nesta a m b i ê n c i a t r i c o n t i n e n t a l , o n d e as experiências a b u n -
u m a a m p l a t r o c a de experiências e n t r e os c o m b a t e n t e s d u m a d a m e os e x e m p l o s não escasseiam, q u e , por maior q u e seja a si-
m e s m a c a u s a , para o e s t u d o e a resolução d e p r o b l e m a s c e n t r a i s m i l i t u d e d o s casos e m presença e a identificação d o s nossos ini-
d a nossa luta c o m u m , v i s a n d o não só o r e f o r ç o d a nossa u n i d a d e migos, i n f e l i z m e n t e o u f e l i z m e n t e , a libertação n a c i o n a l e a revo-
e s o l i d a r i e d a d e , m a s t a m b é m a m e l h o r i a d o p e n s a m e n t o e da ação lução social não são m e r c a d o r i a s d e e x p o r t a ç ã o . São (e sê-lo-ão
de c a d a u m e de t o d o s , na prática q u o t i d i a n a d a luta. Por isso, se c a d a dia mais) u m p r o d u t o d e elaboração local — n a c i o n a l — m a i s
p r e t e n d e m o s evitar t u d o q u a n t o possa representar perda de t e m - o u m e n o s influenciável pela ação d o s fatores e x t e r i o r e s (favorá-
p o , e s t a m o s no e n t a n t o f i r m e m e n t e d e c i d i d o s a não permitir q u e veis e desfavoráveis), m a s d e t e r m i n a d o e c o n d i c i o n a d o essencial-
quaisquer f a t o r e s e s t r a n h o s , o u não d i r e t a m e n t e ligados a o s pro- m e n t e pela realidade histórica d e c a d a p o v o , e apenas assegurado
b l e m a s q u e n o s d e v e m p r e o c u p a r a q u i , v e n h a m perturbar as pos- pela vitória o u a resolução a d e q u a d a d a s contradições internas d e
sibilidades d e ê x i t o desta C o n f e r ê n c i a . T e m o s razões bastantes várias o r d e n s que c a r a c t e r i z a m essa realidade. O sucesso d a revo-
para a f i r m a r q u e esta é igualmente a posição d e t o d o s o s o u t r o s lução c u b a n a , q u e se desenvolve apenas a 9 0 m i l h a s d a m a i o r for-
m o v i m e n t o s de libertação n a c i o n a l presentes a esta C o n f e r ê n c i a . ça imperialista e a n t i - s o c i a l i s t a d e t o d o s o s t e m p o s , parece-nos ser,
A nossa A g e n d a de t r a b a l h o s i n c l u i t e m a s cuja i m p o r t â n - n o seu c o n t e ú d o e na f o r m a c o m o t e m e v o l u í d o , u m a ilustração
cia e a c u i d a d e estão f o r a d e discussão, e n o s q u a i s sobressai u m a prática e c o n v i n c e n t e d a v a l i d a d e d o p r i n c í p i o a c i m a referido.
preocupação d o m i n a n t e : a luta. O b s e r v a m o s c o n t u d o q u e u m
D e v e m o s , n o e n t a n t o , r e c o n h e c e r q u e nós p r ó p r i o s e o s o u -
t i p o de l u t a , q u a n t o a nós f u n d a m e n t a l , não está m e n c i o n a d o ex-
tros m o v i m e n t o s de libertação e m geral ( r e f e r i m o - n o s s o b r e t u d o
pressamente nessa A g e n d a , e m b o r a t e n h a m o s a c e r t e z a d e q u e
à experiência a f r i c a n a ) não t e m o s sabido dar a d e v i d a a t e n ç ã o a
está presente no e s p í r i t o d o s q u e a e l a b o r a r a m . Q u e r e m o s refe-
este p r o b l e m a i m p o r t a n t e d a nossa luta c o m u m .
r i m o s à luta c o n t r a as nossas f r a q u e z a s A d m i t i m o s q u e o s
A deficiência ideológica, para não dizer a falta t o t a l de ideo-
o u t r o s c a s o s sejam diferentes do n o s s o , m a s a nossa experiência
logia, p o r parte d o s m o v i m e n t o s d e libertação n a c i o n a l — q u e
nos ensina q u e no q u a d r o geral d a luta q u e t r a v a m o s q u o t i d i a n a -
t e m a s u a justificação d e base n a ignorância d a realidade histórica
m e n t e , sejam quais f o r e m as d i f i c u l d a d e s q u e nos cria o i n i m i g o ,
que esses m o v i m e n t o s p r e t e n d e m t r a n s f o r m a r — c o n s t i t u e m u m a
essa é a luta mais d i f í c i l t a n t o no presente c o m o para o f u t u r o
das maiores senão a m a i o r f r a q u e z a da nossa luta c o n t r a o impe-
dos nossos p o v o s . E l a é a expressão d a s contradições i n t e r n a s d a
rialismo. C r e m o s , n o e n t a n t o , q u e j á f o r a m a c u m u l a d a s e x p e r i ê n -
realidade e c o n ó m i c a , social e c u l t u r a l ( p o r t a n t o , histórica) de cias bastantes e s u f i c i e n t e m e n t e variadas para p e r m i t i r a d e f i n i ç ã o
cada u m d o s nossos países. E s t a m o s c o n v e n c i d o s de q u e q u a l q u e r d u m a l i n h a geral d e p e n s a m e n t o e d e ação v i s a n d o a e l i m i n a r essa
revolução, n a c i o n a l o u s o c i a l , que não t e n h a c o m o base f u n d a - deficiência. Por isso, u m a m p l o debate sobre essa m a t é r i a p o d e r i a
mental o c o n h e c i m e n t o a d e q u a d o dessa realidade, c o r r e f o r t e s ser de utilidade e p e r m i t i r a esta C o n f e r ê n c i a dar u m a c o n t r i b u i -
riscos d e i n s u c e s s o , se não estiver v o t a d a a o fracasso. ção valiosa para a m e l h o r i a da ação presente e f u t u r a d o s movi-
m e n t o s d e libertação n a c i o n a l . S e r i a u m a f o r m a c o n c r e t a de aju-
dar esses m o v i m e n t o s e, e m nossa o p i n i ã o , não m e n o s i m p o r t a n -
AUSÊNCIA DE IDEOLOGIA te do q u e os a p o i o s p o l í t i c o s e as a j u d a s e m d i n h e i r o , a r m a s e
outro material.
Q u a n d o o povo a f r i c a n o a f i r m a , na sua linguagem chã, q u e
" p o r mais q u e n t e que seja a água da f o n t e , ela não c o z e o teu É na intenção de c o n t r i b u i r , e m b o r a m o d e s t a m e n t e , para
arroz", enuncia, c o m chocante simplicidade, um princípio fun- esse d e b a t e , q u e a p r e s e n t a m o s a q u i a nossa o p i n i ã o s o b r e o s fun-
d a m e n t a l não só d a física c o m o d a ciência p o l í t i c a . S a b e m o s c o m damentos e objetivos da libertação nacional relacionados com a

24 25
estrutura social. E s s a o p i n i ã o é d i t a d a pela nossa própria e x p e - alterações b r u s c a s — m u t a ç õ e s — n o n í v e l d a s forças produtivas o u
riência de luta e pela apreciação c r í t i c a das experiências alheias. no regime d a p r o p r i e d a d e . A estas t r a n s f o r m a ç õ e s bruscas opera-
À q u e l e s q u e verão nela u m caráter t e ó r i c o , t e m o s d e l e m b r a r q u e das no interior d o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o d a s classes c o m o
t o d a a prática f e c u n d a u m a t e o r i a . E q u e , se é verdade q u e u m a resultado de mutações no nível d a s forças p r o d u t i v a s o u n o regi-
revolução p o d e f a l h a r , m e s m o q u e seja n u t r i d a p o r t e o r i a s perfei- me d e p r o p r i e d a d e , c o n v e n c i o n o u - s e c h a m a r , e m linguagem eco-
tamente concebidas, ainda ninguém praticou vitoriosamente u m a nómica e política, revoluções.
R e v o l u ç ã o sem teoria revolucionária. Vê-se, por o u t r o l a d o , q u e a p o s s i b i l i d a d e de esse p r o c e s s o
ser i n f l u e n c i a d o s i g n i f i c a t i v a m e n t e por fatores e x t e r n o s , e m parti-
A LUTA DE CLASSES cular pela interação de c o n j u n t o s h u m a n o s , f o i g r a n d e m e n t e a u -
m e n t a d a pelo progresso d o s m e i o s d e t r a n s p o r t e e de c o m u n i c a -
A q u e l e s q u e a f i r m a m — e q u a n t o a nós c o m razão — q u e a ções q u e veio c r i a r o m u n d o e a h u m a n i d a d e , e l i m i n a n d o o isola-
f o r ç a m o t o r a d a história é a luta d e classes, d e c e r t o estariam d e m e n t o e n t r e o s a g r u p a m e n t o s h u m a n o s d u m a m e s m a região, en-
a c o r d o e m rever esta a f i r m a ç ã o , para precisá-la e dar-lhe a t é tre regiões d u m m e s m o c o n t i n e n t e e e n t r e o s c o n t i n e n t e s . Pro-
maior a p l i c a b i l i d a d e , se c o n h e c e s s e m e m m a i o r p r o f u n d i d a d e a s gresso q u e c a r a c t e r i z a u m a longa fase d a história q u e c o m e ç o u
características essenciais d e alguns povos c o l o n i z a d o s ( d o m i n a - c o m a invenção d o p r i m e i r o m e i o d e t r a n s p o r t e , se e v i d e n c i o u já
dos pelo i m p e r i a l i s m o ) . C o m e f e i t o , na evolução geral d a h u m a - nas viagens púnicas e na c o l o n i z a ç ã o grega e se a c e n t u o u c o m a s
nidade e de c a d a u m d o s p o v o s nos a g r u p a m e n t o s h u m a n o s q u e descobertas m a r í t i m a s , a invenção das máquinas a vapor e a des-
a c o n s t i t u e m , as classes não surgem n e m c o m o u m f e n ó m e n o ge- c o b e r t a d a e l e t r i c i d a d e . E q u e p r o m e t e , nos nossos dias, c o m base
neralizado e s i m u l t â n e o na t o t a l i d a d e desses a g r u p a m e n t o s , n e m na domesticação progressiva d a energia a t ó m i c a , se não semear o
c o m o u m t o d o a c a b a d o , perfeito, u n i f o r m e e e s p o n t â n e o . A d e - h o m e m pelas estrelas, pelo m e n o s h u m a n i z a r o u n i v e r s o .
f i n i ç ã o das classes no seio d u m a g r u p a m e n t o o u d e a g r u p a m e n t o s O q u e f o i d i t o p e r m i t e - n o s pôr a seguinte p e r g u n t a : será q u e
h u m a n o s resulta f u n d a m e n t a l m e n t e d o d e s e n v o l v i m e n t o progres- a história só c o m e ç a a partir d o momento e m q u e se d e s e n c a d e i a
sivo das forças p r o d u t i v a s e d a s características d a distribuição d a s o f e n ó m e n o classe e, c o n s e q u e n t e m e n t e , a luta d e classes? Res-
riquezas p r o d u z i d a s por esse a g r u p a m e n t o o u u s u r p a d a s a o u t r o s ponder pela a f i r m a t i v a seria s i t u a r f o r a d a história t o d o o p e r í o d o
a g r u p a m e n t o s . Q u e r d i z e r : 0 f e n ó m e n o sócio-econômico classe da vida d o s a g r u p a m e n t o s h u m a n o s , q u e vai d a d e s c o b e r t a d a
surge e desenvolve-se e m f u n ç ã o d e pelo m e n o s / j u a s variáveis es- caça e, p o s t e r i o r m e n t e , d a a g r i c u l t u r a n ó m a d e e sedentária à cria-
senciais e i n t e r d e p e n d e n t e s : o nível d a s forças p r o d u t i v a s e o re- ção d o gado e à a p r o p r i a ç ã o p r i v a d a d a t e r r a . Mas seria t a m b é m —
gime d e p r o p r i e d a d e d o s m e i o s d e p r o d u ç ã o . E s s e d e s e n v o l v i m e n - o q u e nos r e c u s a m o s a aceitar — c o n s i d e r a r q u e vários agrupa-
to opera-se l e n t a , desigual e g r a d u a l m e n t e , p o r acréscimos q u a n t i - m e n t o s h u m a n o s da Á f r i c a , Ásia e A m é r i c a L a t i n a viviam sem
tativos, e m geral i m p e r c e p t í v e i s , das variáveis essenciais, o s q u a i s história o u f o r a d a história n o n o m e n t o e m q u e f o r a m s u b m e t i -
c o n d u z e m , a partir d e c e r t o momento d e a c u m u l a ç ã o , a transfor- d o s a o jugo do i m p e r i a l i s m o . S e r i a c o n s i d e r a r q u e populações d o s
mações q u a l i t a t i v a s q u e se t r a d u z e m n o a p a r e c i m e n t o d a c l a s s e , nossos países, c o m o o s B a l a n t a s d a G u i n é , o s C u a n h a m a s d e A n -
das classes e d o c o n f l i t o e n t r e classes. gola e o s M a c o n d e s d e M o ç a m b i q u e , v i v e m a i n d a hoje, se nos
F a t o r e s e x t e r i o r e s a u m d a d o c o n j u n t o sócio-econômico e m a b s t r a i r m o s d a s m u i t a s ligeiras influências d o c o l o n i a l i s m o a q u e
m o v i m e n t o p o d e m i n f l u e n c i a r m a i s o u m e n o s significativamente f o r a m s u b m e t i d a s , f o r a d a história o u não t ê m história.
o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o das classes, a c e l e r a n d o - o , atrasan- E s t a r e c u s a , aliás baseada no c o n h e c i m e n t o c o n c r e t o d a rea-
do-o o u a t é p r o v o c a n d o nele regressões. L o g o q u e cesse, por q u a l - lidade s o c i o e c o n ó m i c a d o s nossos países e na análise d o p r o c e s s o
q u e r r a z ã o , a influência desses f a t o r e s , o p r o c e s s o r e t o m a a s u a de d e s e n v o l v i m e n t o d o f e n ó m e n o classe tal c o m o foi feita a c i m a ,
i n d e p e n d ê n c i a , e o s e u r i t m o passa a ser d e t e r m i n a d o não só pelas leva-nos a a d m i t i r q u e , se a luta d e classes é a f o r ç a m o t o r a da his-
características internas próprias do c o n j u n t o , m a s t a m b é m pelas t ó r i a , ela o é d u r a n t e u m certo p e r í o d o da história. Isto q u e r
resultantes d o efeito sobre ele c a u s a d o pela ação t e m p o r á r i a d o s d i z e r q u e antes d a luta de classes (e, n e c e s s a r i a m e n t e , depois da
f a t o r e s e x t e r n o s . N o p l a n o e s t r i t a m e n t e i n t e r n o , pode variar o luta d e classes, p o r q u e neste m u n d o não há antes sem d e p o i s )
r i t m o d o p r o c e s s o , m a s ele p e r m a n e c e c o n t í n u o e progressivo, a l g u m f a t o r ( o u alguns fatores) f o i e será o m o t o r d a história.
s e n d o o s avanços b r u s c o s só possíveis e m f u n ç ã o de a u m e n t o s o u N ã o n o s r e p u g n a a d m i t i r q u e esse f a t o r d a história d e c a d a agru-

26 27
p a m e n t o h u m a n o é o modo de produção (o n í v e l das forças pro- entre o m o d o de p r o d u ç ã o e a a p r o p r i a ç ã o privada d o s m e i o s d e
d u t i v a s e o regime d e p r o p r i e d a d e ) q u e c a r a c t e r i z a esse agrupa- p r o d u ç ã o ; a t e r c e i r a e m q u e , a partir d u m d a d o n í v e l das forças
m e n t o . M a s , c o m o se v i u , a d e f i n i ç ã o d a classe e a luta d e classes produtivas, se t o r n a possível e se realiza a liquidação d a a p r o p r i a -
são, elas m e s m a s , u m e f e i t o d o d e s e n v o l v i m e n t o d a s forças ção privada d o s m e i o s d e p r o d u ç ã o , a e l i m i n a ç ã o d o f e n ó m e n o
classe e, p o r t a n t o , d a luta d e classes, e se d e s e n c a d e i a m novas e
p r o d u t i v a s c o n j u g a d o c o m o regime d a p r o p r i e d a d e d o s m e i o s de
ignoradas forças n o processo histórico d o c o n j u n t o sócio-econô-
produção. Parece-nos portanto l í c i t o concluir que o n í v e l das mico.
forças produtivas, determinante essencial do c o n t e ú d o e da f o r m a
da luta de classes, é a verdadeira e a permanente força motora da A primeira fase corresponderia, e m linguagem p o l í t i c o - e c o -
história. nômica, à socieda'de agropecuária c o m u n i t á r i a , em que a estrutu-
S e a c e i t a r m o s essa conclusão, e n t ã o f i c a m e l i m i n a d a s as d ú - ra social é horizontal, sem Estado; a segunda, às sociedades agrá-
vidas q u e p e r t u r b a m o nosso e s p í r i t o . P o r q u e , se p o r u m lado ii.is (feudal o u a s s i m i l a d a e agro-industrial b u r g u e s a ) , em que a
v e m o s garantida a existência d a história a n t e s d a luta d e classes e estrutura social se desenvolve na vertical, c o m Estado; a ter-
e v i t a m o s a alguns a g r u p a m e n t o s h u m a n o s d o s nossos países (e ceira, às sociedades socialistas e comunistas em que a economia
quiçá d o s nossos c o n t i n e n t e s ) a triste c o n d i ç ã o d e povos sem his- é predominantemente, senão exclusivamente, industrial (porque
t ó r i a , v e m o s assegurada, p o r o u t r o l a d o , a c o n t i n u i d a d e d a histó- a própria a g r i c u l t u r a passa a ser u m a indústria) em que o Estado
ria m e s m o d e p o i s d o d e s a p a r e c i m e n t o da luta de classes o u d a s tende progressivamente para o desaparecimento ou desaparece,
classes. E c o m o n ã o f o m o s nós q u e p o s t u l a m o s , aliás e m bases
e em que a estrutura social volta a desenvolver-se na horizontal,
a um nível superior de forças pj^dutivas, de relações sociais e
c i e n t í f i c a s , o d e s a p a r e c i m e n t o d a s classes c o m o u m a fatalidade
de apreciação dos valores humanosT~J
d a h i s t ó r i a , s e n t i m o - n o s b e m nesta conclusão q u e , e m c e r t a medi-
d a , restabelece u m a coerência e dá s i m u l t a n e a m e n t e a o s povos A o nível da h u m a n i d a d e o u d e p a r c e l a s d a h u m a n i d a d e
q u e , c o m o o de C u b a , estão a c o n s t r u i r o s o c i a l i s m o , a agradável (agrupamentos h u m a n o s d u m a m e s m a região o u d e u m o u m a i s
c e r t e z a d e q u e n ã o f i c a r ã o s e m história q u a n d o f i n a l i z a r e m o c o n t i n e n t e s ) , essas três fases ( o u d u a s delas) p o d e m ser c o n c o m i -
processo d a liquidação d o f e n ó m e n o classe e d a luta d e classes n o tantes, c o m o o p r o v a m t a n t o a realidade a t u a l c o m o o passado.
seio d o seu c o n j u n t o s ó c i o - e c o n ô m i c o . A e t e r n i d a d e n ã o é c o i s a Isso resulta d o d e s e n v o l v i m e n t o desigual d a s s o c i e d a d e s h u m a n a s ,
deste m u n d o , mas o h o m e m sobreviverá às classes e c o n t i n u a r á a quer p o r razões internas q u e r p e l a i n f l u ê n c i a a c e l e r a d o r a o u re-
p r o d u z i r e a f a z e r história, p o r q u e n ã o p o d e libertar-se d o f a r d o tardadora de a l g u m o u alguns f a t o r e s e x t e r n o s s o b r e a s u a e v o l u -
das suas necessidades, d a s suas mãos e d o s e u c é r e b r o , q u e estão ção. P o r o u t r o lado, no p r o c e s s o histórico d u m d a d o c o n j u n t o só-
na base d o d e s e n v o l v i m e n t o d a s forças p r o d u t i v a s . c i o - e c o n ô m i c o , cada u m a d a s fases referidas c o n t é m , a partir d e
u m certo n í v e l de t r a n s f o r m a ç ã o , o s g e r m e n s d a fase seguinte.
^ / S O B R E O MODO DE P R O D U Ç Ã o / ^ D e v e m o s n o t a r t a m b é m q u e , n a fase a t u a l d a v i d a d a h u m a -
nidade e para u m d a d o c o n j u n t o s o c i o e c o n ó m i c o , n ã o é indis-
Cp pensável a sucessão no t e m p o das três fases c a r a c t e r i z a d a s . Q u a l -
quer q u e seja o n í v e l a t u a l d a s suas forças p r o d u t i v a s e d a estru-
q u e f i c a d i t o e a realidade a t u a l d o nosso t e m p o p è r m i -
te-nos a d m i t i r q u e a história d u m a g r u p a m e n t o h u m a n o o u da tura social q u e a c a r a c t e r i z a , u m a s o c i e d a d e p o d e avançar rapida-
h u m a n i d a d e se processa e m p e l o m e n o s três f a s e s : a p r i m e i r a , e m m e n t e , através de e t a p a s definidas e a d e q u a d a s às realidades c o n -
q u e , c o r r e s p o n d e n d o a u m b a i x o n í v e l das forças p r o d u t i v a s — d o cretas locais (históricas e h u m a n a s ) , para u m a fase s u p e r i o r d e
d o m í n i o do h o m e m sobre a natureza — o m o d o de produção t e m existência. T a l avanço d e p e n d e das p o s s i b i l i d a d e s c o n c r e t a s d e
caráter e l e m e n t a r , não e x i s t e a i n d a a a p r o p r i a ç ã o privada d o s desenvolver a s suas forças p r o d u t i v a s e é c o n d i c i o n a d o p r i n c i p a l -
meios d e p r o d u ç ã o , não há classes, n e m , p o r t a n t o , luta d e classes; m e n t e pela n a t u r e z a d o p o d e r p o l í t i c o q u e dirige essa s o c i e d a -
a segunda, e m q u e a elevação d o nível d a s forças p r o d u t i v a s c o n - de, q u e r d i z e r , pelo t i p o d e E s t a d o o u , se q u i s e r m o s , pela n a t u -
d u z à a p r o p r i a ç ã o privada d o s m e i o s d e p r o d u ç ã o , c o m p l i c a pro- reza d a classe o u classes d o m i n a n t e s no seio dessa s o c i e d a d e .
gressivamente o m o d o de p r o d u ç ã o , p r o v o c a c o n f l i t o s d e interes- U m a análise mais p o r m e n o r i z a d a mostrar-nos-ia q u e a possi-
ses n o seio d o c o n j u n t o sócio-econômico e m m o v i m e n t o , possi- bilidade d u m tal salto no processo histórico resulta f u n d a m e n t a l -
bilita a e r u p ç ã o d o f e n ó m e n o classe e, p o r t a n t o , a luta d e classes, m e n t e , n o plano e c o n ó m i c o , da f o r ç a d o s m e i o s de q u e o h o m e m
q u e é a expressão social d a c o n t r a d i ç ã o , no d o m í n i o e c o n ó m i c o .
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p o d e d i s p o r na a t u a l i d a d e para d o m i n a r a n a t u r e z a e , n o p l a n o transformações d o m o d o d e p r o d u ç ã o , n o â m b i t o geral d a h u m a -
p o l í t i c o , deste a c o n t e c i m e n t o n o v o q u e t r a n s f o r m o u radical- n i d a d e , c o n s i d e r a d a c o m o u m t o d o e m m o v i m e n t o . U m a necessi-
m e n t e a f a c e do m u n d o e a m a r c h a da história — a criação dos d a d e , c o m o o são n o presente a libertação n a c i o n a l d o s p o v o s , a
destruição d o c a p i t a l i s m o e o a d v e n t o d o s o c i a l i s m o .
Estados socialistas.
V e m o s , p o r t a n t o , q u e os nossos p o v o s , sejam quais f o r e m o s O q u e importa a o s nossos p o v o s é saber se d i m p e r i a l i s m o ,
seus estágios d e d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ó m i c o , t ê m a sua p r ó p r i a na s u a c o n d i ç ã o d e c a p i t a l e m a ç ã o , c u m p r i u o u n ã o n o s nossos
história. A o s e r e m s u b m e t i d o s à d o m i n a ç ã o i m p e r i a l i s t a , o pro- países a missão histórica reservada a e s t e : aceleração d o p r o c e s s o
cesso histórico d e c a d a u m d o s nossos povos (ou o d o s agrupa- do d e s e n v o l v i m e n t o d a s forças p r o d u t i v a s e t r a n s f o r m a ç ã o , n o
m e n t o s h u m a n o s q u e c o n s t i t u e m c a d a u m deles) f o i s u j e i t o à sentido da c o m p l e x i d a d e , d a s características d o m o d o d e p r o d u -
ação violenta d u m f a t o r e x t e r i o r . E s s a ação — o i m p a c t o d o impe- ç ã o ; a p r o f u n d a m e n t o d a d i f e r e n c i a ç ã o d a s classes c o m o desen-
d i m e n t o sobre as nossas s o c i e d a d e s — n ã o p o d i a d e i x a r d e v o l v i m e n t o d a burguesia e intensificação d a luta d e classes; a u -
influenciar o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s m e n t o significativo d o s t a n d a r d geral m é d i o d o n í v e l d e v i d a eco-
n ó m i c a , social e c u l t u r a l das populações. Interessa a l é m disso ave-
dos nossos países e as e s t r u t u r a s sociais d o s n o s s o s p o v o s , a s s i m
riguar q u a i s a s influências o u e f e i t o s d a ação imperialista sobre as
c o m o o c o n t e ú d o e a f o r m a d a s nossas lutas d e libertação n a c i o n a l .
estruturas sociais e o p r o c e s s o histórico d o s nossos p o v o s .
Mas v e m o s t a m b é m q u e , n o c o n t e x t o histórico e m q u e se
d e s e n v o l v e m essas lutas, e x i s t e para o s nossos p o v o s a possibili- N ã o v a m o s f a z e r a q u i o b a l a n ç o c o n d e n a t ó r i o nem a elegia
d a d e c o n c r e t a d e passarem d a situação d e e x p l o r a ç ã o e de subde- d o i m p e r i a l i s m o , m a s d i r e m o s a p e n a s q u e , q u e r no plano econó-
s e n v o l v i m e n t o e m q u e se e n c o n t r a m , para u m a n o v a fase d o seu m i c o , q u e r n o s p l a n o s social e c u l t u r a l , o c a p i t a l imperialista
f i c o u longe d e c u m p r i r n o s nossos países a missão histórica de-
processo histórico, a q u a l p o d e c o n d u z i - l o s a u m a f o r m a s u p e r i o r
s e m p e n h a d a p e l o c a p i t a l n o s países d e a c u m u l a ç ã o . Isso i m p l i c a
d e existência e c o n ó m i c a , social e c u l t u r a l .
q u e , s e , p o r u m l a d o , o c a p i t a l imperialista teve na grande m a i o r i a
d o s países d o m i n a d o s a s i m p l e s f u n ç ã o d e m u l t i p l i c a d o r d e mais-
O IMPERIALISMO valias, c o n s t a t a - s e , por o u t r o l a d o , q u e a c a p a c i d a d e histórica do
c a p i t a l ( c o m o a c e l e r a d o r i n d e s t r u t í v e l d o processo de desenvol-
O relatório p o l í t i c o e l a b o r a d o pelo C o m i t é I n t e r n a c i o n a l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s ) está e s t r i t a m e n t e d e p e n d e n t e da
Preparatório desta C o n f e r ê n c i a , ao q u a l r e a f i r m a m o s o nosso i n - s u a liberdade, q u e r d i z e r , do grau de independência c o m q u e é
t e i r o a p o i o , s i t u o u , de m a n e i r a clara e n u m a análise s u c i n t a , o i m - u t i l i z a d o . D e v e m o s , n o e n t a n t o , r e c o n h e c e r q u e e m alguns casos
p e r i a l i s m o n o seu c o n t e x t o e c o n ó m i c o e nas suas c o o r d e n a d a s o capital imperialista o u c a p i t a l i s m o m o r i b u n d o t e v e interesse,
históricas. N ã o v a m o s a q u i repetir o q u e já foi d i t o perante esta f o r ç a e t e m p o bastante p a r a , a l é m de e d i f i c a r c i d a d e s , a u m e n t a r
A s s e m b l e i a . D i r e m o s apenas q u e o i m p e r i a l i s m o pode ser defini- o n í v e l das forças p r o d u t i v a s , p e r m i t i r a u m a m i n o r i a d a p o p u -
d o c o m o a expressão m u n d i a l d a p r o c u r a g a n a n c i o s a e da o b t e n - lação nativa u m standard de vida m e l h o r o u a t é privilegiado,
ção d e c a d a vez m a i o r e s mais-valias pelo capital m o n o p o l i s t a e c o n t r i b u i n d o a s s i m , e m p r o c e s s o q u e alguns c h a m a r i a m dialéti
f i n a n c e i r o , a c u m u l a d o e m d u a s regiões d o m u n d o : primeiro n a c o , para o a p r o f u n d a m e n t o das contradições n o seio d a s socieda-
E u r o p a e , m a i s t a r d e , na A m é r i c a d o N o r t e . E , se q u e r e m o s situar des e m causa. N o u t r o s casos a i n d a , m a i s r a r o s , h o u v e a possibili-
o f a t o i m p e r i a l i s t a na t r a j e t ó r i a geral d a e v o l u ç ã o d e s t e f a t o r d a d e de a c u m u l a ç ã o d o c a p i t a l , d a n d o lugar a o d e s e n v o l v i m e n t o
transcendente que modificou a face d o m u n d o — o capital e os d u m a burguesia l o c a l .
processos d a s u a a c u m u l a ç ã o — p o d e r í a m o s d i z e r q u e o imperia-
lismo é a pirataria t r a n s p l a n t a d a d o s mares para a terra f i r m e , N o q u e se refere a o s e f e i t o s d a d o m i n a ç ã o i m p e r i a l i s t a s o b r e
reorganizada, c o n s o l i d a d a e adaptada ao o b j e t i v o d a espoliação a e s t r u t u r a social e o p r o c e s s o histórico d o s n o s s o s p o v o s , c o n -
dos recursos materiais e h u m a n o s d o s nossos p o v o s . Mas se for- v é m averiguar e m p r i m e i r o lugar q u a i s são as f o r m a s gerais de do-
m o s c a p a z e s d e analisar c o m serenidade o f e n ó m e n o i m p e r i a l i s t a , m i n a ç ã o , d o i m p e r i a l i s m o . E l a s são p e l o m e n o s d u a s :
não e s c a n d a l i z a r e m o s n i n g u é m a o t e r m o s d e r e c o n h e c e r q u e o
1 ? ) D o m i n a ç ã o direta - p o r m e i o de u m p o d e r p o l í t i c o in-
i m p e r i a l i s m o — q u e t u d o m o s t r a ser na realidade a fase ú l t i m a d a
tegrado por agentes estrangeiros ao povo d o m i n a d o (forças a r m a -
evolução d o c a p i t a l i s m o — foi u m a necessidade d a história, u m a d a s , p o l í c i a , agentes d a a d m i n i s t r a ç ã o e c o l o n o s ) — à q u a l se c o n -
consequência d o d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s e das v e n c i o n o u c h a m a r colonialismo clássico o u colonialismo.

30 31
2 ? ) D o m i n a ç ã o indireta — por meio d u m p o d e r p o l í t i c o in- criação d u m a p s e u d o - b u r g u e s i a n a t i v a , q u e e m geral se desenvolve
tegrado na s u a maioria ou na t o t a l i d a d e p o r agentes nativos — à a partir de u m a p e q u e n a burguesia b u r o c r á t i c a e d o s i n t e r m e d i á -
rios do c i c l o das m e r c a d o r i a s ( c o m p r a d o r e s ) , a c e n t u a a d i f e r e n -
q u a l se c o n v e n c i o n o u c h a m a r neocolonialismo.
ciação das c a m a d a s s o c i a i s , a b r e , pelo reforço da atividade eco-
No p r i m e i r o c a s o , a estrutura social d o povo d o m i n a d o , seja
n ó m i c a de e l e m e n t o s nativos, novas perspectivas à d i n â m i c a so-
q u a l for a etapa e m q u e se e n c o n t r a , pode sofrer os seguintes c i a l , n o m e a d a m e n t e c o m o d e s e n v o l v i m e n t o progressivo d u m a
efeitos: classe operária c i t a d i n a e a instalação d e p r o p r i e d a d e s agrícolas
a) destruição c o m p l e t a , a c o m p a n h a d a e m geral d a liquida- privadas, q u e d ã o lugar, a p o u c o e p o u c o , ao a p a r e c i m e n t o d u m
ção i m e d i a t a o u progressiva d a p o p u l a ç ã o a u t ó c t o n e e c o n s e q u e n - proletariado a g r í c o l a . E s s a s t r a n s f o r m a ç õ e s m a i s o u m e n o s sensí-
te substituição desta por u m a p o p u l a ç ã o e x ó t i c a ; veis d a e s t r u t u r a s o c i a l , d e t e r m i n a d a s aliás por u m a u m e n t o signi-
b) destruição p a r c i a l , e m geral a c o m p a n h a d a da fixação mais f i c a t i v o d o n í v e l das forças p r o d u t i v a s , t e m influência direta no
p r o c e s s o histórico d o c o n j u n t o sócio-econômico e m c a u s a . E n -
o u m e n o s v o l u m o s a de u m a população e x ó t i c a ;
q u a n t o no c o l o n i a l i s m o clássico esse p r o c e s s o é p a r a l i s a d o , a
c) conservação aparente, c o n d i c i o n a d a pela c o n f i n a ç ã o d a
d o m i n a ç ã o n e o c o l o n i a l i s t a , p e r m i t i n d o o despertar d a d i n â m i c a
sociedade a u t ó c t o n e a áreas ou reservas próprias e geralmente
social — d o s c o n f l i t o s de interesse entre as c a m a d a s sociais nati-
desprovidas d e possibilidades d e v i d a , a c o m p a n h a d a d a i m p l a n t a - vas o u da luta de classes — cria a ilusão de que o processo histó-
ção massiva d e u m a p o p u l a ç ã o e x ó t i c a . rico volta à s u a evolução n o r m a l . Essa ilusão é reforçada pela
O s d o i s ú l t i m o s c a s o s , q u e são os q u e interessa c o n s i d e r a r existência d u m p o d e r p o l í t i c o ( E s t a d o n a c i o n a l ) , integrado por
no q u a d r o da p r o b l e m á t i c a d a libertação n a c i o n a l , estão b e m re- e l e m e n t o s n a t i v o s . A p e n a s u m a ilusão, p o r q u e , na realidade, o
presentados e m Á f r i c a . Pode-se a f i r m a r q u e , em q u a l q u e r deles, o e n f e u d a m e n t o da classe " d i r i g e n t e " nativa à classe dirigente d o
efeito principal p r o v o c a d o pelo i m p a c t o d o i m p e r i a l i s m o n o pro- país d o m i n a d o r , limita o u inibe o p l e n o d e s e n v o l v i m e n t o das for-
cesso histórico d o p o v o d o m i n a d o é a paralisia, a estagnação ças p r o d u t i v a s n a c i o n a i s . Mas, nas condições c o n c r e t a s da e c o n o -
( m e s m o , e m alguns c a s o s , a regressão) desse processo. E s s a para- mia m u n d i a l d o nosso t e m p o , esse e n f e u d a m e n t o é u m a fatalida-
lisia não é, no e n t a n t o , c o m p l e t a . N u m ou n o u t r o setor do c o n - d e , e, p o r t a n t o , a p s e u d o - b u r g u e s i a n a t i v a , seja q u a l for o seu
j u n t o s o c i o e c o n ó m i c o e m causa p o d e m operar-se transformações grau d e n a c i o n a l i s m o , não p o d e d e s e m p e n h a r e f e t i v a m e n t e a fun-
sensíveis, quer m o t i v a d a s pela permanência d a ação d e alguns ção histórica q u e c a b e r i a a essa classe, não p o d e o r i e n t a r livre-
f a t o r e s i n t e r n o s ( l o c a i s ) , q u e r r e s u l t a n t e s d a ação de n o v o s fato- mente o d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s , e m s u m a , não
res i n t r o d u z i d o s pela d o m i n a ç ã o c o l o n i a l , tais c o m o o c i c l o d a p o d e ser u m a burguesia nacional. O r a , c o m o se v i u , as forças pro-
m o e d a e o d e s e n v o l v i m e n t o das concentrações urbanas. E n t r e d u t i v a s são o m o t o r da história, e a liberdade t o t a l do processo
essas transformações, c o n v é m referir a perda progressiva, e m cer- d o s e u d e s e n v o l v i m e n t o é a c o n d i ç ã o indispensável para o p l e n o
tos casos, do prestígio das classes o u c a m a d a s dirigentes nativas, f u n c i o n a m e n t o desse m o t o r .
o ê x o d o , f o r ç a d o o u v o l u n t á r i o , d u m a parte da p o p u l a ç ã o c a m -
ponesa para os c e n t r o s u r b a n o s , c o m c o n s e q u e n t e desenvolvi- Vê-se, p o r t a n t o , q u e t a n t o no c o l o n i a l i s m o c o m o n o neoco-
m e n t o d e novas c a m a d a s s o c i a i s : t r a b a l h a d o r e s assalariados, e m » l o n i a l i s m o , p e r m a n e c e a característica essencial d e d o m i n a ç ã o im-
pregados d o E s t a d o , d o c o m é r c i o e profissões liberais, e u m a c a - perialista — a negação d o p r o c e s s o histórico d o povo d o m i n a d o ,
mada instável d o s sem t r a b a l h o . No c a m p o , surge c o m intensi- p o r meio da usurpação v i o l e n t a da liberdade do p r o c e s s o de de-
d a d e m u i t o variada e sempre ligada ao meio u r b a n o , u m a c a m a - s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s nacionais. E s s a constatação,
da c o n s t i t u í d a por p e q u e n o s proprietários agrícolas. No caso d o q u e i d e n t i f i c a , na s u a essência, a s d u a s f o r m a s a p a r e n t e s d a d o m i -
c h a m a d o n e o c o l o n i a l i s m o , q u e r a m a i o r i a d a população c o l o n i - nação i m p e r i a l i s t a , p a r e c e - n o s ser d e i m p o r t â n c i a p r i m o r d i a l para
z a d a seja a u t ó c t o n e , q u e r ela seja o r i g i n a r i a m e n t e e x ó t i c a , a ação o p e n s a m e n t o e a ação d o s m o v i m e n t o s de libertação n a c i o n a l ,
imperialista orienta-se no s e n t i d o da criação d u m a burguesia o u t a n t o no d e c o r r e r da luta c o m o após a c o n q u i s t a d a i n d e p e n d ê n c i a .
pseudo-burguesia l o c a l , e n f e u d a d a à classe dirigente do país do- C o m base no q u e f i c a d i t o , p o d e m o s a f i r m a r q u e a liberta-
minador. ção n a c i o n a l é o f e n ó m e n o q u e c o n s i s t e e m u m c o n j u n t o só-
A s t r a n s f o r m a ç õ e s na e s t r u t u r a social não são t ã o p r o f u n - c i o - e c o n ô m i c o negar a negação d o s e u processo histórico. E m o u -
das nas c a m a d a s inferiores, s o b r e t u d o n o c a m p o , o n d e ela conser- tros termos, a libertação nacional d u m povo é a reconquista da
va p r e d o m i n a n t e m e n t e as características d a fase c o l o n i a l , m a s a

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personalidade histórica desse p o v o , é o seu regresso à história, No p l a n o i n t e r n a c i o n a l , parece-nos que pelo m e n o s o s se-
pela destruição d a d o m i n a ç ã o imperialista a q u e esteve s u j e i t o . guintes f a t o r e s são desfavoráveis ao m o v i m e n t o de libertação na-
O r a v i m o s q u e a característica p r i n c i p a l e p e r m a n e n t e d a do- c i o n a l : a situação n e o c o l o n i a l d u m grande n ú m e r o de E s t a d o s
m i n a ç ã o imperialista, q u a l q u e r q u e seja a sua f o r m a , é a usurpa- q u e c o n q u i s t a r a m a independência p o l í t i c a , v i n d o a j u n t a r - s e a
ção pela violência d a liberdade d o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o o u t r o s q u e já viviam nessa situação; o s progressos realizados pelo
das forças p r o d u t i v a s do c o n j u n t o s o c i o e c o n ó m i c o d o m i n a d o . n e o c o l o n i a l i s m o , n o m e a d a m e n t e na E u r o p a , o n d e o imperialis-
V i m o s t a m b é m q u e é essa liberdade e só ela q u e garante a nor- m o , c o m r e c u r s o a i n v e s t i m e n t o s p r e f e r e n c i a i s , incentiva o desen-
malização d o processo histórico d u m p o v o . P o d e m o s p o r t a n t o v o l v i m e n t o d u m p r o l e t a r i a d o privilegiado c o m c o n s e q u e n t e abai-
c o n c l u i r q u e há libertação n a c i o n a l q u a n d o e só q u a n d o as for- x a m e n t o d o n í v e l r e v o l u c i o n á r i o das classes t r a b a l h a d o r a s ; a si-
ças p r o d u t i v a s nacionais são c o m p l e t a m e n t e libertadas d e toda e t u a ç ã o n e o c o l o n i a l , evidente ou e n c o b e r t a , de alguns E s t a d o s
q u a l q u e r espécie d e d o m i n a ç ã o estrangeira. e u r o p e u s q u e , c o m o P o r t u g a l , t ê m a i n d a colónias; a c h a m a d a po-
C o s t u m a - s e dizer q u e a libertação n a c i o n a l se f u n d a m e n t a l í t i c a de " a j u d a " a o s países s u b d e s e n v o l v i d o s p r a t i c a d a pelo im-
no direito, c o m u m a todos os povos, de dispor livremente d o seu perialismo c o m o o b j e t i v o de criar o u reforçar pseudo-burguesias
destino e q u e o o b j e t i v o dessa libertação é a o b t e n ç ã o da inde- nativas, n e c e s s a r i a m e n t e e n f e u d a d a s à burguesia i n t e r n a c i o n a l , e
pendência n a c i o n a l . E m b o r a e s t e j a m o s de a c o r d o c o m essa m a - de barrar assim o c a m i n h o à r e v o l u ç ã o ; a c l a u s t r o f o b i a e a timi-
neira vaga e s u b j e t i v a d e e x p r i m i r u m a realidade c o m p l e x a , pre- dez revolucionária q u e levam alguns E s t a d o s r e c e n t e m e n t e inde-
f e r i m o s ser objetivos. Para nós, o f u n d a m e n t o da libertação na- pendentes, d i s p o n d o de condições económicas e políticas inte-
c i o n a l , sejam quais f o r e m as f o r m u l a ç õ e s a d o t a d a s no plano j u - riores favoráveis à r e v o l u ç ã o , a a c e i t a r e m c o m p r o m i s s o s c o m o
r í d i c o i n t e r n a c i o n a l , reside n o direito inalienável de cada povo a inimigo o u c o m o s seus agentes; as contradições c r e s c e n t e s e n t r e
ter a s u a p r ó p r i a história: e o o b j e t i v o da libertação nacional é a E s t a d o s anti-imperialistas e, f i n a l m e n t e , as ameaças, por parte do
r e c o n q u i s t a desse direito u s u r p a d o pelo i m p e r i a l i s m o , isto é, a imperialismo, à paz mundial, face à perspectiva d u m a guerra ató-
libertação d o processo de d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s m i c a . E s s e s fatores c o n c o r r e m para reforçar a ação d o i m p e r i a -
nacionais. lismo c o n t r a o m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l .
P o r isso, e m nossa o p i n i ã o , q u a l q u e r m o v i m e n t o d e liberta- S e a intervenção repetida e a agressividade c r e s c e n t e d o
ção n a c i o n a l q u e não t e m e m consideração esse f u n d a m e n t o e i m p e r i a l i s m o c o n t r a o s p o v o s p o d e m ser interpretadas c o m o u m
esse o b j e t i v o , pode lutar c o n t r a o i m p e r i a l i s m o , mas não estará sinal de desespero d i a n t e d a a m p l i d ã o d o m o v i m e n t o d e liberta-
seguramente l u t a n d o pela libertação n a c i o n a l . ção n a c i o n a l , justíficam-se, e m certa m e d i d a , pelas d e b i l i d a d e s
Isso i m p l i c a q u e , t e n d o e m c o n t a as características essen- criadas por esses fatores desfavoráveis na f r e n t e geral d a luta anti
ciais d a e c o n o m i a m u n d i a l do. nosso t e m p o , assim c o m o as ex- imperialista.
periências já vividas no d o m í n i o da luta anti imperialista, o No p l a n o i n t e r n o , parece-nos q u e a f r a q u e z a o u os fatores
aspecto p r i n c i p a l da luta de libertação n a c i o n a l é a luta c o n t r a o desfavoráveis m a i s significativos residem na e s t r u t u r a e c o n ô m i -
q u e se c o n v e n c i o n o u c h a m a r n e o c o l o n i a l i s m o . Por o u t r o lado, se co-social e nas tendências da sua evolução sob a pressão imperia-
c o n s i d e r a r m o s que a libertação n a c i o n a l exige u m a m u t a ç ã o pro- lista, o u m e l h o r , na p e q u e n a ou nula atenção d a d a às característi-
funda no p r o c e s s o de d e s e n v o l v i m e n t o das forças produtivas, ve- cas dessa estrutura e tendências pelos m o v i m e n t o s de libertação
m o s q u e o f e n ó m e n o d a libertação n a c i o n a l c o r r e s p o n d e necessa- nacional na elaboração das suas estratégias d e luta.
riamente a u m a revolução. O q u e i m p o r t a é ter consciência das E s t e p o n t o d e vista não p r e t e n d e d i m i n u i r a i m p o r t â n c i a d e
condições o b j e t i v a s e subjetivas e m q u e se o p e r a essa revolução, e o u t r o s fatores internos desfavoráveis à libertação n a c i o n a l , tais
quais as f o r m a s o u a f o r m a d e luta m a i s a d e q u a d a para a s u a efe- como o subdesenvolvimento económico, c o m consequente atraso
tivação. social e c u l t u r a l das massas p o p u l a r e s , o t r i b a l i s m o e o u t r a s c o n -
N ã o v a m o s repetir a q u i q u e essas condições são f r a n c a m e n t e tradições m e n o r e s . C o n v é m no e n t a n t o notar q u e a existência de
favoráveis na presente etapa d a história da h u m a n i d a d e . Q u e r e - t r i b o s só se m a n i f e s t a c o m o u m a c o n t r a d i ç ã o significativa e m fun-
ção de atitudes o p o r t u n i s t a s (geralmente p r o v e n i e n t e s d e i n d i v í -
m o s a p e n a s l e m b r a r q u e e x i s t e m t a m b é m fatores desfavoráveis,
d u o s o u grupos d e s t r i b a l i z a d o s ) no seio do m o v i m e n t o de liberta-
t a n t o n o p l a n o i n t e r n a c i o n a l c o m o n o p l a n o interno d e c a d a
ção n a c i o n a l . A s contradições entre classes, m e s m o q u a n d o estas
nação e m luta pela s u a libertação.

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são e m b r i o n á r i a s , são b e m mais i m p o r t a n t e s d o que as c o n t r a d i - q u i c o s (orgulho d e se julgar d i r i g i d o pelos p r ó p r i o s c o m p a t r i o t a s ,
ções entre tribos. e x p l o r a ç ã o da solidariedade de o r d e m religiosa o u tribal e n t r e
alguns dirigentes e u m a f r a ç ã o das massas populares) c o n t r i b u e m
E m b o r a a situação c o l o n i a l e a n e o c o l o n i a l sejam idênticas para d e s m o r a l i z a r u m a parte considerável das forças nacionalis-
na s u a essência, e o a s p e c t o p r i n c i p a l da luta c o n t r a o imperialis- t a s Q / l a s , por o u t r o lado, o caráter n e c e s s a r i a m e n t e repressivo do
m o seja o n e o c o l o n i a l i s t a , parece-nos indispensável distinguir, na E s t a d o n e o c o l o n i a l c o n t r a as forças de libertação n a c i o n a l , o
prática, essas d u a s situações. C o m e f e i t o , a estrutura h o r i z o n t a l , agravamento das contradições de classe, a p e r m a n ê n c i a objetiva
a i n d a q u e mais o u m e n o s d i f e r e n c i a d a , d a s o c i e d a d e nativa, e a de agentes e de sinais de d o m i n a ç ã o estrangeira ( c o l o n o s q u e c o n -
ausência d u m poder p o l í t i c o integrado por e l e m e n t o s n a c i o n a i s , servam o s seus privilégios, forças a r m a d a s , discriminação r a c i a l ) ,
p o s s i b i l i t a m , na situação c o l o n i a l , a criação d u m a a m p l a f r e n t e de a c r e s c e n t e pauperização do c a m p e s i n a t o e a influência mais o u
u n i d a d e e de l u t a , aliás indispensável, para o sucesso do m o v i m e n - m e n o s n o t ó r i a de fatores e x t e r i o r e s , c o n t r i b u e m para m a n t e r ace-
to de libertação n a c i o n a l . Mas essa possibilidade não dispensa a sa a c h a m a do n a c i o n a l i s m o , c o n s c i e n t i z a r progressivamente lar-
análise rigorosa da e s t r u t u r a social indígena, das tendências da gas c a m a d a s p o p u l a c i o n a i s e reunir, p r e c i s a m e n t e c o m base na
sua evolução e a a d o ç ã o , na prática, de m e d i d a s a d e q u a d a s para consciência da frustração n e o c o l o n i a l i s t a , a m a i o r i a da população
garantir u m a verdadeira libertação n a c i o n a l . E n t r e essas medi- em t o r n o do ideal da libertação n a c i o n a l ^
das, e m b o r a a d m i t a m o s que c a d a u m sabe m e l h o r o q u e deve fa-
A l é m d i s s o , e n q u a n t o a classe dirigente nativa se " e m b u r -
zer e m sua casa, parece-nos ser indispensável a criação d u m a van-
g u e s a " c a d a vez m a i s , o d e s e n v o l v i m e n t o d u m a classe trabalhado-
guarda s o l i d a m e n t e u n i d a e c o n s c i e n t e d o verdadeiro significado
ra integrada por operários c i t a d i n o s e por proletários agrícolas —
e o b j e t i v o da luta d e libertação n a c i o n a l , q u e deve por ela ser di-
t o d o s e x p l o r a d o s pela d o m i n a ç ã o indireta do i m p e r i a l i s m o ,
rigida. E s t a necessidade t e m t a n t o m a i o r a c u i d a d e q u a n t o é certo
a b r e perspectivas novas à evolução da libertação n a c i o n a l . Essa
q u e , salvo e m raras exceções, a situação c o l o n i a l não permite n e m
classe t r a b a l h a d o r a , q u a l q u e r q u e seja o grau d e d e s e n v o l v i m e n t o
s o l i c i t a a existência significativa de classes de vanguarda (classe
da sua consciência p o l í t i c a (para a l é m d u m l i m i t e m í n i m o q u e é
operária c o n s c i e n t e de si a p r o l e t a r i a d o rural) q u e p o d e r i a m ga-
a consciência das suas necessidades), parece c o n s t i t u i r a verda-
rantir a vigilância das massas p o p u l a r e s sobre a evolução do movi-
deira vanguarda da luta d e libertação nacional no caso n e o c o -
m e n t o de libertação. C o n t r a r i a m e n t e , o caráter geralmente e m -
lonial. EJa não p o d e r á , n o e n t a n t o , realizar c o m p l e t a m e n t e a
b r i o n á r i o das classes t r a b a l h a d o r a s e a situação e c o n ó m i c a , so-
sua missão n o q u a d r o dessa luta (que não a c a b a c o m a c o n q u i s t a
cial e c u l t u r a l da f o r ç a física maior d a luta de libertação nacio-
d a independência) se não se aliar s o l i d a m e n t e c o m as o u t r a s c a -
nal — o s c a m p o n e s e s — não p e r m i t e m a estas d u a s forças princi-
madas e x p l o r a d a s : o s c a m p o n e s e s e m geral (servos, r e n d e i r o s , par-
pais dessa luta distinguir de per si a verdadeira independência na-
ceiros, p e q u e n o s proprietários agrícolas) e a p e q u e n a burguesia
cional da f i c t í c i a independência p o l í t i c a . Só u m a vanguarda re-
nacionalista. A realização dessa aliança exige a m o b i l i z a ç ã o e a
volucionária, geralmente u m a m i n o r i a ativa, pode c o n s c i e n t i z a r
organização das forças nacionalistas no q u a d r o (ou pela ação)
ab initio essa diferença e levá-la, através da luta, à consciência das
d u m a organização p o l í t i c a forte e b e m e s t r u t u r a d a .
massas populares. Isso e x p l i c a o caráter f u n d a m e n t a l m e n t e p o l í t i -
c o da luta de libertação nacional e d á , em certa m e d i d a , a impor- O u t r a distinção i m p o r t a n t e a f a z e r entre a situação c o l o n i a l
tância da f o r m a de luta no d e s f e c h o final do f e n ó m e n o da liber- e a n e o c o l o n i a l reside nas perspectivas d a luta. O caso c o l o n i a l
tação n a c i o n a l . (em q u e a nação classe se bate c o n t r a as forças de repressão da
Já na situação n e o c o l o n i a l , a estruturação, mais ou m e n o s burguesia d o país c o l o n i z a d o r ) p o d e c o n d u z i r , pelo m e n o s apa-
a c e n t u a d a , da s o c i e d a d e nativa na vertical, e a existência d u m r e n t e m e n t e , a u m a solução n a c i o n a l i s t a (revolução n a c i o n a l ) :
poder p o l í t i c o integrado por e l e m e n t o s nativos - E s t a d o nacio- — a nação c o n q u i s t a a s u a independência e a d o t a , e m hipótese,
nal — agravam as contradições no seio dessa s o c i e d a d e e t o r n a m a estrutura e c o n ó m i c a q u e b e m lhe apetece. O caso n e o c o l o n i a l
d i f í c i l , se não impossível, a criação d u m a frente u n i d a tão a m p l a (em q u e as classes t r a b a l h a d o r a s e o s seus a l i a d o s se b a t e m si-
c o m o no caso c o l o n i a l . Por u m l a d o , o s efeitos materiais (princi- m u l t a n e a m e n t e c o n t r a a burguesia imperialista e a classe diri-
palmente a nacionalização d o s q u a d r o s e o a u m e n t o da iniciativa gente nativa) não é resolvido através u m a solução n a c i o n a l i s t a ;
e c o n ó m i c a do n a t i v o , e m particular no plano c o m e r c i a l ) e psí- exige a destruição da estrutura c a p i t a l i s t a i m p l a n t a d a pelo

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i m p e r i a l i s m o no solo n a c i o n a l e p o s t u l a , j u s t a m e n t e , u m a solução c h a m a d a p a c í f i c a , m o s t r a m - n o s q u e não só o s c o m p r o m i s s o s
socialista. c o m o i m p e r i a l i s m o são c o n t r a p r o d u c e n t e s , m a s t a m b é m q u e a
E s t a distinção resulta p r i n c i p a l m e n t e d a diferença d o s níveis via n o r m a l da libertação n a c i o n a l , i m p o s t a a o s p o v o s pela repres-
das forças p r o d u t i v a s nos dois casos e do c o n s e q u e n t e a p r o f u n - são i m p e r i a l i s t a , kaJuta armada.
d a m e n t o da luta de classes. C r e m o s q u e nao e s c a n d a l i z a r e m o s esta A s s e m b l e i a a o afir-
N ã o seria d i f í c i l d e m o n s t r a r q u e , no t e m p o , essa distinção m a r m o s q u e a única via e f i c a z para a realização c a b a l e definiti-
é apenas a p a r e n t e . Basta lembrar q u e , nas condições históricas va das aspirações d o s povos à libertação n a c i o n a l — é a luta ar-
atuais — liquidação do i m p e r i a l i s m o q u e lança m ã o de t o d o s os m a d a . E s t a é a grande lição q u e a história r e c e n t e e atual de
m e i o s para perpetuar a sua d o m i n a ç ã o sobre o s nossos p o v o s , e libertação ensina a t o d o s a q u e l e s q u e estão v e r d a d e i r a m e n t e
consolidação do s o c i a l i s m o sobre u m a parte considerável do e m p e n h a d o s na libertação n a c i o n a l d o s seus p o v o s .
globo - Ç f ó d u a s vias são possíveis para u m a nação i n d e p e n d e n t e :
voltar à d o m i n a ç ã o imperialista ( n e o c o l o n i a l i s m o , c a p i t a l i s m o ,
c a p i t a l i s m o de E s t a d o ) ou adotar a via socialista. E s t a o p ç ã o , de SOBRE A PEQUENA BURGUESIA
q u e d e p e n d e a compensação dos esforços e sacrifícios pelas
massas p o p u l a r e s no d e c u r s o da luta, é f o r t e m e n t e i n f l u e n c i a d a E v i d e n t e m e n t e , t a n t o a eficácia dessa via c o m o a estabi-
pela f o r m a de luta e. pelo grau de consciência revolucionária lidade d a situação a q u e ela c o n d u z , d e p o i s d a libertação, de-
daqueles q u e a dirigem^) p e n d e m não só das características da organização d a l u t a , m a s
t a m b é m d a consciência p o l í t i c a e m o r a l d a q u e l e s q u e , por razões
históricas, estão e m condições de ser o s h e r d e i r o s imediatos d o
O PAPEL DA VIOLÊNCIA E s t a d o c o l o n i a l o u n e o c o l o n i a l . O r a o s fatos t ê m d e m o n s t r a d o
q u e a única c a m a d a social c a p a z , t a n t o de c o n s c i e n c i a l i z a r e m
O s fatos d i s p e n s a m - n o s de usar palavras para provar q u e o p r i m e i r o lugar a realidade d a d o m i n a ç ã o imperialista, c o m o de
i n s t r u m e n t o essencial da d o m i n a ç ã o imperialista é a violência. m a n i p u l a r o aparelho d o E s t a d o , h e r d a d o dessa d o m i n a ç ã o , é a
S e a c e i t a r m o s o p r i n c í p i o de q u e a luta de libertação nacional é p e q u e n a burguesia nativa. S e t i v e r m o s e m c o n t a as características
u m a revolução, e q u e ela não a c a b a no m o m e n t o e m q u e se iça a aleatórias, a c o m p l e x i d a d e e as tendências naturais inerentes à
bandeira e se t o c a o h i n o n a c i o n a l , v e r e m o s q u e não há n e m pode situação e c o n ó m i c a dessa c a m a d a social o u classe, v e m o s q u e esta
haver libertação n a c i o n a l sem o uso da violência libertadora, por fatalidade específica da nossa situação é mais u m a das f r a q u e z a s
parte das forças n a c i o n a l i s t a s , para responder à violência c r i m i - d o m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l .
nosa d o s agentes do i m p e r i a l i s m o . N i n g u é m duvida de q u e , sejam
quais f o r e m as suas características locais, a d o m i n a ç ã o imperia- A situação c o l o n i a l , q u e não c o n s e n t e o d e s e n v o l v i m e n t o
lista i m p l i c a u m estado de p e r m a n e n t e violência c o n t r a as forças d u m a pseudo-burguesia nativa e na q u a l as massas p o p u l a r e s não
nacionalistas. N ã o há povo no m u n d o q u e , t e n d o sido s u b m e t i d o a t i n g e m , em geral, o necessário grau de consciência p o l í t i c a antes
d o d e s e n c a d e a m e n t o d o f e n ó m e n o da libertação n a c i o n a l , dá à


ao jugo imperialista (colonialista ou n e o c o l o n i a l i s t a ) tenha c o n -
istado a s u a independência ( n o m i n a l o u efetiva) sem v í t i m a s , p e q u e n a burguesia a o p o r t u n i d a d e histórica de dirigir a luta
q u e i m p o r t a é d e t e r m i n a r quais as f o r m a s de violência que c o n t r a a d o m i n a ç ã o estrangeira, e m v i r t u d e de ser, pela sua situa-
vem ser utilizadas pelas forças de libertação n a c i o n a l , para não ção objetiva e subjetiva ( n í v e l d e vida s u p e r i o r ao das massas,
só r e s p o n d e r e m à violência d o i m p e r i a l i s m o m a s t a m b é m para ga- c o n t a t o s mais f r e q u e n t e s c o m o s agentes d o c o l o n i a l i s m o , por-
r a n t i r e m , através da luta, a vitória final da sua c a u s a , isto é, a t a n t o , maior f r e q u ê n c i a d e h u m i l h a ç õ e s , m a i o r grau de instrução
verdadeira independência nacional?) e d e c u l t u r a p o l í t i c a , etc.) a c a m a d a q u e mais c e d o realiza a c o n s -
A s experiências, passadas e r e c e n t e s , vividas por alguns ciência d a necessidade de se desembaraçar da d o m i n a ç ã o estran-
p o v o s ; a situação atual da luta de libertação n a c i o n a l no m u n d o geira. A s s u m e esta responsabilidade histórica o setor da p e q u e n a
(em especial nos casos do V i e t n a m , d o C o n g o e do Z i m b a b w e ) , burguesia a q u e , n o c o n t e x t o c o l o n i a l , se p o d e r i a c h a m a r revolu-
assim c o m o a própria situação de violência p e r m a n e n t e o u , cionário, e n q u a n t o o s o u t r o s setores p e r m a n e c e m na hesitação
q u a n d o m e n o s , de contradições e sobressaltos, e m q u e se e n c o n - característica dessa classe ou se aliam ao c o l o n i a l i s t a para de-
t r a m alguns países q u e c o n q u i s t a r a m a independência pela via fender, e m b o r a i l u s o r i a m e n t e , a s u a situação s o c i a l .

38 39

tm
A situação n e o c o l o n i a l , q u e p o s t u l a a liquidação da p s e u d o - as tentações de e m b u r g u e s a m e n t o e as solicitações naturais da
burguesia nativa para q u e se c o n s u m e a libertação n a c i o n a l , t a m - sua mentalidade d e classe, identificar-se c o m as classes trabalha-
b é m dá à p e q u e n a burguesia a o p o r t u n i d a d e de d e s e m p e n h a r u m doras, não se opor ao d e s e n v o l v i m e n t o normal do processo da
papel de relevo — m e s m o d e c i s i v o — na luta pela liquidação es- revolução. Isso significa q u e , para d e s e m p e n h a r c a b a l m e n t e o
trangeira. M a s , neste c a s o , e m v i r t u d e d o s progressos relativos papel q u e lhe c a b e n a luta d e libertação n a c i o n a l , a pequena bur-
r e a l i z a d o s na e s t r u t u r a s o c i a l , a f u n ç ã o de direção d a luta é c o m - guesia r e v o l u c i o n á r i a deve ser capaz de suicidar-se como classe,
partilhada e m m a i o r o u m e n o r g r a u , c o m o s setores mais escla- para ressuscitar n a c o n d i ç ã o d e t r a b a l h a d o r r e v o l u c i o n á r i o ,
r e c i d o s das classes t r a b a l h a d o r a s e a t é c o m alguns e l e m e n t o s d a i n t e i r a m e n t e i d e n t i f i c a d o c o m a s aspirações m a i s p r o f u n d a s d o
pseudo-burguesia n a c i o n a l , d o m i n a d o s pelo s e n t i m e n t o patrió- povo a q u e p e r t e n c e .
t i c o . ^ papel do setor da pequena burguesia que participa na r^Essa alternativa — trair a revolução o u suicidar-se c o m o
d i r e ç ã o da luta é tanto mais importante quanto é certo que, classe — constitui o dilema dajpequena burguesia no quadro geral
t a m b é m na situação neocolonial, ela está mais apta a assumir da luta de libertação n a c i o n a í J A s u a solução p o s i t i v a , e m favor
essas f u n ç õ e s , quer pelas l i m i t a ç õ e s e c o n ó m i c a s e culturais das d a revolução, d e p e n d e d a q u i l o a q u e , a i n d a r e c e n t e m e n t e , F i d e l
massas trabalhadoras, quer pelos complexos e limitações de natu- C a s t r o c h a m o u , c o m p r o p r i e d a d e , desenvolvimento da consciên-
reza ideológica que caracterizam o setor da pseudo-burguesia cia revolucionária. E s s a dependência atrai n e c e s s a r i a m e n t e a nos-
nacional que adere à luta. Neste caso ainda, importa salientar sa a t e n ç ã o sobre a c a p a c i d a d e d o dirigente d a luta de libertação
que a missão que lhe está confiada exige a esse setor da pequena n a c i o n a l de se m a n t e r fiel a o s p r i n c í p i o s e à c a u s a f u n d a m e n t a l
burguesia uma maior c o n s c i ê n c i a r e v o l u c i o n á r i a , a capacidade de dessa luta. Isso revela, e m c e r t a m e d i d a , q u e se a libertação na-
interpretar fielmente as aspirações das massas em cada fase da c i o n a l é e s s e n c i a l m e n t e u m p r o b l e m a p o l í t i c o , as condições d o
luta e de se identificar c o m elas cada vez mais^ seu d e s e n v o l v i m e n t o i m p r i m e m - l h e a l g u m a s características q u e
Mas, p o r m a i o r q u e seja o grau de consciência revolucionária são d o â m b i t o d a m o r a l .
d o setor da p e q u e n a burguesia c h a m a d a a d e s e m p e n h a r essa f u n -
E s t a é a m o d e s t a c o n t r i b u i ç ã o q u e , e m n o m e das organi-
ção histórica, ela não pode libertar-se desta realidade objetiva:
zações n a c i o n a l i s t a s d o s países a f r i c a n o s a i n d a p a r c i a l m e n t e o u
a pequena burguesia, como classe de serviços, quer dizer, não
t o t a l m e n t e d o m i n a d o s pelo c o l o n i a l i s m o português, e n t e n d e m o s
diretamente i n c l u í d a no processo da p r o d u ç ã o , não dispõe de
dever trazer a o debate geral desta A s s e m b l e i a . S o l i d a m e n t e uni-
bases e c o n ó m i c a s que lhe garantam a tomada do, poder. C o m
dos n o seio da nossa organização m u l t i n a c i o n a l — a C O N C P —
e f e i t o , a história d e m o n s t r a q u e , q u a l q u e r q u e ^seja o papel
e s t a m o s d e t e r m i n a d o s a m a n t e r - n o s fiéis aos interesses e às j u s t a s
(muitas vezes de i m p o r t â n c i a ) d e s e m p e n h a d o por i n d i v í d u o s
aspirações d o s nossos p o v o s , q u a i s q u e r q u e sejam as nossas
originários da p e q u e n a burguesia n o p r o c e s s o d u m a r e v o l u ç ã o , essa
origens nas s o c i e d a d e s a q u e p e r t e n c e m o s . A vigilância e m
classe n u n c a esteve na posse d o poder p o l í t i c o . E não poderia
relação a essa f i d e l i d a d e é, aliás, u m d o s o b j e t i v o s p r i n c i p a i s da
estar, p o r q u e o p o d e r p o l í t i c o (o E s t a d o ) se alicerça na c a p a c i d a d e
nossa organização, no interesse d o s nossos p o v o s , d a Á f r i c a e d a
e c o n ó m i c a d a classe dirigente e, nas condições da s o c i e d a d e c o -
H u m a n i d a d e e m luta c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . P o r isso nos b a t e m o s
lonial e n e o c o l o n i a l , essa c a p a c i d a d e está d e t i d a nas mãos de d u a s
j á , de a r m a s nas mãos, c o n t r a as forças c o l o n i a l i s t a s p o r t u g u e s a s ,
entidades: o c a p i t a l imperialista e as classes t r a b a l h a d o r a s nativas.
e m A n g o l a , n a G u i n é e e m M o ç a m b i q u e , e e s t a m o s a preparar-nos
Para manter o poder que a libertação nacional põe nas suas para f a z e r o m e s m o e m C a b o V e r d e e e m S ã o T o m é e P r í n c i p e .
mãos, a pequena burguesia só tem um c a m i n h o : d e i x a r agir livre- Por isso d e d i c a m o s a maior a t e n ç ã o a o t r a b a l h o p o l í t i c o no seio
mente as suas tendências naturais de emburguesamento, permitir dos nossos povos, m e l h o r a n d o e r e f o r ç a n d o c a d a dia as nossas
o desenvolvimento duma burguesia b u r o c r á t i c a e de i n t e r m e d i á - organizações n a c i o n a i s , na direção d a s q u a i s se e n c o n t r a m repre-
rios do ciclo das mercadorias, transformar-se em pseudo-burgue- sentados t o d o s os setores da nossa s o c i e d a d e . P o r isso n o s mante-
sia nacional, isto é, negar a revolução e enfeudar-se necessaria- m o s vigilantes c o n t r a nós m e s m o s e p r o c u r a m o s , na base d o c o -
mente ao capital imperialista. O r a isso c o r r e s p o n d e à situação n h e c i m e n t o c o n c r e t o d a s nossas forças e das nossas f r a q u e z a s , re-
n e o c o l o n i a l , q u e r d i z e r , à traição d o s objetivos da libertação na- f o r ç a r a q u e l a s e t r a n s f o r m a r estas e m forças, pelo d e s e n v o l v i m e n -
c i o n a l . Para não trair esses objetivos, a pequena burguesia só tem t o c o n s t a n t e da nossa consciência revolucionária. P o r isso e s t a m o s
u m c a m i n h o : reforçar a sua c o n s c i ê n c i a r e v o l u c i o n á r i a , repudiar e m C u b a , presentes a esta C o n f e r ê n c i a .

41

I
N ã o d a r e m o s vivas nem p r o c l a m a r e m o s a q u i a nossa solida-
dade) d o p e n s a m e n t o d e L e n i n e e da vastidão das consequências
riedade para c o m este o u aquele povo e m luta. A nossa presença é
práticas da s u a ação n o c o n t e x t o histórico a t u a l .
u m grito de condenação do i m p e r i a l i s m o e u m a prova dé solida-
Para o s m o v i m e n t o s d e libertação n a c i o n a l , c u j a tarefa é fa-
riedade para c o m t o d o s o s povos que q u e r e m varrer das suas pá
zer a r e v o l u ç ã o , m o d i f i c a n d o r a d i c a l m e n t e , pelas vias mais ade-
trias o jugo imperialista, e m particular c o m o heróico povo d o
q u a d a s , a situação e c o n ó m i c a , p o l í t i c a , social e c u l t u r a l d o s seus
V i e t n a m . Mas c r e m o s f i r m e m e n t e q u e a m e l h o r prova q u e pode-
p o v o s , o p e n s a m e n t o e a ação d e L e n i n e t ê m u m interesse especial.
r e m o s dar de que s o m o s c o n t r a o i m p e r i a l i s m o e a t i v a m e n t e soli-
Mas L e n i n e não d e i x o u a p e n a s a sua o b r a . F o i e c o n t i n u a a
dários para c o m o s nossos c o m p a n h e i r o s , nesta luta c o m u m , c o n -
ser u m e x e m p l o vivo de c o m b a t e n t e pela causa d a h u m a n i d a d e ,
siste e m regressar aos nossos países, desenvolver c a d a dia mais a
pela libertação e c o n ó m i c a , e p o r t a n t o n a c i o n a l , social e c u l t u r a l
luta e m a n t e r m o - n o s fiéis a o s p r i n c í p i o s e objetivos da libertação
do h o m e m . A sua vida e o seu comportamento c o m o personalida-
nacional.
de humana c o n t ê m lições e e x e m p l o s úteis para t o d o s o s c o m b a -
F a z e m o s votos para q u e c a d a m o v i m e n t o de libertação na-
tentes d a libertação n a c i o n a l .
c i o n a l aqui presente possa, c o m a r m a s nas mãos, repetir no seu
E n t r e essas lições, as q u e nos p a r e c e m ser d a m a i o r a c u i d a d e
país, e m uníssono c o m o seu p o v o , o grito já legendário d o P o v o
para o s m o v i m e n t o s de libertação referem-se a o c o m p o r t a m e n t o
de C u b a : P A T R I A O M U E R T E . V E N C E R E M O S !
m o r a l , à ação p o l í t i c a , à estratégia e à prática revolucionárias.
M o r t e para as forças imperialistas!
No â m b i t o geral do m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l , espe-
Pátria livre, próspera e feliz para c a d a u m d o s nossos p o v o s !
c i a l m e n t e ' n condições c o m o as nossas, o c o m p o r t a m e n t o m o r a l
VENCEREMOS!
d o c o m b a t e n t e , e m p a r t i c u l a r d o s dirigentes, é u m fator p r i m o r -
dial q u e pode i n f l u e n c i a r s i g n i f i c a t i v a m e n t e o ê x i t o o u o f r a c a s s o
I I . Uma luz fecunda ilumina o caminho da luta: d o m o v i m e n t o , é evidente q u e a luta é e s s e n c i a l m e n t e p o l í t i c a ,
mas as circunstâncias p o l í t i c a s , e c o n ó m i c a s e sociais - históricas
Lenine e a luta de libertação nacional
— e m q u e se e s t r u t u r a e d e s e n v o l v e o m o v i m e n t o , c o n f e r e m aos
problemas de natureza moral uma particular importância, devido
Nota do autor à primeira publicação:
p r i n c i p a l m e n t e às fraquezas próprias do m o v i m e n t o n a c i o n a l d e
libertação nas colónias, a o o p o r t u n i s m o o u às p o s s i b i l i d a d e s de
Retomamos, nesta pequena brochura, editada pela Comissão
o p o r t u n i s m o q u e o c a r a c t e r i z a m , às pressões e m a n h a s utilizadas
de Informações do Partido, parte dos temas abordados no
pelo inimigo i m p e r i a l i s t a , assim c o m o à d i f i c u l d a d e , m e s m o a im-
nosso discurso improvisado no Symposium t/'Alma-Ata (Re-
possibilidade de u m c o n t r o l e d o m o v i m e n t o e d o s seus c h e f e s
pública Socialista Soviética do Kazakstan), em Abril de
pelas massas p o p u l a r e s n a c i o n a l i s t a s . No m o v i m e n t o de liberta-
1970
ç ã o , c o m o e m q u a l q u e r o u t r o e m p r e e n d i m e n t o h u m a n o — e se-
j a m q u a i s f o r e m o s f a t o r e s materiais e sociais q u e c o n d i c i o n e m a
I * sua evolução —, o h o m e m (a s u a m e n t a l i d a d e , o seu c o m p o r t a -
m e n t o ) é o e l e m e n t o essencial e d e t e r m i n a n t e .
O valor e o caráter t r a n s c e n d e n t e d o p e n s a m e n t o e da obra
h u m a n a , p o l í t i c a , c i e n t í f i c a , c u l t u r a l — histórica - d e V l a d i m i r L e n i n e foi u m e x e m p l o de coerência consigo m e s m o e d e
l l i t c h L e n i n e são há m u i t o já u m fato u n i v e r s a l m e n t e r e c o n h e c i - coerência entre as palavras e o s a t o s . S o u b e , através de t o d a a
d o . M e s m o o s m a i s ferozes adversários das suas ideias t i v e r a m de evolução característica d a sua p e r s o n a l i d a d e , p e r m a n e c e r igual a
reconhecer em L e n i n e u m revolucionário consequente, que soube si m e s m o na verticalidade das suas opções e d o s seus a t o s . Estes
dedicar-se t o t a l m e n t e à causa d a revolução e fazê-la, u m f i l ó s o f o s e m p r e c o r r e s p o n d e r a m às suas palavras, pois s o u b e rejeitar o ver-
e u m sábio c u j a g r a n d e z a só é c o m p a r á v e l à d o s m a i o r e s pensado- b a l i s m o f á c i l , a a d u l a ç ã o e a demagogia.
res da h u m a n i d a d e . A t u a l m e n t e , não é raro ouvir p o l í t i c o s — L e n i n e f o i u m e x e m p l o de h o n e s t i d a d e , de p r o b i d a d e , de
m e s m o o s mais anti-socialistas — citar L e n i n e ou gabar se de ter s i n c e r i d a d e e de c o r a g e m . S e m p r e c o l o c o u a c i m a de t o d a s as suas
lido as suas o b r a s . É evidente q u e não p o d e m o s acreditá-los à le- conveniências a necessidade de observar r i g o r o s a m e n t e os deveres
t r a , mas isso dá b e m a m e d i d a d a i m p o r t â n c i a ( m e s m o da necessi- d a m o r a l e da j u s t i ç a , recusar a m e n t i r a e p r a t i c a r a v e r d a d e ,

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sejam q u a i s f o r e m as consequências o u o s p r o b l e m a s q u e possa do possível, L e n i n e d e m o n s t r o u q u e é antes a arte d e t r a n s f o r m a r
criar. o q u e é a p a r e n t e m e n t e impossível e m possível (tornar possível o
C o m o u m ser h u m a n o integral, s o u b e a m a r e odiar. A m a r a impossível), rejeitando c a t e g o r i c a m e n t e o o p o r t u n i s m o . A s s i m
c a u s a da libertação d o h o m e m d e q u a l q u e r espécie d e opressão, a d e f i n i d a , a ação p o l í t i c a i m p l i c a u m a criatividade permanente.
a v e n t u r a m a r a v i l h o s a q u e é a vida h u m a n a , t u d o o q u e há d e belo Para e l a , c o m o para a a r t e , criar não é inventar.
e c o n s t r u t i v o no planeta. O d i a r o s inimigos d o progresso e da fe- A ação d e L e n i n e é c a r a c t e r i z a d a por u m a grande f l e x i b i l i -
licidade d o h o m e m , o inimigo d e classe, o s o p o r t u n i s t a s , a covar- d a d e c o n s t r u t i v a . E m cada p r o b l e m a , e m c a d a f a t o da l u t a , mes-
d i a , a m e n t i r a , t o d o s o s fatores d e a v i l t a m e n t o da consciência so- m o no mais negativo, s o u b e discernir o lado positivo para dele
cial e m o r a l d o h o m e m . S e m p r e c o n s i d e r o u o h o m e m c o m o o va- e x t r a i r todas as vantagens e f a z e r avançar a luta. Nesse â m b i t o ,
lor s u p r e m o d o U n i v e r s o . A s u a dedicação às crianças t o r n o u - s e c o m o n o u t r o s , d e m o n s t r o u u m a perseverança a t o d a a prova.
lendária p o i s , para e l e , esses seres d e l i c a d o s e tantas vezes i n c o m - E l e , q u e c o n s i d e r a v a q u e " o s fatos são t e i m o s o s " , era t e i m o s o
p r e e n d i d o s , v í t i m a s i n o c e n t e s d a e x p l o r a ç ã o d o h o m e m pelo ho- c o m o os f a t o s . C o n f i a n d o n a o p i n i ã o d o s o u t r o s , apesar d i s s o ,
m e m , são as f l o r e s da h u m a n i d a d e , a esperança e a c e r t e z a d o c e r t o d e q u e t o d o o c o m b a t e n t e t e m necessidade d o s o u t r o s ,
t r i u n f o d e u m a vida d e justiça. s e m p r e s o u b e m u d a r d e o p i n i ã o q u a n d o a razão — a verdade cien-
A luta d e libertação n a c i o n a l é, c o m o já d i s s e m o s , u m a luta t í f i c a — não estava d o seu lado.
p o l í t i c a q u e p o d e revestir diversas f o r m a s , de a c o r d o c o m as cir- C r í t i c o r i g o r o s o , m e s m o v i o l e n t o , t a n t o d o s seus adversários
cunstâncias específicas e m q u e se desenvolve. N o nosso caso c o n - c o m o d o s seus c o m p a n h e i r o s de luta caídos e m e r r o , L e n i n e
c r e t o , e s g o t a m o s t o d o s o s m e i o s pacíficos a o nosso a l c a n c e para soube praticar e x e m p l a r m e n t e a a u t o c r í t i c a . S a b i a r e c o n h e c e r os
levar o s c o l o n i a l i s t a s portugueses a u m a m o d i f i c a ç ã o radical da seus erros e elogiar o valor d o s o u t r o s , m e s m o d o s seus mais fero-
sua p o l í t i c a no sentido d a libertação e d o progresso d o nosso zes adversários; m a s s o u b e usar d e u m a severidade s e m limites
p o v o . Só e n c o n t r a m o s repressão e c r i m e s . D e c i d i m o s e n t ã o pegar para a t a c a r os q u e c o n s i d e i j v a c o m o inimigos d e classe e d a revo-
e m armas para n o s b a t e r m o s c o n t r a a t e n t a t i v a d e g e n o c í d i o d o lução.
nosso p o v o , d e c i d i d o a ser livre e senhor d o seu p r ó p r i o d e s t i n o . L e n i n e s e m p r e d e m o n s t r o u u m a confiança s e m limites na
O f a t o d e t r a v a r m o s u m a luta a r m a d a d e libertação e m nada c a p a c i d a d e das massas, m a s s o u b e no e n t a n t o d e m o n s t r a r clara-
m o d i f i c a o caráter e s s e n c i a l m e n t e p o l í t i c o d o nosso c o m b a t e . mente q u e estas n u n c a d e v i a m agir c o m a n a r q u i a , sem u m plano
Pelo c o n t r á r i o , a c e n t u a - o . O r a , não há, n ã o pode^haver ação p o l í - b e m c o n c e b i d o , c o r r e s p o n d e n t e às possibilidades c o n c r e t a s d e
t i c a , seja q u a l f o r a s u a f o r m a , s e m p r i n c í p i o s b e m d e f i n i d o s , ação. Para e l e , as massas n u n c a d e v e m ser acéfalas.
q u e r sejam b o n s o u m a u s .
N o plano p o l í t i c o , L e n i n e f o i u m e x e m p l o d e f i d e l i d a d e aos
princípios. S o u b e fazer concessões sobre a f o r m a de reivindica-
ções, d e ações, m a s n u n c a sobre o s p r i n c í p i o s , p r i n c i p a l m e n t e
q u a n d o se t r a t a v a de d e f e n d e r o s interesses d a classe e da nação
q u e r e p r e s e n t a v a , assim c o m o n a prática c o n s e q u e n t e d e u m in- N o â m b i t o geral d o m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l , tal
t e r n a c i o n a l i s m o d e s p r o v i d o d e reservas, d e t i m i d e z o u d e c o n d i - c o m o e m q u a l q u e r c o n f r o n t a ç ã o , p a c í f i c a o u n ã o , há a necessida-
cionamentos. de vital d e d e s c o b r i r as leis gerais d a luta e agir c o m base n u m pla-
É igualmente u m a lição d e r e a l i s m o , d e noção clara da possi- no geral c o n c e b i d o e e l a b o r a d o a partir d a realidade c o n c r e t a d o
bilidade e da oportunidade p o l í t i c a , q u e e n c o n t r a a sua expressão meio e d o s fatores e m presença. Isto q u e r dizer q u e qualquer mo-
m á x i m a n a decisão d e d e s e n c a d e a r a insurreição d e O u t u b r o d e vimento de libertação necessita de uma estratégia.
1 9 1 7 , apesar das e n o r m e s d i f i c u l d a d e s para vencer as hesitações Na elaboração desta estratégia é preciso ser capaz de distin-
e as oposições mais o u m e n o s f u n d a m e n t a d a s . U m a lição d e fir- guir o essencial do secundário, o permanente do temporário. S e m
m e z a na via d e t e r m i n a d a para c o n d u z i r a ação p o l í t i c a , ilustrada nunca c o n f u n d i r estratégia e tética, a ação deve basear-se numa
pelo c o m b a t e sem tréguas q u e m o v e u a t o d o s o s desvios " d e di- concepção c i e n t í f i c a da realidade, seja qual for a influência dos
r e i t a " o u d e " e s q u e r d a " e q u e t a n t o s inimigos lhe c r i o u . Ultra- fatores subjetivos que é necessário enfrentar.
passando a concepção vulgar, segundo a q u a l a p o l í t i c a é a arte T a m b é m nesse plano L e n i n e d e u u m a lição m u i t o útil a o s

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Para criar na luta é necessário c o n d u z i - l a , desenvolver t o d o s
m o v i m e n t o s de libertação, aos c o m b a t e n t e s da liberdade. T i n h a
os esforços e a c e i t a r os sacrifícios necessários. A luta não é feita
u m a n í t i d a consciência do valor da unidade c o m o m e i o necessá-
de palavras m a s de ação q u o t i d i a n a , o r g a n i z a d a e d i s c i p l i n a d a , de
rio para a l u t a , m a s não c o m o u m f i m e m s i . Para L e n i n e , não se
t o d o s o s e l e m e n t o s válidos. A atividade m ú l t i p l a desenvolvida por
trata de unir t o d o s e m t o r n o da m e s m a c a u s a , por mais justa q u e
L e n i n e no d e c u r s o de u m a longa luta é u m e x e m p l o de c o n t i n u i -
ela seja, de realizar a u n i d a d e a b s o l u t a , de unir-se não i m p o r t a
dade e consequência, d e esforços e sacrifícios, assim c o m o da ca-
c o m q u e m . A unidade, como qualquer outra realidade, está sujei-
pacidade para m o b i l i z a r as forças necessárias n o t e m p o e no espa-
ta às transformações quantitativas, positivas ou negativas. A ques-
ço necessários.
tão é descobrir qual é o grau de unidade suficiente que pode per-
mitir o desencadear e garantir o avanço vitorioso da luta. E, pos- Demonstrando que, numa luta, as dificuldades subjetivas são
teriormente, preservar essa unidade contra todos os fatores de as mais d i f í c e i s de ultrapassar, Lenine tinha consciência desta rea-
dissolução ou divisão, tanto internos como externos. lidade: a luta é feita de êxitos e fracassos, de vitórias e derrotas,
Por o u t r o lado, L e n i n e t i n h a u m a consciência p r o f u n d a da mas avança sempre e as suas fases, mesmo as mais idênticas, nun-
necessidade de c o n h e c e r o m e l h o r possível, na luta, as forças e as ca se repetem, pois a luta é um processo e não um acidente, uma
f r a q u e z a s do inimigo, tal c o m o as nossas próprias forças e fraque- corrida de fundo e não de velocidade: as derrotas eventuais não
zas. & concepção leninista da estratégia implica que devemos agir podem justificar nem a desmoralização nem a desistência, porque
no sentido de aumentar as fraquezas do inimigo e transformar as mesmo os insucessos podem ser uma base de partida para novos
suas forças em fraquezas e, simultaneamente, preservar e reforçar êxitos.
as nossas forças e eliminar as nossas fraquezas ou transformá-las E s s a ultrapassagem só é possível se e x t r a i r m o s u m a lição de
em forças.^ c a d a e r r o , de cada experiência positiva o u negativa e p a r t i n d o do
Isto é possível pela aliança permanente e d i n â m i c a entre a p r i n c í p i o de q u e , se é c e r t o q u e a teoria sem prática é u m a perda
teoria e a prática. A vida de Lenine é a aplicação consequente de t e m p o , não há prática c o n s e q u e n t e sem t e o r i a .
desta m á x i m a dialética de Paul Langevin: o pensamento deriva da P r i n c i p a l a r t í f i c e da grande Revolução de O u t u b r o , q u e mo-
ação e, no homem consciente, deve regressará ação. Isso implica d i f i c o u o destino não apenas do povo russo m a s da h u m a n i d a d e ;
que, como Lenine demonstrou através de toda a sua vida, a ação criador do p r i m e i r o E s t a d o socialista; dirigente s u p r e m o da R e -
deve basear-se na análise concreta de cada situação concreta. volução nas antigas colônicas c z a r i s t a s ; t e ó r i c o e p r á t i c o c o n h e c e -
De acordo com Lenine, tanto na luta como em qualquer o u - d o r na solução do d e l i c a d o p r o b l e m a q u e representava a questão
tro f e n ó m e n o em movimento, as transformações qualitativas só nacional no país d o s sovietes; m i l i t a n t e c a t a l i z a d o r do m o v i m e n -
se operam a partir de determinado nível de modificações quanti- to operário i n t e r n a c i o n a l - L e n i n e m a r c o u o século e o f u t u r o d o
tativas, o que significa que o processo da luta evolui por etapas, h o m e m c o m a s u a p e r s o n a l i d a d e de r e v o l u c i o n á r i o , legando às ge-
por fases bem definidas. Nesta base e nesta perspectiva devem ser rações q u e lhe s u c e d e r a m u m a o b r a tão singular c o m o cheia de li-
estabelecidas as táticas a seguir, que não são incompatíveis ções.
mesmo com os recuos que, em determinados momentos, podem Para os movimentos de libertação, Lenine forneceu mais
ser o único meio de fazer progredir a luta. esta valiosa c o n t r i b u i ç ã o : demonstrou, definitivamente, que os
^ Q u a l q u e r luta é experiência n o v a , seja q u a l for a s o m a de povos oprimidos podem libertar-se e ultrapassar todos os obstácu-
c o n h e c i m e n t o s teóricos ou de experiências práticas q u e lhe di- los para a construção de uma vida de justiça, de dignidade e de
z e m respeito. Q u a l q u e r luta i m p l i c a , p o r t a n t o , u m d e t e r m i n a d o progresso.
grau de e m p i r i s m o , m a s não é necessário inventar o q u e já o f o i : É desejável q u e , i n d e p e n d e n t e m e n t e das suas tendências o u
é sim preciso criar nas condições c o n c r e t a s e m q u e a luta se t r a v a . opções políticas, o s a u t ê n t i c o s m o v i m e n t o s de libertação possam
A i n d a neste p o n t o a lição de L e n i n e é p e r t i n e n t e : ele detestava beber nas lições e no e x e m p l o de L e n i n e a inspiração necessária
tanto o e m p i r i s m o cego c o m o os dogmas. A assimilação c r í t i c a para o seu p e n s a m e n t o , para a sua ação e para o c o m p o r t a m e n t o
(dos c o n h e c i m e n t o s o u das experiências d o s o u t r o s ) é tão válida m o r a l e intelectual d o s seus dirigentes. No interesse geral da luta
para a vida como para a luta. O pensamento dos outros, filosófico c o n t r a o i m p e r i a l i s m o e se t i v e r m o s e m consideração algumas
ou c i e n t í f i c o — por mais lúcido q u e seja —, é apenas uma base contradições q u e c a r a c t e r i z a m as a t u a i s relações entre as o u t r a s
que permite pensar e agir, portanto, c r i a r j forças anti-imperialistas e m e s m o alguns a s p e c t o s da sua ação,

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não seria j u s t o n e m , t a l v e z , o b j e t i v o , limitar esse desejo u n i c a - bertação tribal o u é t n i c a , m a s t a m b é m m o v i m e n t o de luta de li-
m e n t e aos m o v i m e n t o s de libertação. bertação n a c i o n a l . O s povos da antiga I n d o c h i n a e de o u t r a s re-
giões da Ásia; d o M é x i c o , da B o l í v i a e de o u t r o s países do c o n t i -
nente a m e r i c a n o ; d a G r é c i a , d o s Balcãs e m geral, m e s m o de Por-
tugal, na E u r o p a ; d o E g i t o , da Á f r i c a O r i e n t a l e d a Á f r i c a O c i -
II dental — para só citar estes — t i v e r a m , no p a s s a d o , a sua e x p e r i ê n -
cia de luta de libertação n a c i o n a l .
A c o n t e c e hoje c o m a d o u t r i n a de L e n i n e o q u e já se verifi- E s s e s m o v i m e n t o s s o f r e r a m vitórias ou d e r r o t a s , mas existi-
c o u mais de u m a vez na história c o m as d o u t r i n a s d o s pensadores ram e d e i x a r a m vestígios indeléveis nos povos q u e a f e t a r a m , no
revolucionários e d o s c h e f e s de classes o u nações o p r i m i d a s e m â m b i t o das c o o r d e n a d a s históricas das sociedades e m questão,
luta pela sua libertação. D u r a n t e a vida d o s grandes revolucioná- n u m a d e t e r m i n a d a etapa d a evolução e c o n ó m i c a e p o l í t i c a da hu-
rios, as classes opressoras r e c o m p e n s a m - n o s c o m incessantes per- manidade.
seguições: a c o l h e m as suas d o u t r i n a s c o m u m f u r o r selvagem, N ã o há n o e n t a n t o lugar para confusões. L e n i n e d e m o n s t r o u
c o m u m ó d i o t e n a z , c o m as mais intensas c a m p a n h a s de mentiras que o império romano, por e x e m p l o , não é a m e s m a realidade
e calúnias. D e p o i s da sua m o r t e , t e n t a m fazer deles ícones ino- histórica q u e o império britânico, e m b o r a a m b o s t e n h a m e m co-
fensivos, c a n o n i z a m - n o s , por assim dizer, r o d e a n d o o seu n o m e m u m o q u e parece ser, a t é agora, u m a necessidade ou u m a cons-
c o m uma certa auréola a f i m de " c o n s o l a r " as classes o u as na- tante nas relações entre as s o c i e d a d e s h u m a n a s : a tentativa o u o
ções o p r i m i d a s e de as m i s t i f i c a r ; f a z e n d o - o , e s v a z i a m a d o u t r i n a ê x i t o do d o m í n i o p o l í t i c o e d a e x p l o r a ç ã o e c o n ó m i c a de c e r t o s
revolucionária do seu conteúdo, d e p r e c i a m - n a e destróem-lhe a povos o u nações por E s t a d o s estrangeiros o u , o q u e v e m a dar no
f o r ç a revolucionária, é nessa f o r m a de " a r r a n j a r " o l e n i n i s m o q u e m e s m o , por classes dirigentes estrangeiras.
hoje c o i n c i d e m a burguesia e o s o p o r t u n i s t a s , t a n t o do m o v i m e n - É evidente q u e C a r l o s Magno não foi n e m podia ser César o u
to o p e r á r i o c o m o do m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l . E s q u e - Á t i l a , mas é a i n d a mais e v i d e n t e q u e q u a l q u e r c h e f e de E s t a d o
c e m , a m o r d a ç a m , a l t e r a m o lado revolucionário da d o u t r i n a , a imperialista não é, n e m pode ser, o G a n a do i m p é r i o a f r i c a n o q u e
sua a l m a revolucionária. C o l o c a m e m p r i m e i r o plano e e x a l t a m t e m o seu n o m e , n e m u m i m p e r a d o r da f a m í l i a d o s Ming, n e m
o que é ou parece ser aceitável, m e s m o c o n v e n i e n t e , para a bur- u m C o r t e z , c o n q u i s t a d o r das A m é r i c a s , nem o c z a r das Rússias.
guesia e para o i m p e r i a l i s m o . D a m e s m a m a n e i r a e pelas m e s m a s razões, os b a n c o s e os m o n o -
O leitor deve já ter n o t a d o q u e o q u e a c a b a d e ler é a pará- pólios imperialistas não são as antigas associações dos c o m e r c i a n -
frase de parte de u m a lapidar a f i r m a ç ã o de L e n i n e referente a tes de V e n e z a o u a L i g a Hanseática.
Marx. M o d i f i c a m o s o s n o m e s e a d a p t a m o s o discurso à realidade L e n i n e d e m o n s t r o u q u e a luta de libertação c o n t r a o d o m í -
essencial da história dos nossos dias: a luta de vida o u de m o r t e nio de u m a a r i s t o c r a c i a militar (tribal ou é t n i c a ) , c o n t r a o d o m í -
c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . T e m o s de a d m i t i r q u e o discurso se a d a p t a nio feudal e m e s m o c o n t r a o d o m í n i o capitalista estrangeiro d o
p e r f e i t a m e n t e ao p r ó p r i o L e n i n e , e m especial q u a n d o c o n s i d e - t e m p o do c a p i t a l i s m o de livre concorrência, não é a m e s m a reali-
ramos o que ele escreveu sobre o i m p e r i a l i s m o e a luta c o n t r a o dade histórica que a luta de libertação n a c i o n a l c o n t r a o imperia-
d o m í n i o imperialista. lismo, c o n t r a o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o d o s m o n o p ó l i o s ,
S e m ter a pretensão o u a audácia de querer restabelecer a do c a p i t a l i s m o f i n a n c e i r o , a t u a n d o s o b a f o r m a do c o l o n i a l i s m o ,
d o u t r i n a de L e n i n e acerca d o movimento de libertação nacional, do n e o c o l o n i a l i s m o . T o r n o u - s e e deve ser e v i d e n t e para t o d o s
gostaríamos, no e n t a n t o , de e v o c a r d e t e r m i n a d o s a s p e c t o s q u e hoje q u e o a p a r e c i m e n t o d o i m p e r i a l i s m o o p e r o u u m a transfor-
nos p a r e c e m i m p o r t a n t e s , p r i n c i p a l m e n t e para os q u e l u t a m pela mação p r o f u n d a e irreversível no m o v i m e n t o d e libertação n a c i o -
libertação e o progresso d o s seus povos. nal, definindo-se este c o m o a resistência n a t u r a l e necessária ao
d o m í n i o imperialista.
L e n i n e d e m o n s t r o u de f o r m a m u i t o clara q u e o m o v i m e n t o
D e f i n i n d o as características internas e e x t e r n a s do imperia-
de libertação n a c i o n a l , q u e a d q u i r i u f o r ç a desde o c o m e ç o d o sé-
lismo — estado s u p r e m o d o c a p i t a l i s m o , resultado da c o n c e n t r a -
c u l o , não é um fato novo na história. E m todos os continentes,
ção do capital f i n a n c e i r o e m algumas e m p r e s a s de u m a meia d ú -
e m épocas mais o u m e n o s r e c u a d a s , h o u v e , não a p e n a s luta de li-
zia de países, d o m í n i o insaciável d o s m o n o p ó l i o s — L e n i n e c a -

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r a c t e r i z o u s i m u l t a n e a m e n t e as transformações irreversíveis opera- livre concorrência se salda geralmente pela vitória d o p r i m e i r o ,
das no c o n t e ú d o e na f o r m a d o m o v i m e n t o de libertação n a c i o - isto é, do i m p e r i a l i s m o .
n a l , do q u a l p r e v i u , c i e n t i f i c a m e n t e , a linha geral de evolução.
'Ceemos pois de verificar q u e L e n i n e t i n h a r a z ã o : o capitalis-
C a b e a L e n i n e o m é r i t o d e ter revelado, e m e s m o previsto, as m o c r i o u o i m p e r i a l i s m o e c r i o u s i m u l t a n e a m e n t e os e l e m e n t o s
realidades essenciais da luta d o s nossos dias, pois foi a t é ao f u n d o p r o p í c i o s à sua destruição. O i m p e r i a l i s m o m a t o u e c o n t i n u a a
na análise d o fato imperialista e da luta geral c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . matar o c a p i t a l i s m o . C o m e f e i t o , as transformações p r o f u n d a s
Na s u a c r í t i c a geral, L e n i n e esclareceu o caráter essencial- realizadas nas relações de forças n o â m b i t o d a livre concorrência
m e n t e e c o n ó m i c o do i m p e r i a l i s m o , e s t u d o u as suas característi- levaram aos monopólios, à a c u m u l a ç ã o gigantesca d o capital fi-
cas internas e e x t e r n a s e as suas implicações económicas, políticas nanceiro privado n o interior de c e r t o s países e, c o m o consequên-
e sociais, t a n t o d e n t r o c o m o f o r a do m u n d o c a p i t a l i s t a . Pôs e m cia disso, a o d o m í n i o p o l í t i c o destes pelos m o n o p ó l i o s , o q u e os
relevo as forças e as f r a q u e z a s dessa nova realidade q u e é o impe- t r a n s f o r m o u e m países imperialistas. E s t a nova situação está na
rialismo (quase da sua i d a d e ) , q u e abriu novas perspectivas à evo- origem de u m a c o n f r o n t a ç ã o p e r m a n e n t e , aberta ou, não, " p a c í -
lução da h u m a n i d a d e . f i c a ' ' ou não, entre o s países imperialistas q u e p r o c u r a m novos
S i t u a n d o g e o g r a f i c a m e n t e o f e n ó m e n o imperialista no inte- e q u i l í b r i o s na relação de forças, e m f u n ç ã o do grau relativo d e
rior d u m a parte bem d e f i n i d a do m u n d o ; d i s t i n g u i n d o o fator d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s e da necessidade c r e s c e n t e
e c o n ó m i c o das suas implicações políticas o u político-sociais, sem tanto de o b t e r matérias-primas c o m o de c o n q u i s t a r m e r c a d o s , is-
esquecer as relações de dependência d i n â m i c a entre esses dois to é, da realização jnsaciável de mais-valia o u de r e n d i m e n t o para
aspectos de u m m e s m o f e n ó m e n o ; e c a r a c t e r i z a n d o as relações do o capital f i n a n c e i r o j )
i m p e r i a l i s m o c o m o resto d o m u n d o , L e r n e s i t u o u o b j e t i v a m e n -
C o m base n u m a análise t ã o lúcida e realista, era n o r m a l q u e
te t a n t o o i m p e r i a l i s m o c o m o a luta de libertação n a c i o n a l nas
L e n i n e extraísse conclusões i m p o r t a n t e s para o d e s e n v o l v i m e n t o
suas verdadeiras c o o r d e n a d a s históricas. E s t a b e l e c e u a s s i m , de
ulterior da luta c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . E n t r e essas conclusões,
f o r m a d e f i n i t i v a , a diferença e as ligações f u n d a m e n t a i s entre o
estas p a r e c e m - n o s e x t r e m a m e n t e ricas e m consequências:
i m p e r i a l i s m o e o d o m í n i o imperialista.
— A a c u m u l a ç ã o d e s e n f r e a d a d o capital f i n a n c e i r o e a v i t ó -
A análise d e L e n i n e revela-se desta f o r m a c o m o u m e n c o r a -
ria d o s m o n o p ó l i o s c o m o fase ú l t i m a d a a p r o p r i a ç ã o privada d o s
j a m e n t o realista e u m a a r m a p o d e r o s a para o d e s e n v o l v i m e n t o
meios de p r o d u ç ã o — c o m o agravamento d a c o n t r a d i ç ã o e n t r e
ulterior e multilateral do m o v i m e n t o n a c i o n a l libertador. E neces-
essa a p r o p r i a ç ã o e o caráter social do t r a b a l h o p r o d u t i v o — cria-
sário, no e n t a n t o , notar q u e esta análise vai a i n d a mais longe na
ram as condições propícias à revolução, q u e progressivamente
c o n t r i b u i ç ã o q u e f o r n e c e à evolução desse m e s m o m o v i m e n t o .
acabará c o m o regime capitalista, a t u a l m e n t e representado pelo
C o m e f e i t o , se p o d e m o s d i z e r q u e M a r x , p r i n c i p a l m e n t e na imperialismo.
sua obra p r i n c i p a l — O Capital —, p r o c e d e u à a n a t o m i a ou à ana- — É possível, necessário e urgente f a z e r a revolução, se não
t o m i a patológica do c a p i t a l i s m o , a o b r a de L e n i n e referente ao e m vários países, pelo m e n o s n u m , p r i n c i p a l m e n t e no m o m e n t o
i m p e r i a l i s m o p o d e ser c o n s i d e r a d a c o m o a pré-autópsia do capi- e m que a agressividade característica d o i m p e r i a l i s m o se manifes-
t a l i s m o m o r i b u n d o . N ã o é exagerado a f i r m a r q u e , para ele, a par- ta n u m a guerra entre o s países capitalistas para u m a nova partilha
tir do m o m e n t o e m que o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o d o capi- do m u n d o (Primeira G u e r r a M u n d i a l ) .
tal f i n a n c e i r o (dos m o n o p ó l i o s ) se c o n s o l i d o u em alguns países e — A criação de u m E s t a d o socialista desferirá u m golpe deci-
se c o n c r e t i z o u no e x t e r i o r desses países pelo m o v i m e n t o de par- sivo n o i m p e r i a l i s m o e abrirá novas perspectivas ao desenvolvi-
tilha do m u n d o , e s p e c i a l m e n t e e m Á f r i c a , c o m o m o n o p ó l i o das m e n t o do m o v i m e n t o o p e r á r i o i n t e r n a c i o n a l e do m o v i m e n t o de
colónias — o c a p i t a l i s m o , tal c o m o se definira a n t e r i o r m e n t e , libertação n a c i o n a l .
transformou-se num corpo em putrefação. — É possível u m a n o v a c o n f r o n t a ç ã o a r m a d a entre os E s t a -
U m e s t u d o , m e s m o s u p e r f i c i a l , da história e c o n ó m i c a c o n - dos imperialistas-capitalistas, pois a hipótese d o ultra-imperialis-
t e m p o r â n e a dos principais países capitalistas (talvez m e s m o d o s m o o u s u p e r - i m p e r i a l i s m o , q u e resolveria as contradições e n t r e o s
m e n o s i m p o r t a n t e s ) , revela q u e a luta t e n a z e n t r e o capital f i n a n - E s t a d o s imperialistas " é t ã o u t ó p i c a c o m o a da u l t r a - a g r i c u l t u r a " .
ceiro ( r e p r e s e n t a d o pelos m o n o p ó l i o s e o s b a n c o s ) e o capital de E s s a c o n f r o n t a ç ã o enfraquecerá inevitavelmente o i m p e r i a l i s m o

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(Segunda G u e r r a M u n d i a l ) . Criar-se ão assim condições m a i s favo-
ráveis para o d e s e n v o l v i m e n t o das forças c u j o destino histórico é
destruir o i m p e r i a l i s m o : instalação do poder socialista e m n o v o s Capítulo V
países, r e f o r ç o do m o v i m e n t o o p e r á r i o i n t e r n a c i o n a l e d o m o v i -
m e n t o de libertação n a c i o n a l .
— O s povos o p r i m i d o s d a Á f r i c a , da Ásia e d a A m é r i c a L a t i -
na são n e c e s s a r i a m e n t e c h a m a d o s a d e s e m p e n h a r u m papel deci-
A cultura nacional
sivo na luta pela liquidação d o sistema imperialista m u n d i a l , de
q u e são as principais v í t i m a s .
E s t a s conclusões de L e n i n e , e x p l í c i t a o u i m p l i c i t a m e n t e
c o n t i d a s na s u a o b r a consagrada ao i m p e r i a l i s m o e c o n f i r m a d a s
pelos fatos da história c o n t e m p o r â n e a , são mais u m a notável c o n -
t r i b u i ç ã o para o p e n s a m e n t o e para a ação do m o v i m e n t o de Amílcar Cabral
libertação.
S e n d o m a r x i s t a o u n ã o , leninista ou n ã o , é d i f í c i l a a l g u é m
não r e c o n h e c e r a validade, m e s m o o caráter genial da análise e
das conclusões de L e n i n e , q u e se revelam de u m a l c a n c e histórico I. L i b e r t a ç ã o n a c i o n a l e c u l t u r a
imenso, iluminando c o m uma claridade fecunda o caminho quan-
tas vezes e s p i n h o s o e m e s m o s o m b r i o d o s povos q u e se b a t e m E s t a m o s m u i t o felizes por p o d e r participar nesta c e r i m ó n i a
pela s u a libertação total do d o m í n i o imperialista. realizada e m h o m e n a g e m ao nosso c o m p a n h e i r o de luta e digno
f i l h o , o s a u d o s o D r . E d u a r d o M o n d l a n e , antigo Presidente da
F r e l i m o , c o v a r d e m e n t e assassinado pelos c o l o n i a l i s t a s portugue-
ses e pelos seus aliados e m 3 d e F e v e r e i r o d e 1 9 6 9 , e m D a r - E s -
Salaam.
Q u e r e m o s agradecer à U n i v e r s i d a d e de S i r a c u s a e , p a r t i c u -
l a r m e n t e , ao Programa d e E s t u d o s sobre a Á f r i c a de L e s t e , diri-
gido pelo e r u d i t o professor Marshall Segall, esta iniciativa. E u m a
prova não apenas do respeito e da a d m i r a ç ã o q u e s e n t e m e m rela-
ção à inesquecível p e r s o n a l i d a d e d o D r . E d u a r d o M o n d l a n e , m a s
t a m b é m da solidariedade para c o m a luta heróica do povo
-tf. m o ç a m b i c a n o e de t o d o s o s povos da Á f r i c a pela libertação na-
c i o n a l e o progresso.
A o aceitar o vosso c o n v i t e — q u e c o n s i d e r a m o s dirigido ao
nosso povo e aos nossos c o m b a t e n t e s — q u i s e m o s u m a vez m a i s
d e m o n s t r a r a nossa a m i z a d e m i l i t a n t e e a nossa solidariedade a o
povo de M o ç a m b i q u e e ao seu b e m - a m a d o c h e f e , o D r . E d u a r d o
M o n d l a n e , ao q u a l e s t i v e m o s ligados por laços f u n d a m e n t a i s na
luta c o m u m c o n t r a o mais r e t r ó g r a d o c o l o n i a l i s m o , o c o l o n i a l i s -
m o português. A nossa a m i z a d e e a nossa solidariedade são t a n t o
mais sinceras q u a n t o n e m s e m p r e e s t i v e m o s de a c o r d o c o m o
nosso c a m a r a d a E d u a r d o M o n d l a n e , cuja m o r t e f o i , aliás, u m a
perda t a m b é m para o nosso p o v o .
O u t r o s o r a d o r e s já t r a ç a r a m o retrato e f i z e r a m o elogio
b e m m e r e c i d o do D r . E d u a r d o M o n d l a n e . Q u e r í a m o s a p e n a s rea-
( O s destaques e m claro são d e C a r l o s C o m i t i n i ) .

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f i r m a r a nossa a d m i r a ç ã o pela figura de a f r i c a n o patriota e de gresso dos p o v o s a f r i c a n o s d a i m p o r t â n c i a decisiva deste proble-
e m i n e n t e h o m e m de c u l t u r a q u e ele f o i . Q u e r e r í a m o s igualmente ma n o processo d a l u t a , t e r e m o s r e n d i d o u m a significativa h o m e -
a f i r m a r q u e o grande m é r i t o de E d u a r d o M o n d l a n e não foi a sua nagem a E d u a r d o M o n d l a n e .
decisão de lutar pelo seu p o v o , mas sim de ter sabido integrar-se
na realidade do seu país, identificar-se c o m o seu povo e a c u l t u -
rar-se pela luta que dirigiu c o m c o r a g e m , inteligência e deter- UM C R U E L D I L E M A P A R A O C O L O N I A L I S M O :
minação. LIQUIDAR OU ASSIMILAR?
E d u a r d o C h i v a m b o M o n d l a n e , h o m e m a f r i c a n o originário
Q u a n d o G o e b b e l s , o cérebro d a propaganda n a z i , ouvia falar
de u m meio r u r a l , filho de c a m p o n e s e s e de u m c h e f e t r i b a l ,
d e c u l t u r a , e m p u n h a v a a p i s t o l a . Isso d e m o n s t r a q u e o s nazis —
criança e d u c a d a por missionários, a l u n o negro das escolas b r a n c a s
q u e f o r a m e são a expressão mais trágica d o i m p e r i a l i s m o e d a
do M o ç a m b i q u e c o l o n i a l , estudante universitário na racista Á f r i c a
sede de d o m í n i o — m e s m o s e n d o t o d o s t a r a d o s c o m o Hitler,
do S u l , a u x i l i a d o na j u v e n t u d e por u m a f u n d a ç ã o a m e r i c a n a , bol-
t i n h a m u m a clara noção do valor d a c u l t u r a c o m o f a t o r d e resis-
sista de u m a U n i v e r s i d a d e d o s E s t a d o s U n i d o s , d o u t o r pela
tência ao d o m í n i o estrangeiro.
N o r t h w e s t e r n U n i v e r s i t y , a l t o f u n c i o n á r i o das Nações U n i d a s ,
A história e n s i n a - n o s q u e , e m d e t e r m i n a d a s circunstâncias,
professor na U n i v e r s i d a d e de S i r a c u s a , presidente d a F r e n t e d e
é fácil a o estrangeiro i m p o r o seu d o m í n i o a u m p o v o . Mas ensi-
Libertação de M o ç a m b i q u e , c a í d o c o m o c o m b a t e n t e pela liber-
na-se igualmente q u e , sejam quais f o r e m o s a s p e c t o s materiais
dade do seu p o v o .
desse d o m í n i o , ele só se pode m a n t e r c o m u m a repressão perma-
A vida d e E d u a r d o M o n d l a n e é, c o m e f e i t o , p a r t i c u l a r m e n t e nente e organizada da vida c u l t u r a l desse m e s m o p o v o , não po-
rica de experiências. S e c o n s i d e r a r m o s o breve p e r í o d o d u r a n t e o d e n d o garantir d e f i n i t i v a m e n t e a s u a i m p l a n t a ç ã o a não ser pela
q u a l t r a b a l h o u c o m o o p e r á r i o estagiário n u m a e x p l o r a ç ã o agríco- liquidação física de parte significativa da população d o m i n a d a .
la, v e r i f i c a m o s q u e o seu c i c l o de vida engloba p r a t i c a m e n t e todas
C o m e f e i t o , pegar e m a r m a s para d o m i n a r u m povo é, a c i -
as categorias da s o c i e d a d e a f r i c a n a c o l o n i a l : d o c a m p e s i n a t o à
m a d e T u d o , pegar e m a r m a s para destruir o u , pelo m e n o s , para
" p e q u e n a b u r g u e s i a " a s s i m i l a d a e , no plano c u l t u r a l , do universo
n e u t r a l i z a r e paralisar a s u a vida c u l t u r a l . £ q u e , e n q u a n t o exis-
rural a u m a c u l t u r a u n i v e r s a l , aberta para o m u n d o , para o s seus
tir u m a parte desse povo q u e possa ter u m a v i d a c u l t u r a l , o d o m í -
p r o b l e m a s , para as suas contradições e perspectivas d e evolução.
nio estrangeiro não poderá estar seguro da s u a p e r p e t u a ç ã o . N u m
O i m p o r t a n t e é q u e , d e p o i s desse longo t i a j e t o , E d u a r d o d e t e r m i n a d o m o m e n t o , q u e d e p e n d e d o s f a t o r e s internos e exter-
M o n d l a n e foi c a p a z d e realizar o regresso à aldeia? na personalida- nos q u e d e t e r m i n a m a evolução d a s o c i e d a d e e m q u e s t ã o , a resis-
de de u m c o m b a t e n t e pela libertação e pelo progresso do seu tência c u l t u r a l ( i n d e s t r u t / v e l ) poderá a s s u m i r f o r m a s novas (po-
p o v o , e n r i q u e c i d o pelas experiências q u a n t a s vezes perturbadoras i i t i c a s , económicas, a r m a d a s ) para c o n t e s t a r c o m vigor o d o m í -
d o m u n d o de hoje. D e u assim u m e x e m p l o f e c u n d o : e n f r e n t a n d o nio estrangeiro.
todas as d i f i c u l d a d e s , f u g i n d o às tentações, libertando-se dos O ideal, para esse d o m í n i o , imperialista o u n ã o , seria u m a
c o m p r o m i s s o s de alienação c u l t u r a l (e, p o r t a n t o , p o l í t i c a ) , s o u b e destas alternativas:
r e e n c o n t r a r as suas próprias r a í z e s , identificar-se c o m o seu p o v o — o u liquidar p r a t i c a m e n t e t o d a a p o p u l a ç ã o do país d o m i -
e dedicar-se à causa d a libertação n a c i o n a l e social. E i s o q u e os í a d o , e l i m i n a n d o assim as possibilidades de u m a resistência cul-
imperialistas não lhe p e r d o a r a m . tural;
— o u c o n s e g u i r impor-se sem afetar a c u l t u r a d o povo do-
E m vez de nos l i m i t a r m o s a p r o b l e m a s mais o u m e n o s m i n a d o , isto é, h a r m o n i z a r o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o desse
i m p o r t a n t e s da luta c o m u m c o n t r a o s c o l o n i a l i s t a s portugueses, povo c o m a sua p e r s o n a l i d a d e c u l t u r a l .
c e n t r a r e m o s a nossa conferência n u m p r o b l e m a essencial: as rela- A primeira hipótese i m p l i c a o g e n o c í d i o da p o p u l a ç ã o in-
ções de dependência e de r e c i p r o c i d a d e e n t r e a luta de libertação d í g e n a e I r i a u m vácuo q u e r o u b a ao d o m í n i o estrangeiro c o n t e ú -
nacional e a c u l t u r a . T d o e o b j e t o : o p o v o d u m i n a d o / f t segunda hipótese não foi a t é
S e c o n s e g u i r m o s c o n v e n c e r o s c o m b a t e n t e s da libertação hoje c o n f i r m a d a pela históriaj^/Tgrande experiência da h u m a n i -
a f r i c a n a e t o d o s o s q u e se interessam pela liberdade e pelo pro- dade p e r m i t e a d m i t i r q u e nãõ tem viabilidade p r á t i c a : não é pos-

54 55

9 aá- c& ^-^^tCc^Jy^


sível h a r m o n i z a r o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o de u m p o v o , - p
no v o , a c u l t u r ad e t e r m i n a s i m u l t a n e a m e n t e a história pela i n -
.seja qual t o r o grau d o seu desenvolvimefTEcT • —* f\ fluência positiva o u negativa q u e e x e r c e sobre a evolução das re-
Para tugir a esta alternativa — q u e poderia ser c h a m a d a o di- lações e n t r e o h o m e m e o s e u m e i o e e n t r e os h o m e n s o u g r u p o s
lema da resistência cultural — o d o m í n i o c o l o n i a l imperialista h u m a n o s no seio de u m a s o c i e d a d e , assim c o m o entre sociedades
t e n t o u criar t e o r i a s q u e , d e f i t o , n ã o p a s s a m de grosseiras f o r m u - diferentes. A ignorância desse f a t o poderia e x p l i c a r t a n t o o fra-
facões d o r a c i s m o e se t r a d u z e m , n a prática, p o r u m p e r m a n e n t e casso de diversas tentativas de d o m í n i o estrangeiro c o m o o de"
estado de sítio para as populações nativas, paseado n u m a d i t a d u - alguns m o v i m e n t o s de libertação n a c i o n a l . ~
r*ã (ou d e m o c r a c i a ) racista. ^ ^— / i L ,
V e j a m o s o q u e é a libertação nacional ^ C o n s i d e r e m o s esse
E , por exemplo, ja^cajo da p r e t e n s a ( t e o t ^ d a a s l i m l l a ^ ã õ ^ ^
f e n ó m e n o da história no seu c o n t e x t o c o n t e m p o r â n e o , o u seja,
progressiva d a s populações n a t i v a s ^ q u e n ã o passa de u m a t e n t a t i ^ '
a libertação n a c i o n a l perante o d o m í n i o i m p e r i a l i s t a . ) C o m o é
v a , mais o u m e n o s v i o l e n t a , de negar a c u l t u r a d o povo e m quês- > *
s a b i d o , este é, t a n t o nas f o r m a s c o m o no c o n t e ú d o , diferente d o s
j ã o ^ O n í t i d o f r a c a s s o desta " t e o r i a " , posta e m pratica p o r a l g u - ^ (r* ,
fc
o u t r o s t i p o s de d o m í n i o estrangeiro q u e o p r e c e d e r a m (tribal,
mas potências c o l o n i a i s , entre a s q u a i s Portugal, é a prova mais( J . ^ \iJ
a r i s t o c r a t o - m i l i t a r , feudal e c a p i t a l i s t a d o t e m p o d a livre c o n c o r -
evidente da s u a inviabilidade, senão m e s m o d o seu caráter desu- r\ j y
rência).
m a n o . N o caso português, e m q u e .Salazar a f i r m a q u e a África\M
^ \a principal, como em qualquer espécie de
não existe, atinge m e s m o o m a i s elevado grau de a b s u r d o . /*
d o m í n i o imperialista, e a negação do processo histórico do povo
E I g u a l m e n t e o caso da pretensa teoria d o apartheid', c r i a d a , ^
dominado por meio da usurpação violenta da liberdade do prcT
a p l i c a d a e d e s e n v o l v i d a c o m base no d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l i - '
cesso de desenvolvimento das forças produtivas^Ora, numa dada
t i c o d o povo da Á f r i c a A u s t r a l p o r u m a m i n o r i a racista c o m
s o c i e d a d e , o nível de d e s e n v o l v i m e n t o das torças p r o d u t i v a s e o
t o d o s o s c r i m e s d e l e s a - h u m a n i d a d e q u e isso c o m p o r t a , A prática
regime de u t i l i z a ç ã o social dessas forças (regime de propriedade)
d o apartheid t r a d u z - s e p o r u m a e x p l o r a ç ã o desenfreada da f o r c a "
d e t e r m i n a m o modo de produção. Q u a n t o a nós, o modo de pro-
de t r a b a l h o d a s massas a f r i c a n a s , e n c a r c e r a d a s e r e p r i m i d a s no
d u ç ã o , cujas c o n t r a d i ç õ e s se manifestam com maior ou menor
mais c í n i c o e mais vasto c a m p o de concentração q u e a h u m a n a
intensidade por meio da luta de classes, é o fator principal da
.dade j a m a i s conhecêTT
história de cada conjunto humano, sendo o nível das forças pro-
1

dutivas a verdadeira e permanente força motriz da h i s t ó r i a .


O nível das forças p r o d u t i v a s i n d i c a , e m c a d a s o c i e d a d e , e m
\O N A C I O N A L , A T O D E C U L T U R f a
cada c o n j u n t o h u m a n o c o n s i d e r a d o c o m o u m t o d o e m movi-
m e n t o , o estado e m q u e se e n c o n t r a essa s o c i e d a d e e c a d a u m d o s
/ ^ J E s t e s fatos d ã o b e m a m e d i d a d o d r a m a d o d o m í n i o estran-
seus c o m p o n e n t e s f a c e à n a t u r e z a , a sua c a p a c i d a d e de agir o u d e
geiro p e r a n t e a realidade c u l t u r a l d o povo d o m i n a d o . D e m o n s -
reagir c o n s c i e n t e m e n t e e m relação à n a t u r e z a . I n d i c a e c o n d i c i o -
t r a m igualmente af í n t i m a ligação, de dependência e reciprócida-
na o t i p o de relações materiais (expressas objetiva o u subjetiva-
*cre, q u e e x i s t e e n t r e o fato cu/turaTe o fato económico (e p o l í -
mente) existentes e n t r e o h o m e m e o seu m e i o .
ptico) n o c o m p o r t a m e n t o d a s s o c i e d a d e s h u m a n á y C o m e f e i t o ,
e m c a d a m o m e n t o d a vida d e u m a s o c i e d a d e (aberta o u f e c h a d a ) ,
u O modo de p r o d u ç ã o , que representa, em cada fase da h i s t ó -
a c u l t u r a é a resultante mais o u m e n o s c o n s c i e n t i z a d a das ativi- ria, o resultado da pesquisa incessante de um e q u i l í b r i o d i n â m i -
dades económicas e p o l í t i c a s , a expressão mais o u m e n o s dinâ- co entre o n í v e l das forças produtivas e o regime de u t i l i z a ç ã o so-
m i c a d o t i p o de relações q u e p r e v a l e c e m no seio dessa s o c i e d a d e , cial dessas f o r ç a s , indica o estado em que se encontra uma socie-
p o r u m lado, entre o h o m e m ( c o n s i d e r a d o i n d i v i d u a l o u coleti- dade e cada um dos seus componentes, perante ela mesma e pe-
v a m e n t e ) e a n a t u r e z a , e, por o u t r o , entre o s i n d i v í d u o s , os gru- rante a h i s t ó r i a . I n d i c a e c o n d i c i o n a , p o r o u t r o l a d o , o t i p o d e re-
pos de i n d i v í d u o s , as c a m a d a s sociais o u as classes. lações materiais (expressa objetiva o u s u b j e t i v a m e n t e ) e x i s t e n t e s
O valor d a c u l t u r a c o m o e l e m e n t o de resistência a o d o m í - entre o s diversos e l e m e n t o s o u os diversos c o n j u n t o s q u e f o r m a m
j i i o estrangeiro reside no t a t o de ela s a r a manifestação vigorosa; a s o c i e d a d e e m q u e s t ã o : relações e t i p o s de relações e n t r e o h o -
vn o p i a n o ideológico o u idealista, da realidade material e histórica m e m e a n a t u r e z a , entre o h o m e m e o seu m e i o ; relações e t i p o s
d a sociedade d o m i n a d a o u a d o m i n a r , h r u t o d a historia de u m de relações e n t r e o s c o m p o n e n t e s individuais o u c o l e t i v o s de u m a

57
(2>?>0 Í^>AO<IAJ I O^Gh (An^) /Ur^> /V<<5>--^ cV**^/^"
s o c i e d a d e . F a l a r disso é falar de história, m a s é igualmente falar lista, o u seja: a libertação d o processo de d e s e n v o l v i m e n t o das
de c u l t u r a . forças produtivas n a c i o n a i s . Há assim libertação nacional quando
A c u l t u r a , sejam q u a i s f o r e m as características ideológicas e apenas quando, as forças produtivas nacionais são totalmente
o u idealistas d a s suas manifestações, é assim u m e l e m e n t o essen- libertadas de qualquer espécie de d o m í n i o estrangeiro. A liber-
s ciai da história de u m povo. É talvez, a r e s u l t a n t e dessa história tação das forças p r o d u t i v a s e, c o n s e q u e n t e m e n t e , a f a c u l d a d e
c o m o a f l o r é a resultante de u m a p l a n t a . C o m o a história, o u de d e t e r m i n a r livremente o m o d o de p r o d u ç ã o mais a d e q u a d o à
p o r q u e é a história, a c u l t u r a t e m c o m o base material o nível das evolução d o povo l i b e r t a d o , a b r e n e c e s s a r i a m e n t e perspectivas
forças p r o d u t i v a s e o m o d o de p r o d u ç ã o . Mergulha as suas raízes novas a o processo c u l t u r a l da sociedade e m questão, c o n f e r i n -
no h ú m u s da realidade material d o m e i o e m q u e se desenvolve e d o - l h e t o d a a s u a c a p a c i d a d e d e c r i a r o progresso.
reflete a n a t u r e z a orgânica d a s o c i e d a d e , p o d e n d o ser mais o u U m povo que se liberta do d o m í n i o estrangeiro não será
m e n o s i n f l u e n c i a d a por f a t o r e s e x t e r n o s . S e a história p e r m i t e culturalmente livre a não ser que, sem c o m p l e x o s e sem subes-
c o n h e c e r a natureza e a extensão d o s desequilíbrios e d o s c o n f l i - t i m a r a i m p o r t â n c i a das c o n t r i b u i ç õ e s positivas da c u l t u r a do
tos ( e c o n ó m i c o s , p o l í t i c o s e sociais) q u e c a r a c t e r i z a m a evolução opressor e de outras culturas, retome os caminhos ascendentes
de u m a s o c i e d a d e , a c u l t u r a p e r m i t e saber q u a i s f o r a m as sínteses da sua própria c u l t u r a , que se alimente da realidade do meio e
dinâmicas, elaboradas e f i x a d a s pela consciência social para a so- negue tanto as i n f l u ê n c i a s nocivas como qualquer espécie de
lução desses c o n f l i t o s , e m c a d a etapa da evolução dessa m e s m a s u b o r d i n a ç ã o a culturas estrangeiras. V e m o s a s s i m q u e , se o d o -
s o c i e d a d e , e m b u s c a de sobrevivência e progresso. m í n i o imperialista t e m c o m o necessidade vital praticar a opres-
C o m o sucede c o m a f l o r n u m a p l a n t a , é na c u l t u r a q u e são c u l t u r a l , a libertação nacional, é necessariamente, um ato de
reside a c a p a c i d a d e (ou a r e s p o n s a b i l i d a d e ) d a elaboração e d a cultura.
f e c u n d a ç ã o d o germe q u e garante a c o n t i n u i d a d e da história,
g a r a n t i n d o , s i m u l t a n e a m e n t e , as perspectivas da evolução e d o
progresso d a sociedade e m questão. C o m p r e e n d e - s e assim q u e , O CARÁTER DE CLASSE DA CULTURA
sendo o d o m í n i o imperialista a negação d o processo histórico
p r ó p r i o d o povo d o m i n a d o , seja n e c e s s a r i a m e n t e a negação d o C o m base no q u e a c a b a d e ser d i t o , p o d e m o s c o n s i d e r a r o
seu processo c u l t u r a l . C o m p r e e n d e - s e a i n d a a razão pela q u a l m o v i m e n t o de libertação c o m o a expressão p o l í t i c a organizada
a prática d o d o m í n i o i m p e r i a l i s t a , c o m o q u a l q u e r o u t r o d o m í - d a c u l t u r a d o povo e m luta. A direção desse m o v i m e n t o deve
nio estrangeiro, exige, c o m o f a t o r de segurança* a opressão c u l - assim ter u m a noção clara d o valor d a c u l t u r a no â m b i t o d a luta
tural e a t e n t a t i v a de liquidação, direta o u indireta, d o s dados e c o n h e c e r p r o f u n d a m e n t e a c u l t u r a d o seu p o v o , seja q u a l f o r o
essenciais d a c u l t u r a d o p o v o d o m i n a d o . nível d o seu d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ó m i c o .
O estudo da história das lutas de libertação demonstra que A t u a l m e n t e , t o r n o u - s e u m lugar c o m u m a f i r m a r q u e c a d a
são em geral precedidas por uma intensificação das manifesta- povo t e m a s u a c u l t u r a . Já lá vai o t e m p o e m q u e , n u m a t e n t a t i v a
ções culturais, que se concretizam progressivamente por uma ten- para perpetuar o d o m í n i o d o s p o v o s , a c u l t u r a era c o n s i d e r a d a
tativa, vitoriosa ou n ã o , da a f i r m a ç ã o da personalidade cultural c o m o apanágio de povos o u nações privilegiadas e e m q u e , por
do povo dominado como ato de negação da c u l t u r a do opressor. ignorância o u m á - f é , se c o n f u n d i a c u l t u r a e t e c n i c i d a d e , senão
S e j a m quais f o r e m as condições de sujeição d e u m povo a o d o m í - m e s m o c u l t u r a e c o r d a pele o u f o r m a d o s o l h o s . 0 movimento
nio estrangeiro e a influência d o s fatores e c o n ó m i c o s , p o l í t i c o s e de libertação, representante e defensor da cultura do povo, deve
sociais na prática desse d o m í n i o , é e m geral no f a t o c u l t u r a l q u e ter c o n s c i ê n c i a do fato que, sejam quais forem as c o n d i ç õ e s ma-
se situa o germe da contestação, levando à estruturação e a o de- teriais da sociedade que representa, esta é portadora e criadora
s e n v o l v i m e n t o d o m o v i m e n t o d e libertação. de c u l t u r a , e deve, por outro lado, compreender o caráter de
Q u a n t o a nós, o fundamento da libertação nacional reside massa, o caráter popular da c u l t u r a , que não é, nem poderia ser,
no direito inalienável que tem qualquer povo, sejam quais forem apanágio de u m ou de alguns setores da sociedade.
as f ó r m u l a s adotadas ao nível do direito internacional, de ter a N u m a análise p r o f u n d a da e s t r u t u r a social q u e q u a l q u e r
sua própria história. O o b j e t i v o d a libertação n a c i o n a l é, p o r t a n - m o v i m e n t o de libertação deve ser c a p a z de f a z e r e m f u n ç ã o d o s
t o , a r e c o n q u i s t a desse d i r e i t o , u s u r p a d o pelo d o m í n i o imperia- imperativos da l u t a , a s características c u l t u r a i s de c a d a categoria

58 59
t ê m u m lugar de p r i m o r d i a l i m p o r t â n c i a . P o i s £ e m b o r a a c u l t u r a indígenas, q u e r pela criação d e u m a b i s m o social entre as elites
tenha u m caráter de massa, não é c o n t u d o u n i f o r m e , não se de- a u t ó c t o n e s e as massas populares. C o m o r e s u l t a d o desse processo
senvolve igualmente e m t o d o s os setores da s o c i e d a d e . A atitude de divisão o u d e a p r o f u n d a m e n t o das divisões n o seio da socie-
de c a d a categoria social perante a luta é ditada pelos seus inte- dade, sucede q u e parte considerável da p o p u l a ç ã o , especial-
\s e c o n ó m i c o s , mas t a m b é m p r o f u n d a m e n t e influenciada pela m e n t e a " p e q u e n a b u r g u e s i a " urbana o u c a m p e s i n a , assimila a
sua c u l t u r a ) P o d e m o s m e s m o a d m i t i r que são as diferenças de ní- m e n t a l i d a d e d o c o l o n i z a d o r e considera-se c o m o c u l t u r a l m e n t e
veis de c u l t u r a q u e e x p l i c a m o s diferentes c o m p o r t a m e n t o s d o s superior ao p o v o a q u e p e r t e n c e e c u j o s valores c u l t u r a i s ignora
i n d i v í d u o s de u m a m e s m a categoria s o c i o e c o n ó m i c a face ao mo- o u d e s p r e z a . j E s t a situação, característica da m a i o r i a d o s - i n t e l e c -
v i m e n t o de l i b e r t a ç ã o . 4 é a í que a c u l t u r a atinge t o d o o seu tuais c o l o n i z a d o s , vai c r i s t a l i z a n d o à m e d i d a q u e a u m e n t a m o s
significado para cada i n d i v í d u o : compreensão e integração no seu privilégios sociais do g r u p o a s s i m i l a d o o u a l i e n a d o , t e n d o impli-
meio, identificação c o m os problema^ f u n d a m e n t a i s e as aspira- cações diretas no c o m p o r t a m e n t o d o s i n d i v í d u o s desse g r u p o
ções da s o c i e d a d e , aceitação da possibilidade de m o d i f i c a ç ã o no perante o m o v i m e n t o de libertação. Revela-se assim indispen-
sentido do p r o g r e s s o . } sável u m a reconversão d o s espíritos — das m e n t a l i d a d e s — para
Nas condições específicas do nosso país — e d i r í a m o s mes- a sua verdadeira integração no m o v i m e n t o de libertação. E s s a
m o de Á f r i c a — a distribuição h o r i z o n t a l e vertical d o s níveis de reconversão — reafricanização, no nosso caso — pode verificar-se
c u l t u r a t e m u m a certa c o m p l e x i d a d e . C o m e f e i t o , das aldeias às antes da luta, mas só se c o m p l e t a no d e c u r s o d e s t a , no c o n t a t o
cidades, de u m g r u p o étnico a o u t r o , do camponês ao o p e r á r i o o u q u o t i d i a n o c o m as massas p o p u l a r e s e na c o m u n h ã o de sacri-
ao intelectual indígena mais o u m e n o s a s s i m i l a d o , de u m a classe fícios q u e a luta exige.
social a o u t r a , e m e s m o , c o m o a f i r m a m o s , de i n d i v í d u o para indi- É preciso, no e n t a n t o , t o m a r e m consideração o f a t o q u e ,
v í d u o , dentro da m e s m a categoria social, há variações significa- perante a perspectiva de independência p o l í t i c a , a a m b i ç ã o e o
tivas do nível q u a n t i t a t i v o e q u a l i f i c a t i v o de c u l t u r a . T e r esses o p o r t u n i s m o q u e a f e t a m e m geral o m o v i m e n t o de libertação
fatos e m consideração é u m a questão de p r i m o r d i a l i m p o r t â n c i a p o d e m levar à luta i n d i v í d u o s não r e c o n v e r t i d o s . E s t e s , c o m
para o m o v i m e n t o de libertação. base n o seu n í v e l de instrução, nos seus c o n h e c i m e n t o s cientí-
S e , nas sociedades de e s t r u t u r a h o r i z o n t a l , c o m o a sociedade ficos o u técnicos, e sem p e r d e r e m e m nada os seus p r e c o n c e i t o s
balanta, por e x e m p l o , a distribuição d o s níveis da c u l t u r a é mais c u l t u r a i s de classe, p o d e m atingir os postos m a i s elevados d o mo-
ou m e n o s u n i f o r m e , e s t a n d o as variações apenas ligadas às carac- v i m e n t o de libertação. Isto revela c o m o a vigilância é indispensá-
terísticas individuais e aos g r u p o s etários, nas sociedades de estru- vel, t a n t o no plano da c u l t u r a c o m o no d a p o l í t i c a . Nas c o n d i -
tura vertical, c o m o a dos F u l a s , por e x e m p l o , há variações impor- ções c o n c r e t a s e bastante c o m p l e x a s do processo d o f e n ó m e n o
tantes desde o c i m o à base da p i r â m i d e social. Isso d e m o n s t r a do m o v i m e n t o de libertação, n e m t u d o o q u e brilha é o u r o :
u m a vez mais a í n t i m a ligação entre o fator c u l t u r a l e o fator dirigentes p o l í t i c o s — m e s m o o s mais célebres — p o d e m ser
e c o n ó m i c o e e x p l i c a t a m b é m as diferenças do c o m p o r t a m e n t p alienados c u l t u r a i s .
global ou setorial desses dois grupos étnicos f a c e ao m o v i m e n t o Mas o caráter de classe d a c u l t u r a é a i n d a mais sensível no
de libertação. c o m p o r t a m e n t o das categorias privilegiadas d o m e i o r u r a l ,
É certo q u e a m u l t i p l i c i d a d e das categorias sociais e étnicas e s p e c i a l m e n t e no q u e se refere às etnias q u e d i s p õ e m de u m a
cria u m a c e r t a c o m p l e x i d a d e na d e t e r m i n a ç ã o do papel d a c u l - estrutura social vertical o n d e , no e n t a n t o , as influências d a
tura no m o v i m e n t o de libertação, m a s é indispensável não perder assimilação o u alienação c u l t u r a l são nulas o u p r a t i c a m e n t e
de vista a i m p o r t â n c i a decisiva d o caráter de classe da c u l t u r a no nulas. E , por e x e m p l o , o caso d a classe dirigente f u l a . S o b o
d e s e n v o l v i m e n t o do m o v i m e n t o de libertação, m e s m o nos casos d o m í n i o c o l o n i a l , a a u t o r i d a d e p o l í t i c a dessa classe (chefes
e m oue esta categoria está o u parece estar a i n d a e m b r i o n á r i a . t r a d i c i o n a i s , f a m í l i a s n o b r e s , dirigentes religiosos) é p u r a m e n t e
experiência do d o m í n i o colonial d e m o n s t r a q u e , na ten- n o m i n a l e as massas p o p u l a r e s t ê m consciência q u e a verdadeira
tativa de perpetuar a e x p l o r a ç ã o , o c o l o n i z a d o r não só cria um a u t o r i d a d e reside e age nas administrações c o l o n i a i s . C o n t u d o ,
perfeito sistema de repressão da vida c u l t u r a l do povo c o l o n i - a classe dirigente m a n t é m , no essencial, a s u a a u t o r i d a d e c u l -
z a d o , c o m o ainda p r o v o c a e desenvolve a alienação c u l t u r a l de tural sobre as massas p o p u l a r e s d o g r u p o , c o m implicações p o l í -
parte da p o p u l a ç ã o , q u e r por m e i o da pretensa assimilação d o s ticas de grande i m p o r t â n c i a .

60 61
C o n s c i e n t e desta r e a l i d a d e , o c o l o n i a l i s m o q u e r e p r i m e o u D e f i n i r progressivamente u m a c u l t u r a n a c i o n a l
inibe pela raiz a s manifestações c u l t u r a i s significativas da parte
das massas p o p u l a r e s , apoia e protege, na c ú p u l a , o prestígio e a
influência c u l t u r a l da classe dirigente. Instala c h e f e s q u e g o z e m
da s u a confiança e sejam mais o u m e n o s a c e i t o s pelas populações, T a l c o m o n o plano p o l í t i c o e, sem m i n i m i z a r a c o n t r i b u i ç ã o
c o n c e d e - l h e s vários privilégios materiais, i n c l u i n d o a edução d o s positiva q u e a s classes o u c a m a d a s privilegiadas p o d e m d a r à l u t a ,
f i l h o s mais v e l h o s , cria postos de c h e f e o n d e não e x i s t i a m , esta- o m o v i m e n t o d e libertação deve, n o plano c u l t u r a l , basear a s u a
belece e i n c r e m e n t a relações de c o r d i a l i d a d e c o m o s dirigentes ação n a c u l t u r a p o p u l a r , seja q u a l f o r a diversidade d o s níveis d e
religiosos, constrói m e s q u i t a s , organiza viagens a M e c a , e t c . E , c u l t u r a no país. A contestação c u l t u r a l d o d o m í n i o c o l o n i a l
a c i m a de t u d o , garante, por i n t e r m é d i o d o s órgãos repressivos da — fase p r i m á r i a d o m o v i m e n t o de libertação — só p o d e ser e n c a -
a d m i n i s t r a ç ã o c o l o n i a l , os privilégios e c o n ó m i c o s e sociais da rada e f i c a z m e n t e c o m base n a c u l t u r a das massas t r a b a l h a d o r a s
classe dirigente e m relação às massas populares. Mas n e m t u d o dos c a m p o s e d a s c i d a d e s , i n c l u i n d o a " p e q u e n a b u r g u e s i a "
isto t o r n a impossível q u e , e n t r e essas classes dirigentes, haja indi- n a c i o n a l i s t a ( r e v o l u c i o n á r i a ) , r e a f r i c a n i z a d a o u d i s p o n í v e l para
v í d u o s o u g r u p o s d e i n d i v í d u o s q u e a d i r a m a o m o v i m e n t o de u m a reconversão c u l t u r a l . Seja qual for a complexidade desse
libertação, e m b o r a m e n o s f r e q u e n t e m e n t e d o q u e no caso da panorama cultural de base, o movimento de libertação deve ser
" p e q u e n a b u r g u e s i a " a s s i m i l a d a . V á r i o s chefes t r a d i c i o n a i s e reli- capaz de nele distinguir o essencial do secundário; o positivo do
giosos integram-se na luta desde o i n í c i o o u no seu d e c u r s o , negativo, o progressista do reacionário, para caracterizar a linha
d a n d o u m a c o n t r i b u i ç ã o entusiasta à causa d a libertação. Mas mestra da d e f i n i ç ã o progressiva de uma cultura nacional.
a i n d a neste caso a vigilância é indispensável: m a n t e n d o b e m
f i r m e s os s e u . p r e c o n c e i t o s c u l t u r a i s de classe, os i n d i v í d u o s des- Para q u e a c u l t u r a possa d e s e m p e n h a r o papel i m p o r t a n t e
ta categoria vêem e m geral no m o v i m e n t o de libertação o único que lhe c o m p e t e no â m b i t o d o d e s e n v o l v i m e n t o d o m o v i m e n t o
processo válido p a r a , servindo-se d o s sacrifícios das massas po- de libertação, este deve saber preservar o s valores c u l t u r a i s po-
pulares, c o n s e g u i r e m e l i m i n a r a opressão c o l o n i a l sobre a s u a pró- sitivos de c a d a g r u p o social b e m d e f i n i d o , de c a d a categoria,
pria classe e r e s t a b e l e c e r e m assim o seu d o m í n i o p o l í t i c o e cul- r e a l i z a n d o a confluência desses valores no s e n t i d o da luta, d a n -
tural a b s o l u t o sobre o p o v o . d o - l h e s u m a nova d i m e n s ã o — a dimensão nacional. Perante esta
necessidade, a luta de libertação é, acima de tudo, uma luta tanto
No â m b i t o geral Ja contestação d o d o m í n i o c o l o n i a l impe-
pela preservação e sobrevivência dos valores culturais do povo
rialista e nas condições c o n c r e t a s a q u e n o s referimçfc, verifica-se
como pela harmonização e desenvolvimento desses valores num
q u e , entre o s m a i s fiéis a l i a d o s d o opressor se e n c o n t r a m alguns
quadro nacional.
altos f u n c i o n á r i o s e intelectuais d e profissão liberal, a s s i m i l a d o s ,
e u m elevado n ú m e r o de representantes da classe dirigente d o s
A u n i d a d e p o l í t i c a e m o r a l d o m o v i m e n t o de libertação
m e i o s rurais. S e esse f a t o dá u m a m e d i d a da influência (negativa ,
e d o povo q u e ele representa e dirige i m p l i c a a realização da uni-
o u positiva) d a c u l t u r a e d o s p r e c o n c e i t o s c u l t u r a i s no p r o b l e m a
dade c u l t u r a l das categorias sociais f u n d a m e n t a i s para a luta.
d a o p ç ã o p o l í t i c a f a c e a o m o v i m e n t o d e libertação, revela igual-
E s s a u n i d a d e t r a d u z - s e , p o r u m lado, por u m a identificação t o t a l
mente o s l i m i t e s dessa influência e a s u p r e m a c i a d o fator classe no
do m o v i m e n t o c o m a realidade d o meio e c o m o s p r o b l e m a s e as
c o m p o r t a m e n t o das diversas categorias sociais. O alto f u n c i o n á r i o
aspirações f u n d a m e n t a i s d o p o v o e, por o u t r o , p o r u m a identi-
o u o intelectual a s s i m i l a d o , c a r a c t e r i z a d o por u m a t o t a l alienação
ficação c u l t u r a l progressiva das diversas categorias sociais q u e
c u l t u r a l , identifica-se, na o p ç ã o p o l í t i c a , c o m o c h e f e t r a d i c i o n a l
p a r t i c i p a m na luta. O p r o c e s s o desta deve h a r m o n i z a r o s interes-
o u religioso, q u e não sofreu q u a l q u e r influência c u l t u r a l signifi-
ses divergentes, resolver as contradições e d e f i n i r os objetivos
cativa estrangeira, é q u e essas d u a s categorias c o l o c a m a c i m a de
c o m u n s , p r o c u r a n d o a liberdade e o progresso. A t o m a d a de
t o d o s o s dados o u solicitações de n a t u r e z a c u l t u r a l — e c o n t r a
consciência desses o b j e t i v o s por a m p l a s c a m a d a s d a p o p u l a ç ã o ,
as aspirações d o povo — o s seus privilégios e c o n ó m i c o s e sociais,
refletida na d e t e r m i n a ç ã o p e r a n t e t o d a s a s d i f i c u l d a d e s e t o d o s
os seus interesses de classe. E i s u m a verdade q u e o m o v i m e n t o d e
os sacrifícios, é u m a grande v i t ó r i a p o l í t i c a e m o r a l . A s s i m , tra-
libertação n ã o p o d e ignorar s o b pena de trair o s o b j e t i v o s econó-
ta-se igualmente d e u m a realização c u l t u r a l d e c i s i v a para o desen-
m i c o s , p o l í t i c o s , sociais e c u l t u r a i s da luta.
volvimento ulterior e o ê x i t o d o m o v i m e n t o de libertação.

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os seus ê x i t o s o u fracassos e a duração d a sua evolução, elas mar-
A DERROTA CULTURAL DO COLONIALISMO c a m o i n í c i o de u m a n o v a fase d a história d o c o n t i n e n t e e são,
t a n t o n a f o r m a c o m o n o c o n t e ú d o , o f a t o c u l t u r a l mais impor-
tante d a vida d o s p o v o s a f r i c a n o s . F r u t o e prova d e vigor c u l t u r a l ,
a luta de libertação d o s povos d e Á f r i c a abre novas perspectivas
^ Q u a n t o maiores são as diferenças e n t r e a c u l t u r a d o povo ao d e s e n v o l v i m e n t o d a c u l t u r a , ao serviço d o progresso.
d o m i n a d o e a d o opressor mais possível se t o r n a essa vitória.
A história m o s t r a q u e é m e n o s d i f í c i l d o m i n a r d o q u e preservar RIQUEZA CULTURAL DA ÁFRICA
o d o m í n i o sobre u m povo d e c u l t u r a s e m e l h a n t e o u análoga à
d o conquistador^) T a l v e z se possa m e s m o a f i r m a r q u e a derrota Passou já o t e m p o e m q u e e r a necessário p r o c u r a r a r g u m e n -
de N a p o l e ã o , f o s s e m quais f o s s e m as motivações económicas e t o s para provar a m a t u r i d a d e c u l t u r a l d o s povos a f r i c a n o s . A irra-
políticas das suas guerras d e c o n q u i s t a , foi não ter sabido ( o u c i o n a l i d a d e d a s " t e o r i a s " racistas de u m G o b i n e a u o u de u m
podido) limitar as suas a m b i ç õ e s a o d o m í n i o d o s povos cuja L e v y B r u h l não interessam n e m c o n v e n c e m senão o s racistas.
c u l t u r a era mais o u m e n o s s e m e l h a n t e à d a França. O m e s m o se A p e s a r d o d o m í n i o c o l o n i a l (e talvez p o r c a u s a desse d o m í n i o ) ,
poderia dizer de o u t r o s impérios, antigos, m o d e r n o s o u c o n t e m - a Á f r i c a s o u b e i m p o r o respeito pelos seus valores c u l t u r a i s . R e -
porâneos. velou-se m e s m o c o m o s e n d o u m d o s c o n t i n e n t e s mais r i c o s e m
Um dos erros mais graves, senão mesmo o mais grave, come- valores c u l t u r a i s . D e C a r t a g o o u G u i z e h a o Z i m b a b w e , d e M e r o é
tido pelas potências coloniais em A f r i c a , terá sido ignorar ou a B e n i n e I f é , d o S a a r a o u d e T o m b u c t u a K i l w a , através d a imen-
subestimar a força cultural dos povos africanos. E s t a a t i t u d e é sidade e d a diversidade das condições naturais d o c o n t i n e n t e , a
p a r t i c u l a r m e n t e evidente no q u e se refere a o d o m í n i o c u l t u r a l c u l t u r a d o s p o v o s a f r i c a n o s é u m f a t o inegável: t a n t o nas obras
português, q u e se não c o n t e n t o u e m negar a b s o l u t a m e n t e a exis- de arte c o m o nas tradições orais e escritas, nas concepções c o s -
tência dos valores c u l t u r a i s d o a f r i c a n o e a sua c o n d i ç ã o de ser so- mogônicas c o m o na música e nas danças, nas religiões e crenças
cial, c o m o ainda t e i m o u e m proibir-lhe q u a l q u e r espécie de ativi- c o m o n o e q u i l í b r i o d i n â m i c o das e s t r u t u r a s económicas, p o l í t i -
dade p o l í t i c a . O povo de Portugal, q u e não g o z o u as riquezas cas e sociais q u e o h o m e m a f r i c a n o s o u b e criar.
usurpadas aos povos a f r i c a n o s pelo c o l o n i a l i s m o português, m a s S e o valor universal d a c u l t u r a a f r i c a n a é , p r e s e n t e m e n t e ,
que a s s i m i l o u , na sua m a i o r i a , a m e n t a l i d a d e imperialista das clas- u m f a t o incontestável, não d e v e m o s no e n t a n t o e s q u e c e r q u e o
ses dirigentes d o seu país, paga hoje m u i t o c a r o , ^ m três guerras h o m e m a f r i c a n o , c u j a s m ã o s , c o m o d i z o p o e t a , " c o l o c a r a m pe-
c o l o n i a i s , o erro de s u b e s t i m a r a nossa realidade c u l t u r a l . dras n o s a l i c e r c e s d o m u n d o " , a desenvolveu e m condições, se-
A resistência p o l í t i c a e a r m a d a d o s povos das colónias por- não s e m p r e , pelo m e n o s f r e q u e n t e m e n t e , h o s t i s : d o s desertos às
tuguesas, tal c o m o d o s o u t r o s países o u regiões de Á f r i c a , f o i es- florestas e q u a t o r i a i s , d o s pântanos d o litoral às margens dos gran-
magada pela s u p e r i o r i d a d e técnica d o c o n q u i s t a d o r imperialista, des rios s u j e i t o s a c h e i a s f r e q u e n t e s , através e c o n t r a todas as difi-
c o m a c u m p l i c i d a d e o u a t r a i ç ã o de algumas classes dirigentes in- c u l d a d e s , i n c l u i n d o o s flagelos d e s t r u i d o r e s n ã o só d a s plantas e
dígenas. A s elites fiéis à história e à c u l t u r a d o povo f o r a m des- d o s a n i m a i s c o m o t a m b é m d o h o m e m . Pode dizer-se, de a c o r d o
truídas. F o r a m massacradas populações inteiras. A era c o l o n i a l c o m Basil D a v i d s o n e o u t r o s historiadores d a s sociedades e d a s
instalou-se c o m t o d o s o s c r i m e s da e x p l o r a ç ã o q u e a caracteri- c u l t u r a s a f r i c a n a s , q u e as realizações d o génio africano, n o s pla-
z a m . Mas a resistência c u l t u r a l d o povo a f r i c a n o não foi destruí- nos e c o n ó m i c o , p o l í t i c o , social e c u l t u r a l , f a c e a o caráter p o u c o
d a . R e p r i m i d a , perseguida, t r a í d a p o r algumas categorias sociais hospitaleiro d o m e i o , são u m a epopeia comparável a o s m a i o r e s
c o m p r o m e t i d a s c o m o c o l o n i a l i s m o , a c u l t u r a a f r i c a n a sobreviveu e x e m p l o s históricos d a grandeza d o h o m e m .
a todas as t e m p e s t a d e s refugiada nas aldeias, nas florestas e n o es-
p í r i t o de gerações v í t i m a s d o c o l o n i a l i s m o . A DINÂMICA DA C U L T U R A
C o m o a s e m e n t e q u e espera d u r a n t e m u i t o t e m p o as c o n d i -
ções propícias à germinação para preservar a c o n t i n u i d a d e da es- C o m o é ó b v i o , esta realidade c o n s t i t u i u m m o t i v o d e orgu-
pécie e garantir a s u a e v o l u ç ã o , a c u l t u r a d o s povos a f r i c a n o s lho e u m e l e m e n t o e s t i m u l a n t e para o s q u e l u t a m pela liberdade
d e s a b r o c h a h o j e d e n o v o , através de t o d o o c o n t i n e n t e , nas lutas e o progresso dos povos a f r i c a n o s . Mas i m p o r t a não perder de vis-
de libertação n a c i o n a l . S e j a m q u a i s f o r e m as f o r m a s dessas lutas.
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ta q u e n e n h u m a c u l t u r a é u m t o d o perfeito e a c a b a d o . A c u l t u r a , características de uma raça; f i n a l m e n t e , a a p r e c i a ç ã o c r í t i c a , não
tal como a história, é necessariamente um f e n ó m e n o em e x p a n - c i e n t í f i c a ou a - c i e n t í f i c a , do f e n ó m e n o c u l t u r a l .
são, em desenvolvimento. Mais i m p o r t a n t e ainda é ter e m c o n s i - D a m e s m a f o r m a , o q u e i m p o r t a n ã o é perder t e m p o e m dis-
deração o f a t o q u e a ( c a r a c t e r í s t i c a fundamental de uma cultura cussões mais o u m e n o s b i z a n t i n a s sobre a e s p e c i f i c i d a d e o u não
é a sua í n t i m a ligação, de d e p e n d ê n c i a e reciprocidade, com a rea- e s p e c i f i c i d a d e d o s valores c u l t u r a i s a f r i c a n o s , m a s s i m e n c a r a r
lidade e c o n ó m i c a e social do meio, c o m o nível de forças produti- esses valores c o m o u m a c o n q u i s t a d e u m a parte d a h u m a n i d a d e
vas e o modo de p r o d u ç ã o da sociedade que a c r i a ^ para o p a t r i m ô n i o c o m u m a t o d a a h u m a n i d a d e , realizada n u m a
A c u l t u r a , f r u t o d a história, reflete, a c a d a m o m e n t o , a rea- o u e m diversas fases d a sua evolução. O que interessa é proceder
lidade material e espiritual d a s o c i e d a d e , d o h o m e m - i n d i v í d u o e à análise c r í t i c a das culturas africanas face ao movimento de li-
d o h o m e m - s e r s o c i a l , f a c e aos c o n f l i t o s q u e os o p õ e m à n a t u r e z a bertação e às exigências do progresso — f a c e a esta nova etapa da
e a o s i m p e r a t i v o s da vida e m c o m u m . D a í que qualquer c u l t u r a história d a Á f r i c a . Poderemos assim ter c o n s c i ê n c i a do seu valor
comporte elementos essenciais e secundários, forças e fraquezas, no quadro da c i v i l i z a ç ã o universal, mas comparar este valor c o m
virtudes e defeitos, aspectos positivos e negativos, fatores de pro- os das outras culturas, não para determinar a sua superioridade
gresso e estagnação ou regressão. D a í igualmente q u e a cultura ou inferioridade, mas para determinar, no â m b i t o geral da luta
— criação da sociedade e síntese dos e q u i l í b r i o s e soluções q u e pelo progresso, qual é a c o n t r i b u i ç ã o que deu e deve dar e quais
elabora para resolver o s c o n f l i t o s q u e a c a r a c t e r i z a m e m c a d a fase são as c o n t r i b u i ç õ e s que pode e deve receber.
d a história — seja uma realidade social independente da vontade O m o v i m e n t o d e libertação d e v e , c o m o já d i s s e m o s , basear a
dos homens, da cor da pele ou da f o r m a dos olhos. sua ação no c o n h e c i m e n t o p r o f u n d o d a c u l t u r a d o p o v o e saber
a p r e c i a r , pelo seu j u s t o valor, o s e l e m e n t o s dessa c u l t u r a , assim
N u m a análise mais p r o f u n d a da realidade c u l t u r a l , não se c o m o o s d i v e r s o s níveis q u e atinge e m c a d a categoria s o c i a l . D e v e
p o d e pretender q u e e x i s t e m c u l t u r a s c o n t i n e n t a i s o u raciais. E igualmente ser c a p a z de distinguir» n o c o n j u n t o d o s valores c u l t u -
isso p o r q u e , c o m o a história, a c u l t u r a se desenvolve n u m proces- rais do p o v o , o essencial e o secundário, o p o s i t i v o e o negativo,
so desigual, a o nível de u m c o n t i n e n t e , de u m a " r a ç a " o u m e s m o o progressista e o reacionário, a s forças e as f r a q u e z a s , t u d o isso
de u m a s o c i e d a d e . A s c o o r d e n a d a s d a c u l t u r a , tal c o m o as de e m f u n ç ã o d a s exigências d a luta e para p o d e r c e n t r a r a sua ação
q u a l q u e r f e n ó m e n o e m e v o l u ç ã o , v a r i a m no espaço e no t e m p o , n o essencial s e m esquecer o secundário, p r o v o c a r o desenvolvi-
quer sejam materiais (físicas) o u h u m a n a s (biológicas e sociais). m e n t o d o s e l e m e n t o s positivos e progressistas e c o m b a t e r , c o m
O f a t o de r e c o n h e c e r a existência d e traços c o m u n s e específicos d i p l o m a c i a m a s r i g o r o s a m e n t e , o s e l e m e n t o s negativos e reacio-
nas c u l t u r a s d o s povos a f r i c a n o s , i n d e p e n d e n t e m e n t e » d a c o r da nários; e, f i n a l m e n t e , para q u e possa utilizar e f i c a z m e n t e as
sua pele, não i m p l i c a n e c e s s a r i a m e n t e q u e e x i s t a u m a única cul- forças e e l i m i n a r as f r a q u e z a s , o u transformá-las e m forças.
t u r a no c o n t i n e n t e : d a m e s m a f o r m a q u e , d o p o n t o de vista eco-
n ó m i c o e p o l í t i c o , se verifica a existência de várias A f r i c a s , há
A C U L T U R A NACIONAL. CONDIÇÃO DO
t a m b é m várias c u l t u r a s a f r i c a n a s .
DESENVOLVIMENTO DA LUTA
É f o r a d e dúvida q u e a subestimação d o s valores culturais
dos povos a f r i c a n o s , baseada n o s s e n t i m e n t o s raciais e n a inten- Q u a n t o m a i s t o m a m o s consciência de q u e a p r i n c i p a l f i n a l i -
ção de perpetuar a s u a e x p l o r a ç ã o pelo estrangeiro, f e z m u i t o mal dade d o m o v i m e n t o d e libertação ultrapassa a c o n q u i s t a d a inde-
a Á f r i c a . M a s , face à necessidade vital ejo progresso, os seguintes pendência p o l í t i c a para se s i t u a r no p l a n o s u p e r i o r d a libertação
fatos ou comportamentos não são menos prejudiciais: os elogios t o t a l das forças p r o d u t i v a s e d a construção d o progresso econó-
não seletivos; a exaltação sistemática das virtudes sem condenar m i c o , social e c u l t u r a l d o p o v o , m a i s evidente se t o r n a a necessi-
os defeitos; a cega aceitação dos valores da cultura sem conside- d a d e de p r o c e d e r a u m a análise seletiva d o s valores d a c u l t u r a no
rar o que ela tem ou pode ter de negativo, de reacionário ou de â m b i t o da luta. O s valores negativos d a c u l t u r a são, e m geral, u m
regressivo; a c o n f u s ã o entre o que é a expressão de uma realidade obstáculo a o d e s e n v o l v i m e n t o da luta e à construção desse pro-
histórica objetiva e material e o que parece ser uma criação do es- gresso. T a l necessidade torna-se mais aguda n o s casos e m q u e ,
p í r i t o ou o resultado de uma natureza e s p e c í f i c a ; a ligação absur- para e n f r e n t a r a violência c o l o n i a l i s t a , o m o v i m e n t o d e libertação
da das criações a r t í s t i c a s , sejam válidas ou não, a pretensas t e m de m o b i l i z a r e organizar o p o v o , s o b a direção d e u m a orga-

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nização p o l í t i c a sólida e d i s c i p l i n a d a , a f i m de recorrer à violên-
cia libertadora — a luta armada de libertação nacional. O s dirigentes d o m o v i m e n t o de libertação, originários d a
Nesta p e r s p e c t i v a , o m o v i m e n t o de libertação deve ser ca- "pequena burguesia" (intelectuais, empregados) ou dos meios
paz, para além da análise a c i m a e x p o s t a , de efetuar, passo a t r a b a l h a d o r e s das c i d a d e s (operários, m o t o r i s t a s , assalariados e m
passo m a s s o l i d a m e n t e , no d e c u r s o d a evolução d a s u a ação p o l í - geral), t e n d o de viver q u o t i d i a n a m e n t e c o m as diversas c a m a d a s
t i c a , a confluência d o s níveis de c u l t u r a das diversas categorias c a m p o n e s a s , no seio das populações r u r a i s , a c a b a m p o r m e l h o r
sociais disponíveis à luta e transformá-los na força c u l t u r a l nacio- c o n h e c e r o p o v o , d e s c o b r e m , na p r ó p r i a f o n t e a r i q u e z a d o s seus
nal q u e serve de base ao d e s e n v o l v i m e n t o da luta a r m a d a e que é valores c u l t u r a i s (filosóficos, p o l í t i c o s , artísticos, sociais e
a s u a c o n d i ç ã o . C o n v é m notar q u e a análise da realidade c u l t u r a l m o r a i s ) , a d q u i r e m u m a consciência mais n í t i d a das realidades
dá já u m a m e d i d a das forças e das f r a q u e z a s d o povo f a c e às e x i - económicas do p a í s , d o s p r o b l e m a s , s o f r i m e n t o s e aspirações das
gências da luta e r e p r e s e n t a , p o r t a n t o , u m a c o n t r i b u i ç ã o valiosa massas populares. C o n s t a t a m , não s e m u m c e r t o e s p a n t o , a rique-
para a estratégia e as táticas a seguir, t a n t o n o plano p o l í t i c o z a de e s p í r i t o , a c a p a c i d a d e de a r g u m e n t a ç ã o e d e exposição clara
c o m o militar. Mas só no d e c u r s o d a l u t a , d e s e n c a d e a d a a partir das ideias, a f a c i l i d a d e de compreensão e assimilação d o s c o n c e i -
de u m a base satisfatória de u n i d a d e p o l í t i c a e m o r a l , a c o m p l e x i - tos por parte das populações a i n d a o n t e m e s q u e c i d a s e m e s m o
d a d e d o s p r o b l e m a s c u l t u r a i s surge e m t o d a a sua a m p l i t u d e . Isso d e s p r e z a d a s e c o n s i d e r a d a s pelo c o l o n i z a d o r , e a t é por alguns na-
obriga c o m f r e q u ê n c i a a adaptações sucessivas da estratégia e c i o n a i s , c o m o seres incapazes. O s dirigentes e n r i q u e c e m assim a
das táticas às realidades q u e só a luta pode revelar. A experiência sua c u l t u r a — c u l t i v a m - s e e libertam-se de c o m p l e x o s , r e f o r ç a n d o
d a luta d e m o n s t r a c o m o é u t ó p i c o e a b s u r d o pretender a p l i c a r a c a p a c i d a d e de servir o m o v i m e n t o , a o serviço d o p o v o .
e s q u e m a s u t i l i z a d o s por o u t r o s povos d u r a n t e a s u a luta de liber- Por seu lado, as massas t r a b a l h a d o r a s e , e m e s p e c i a l , o s c a m -
tação e soluções por eles e n c o n t r a d a s para o s p r o b l e m a s q u e tive- poneses, geralmente a n a l f a b e t o s e q u e n u n c a u l t r a p a s s a r a m o s li-
r a m q u e e n f r e n t a r , sem c o n s i d e r a r a realidade local (e, especial- mites da aldeia o u da região, p e r d e m , nos c o n t a t o s c o m o u t r a s
m e n t e , a realidade c u l t u r a l ) . categorias, o s c o m p l e x o s q u e os l i m i t a v a m nas relações c o m
P o d e dizer-se q u e , n o i n í c i o d a l u t a , seja q u a l for o seu grau o u t r o s g r u p o s étnicos e s o c i a i s ; c o m p r e e n d e m a s u a c o n d i ç ã o d e
d e p r e p a r a ç ã o , n e m a direção d o m o v i m e n t o de libertação n e m e l e m e n t o s d e t e r m i n a n t e s d a l u t a ; q u e b r a m as grilhetas d o univer-
as massas m i l i t a n t e s e p o p u l a r e s t ê m u m a consciência n í t i d a do so d a aldeia para se integrarem progressivamente n o país e n o
peso d a influência d o s valores c u l t u r a i s na evolução dessa m e s m a m u n d o ; a d q u i r e m u m a i n f i n i d a d e de n o v o s c o n h e c i m e n t o s , úteis
l u t a : q u a i s as p o s s i b i l i d a d e s q u e c r i a , q u a i s o s limites que i m p õ e à s u a atividade imediata e f u t u r a n o â m b i t o d a l u t a ; r e f o r ç a m a
e, p r i n c i p a l m e n t e , c o m o e q u a n t o a c u l t u r a é, para d p o v o , u m a consciência p o l í t i c a , a s s i m i l a n d o o s p r i n c í p i o s d a revolução na-
f o n t e inesgotável de c o r a g e m , de m e i o s materiais e m o r a i s , de cional e social p o s t u l a d a pela luta. T o r n a m - s e mais a p t o s assim
energia física e psíquica, q u e lhe p e r m i t e a c e i t a r sacrifícios e para d e s e m p e n h a r o papel d e c i s i v o de f o r ç a p r i n c i p a l do movi-
m e s m o fazer " m i l a g r e s " ; e, igualmente, s o b alguns a s p e c t o s , m e n t o de libertação.
c o m o p o d e ser u m a f o n t e de obstáculos e d i f i c u l d a d e s , de c o n - _ C o m o é s a b i d o , a luta a r m a d a d e libertação exige a m o b i l i -
cepções erradas d a realidade, de desvios no c u m p r i m e n t o do de- zação e a organização d e u m a m a i o r i a significativa d a p o p u l a ç ã o ,
ver e d e l i m i t a ç ã o do r i t m o e d a eficácia da luta f a c e às exigências a^unidade p o l í t i c a e m o r a l das diversas categorias sociais, o uso
p o l í t i c a s , técnicas e científicas d a guerra. eficaz de a r m a s m o d e r n a s e de o u t r o s m e i o s d e g u e r r a , a liquida-
ção progressiva d o s restos de m e n t a l i d a d e t r i b a l , a r e c u s a das re-
A LUTA ARMADA, INSTRUMENTO DE UNIFICAÇÃO gras e d o s t a b u s sociais e religiosos contrários a o d e s e n v o l v i m e n -
E DE PROGRESSO CULTURAL i to da luta ( g e r o n t o c r a c i a , n e p o t i s m o , inferioridade social d a m u -
lher, ritos e práticas i n c o m p a t í v e i s c o m o caráter racional e na-
A luta a r m a d a de l i b e r t a ç ã o , d e s e n c a d e a d a c o m o resposta à c i o n a l d a luta, etc.) e o p e r a a i n d a m u i t a s o u t r a s m o d i f i c a ç õ e s
agressão d o o p r e s s o r c o l o n i a l i s t a , revela-se c o m o u m i n s t r u m e n t o p r o f u n d a s na vida das populações. A luta a r m a d a de libertação
d o l o r o s o mas e f i c a z para o d e s e n v o l v i m e n t o d o nível c u l t u r a l , i m p l i c a , p o r t a n t o , u m a verdadeira m a r c h a f o r ç a d a no c a m i n h o
t a n t o das c a m a d a s dirigentes d o m o v i m e n t o de libertação c o m o d o progresso c u l t u r a l .
das diversas categorias sociais q u e p a r t i c i p a m d a luta. S e a l i a r m o s a estes f a t o s , inerentes a u m a luta a r m a d a d e li-
b e r t a ç ã o , a prática da d e m o c r a c i a , da c r í t i c a e da a u t o c r í t i c a , a
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responsabilidade c r e s c e n t e das populações na gestão d a sua v i d a , o b j e t i v o s e o p o v o terá p e r d i d o u m a o p o r t u n i d a d e d e progresso
a a l f a b e t i z a ç ã o , a criação de escolas e de assistência sanitária, a no â m b i t o geral da história.
f o r m a ç ã o de q u a d r o s originários d o s m e i o s r u r a i s e operários — A o c e l e b r a r c o m esta c e r i m ó n i a a m e m ó r i a d o D r . E d u a r d o
assim c o m o o u t r a s realizações — v e r e m o s q u e a luta a r m a d a de li- M o n d l a n e , p r e s t a m o s h o m e n a g e m ao h o m e m p o l í t i c o , a o c o m -
bertação é não a p e n a s u m f a t o c u l t u r a l m a s t a m b é m u m fator de batente da liberdade e, e s p e c i a l m e n t e , ao h o m e m de c u l t u r a . N ã o
cultura. E s s a é, sem dúvida a l g u m a , para o p o v o , a primeira c o m - apenas d a c u l t u r a a d q u i r i d a no d e c u r s o d a s u a vida pessoal e nos
pensação a o s esforços e sacrifícios q u e são o preço da guerra. Pe- b a n c o s d a u n i v e r s i d a d e , m a s p r i n c i p a l m e n t e n o seio do seu p o v o ,
rante esta p e r s p e c t i v a , c o m p e t e ao m o v i m e n t o de libertação defi- no q u a d r o da luta de libertação d o seu p o v o .
nir c l a r a m e n t e o s objetivos d a resistência c u l t u r a l , parte integran- P o d e dizer-se q u e E d u a r d o M o n d l a n e foi selvaticamente as-
te e d e t e r m i n a n t e d a luta. sassinado p o r q u e foi c a p a z de se identificar c o m a c u l t u r a d o seu
p o v o , c o m as suas mais p r o f u n d a s aspirações, através e c o n t r a to-
das as tentativas o u tentações de alienação d a s u a p e r s o n a l i d a d e
OS OBJETIVOS DA RESISTÊNCIA CULTURAL de a f r i c a n o e m o ç a m b i c a n o . P o r ter f o r j a d o u m a c u l t u r a nova na
luta, c a i u c o m o u m c o m b a t e n t e . É e v i d e n t e m e n t e fácil a c u s a r o s
D e t u d o o q u e a c a b a m o s de dizer p o d e c o n c l u i r - s e q u e , no colonialistas portugueses e o s agentes do i m p e r i a l i s m o , seus alia-
q u a d r o da c o n q u i s t a da independência n a c i o n a l e na perspectiva dos, do c r i m e a b o m i n á v e l c o m e t i d o c o n t r a a pessoa de E d u a r d o
d a construção d o progresso e c o n ó m i c o e social do p o v o , esses M o n d l a n e , c o n t r a o povo de M o ç a m b i q u e e c o n t r a a A f r i c a .
o b j e t i v o s p o d e m ser, pelo m e n o s , o s seguintes: F o r a m eles que c o v a r d e m e n t e o assassinaram. E no e n t a n t o ne-
— d e s e n v o l v i m e n t o d e u m a cultura popular e de t o d o s o s cessário q u e t o d o s o s h o m e n s de c u l t u r a , t o d o s os c o m b a t e n t e s
valores c u l t u r a i s positivos, a u t ó c t o n e s ; d a liberdade, t o d o s o s espíritos s e d e n t o s de paz e de progresso —
— d e s e n v o l v i m e n t o de u m a cultura nacional baseada na his- t o d o s o s inimigos do c o l o n i a l i s m o e d o r a c i s m o — t e n h a m a c o r a -
tória e nas c o n q u i s t a s da p r ó p r i a l u t a ; gem de t o m a r sobre os seus o m b r o s a parte de r e s p o n s a b i l i d a d e
— elevação c o n s t a n t e da consciência política e moral do q u e lhes_ c o m p e t e nessa m o r t e trágica. P o r q u e , se o c o l o n i a l i s m o
p o v o (de todas as categorias sociais) e do patriotismo, e s p í r i t o de português e o s agentes imperialistas p o d e m a i n d a assassinar i m p u -
sacrifício e dedicação à c a u s a da i n d e p e n d ê n c i a , d a justiça e d o nemente um homem c o m o o Dr. E d u a r d o Mondlane, é porque
progresso; , algo de p o d r e c o n t i n u a a vegetar n o seio d a h u m a n i d a d e : o domí-
— d e s e n v o l v i m e n t o d e u m a cultura científica, técnica e nio imperialista. É porque o s h o m e n s de b o a v o n t a d e , d e f e n s o r e s
tecnológica, c o m p a t í v e l c o m as exigências d o progresso; d a c u l t u r a d o s p o v o s , a i n d a não realizaram o seu dever à s u p e r f í -
— d e s e n v o l v i m e n t o , c o m base n u m a assimilação c r í t i c a das cie do planeta.
c o n q u i s t a s da h u m a n i d a d e n o s d o m í n i o s da a r t e , da ciência, da Q u a n t o a nós, isso dá b e m a m e d i d a das r e s p o n s a b i l i d a d e s
literatura, e t c , de u m a cultura universal t e n d e n t e a u m a progres- d o s q u e n o s o u v e m , neste t e m p l o d a c u l t u r a , e m relação ao movi-
siva integração no m u n d o atual e nas perspectivas da s u a m e n t o de libertação d o s p o v o s o p r i m i d o s .
evolução;
— elevação c o n s t a n t e e generalizada d o s s e n t i m e n t o s de h u -
I I . O papel d a c u l t u r a n a luta pela i n d e p e n d ê n c i a *
m a n i s m o , s o l i d a r i e d a d e , respeito e dedicação desinteressada à
pessoa h u m a n a . Prólogo
A realização destes o b j e t i v o s é, c o m e f e i t o , possível, pois a
luta a r m a d a de libertação, nas condições c o n c r e t a s d a vida d o s A p e n a s o desejo c o n s c i e n t e de c o r r e s p o n d e r a o amável c o n -
povos a f r i c a n o s , e n f r e n t a n d o o desafio imperialista, é u m ato de vite d a U N E S C O e u m a p r o f u n d a convicção da i m p o r t â n c i a do
fecundação d a história, a expressão m á x i m a d a nossa c u l t u r a e da t e m a q u e nos foi p r o p o s t o p e r m i t i r a m a elaboração deste m o d e s -
nossa a f r i c a n i d a d e . D e v e t r a d u z i r - s e , n o m o m e n t o da v i t ó r i a , por to t r a b a l h o , n u m a a l t u r a e m q u e as nossas obrigações, no â m b i t o
u m salto e m f r e n t e significativo d a c u l t u r a d o povo q u e se liberta.
S e tal não se v e r i f i c a r , e n t ã o o s esforços e sacrifícios realiza- Este texto foi lido, na ausência do seu autor, na Reunião de Peritos sobre noções
d o s no d e c u r s o da luta t e r ã o sido vãos. E s t a terá f a l h a d o o s seus de raça, identidade e dignidade. U N E S C O , Paris, 3-7 de Julho de 1972.

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d a d i f í c i l luta de libertação do nosso p o v o , e x i g e m u m a m o b i l i - de parte d a h u m a n i d a d e , revela q u e o d o m í n i o imperialista, c o m
zação de t o d o o nosso t e m p o para o e s t u d o e a solução d o s pro- t o d o o s e u c o r t e j o d e misérias, d e pilhagens, de c r i m e s e de des-
blemas n a c i o n a i s . t r u i ç ã o d e valores h u m a n o s e c u l t u r a i s , não foi senão u m a realida-
E m vez de e x p l o r a r e x a u s t i v a m e n t e os diversos p o n t o s pro- de negativa. A imensa a c u m u l a ç ã o m o n o p o l i s t a d o capital n u m a
p o s t o s à discussão, sem lhes m i n i m i z a r de f o r m a a l g u m a o interes- m e i a d ú z i a de países d o h e m i s f é r i o norte, c o m o resultado d a pira-
se e a a c u i d a d e , p r e f e r i m o s c e n t r a r a nossa a t e n ç ã o na i m p o r t â n - t a r i a , do s a q u e d o s bens de o u t r o s povos e da e x p l o r a ç ã o desen-
cia do papel d a c u l t u r a n o m o v i m e n t o de pré-independência o u f r e a d a do t r a b a l h o desses p o v o s p r o v o c o u o m o n o p ó l i o das c o -
de libertação. N ã o d i s p o n d o , e v i d e n t e m e n t e , de t e m p o para ma- lónias, a partilha do m u n d o e o d o m í n i o imperialista.
nusear livros e d o c u m e n t o s que nos teriam c o m c e r t e z a permiti-
N o s países ricos, o c a p i t a l imperialista, s e m p r e à p r o c u r a d e
d o f u n d a m e n t a r e e n r i q u e c e r o c o n t e ú d o do nosso t r a b a l h o , li-
mais-valia, a u m e n t o u a c a p a c i d a d e c r i a d o r a d o h o m e m , o p e r o u
m i t a m o - n o s p r a t i c a m e n t e a t r a n s m i t i r o resultado da nossa expe-
u m a p r o f u n d a t r a n s f o r m a ç ã o d o s m e i o s de p r o d u ç ã o (forças pro-
riência e das nossas observações, t a n t o no â m b i t o da nossa luta
d u t i v a s materiais) graças aos progressos a c e l e r a d o s da ciência, da
c o m o no e s t u d o das o u t r a s lutas c o n t r a o d o m í n i o imperialista.
técnica e d a t e c n o l o g i a , a c e n t u o u a socialização do t r a b a l h o e
N a parte que e s p e c i f i c a m e n t e se refere ao papel da c u l t u r a no
p e r m i t i u e m considerável escala o a s c e n s o d e vastas c a m a d a s da
m o v i m e n t o de libertação, u t i l i z a m o s e d e s e n v o l v e m o s a l g u m a s
população. N o s países c o l o n i z a d o s , o n d e a c o l o n i z a ç ã o b l o q u e o u ,
das ideias e das considerações c o n t i d a s na conferência q u e fize-
e m geral, o processo histórico do d e s e n v o l v i m e n t o d o s povos
m o s , e m F e v e r e i r o de 1 9 7 0 , na U n i v e r s i d a d e de S i r a c u s a ( E U A ) ,
d o m i n a d o s , q u a n d o não p r o c e d e u à sua e l i m i n a ç ã o radical o u
subordinada ao tema "libertação nacional e c u l t u r a " .
progressiva, o capital imperialista impôs n o v o s t i p o s de relações
É i n ú t i l r e c o r d a r q u e as condições e m q u e este t r a b a l h o foi
no seio da s o c i e d a d e a u t ó c t o n e , cuja e s t r u t u r a se t o r n o u mais
e s c r i t o , aliadas às limitações d o s nossos c o n h e c i m e n t o s , f a z e m
c o m p l e x a , s u s c i t o u , f o m e n t o u , e n v e n e n o u o u resolveu c o n t r a d i -
c o m que t e n h a deficiências q u e a generosidade do leitor saberá,
ções e c o n f l i t o s s o c i a i s , i n t r o d u z i u p a r t i c u l a r m e n t e c o m o c i c l o
senão d e s c u l p a r , pelo m e n o s c o m p r e e n d e r . No e n t a n t o , se c o n -
da m o e d a e o d e s e n v o l v i m e n t o d o m e r c a d o interno e e x t e r n o ,
seguirmos convencê-lo (ou reforçar as suas convicções) da impor-
novos e l e m e n t o s na e c o n o m i a ; l e v o u , s o b a influência de u m
tância decisiva da c u l t u r a na evolução do m o v i m e n t o de liberta-
n o v o t i p o de d o m i n a ç ã o d e classe (colonialista e r a c i s t a ) , ao nas-
ção, este t r a b a l h o terá sido ú t i l .
c i m e n t o de novas nações a partir de grupos h u m a n o s e de povos
P e s s o a l m e n t e , e s p e r a m o s q u e a U N E S C O não t e n h a c o m e t i - q u e se e n c o n t r a v a m e m estados diversos de d e s e n v o l v i m e n t o
do u m grave erro c o n f u n d i n d o c o r a j o s a m e n t e o C o m b a t e n t e e o histórico.
investigador. O c o m b a t e pela libertação e o progresso do povo é
É c e r t o q u e o i m p e r i a l i s m o , c o m o c a p i t a l e m ação, não c u m -
t a m b é m , o u deve ser, u m e s t u d o p e r m a n e n t e nos c a m p o s da edu-
p r i u , nos países estrangeiros d o m i n a d o s , a missão histórica q u e
cação, da ciência e d a c u l t u r a .
realizou n o s países r i c o s . N ã o é defender o d o m í n i o imperialista
J u n h o de 1 9 7 2 r e c o n h e c e r q u e d e u n o v o s m u n d o s ao m u n d o , cujas dimensões
r e d u z i u , q u e revelou n o v a s fases de d e s e n v o l v i m e n t o das socieda-
des * h u m a n a s e, a d e s p e i t o o u por causa d o s p r e c o n c e i t o s , das dis-
criminações e d o s c r i m e s a o s q u a i s d e u lugar, c o n t r i b u i u para dar
u m conhecimento mais profundo da humanidade como um todo
INTRODUÇÃO
e m m o v i m e n t o , c o m o u m a u n i d a d e na diversidade c o m p l e x a das
características d o seu d e s e n v o l v i m e n t o .
A luta d o s povos pela libertação n a c i o n a l e pela i n d e p e n d ê n -
c i a , c o n t r a o d o m í n i o imperialista, t o r n o u - s e u m a f o r ç a imensa
de progresso para a h u m a n i d a d e e c o n s t i t u i , sem d ú v i d a , u m d o s O d o m í n i o i m p e r i a l i s t a sobre diversos c o n t i n e n t e s f a v o r e c e u
traços essenciais d a história d o nosso t e m p o . u m a c o n f r o n t a ç ã o multilateral e progressiva (por vezes a b r u p t a )
U m a análise objetiva e s e m paixão do i m p e r i a l i s m o , e n q u a n - não só entre h o m e n s diferentes m a s t a m b é m entre sociedades
to f a t o ou f e n ó m e n o histórico " n a t u r a l " , o u seja, "necessário" d i f e r e n t e s , t a n t o pelas características somáticas das populações
n o c o n t e x t o do t i p o de evolução econômico-política d u m a gran- c o m o , p r i n c i p a l m e n t e , pelo grau e t i p o de d e s e n v o l v i m e n t o his-

72 73
t ó r i c o , pelo nível das forças p r o d u t i v a s , pelos dados essenciais da de caráter c u l t u r a l , fez a d m i t i r q u e esses m o v i m e n t o s são prece-
estrutura social e pela c u l t u r a . A prática d o d o m í n i o imperialis- d i d o s por u m " r e n a s c i m e n t o c u l t u r a l " d o povo d o m i n a d o . V a i - s e
t a — a s u a a f i r m a ç ã o ou a s u a negação — exigiu (e exige ainda) o m e s m o m a i s longe, a d m i t i n d o q u e a c u l t u r a é u m m é t o d o de mo-
c o n h e c i m e n t o mais o u m e n o s c o r r e t o do objeto dominado e da bilização de grupo e até u m a arma na luta pela independência.
realidade histórica ( e c o n ó m i c a , social e c u l t u r a l ) no seio d a q u a l A partir d a experiência da nossa própria l u t a , e poder-se-ia
ele se m o v e , c o n h e c i m e n t o esse que se e x p r i m e n e c e s s a r i a m e n t e dizer, da de t o d a a Á f r i c a , j u l g a m o s q u e se trata de u m a c o n -
e m t e r m o s de c o m p a r a ç ã o c o m o sujeito dominador e c o m a sua cepção d e m a s i a d o l i m i t a d a , senão m e s m o e r r ó n e a , d o papel pri-
própria realidade histórica. U m tal c o n h e c i m e n t o é u m a necessi- m o r d i a l da c u l t u r a n o d e s e n v o l v i m e n t o d o m o v i m e n t o de liberta-
dade imperiosa d a prática d o d o m í n i o i m p e r i a l i s t a , q u e resulta da ção. E s s a l i m i t a ç ã o ou esse e r r o p r o v ê m , p e n s a m o s , de u m a gene-
c o n f r o n t a ç ã o , e m geral v i o l e n t a , de d u a s identidades distintas no ralização i n c o r r e t a de u m f e n ó m e n o real m a s restrito, q u e se si-
seu c o n t e ú d o histórico e antagónicas nas suas funções. A p r o c u r a t u a a u m d e t e r m i n a d o n í v e l das elites ou dás diásporas c o l o n i a i s .
de u m tal c o n h e c i m e n t o , t a n t o para defender c o m o para c o n t e s - G e n e r a l i z a ç ã o essa que ignora o u negligencia o d a d o essencial do
tar o d o m í n i o imperialista, c o n t r i b u i u para u m e n r i q u e c i m e n t o p r o b l e m a : o caráter i n d e s t r u t í v e l da resistência c u l t u r a l d o p o v o
geral das ciências h u m a n a s e sociais, apesar d o caráter u n i l a t e r a l , — das massas p o p u l a r e s — f a c e ao d o m í n i o estrangeiro
subjetivo e m u i t a s vezes i m b u í d o de p r e c o n c e i t o s da maior parte A prática do d o m í n i o imperialista exige, c o m o fator de
das abordagens e d o s resultados o b t i d o s nesta p r o c u r a . segurança, a opressão c u l t u r a l e a tentativa de liquidação, direta
o u i n d i r e t a , d o s d a d o s essenciais d a c u l t u r a d o povo d o m i n a d o .
N a realidade, n u n c a o h o m e m se interessou t a n t o pelo Mas este só p o d e criar e desenvolver o m o v i m e n t o de libertação
c o n h e c i m e n t o de o u t r o s h o m e n s e d e o u t r a s sociedades c o m o no por guardar b e m viva a s u a c u l t u r a , apesar d a repressão p e r m a -
d e c u r s o deste século do i m p e r i a l i s m o e d o d o m í n i o imperialista. nente e o r g a n i z a d a d a s u a v i d a c u l t u r a l ; por, a n u l a d a a s u a resis-
U m a q u a n t i d a d e sem precedentes de informações, hipóteses e tência p o l í t i c o - m i l i t a r , c o n t i n u a r a resistir c u l t u r a l m e n t e . E é a
teorias a c u m u l o u - s e a s s i m , e s p e c i a l m e n t e nos d o m í n i o s da his- resistência c u l t u r a l q u e , n u m d e t e r m i n a d o m o m e n t o , de a c o r d o
t ó r i a , da e t n o l o g i a , d a e t n o g r a f i a , d a s o c i o l o g i a e da c u l t u r a , re- c o m o s fatores i n t e r n o s e e x t e r n o s q u e c o n d i c i o n a m a evolução
lativas aos povos o u aos g r u p o s h u m a n o s s u b m e t i d o s ao d o m í n i o d a s o c i e d a d e e m questão, assim c o m o as suas relações c o m a po-
imperialista. O s c o n c e i t o s de raça, c a s t a , e t n i a , t r i b o , nação, c u l - tência c o l o n i a l , pode a s s u m i r n o v a s f o r m a s (políticas, e c o n ó m i c a s ,
t u r a , identidade, dignidade e t a n t o s o u t r o s a i n d a , t o r n a r a m - s e armadas) para c o n t e s t a r o d o m í n i o estrangeiro.
alvo de u m a atenção c r e s c e n t e por parte d o s q u e estudam o ho-
C o m exceção d o s casos de g e n o c í d i o das populações
m e m e as sociedades ditas " p r i m i t i v a s " o u e m " e v o l u ç ã o " . Mais
a u t ó c t o n e s o u d a s u a redução v i o l e n t a a u m m í n i m o social e c u l -
r e c e n t e m e n t e , c o m o i n c r e m e n t o da luta pela libertação, q u e é a
t u r a l m e n t e insignificante, o tempo de colonização não foi sufi-
negação do d o m í n i o i m p e r i a l i s t a , surgiu a necessidade d e analisar
c i e n t e para p e r m i t i r , pelo m e n o s e m Á f r i c a , u m a destruição o u
e c o n h e c e r as características dessas sociedades e m f u n ç ã o da luta
u m a depreciação significativas d o s e l e m e n t o s essenciais da c u l t u -
e d e t e r m i n a r o s fatores que p r o v o c a m o u t r a v a m essa luta, e x e r -
ra e das tradições d o p o v o c o l o n i z a d o . A experiência c o l o n i a l do
c e n d o u m a influência positiva o u negativa sobre a s u a evolução.
d o m í n i o imperialista e m Á f r i c a revela q u e ( e x c e t u a n d o o genocí-
O s investigadores c o n c o r d a m e m geral q u e , neste c o n t e x t o , a c u l -
d i o , a segregação racial e o " a p a r t h e i d " ) a única solução pretensa-
tura se reveste de u m a i m p o r t â n c i a especial. Pode-se p o r t a n t o
m e n t e positiva e n c o n t r a d a pelo p o d e r i o c o l o n i a l para negar a re-
a d m i t i r q u e q u a l q u e r tentativa v i s a n d o o e s c l a r e c i m e n t o d o ver-
sistência c u l t u r a l d o p o v o c o l o n i z a d o é a assimilação. Mas o insu-
dadeiro papel da c u l t u r a no d e s e n v o l v i m e n t o d o m o v i m e n t o d e
cesso t o t a l d a p o l í t i c a de "assimilação p r o g r e s s i v a " das popula-
libertação (pré-independência) pode ser u m c o n t r i b u t o útil para
ções nativas é a p r o v a evidente t a n t o da f a l s i d a d e desta teoria
a luta geral d o s povos c o n t r a o d o m í n i o imperialista.
c o m o da c a p a c i d a d e d e resistência d o s povos d o m i n a d o s a u m a
tentativa de destruição o u depreciação d o seu p a t r i m ô n i o c u l -
I tural*

O f a t o de o s m o v i m e n t o s de independência serem e m geral A percentagem máxima de assimilados é de 0,3 por cento da população total da
m a r c a d o s , logo na sua fase i n i c i a l , por u m surto de manifestações Guiné-Bissau, após 500 anos de presença "civilizadora" e 50 anos de "paz colonial".

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v i m e n t o . E i s p o r q u e o p r o b l e m a d e u m " r e t o r n o às f o n t e s " o u
Por o u t r o lado, m e s m o nas colónias de p o v o a m e n t o , o n d e a de u m " r e n a s c i m e n t o c u l t u r a l " não se põe n e m poderia pôr-se
grande m a i o r i a da população c o n t i n u a c o m p o s t a por a u t ó c t o n e s , para as massas p o p u l a r e s , visto q u e elas são p o r t a d o r a s d a sua c u l -
a expansão d a ocupação c o l o n i a l e , e s p e c i a l m e n t e , d a ocupação t u r a p r ó p r i a , são a f o n t e d a c u l t u r a e, a o m e s m o t e m p o , a única
cultural, está e m geral r e d u z i d a às z o n a s costeiras e a algumas z o - entidade v e r d a d e i r a m e n t e c a p a z d e preservar e d e criar a c u l t u r a
nas restritas d o interior. A influência da c u l t u r a d a potência c o - — de fazer a história.
lonial é q u a s e nula na e s t r u t u r a h o r i z o n t a l da s o c i e d a d e d o m i n a - Para u m a apreciação c o r r e t a do v e r d a d e i r o papel da c u l t u r a
d a , para a l é m d o s limites da capital e de o u t r o s c e n t r o s u r b a n o s . no d e s e n v o l v i m e n t o d o m o v i m e n t o de libertação é p r e c i s o , por-
Só é sentida de maneira significativa na vertical da p i r â m i d e so- t a n t o (pelo m e n o s e m Á f r i c a ) , fazer a distinção entre a situação
cial c o l o n i a l — a que o p r ó p r i o c o l o n i a l i s t a c r i o u — e exerce-se das massas p o p u l a r e s , q u e preservam a s u a c u l t u r a , e a das catego-
e s p e c i a l m e n t e sobre o q u e se pode c h a m a r a " p e q u e n a burguesia rias sociais mais o u m e n o s a s s i m i l a d a s , d e s e n r a i z a d a s e c u l t u r a l -
a u t ó c t o n e " e sobre u m n ú m e r o m u i t o r e d u z i d o de t r a b a l h a d o r e s m e n t e a l i e n a d a s ou s i m p l e s m e n t e d e s p r o v i d a s de q u a l q u e r ele-
dos centros urbanos. m e n t o nativo no processo d a s u a f o r m a ç ã o c u l t u r a l . A o c o n t r á -
C o n s t a t a - s e , p o r t a n t o , q u e as grandes massas rurais, assim rio do q u e se v e r i f i c a c o m as massas p o p u l a r e s , as elites c o l o n i a i s
c o m o u m a fração i m p o r t a n t e d a população u r b a n a , n u m total de a u t ó c t o n e s , forjadas pelo p r o c e s s o d e c o l o n i z a ç ã o , apesar de se-
mais de 9 9 por c e n t o da população i n d í g e n a * p e r m a n e c e m livres, rem p o r t a d o r a s de u m c e r t o n ú m e r o de e l e m e n t o s c u l t u r a i s pró-
o u q u a s e , de q u a l q u e r influência c u l t u r a l da potência c o l o n i a l . prios da s o c i e d a d e a u t ó c t o n e , v i v e m material e e s p i r i t u a l m e n t e
E s t a situação é originada, por u m lado, pelo caráter necessaria- a c u l t u r a d o estrangeiro c o l o n i a l i s t a , c o m o q u a l p r o c u r a m iden-
m e n t e o b s c u r a n t i s t a do d o m í n i o imperialista q u e , d e s p r e z a n d o e tificar-se progressivamente, q u e r n o c o m p o r t a m e n t o s o c i a l , q u e r
r e p r i m i n d o a c u l t u r a d o p o v o d o m i n a d o , não t e m qualquer inte- na própria apreciação d o s valores c u l t u r a i s indígenas.
resse e m p r o m o v e r a aculturação das massas populares, f o n t e de A o longo d e d u a s o u três gerações d e c o l o n i z a d o s , for ma-se
mão-de-obra para o s t r a b a l h o s forçados e p r i n c i p a l alvo da e x p l o - u m a c a m a d a social c o n s t i t u í d a por f u n c i o n á r i o s d o E s t a d o e por
ração; por o u t r o lado, a eficácia da resistência c u l t u r a l dessas empregados d o s diversos r a m o s da e c o n o m i a ( e s p e c i a l m e n t e do
massas q u e , s u b m e t i d a s ao d o m í n i o p o l í t i c o e à e x p l o r a ç ã o eco- c o m é r c i o ) , assim c o m o por m e m b r o s das profissões liberais e p o r
n ó m i c a , e n c o n t r a m na sua própria c u l t u r a o único reduto sus- alguns p r o p r i e t á r i o s u r b a n o s e agrícolas. E s t a n o v a classe — a pe-
ceptível de preservar a s u a identidade. E s t a defesa do p a t r i m ô n i o q u e n a burguesia a u t ó c t o n e —, forjada pelo d o m í n i o estrangeiro e
c u l t u r a l é a i n d a reforçada, nos casos e m q u e a sociedade a u t ó c t o - indispensável ao sistema d e e x p l o r a ç ã o c o l o n i a l , situa-se e n t r e as
ne t e m u m a e s t r u t u r a v e r t i c a l , pelo interesse que^a potência c o l o - massas p o p u l a r e s t r a b a l h a d o r a s d o c a m p o e d o s c e n t r o s u r b a n o s
nial t e m e m proteger e reforçar a influência c u l t u r a l das classes e a m i n o r i a d e representantes locais da classe d o m i n a n t e estran-
d o m i n a n t e s , suas aliadas. geira. A i n d a q u e possa ter relações m a i s o u m e n o s d e s e n v o l v i d a s
O q u e se disse a n t e r i o r m e n t e i m p l i c a q u e , não só para as c o m as massas p o p u l a r e s o u c o m o s c h e f e s t r a d i c i o n a i s , a s p i r a ,
massas p o p u l a r e s do país d o m i n a d o — para as classes ou c a m a d a s e m geral, a u m estilo d e vida s e m e l h a n t e , senão i d ê n t i c o , ao da
sociais t r a b a l h a d o r a s do c a m p o e das c i d a d e s —, mas t a m b é m m i n o r i a estrangeira; s i m u l t a n e a m e n t e , e n q u a n t o limita as suas re-
para as classes d o m i n a n t e s a u t ó c t o n e s (chefes t r a d i c i o n a i s , f a m í - lações c o m as massas, tenta integrar-se nessa m i n o r i a , a i n d a q u e
lias nobres, a u t o r i d a d e s religiosas), não há, e m geral, destruição m u i t a s vezes e m d e t r i m e n t o d o s laços f a m i l i a r e s ou étnicos e
o u depreciação significativa d a c u l t u r a o das tradições. R e p r i m i - s e m p r e graças a esforços i n d i v i d u a i s . Mas não c h e g a , q u a i s q u e r
d a , perseguida, h u m i l h a d a , t r a í d a por u m certo n ú m e r o de cate- q u e sejam as exceções a p a r e n t e s , a f r a n q u e a r as barreiras impos-
gorias sociais c o m p r o m e t i d a s c o m o estrangeiro, refugiada nas tas pelo s i s t e m a : está p r i s i o n e i r a das contradições d a realidade
aldeias, nas florestas e n o e s p í r i t o das gerações v í t i m a s de d o m i - c u l t u r a l e social e m q u e vive, p o r q u e não p o d e fugir, na paz c o -
nação, a c u l t u r a sobrevive a todas as t e m p e s t a d e s para r e t o m a r , lonial, à s u a c o n d i ç ã o d e classe marginal ou "marginalizada" Esta
graças às lutas de libertação, t o d a a s u a f a c u l d a d e de desenvol- " m a r g i n a l i d a d e " c o n s t i t u i , t a n t o l o c a l m e n t e c o m o n o seio das
diásporas i m p l a n t a d a s na m e t r ó p o l e c o l o n i a l i s t a , o d r a m a sócio
c u l t u r a l das elites c o l o n i a i s o u da p e q u e n a burguesia i n d í g e n a ,
vivido mais o u m e n o s i n t e n s a m e n t e segundo as circunstâncias
Um mínimo de 99,7 por cento nas colónias portuguesas.
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materiais e o n í v e l de a c u l t u r a ç ã o , m a s s e m p r e n o plano indivi- e / o u racista) e já não significa n e c e s s a r i a m e n t e u m retorno às
d u a l , não c o l e t i v o . tradições. É a negação, pela p e q u e n a burguesia i n d í g e n a , da pre-
tensa s u p r e m a c i a da c u l t u r a d a potência d o m i n a n t e sobre a do
É no c o n t e x t o desse d r a m a q u o t i d i a n o , s o b r e o p a n o d e povo d o m i n a d o , c o m o q u a l t e m necessidade d e se identificar
f u n d o d a c o n f r o n t a ç ã o g e r a l m e n t e v i o l e n t a e n t r e a s m a s s a s po- para resolver o c o n f l i t o sócio-cultural e m q u e se d e b a t e , p r o c u -
p u l a r e s e a c l a s s e c o l o n i a l d o m i n a n t e , q u e s u r g e e se d e s e n v o l v e r a n d o u m a identidade. O " r e t o r n o às f o n t e s " n ã o é p o i s u m a
n a p e q u e n a b u r g u e s i a i n d í g e n a u m s e n t i m e n t o de a m a r g u r a o u " d é m a r c h e " v o l u n t á r i a , mas a única resposta viável à solicitação
u m complexo de frustração e , p a r a l e l a m e n t e , u m a n e c e s s i d a d e ur- imperiosa de u m a necessidade c o n c r e t a , histórica, determinada
g e n t e , d e q u e ela t o m a p o u c o a p o u c o c o n s c i ê n c i a , d e c o n t e s t a r pela c o n t r a d i ç ã o i r r e d u t í v e l q u e o p õ e a sociedade c o l o n i z a d a à
a sua marginalidade e de descobrir u m a identidade. Resultante do p o t ê n c i a c o l o n i a l , as massas p o p u l a r e s e x p l o r a d a s à classe estran-
fracasso d a tentativa de identificação c o m a classe d o m i n a n t e es- geira e x p l o r a d o r a , c o n t r a d i ç ã o e m r e l a ç ã o à q u a l c a d a c a m a d a
trangeira, para a q u a l é i m p u l s i o n a d a t a n t o pelos e l e m e n t o s es- social o u classe i n d í g e n a é obrigada a d e f i n i r u m a posição.
senciais da s u a f o r m a ç ã o c u l t u r a l c o m o pelas suas aspirações so-
Q u a n d o o " r e t o r n o às f o n t e s " ultrapassa o caso individual
ciais, esta necessidade de libertação d o c o m p l e x o de frustração e
para se e x p r i m i r através de " g r u p o s " o u de " m o v i m e n t o s " , o s
d a marginalidade leva a p e q u e n a burguesia a u t ó c t o n e a voltar-se
fatores que c o n d i c i o n a m , t a n t o interna c o m o e x t e r n a m e n t e , a
para o o u t r o pólo d o c o n f l i t o sócio-cultural no seio d o q u a l vive
evolução p o l í t i c o - e c o n ô m i c a d a s o c i e d a d e , a t i n g i r a m já o n í v e l
— as massas p o p u l a r e s indígenas —, p r o c u r a n d o u m a identida-
e m que esta c o n t r a d i ç ã o se t r a n s f o r m a e m c o n f l i t o (velado o u
de. C o m o v i m o s , a s o c i e d a d e d o m i n a d a (por estar v e n c i d a , opri-
a b e r t o ) , p r e l ú d i o do m o v i m e n t o d e pré-independência o u da luta
m i d a e r e p r i m i d a n o s planos e c o n ó m i c o e p o l í t i c o ) preserva, ape-
pela libertação do jugo estrangeiro. A s s i m , o " r e t o r n o às f o n t e s "
sar de t o d a s as tentativas de destruição d a parte d a potência co-
só é h i s t o r i c a m e n t e c o n s e q u e n t e se i m p l i c a r n ã o a p e n a s u m c o m -
lonial, o essencial d a s u a c u l t u r a e c o n t i n u a a s u a resistência cul-
p r o m e t i m e n t o real na luta pela i n d e p e n d ê n c i a , m a s t a m b é m u m a
t u r a l , q u e é i n d e s t r u t í v e l . Só no d o m í n i o c u l t u r a l a p e q u e n a bur-
i d e n t i f i c a ç ã o t o t a l e d e f i n i t i v a c o m as a s p i r a ç õ e s d a s m a s s a s p o -
guesia a u t ó c t o n e p o d e tentar satisfazer essa necessidade d e liber-
pulares, que não c o n t e s t a m somente a cultura do estrangeiro mas
tação e de c o n q u i s t a de u m a i d e n t i d a d e .
ainda, globalmente, o d o m í n i o estrangeiro. Doutro modo, o "re-
D a í o " r e t o r n o às f o n t e s " , q u e parece t a n t o mais imperio- t o r n o às f o n t e s " não é mais do q u e u m a solução q u e pretende
so q u a n t o o i s o l a m e n t o da p e q u e n a burguesia (ou das elites nati- o b t e r vantagens t e m p o r á r i a s , u m a f o r m a , c o n s c i e n t e o u incons-
vas) for grande e q u a n t o o s e u s e n t i m e n t o o u c o m p l e x o de frus- c i e n t e , de o p o r t u n i s m o p o l í t i c o d a parte da p e q u e n a burguesia.
tração for a g u d o , c o m o e m relação às diásporas a f r i c a n a s implan-
tadas nas m e t r ó p o l e s c o l o n i a l i s t a s e racistas. N ã o é pois por a c a s o É preciso notar q u e o f e n ó m e n o do " r e t o r n o às f o n t e s " ,
que teorias o u " m o v i m e n t o s " tais c o m o o pan-africanismo e a q u e r seja a p a r e n t e o u r e a l , não se p r o d u z de maneira global,
negritude, d u a s expressões p e r t i n e n t e s do "regresso às f o n t e s " — simultânea e u n i f o r m e , no seio d a p e q u e n a burguesia a u t ó c t o n e .
baseadas p r i n c i p a l m e n t e n o p o s t u l a d o da i d e n t i d a d e c u l t u r a l de É u m processo lento, d e s c o n t í n u o e desigual, cujo desenvolvi-
t o d o s o s a f r i c a n o s negros — f o r a m c o n c e b i d a s e m espaços c u l t u - mento, ao nível de cada i n d i v í d u o , depende d o grau de acultura-
rais d i s t i n t o s d o s d a A f r i c a negra. Mais r e c e n t e m e n t e , a reivindi- ção, das condições materiais de existência, da f o r m a ç ã o ideológi-
cação, feita pelos negros a m e r i c a n o s , de u m a identidade a f r i c a n a , c a e d a p r ó p r i a h i s t ó r i a e n q u a n t o ser s o c i a l .
é outra m a n i f e s t a ç ã o , talvez d e s e s p e r a d a , de u m a tentativa d e E s t a desigualdade está na base da cisão da p e q u e n a burgue-
" r e t o r n o às f o n t e s " , e m b o r a n i t i d a m e n t e i n f l u e n c i a d a por u m a sia a u t ó c t o n e e m três grupos d i s t i n t o s , f a c e ao m o v i m e n t o de li-
realidade n o v a — a c o n q u i s t a d a independência p o l í t i c a pela gran- bertação :
de maioria d o s povos a f r i c a n o s . C a r a c t e r i z a - s e p r i n c i p a l m e n t e ,
nos seus a s p e c t o s visíveis, pela m a n i f e s t a ç ã o , m u i t a s vezes osten- a) u m a primeira m i n o r i a q u e , apesar de desejar o f i m da d o -
t a t ó r i a , de u m desejo mais o u m e n o s c o n s c i e n t e de identificação minação estrangeira, se p r e n d e à classe c o l o n i a l d o m i n a n t e e se
cultural. o p õ e a b e r t a m e n t e a esse m o v i m e n t o para d e f e n d e r a sua seguran-
ça s o c i a l ;

Mas o " r e t o r n o às f o n t e s " não é, n e m p o d e ser, e m si p r ó - b) u m a m a i o r i a d e e l e m e n t o s hesitantes o u i n d e c i s o s ;


p r i o , u m ato de luta c o n t r a o d o m í n i o estrangeiro ( c o l o n i a l i s t a

78 79
c ) u m a segunda m i n o r i a c u j o s e l e m e n t o s p a r t i c i p a m na cria-
ção e na direção d o m o v i m e n t o d e libertação, d e q u e são o prin- f i q u e m . D a m e s m a f o r m a , a i d e n t i d a d e de u m ser é s e m p r e u m a
c i p a l e l e m e n t o de f e c u n d a ç ã o . q u a l i d a d e relativa, não e x a t a , m e s m o c i r c u n s t a n c i a l , p o r q u e a s u a
d e f i n i ç ã o exige u m a seleção mais o u m e n o s rigorosa o u restritiva
das características biológicas e sociológicas d o ser e m questão.
Mas este ú l t i m o g r u p o , q u e d e s e m p e n h a u m papel decisivo
no d e s e n v o l v i m e n t o do m o v i m e n t o de pré-independência, não É preciso notar q u e , no b i n ó m i o f u n d a m e n t a l d a definição
consegue identificar-se v e r d a d e i r a m e n t e c o m as massas p o p u l a r e s da identidade, o sociológico é mais d e t e r m i n a n t e d o q u e o bio-
( c o m a s u a c u l t u r a e as suas aspirações) senão através d a luta, de- lógico. C o m e f e i t o , se é c e r t o q u e o e l e m e n t o biológico (o patri-
p e n d e n d o o grau dessa identificação da f o r m a ou das f o r m a s de m ô n i o genético) é a base material indispensável à existência e à
l u t a , do c o n t e ú d o ideológico do m o v i m e n t o e d o n í v e l de cons- c o n t i n u i d a d e evolutiva da i d e n t i d a d e , não d e i x a de ser u m fato
ciência m o r a l e p o l í t i c a d e cada i n d i v í d u o . q u e o e l e m e n t o sociológico é o fator q u e , d a n d o - l h e u m c o n t e ú -
d o è u m a f o r m a , i m p r i m e significado objetivo a essa q u a l i d a d e ,
p e r m i t i n d o a c o n f r o n t a ç ã o o u a c o m p a r a ç ã o entre i n d i v í d u o s o u
II
entre g r u p o s de i n d i v í d u o s . Para u m a d e f i n i ç ã o integral d a iden-
t i d a d e , a caracterização d o e l e m e n t o biológico é indispensável,
O principal p r o b l e m a do m o v i m e n t o de libertação — o da
mas não i m p l i c a u m a identificação n o p l a n o sociológico, e n q u a n -
identificação de u m a parte da p e q u e n a burguesia nativa c o m as
to q u e dois seres o u m a i s , s o c i o l o g i c a m e n t e idênticos, t ê m ne-
massas populares — pressupõe u m a condição e s s e n c i a l : que, con-
c e s s a r i a m e n t e u m a i d e n t i d a d e s e m e l h a n t e n o plano b i o l ó g i c o .
tra a ação destrutiva do domínio imperialista, as massas populares
E s t e f a t o revela, por u m l a d o , a s u p r e m a c i a d a vida social
preservem a sua identidade, d i f e r e n t e e distinta da da potência
sobre a v i d a i n d i v i d u a l , p o r q u e a s o c i e d a d e ( h u m a n a , por e x e m -
c o l o n i a l . P a r e c e , p o r t a n t o , interessante d e t e r m i n a r e m que casos
plo) é u m a f o r m a s u p e r i o r de v i d a ; sugere, por o u t r o lado, a ne-
esta preservação é possível; por q u e , q u a n d o e a q u e níveis da so-
cessidade de não c o n f u n d i r , na apreciação d a i d e n t i d a d e , a iden-
ciedade d o m i n a d a se põe o p r o b l e m a da perda o u da ausência d e
tidade original, e m q u e o e l e m e n t o biológico é a d e t e r m i n a n t e
identidade e, p o r t a n t o , a necessidade de a f i r m a r o u de reafirmar,
p r i n c i p a l , c o m a identidade atual, na q u a l a d e t e r m i n a n t e princi-
no â m b i t o d o m o v i m e n t o d e pré-independência, u m a identidade
pal é o e l e m e n t o sociológico. É e v i d e n t e q u e a i d e n t i d a d e q u e é
diferente e distinta da d a potência c o l o n i a l .
necessário ter e m consideração n u m d e t e r m i n a d o m o m e n t o da
A identidade de u m i n d i v í d u o o u de u m d e t e r m i n a d o grupo
evolução d e u m ser (individual o u c o l e t i v o ) é a identidade a t u a l
h u m a n o é u m a q u a l i d a d e bio-sociológica, i n d e p e n d e n t e da vonta-
e q u a l q u e r apreciação desse ser feita u n i c a m e n t e c o m base na sua
d e desse i n d i v í d u o o u desse g r u p o , m a s q u e só t e m significado ao
identidade original está i n c o m p l e t a , p a r c i a l e i m b u í d a d e p r e c o n -
ser e x p r e s s a e m relação a o u t r o s i n d i v í d u o s o u a o u t r o s grupos
c e i t o s , t e n d o e m c o n t a q u e e s q u e c e o u ignora a influência decisi-
h u m a n o s . A n a t u r e z a dialética d a identidade reside n o f a t o de
va d a realidade social (material e espiritual) sobre o c o n t e ú d o e a
q u e ela identifica e distingue, p o r q u e u m i n d i v í d u o (ou u m grupo
f o r m a d a identidade.
h u m a n o ) não é idêntico a d e t e r m i n a d o s i n d i v í d u o s ( o u grupos)
Na f o r m a ç ã o e d e s e n v o l v i m e n t o d a identidade individual ou
senão se f o r d i s t i n t o de o u t r o s i n d i v í d u o s (ou grupos h u m a n o s ) .
c o l e t i v a , a realidade social é u m agente o b j e t i v o , resultante d o s
A d e f i n i ç ã o d e u m a i d e n t i d a d e , individual o u c o l e t i v a , é portan-
fatores e c o n ó m i c o s , p o l í t i c o s , sociais e c u l t u r a i s q u e c a r a c t e r i z a m
t o , s i m u l t a n e a m e n t e , a a f i r m a ç ã o e a negação de u m d e t e r m i n a -
a evolução o u a história d a s o c i e d a d e e m questão. S e c o n s i d e r a r -
d o n ú m e r o d e características q u e d e f i n e m i n d i v í d u o s ou coleti-
m o s q u e , entre esses f a t o r e s , o e c o n ó m i c o é f u n d a m e n t a l , pode-
vidades e m f u n ç ã o d e c o o r d e n a d a s históricas (biológicas e socio-
m o s a f i r m a r q u e a i d e n t i d a d e é, de certa m a n e i r a , a expressão de
lógicas), em d a d o m o m e n t o d a sua evolução. C o m e f e i t o , a iden-
um2í realidade e c o n ó m i c a . E s s a realidade — sejam q u a i s f o r e m o s
tidade não é u m a q u a l i d a d e i m u t á v e l , p r e c i s a m e n t e p o r q u e o s
m e i o s geográficos e a via de d e s e n v o l v i m e n t o da s o c i e d a d e — é
dados biológicos e sociológicos q u e a d e f i n e m estão e m perma-
d e f i n i d a pelo nível das forças p r o d u t i v a s (relação e n t r e o h o m e m
nente evolução. Q u e r biológica, q u e r s o c i o l o g i c a m e n t e , não exis-
e a natureza) e pelo m o d o de p r o d u ç ã o (relações entre o s h o m e n s
t e m , no t e m p o , d o i s seres (individuais o u coletivos) a b s o l u t a m e n -
o u as categorias de h o m e n s n o seio d a m e s m a s o c i e d a d e ) . Mas, se
te idênticos, o u a b s o l u t a m e n t e d i s t i n t o s , p o r q u e é s e m p r e possí-
a d m i t i r m o s q u e a c u l t u r a é a síntese d i n â m i c a d a realidade mate-
vel e n c o n t r a r características q u e o s d i s t i n g u a m o u q u e os identi-
rial e espiritual d a s o c i e d a d e e e x p r i m e as relações t a n t o e n t r e o

80
81
homem e a natureza como entre as diferentes categorias de ho- "sobrestimação" da identidade por parte dos grupos dominados,
mens no seio de uma mesma sociedade, podemos afirmar que a como principal efeito do bloqueamento do seu processo históri-
identidade é, a nível individual ou coletivo e para além da reali- co pelo domínio imperialista.
dade económica, a expressão de uma c u l t u r a . É por isso que atri- 0 caráter fundamentalmente horizontal da estrutura social
buir, reconhecer ou afirmar a identidade de um indivíduo ou de dos povos africanos — multiplicidade ou profusão de grupos étni-
um grupo humano é, acima de tudo, situar esse indivíduo ou gru- cos - faz c o m que a resistência cuitural e o grau de preservação
po no âmbito de uma cultura. Ora, como todos sabem, a base da identidade não sejam uniformes. Desta forma, se é um fato
principal da cultura é, em todas as sociedades, a estrutura social. que os grupos étnicos conseguiram, de uma forma geral, preser-
Parece mais lícito concluir que a possibilidade de um determina- var a sua identidade e, portanto, não há perda dessa qualidade na
do grupo humano preservar (ou perder) a sua identidade face ao horizontal social, verifica-se que os grupos mais resistentes são
d o m í n i o estrangeiro depende do grau de destruição verificada na os que mais violentos choques tiveram com a potência colonial na
sua estrutura social por esse mesmo d o m í n i o . fase da ocupação efetiva* ou então aqueles que, devido à sua lo-
Quanto à ação e aos efeitos do domínio imperialista sobre a calização geográfica, tiveram menos contatos com a potência es-
estrutura social do povo dominado, importa considerar aqui o trangeira**.
caso do colonialismo clássico de que o movimento de pré-inde-
Convém notar que a potência colonial defronta, de forma
pendência é a contestação. Nesse caso, seja qual for o grau de
insolúvel, uma contradição no seu comportamento face aos gru-
desenvolvimento histórico da sociedade dominada, a estrutura so-
pos étnicos: por um lado, tem necessidade de dividir ou de man-
cial pode sofrer as seguintes ações e efeitos:
ter a divisão para reinar e, por isso, mantém e fomenta a separa-
ção e mesmo as querelas entre os grupos étnicos; por outro lado,
a) destruição total, com a liquidação imediata ou progressiva
para tentar garantir a perpetuação do seu domínio, precisa de
da população indígena e a sua substituição consequente por uma
destruir a estrutura social desses grupos, a sua cultura e, portan-
população alógena;
to, a sua identidade. Além disso, é forçada a adotar uma política
de proteção da estrutura social e de defesa das classes dirigentes
b) destruição parcial, com fixação de uma população alóge- dos grupos que (como, por exemplo, a etnia ou a nação fula, no
na mais ou menos numerosa; nosso país) apoiarem decisivamente as suasguerras de conquista co-
lonial — política que favorece a preservação da identidade do
grupo.
c) conservação aparente, condicionada pela reclusão da so-
ciedade autóctone em zonas geográficas ou reservas próprias, ge- Como já dissemos, de uma maneira geral, não se verificam
ralmente desprovidas de possibilidades de vida, com implantação modificações importantes no referente à cultura, na vertical da
maciça de uma população alógena. pirâmide ou das pirâmides sociais indígenas (grupos ou socieda-
des com um Estado). Cada camada ou classe mantém a sua
identidade, tanto nos centros urbanos como em algumas zonas do
A experiência do domínio imperialista demonstra que a des-
interior do país onde a influência cultural da potência colonial é
truição completa da estrutura social, que implica a perda de iden-
sensível, o problema da identidade é mais complexo. Enquanto
tidade, só é possível com a liquidação total da população indíge-
que a base e o topo da pirâmide social (respectivamente, a maio-
na ou pela sua redução a um mínimo social e culturalmente in-
ria das massas populares trabalhadoras, constituída por indiví-
significante. E m contrapartida, nos dois últimos casos, que são os
duos de etnias diferentes, e a classe estrangeira dominante) man-
que interessa considerar em África, há a possibilidade de preser-
<- têm as suas identidades, a zona central dessa pirâmide (a peque-
vação da cultura e, portanto, da identidade, mesmo que a estru-
na burguesia autóctone), culturalmente desenraizada, alienada ou
tura social sofra uma importante destruição parcial. Como é na-
tural, esta possibilidade varia com os tipos e os tempos de colo-
nização. Podemos no entanto afirmar que o domínio político, a
• No nosso pafs, é o caso dos Manjacos, dos Papeis, dos Oincas, dos Balantas e dos
exploração económica e a repressão cultural praticadas pela po-
Beafadas.
tência colonial provocaram uma "cristalização" da cultura e uma •* É o caso dos Pajadincas e de outras minorias do interior.

82 83
mais ou menos assimilada, debate-se num conflito sócio-cultu- populares a melhor forma de exprimir uma identidade distinta
ral, procurando uma identidade. É preciso notar ainda que, em- da da potência colonial.
bora solidamente ligada por uma nova identidade — a da potência É por isso que a identificação com as massas populares e a
colonial — a classe dominante estrangeira não consegue libertar-se reafirmação da identidade podem ser temporárias ou definitivas,
das contradições e dos limites da sua própria sociedade, que apenas aparentes ou reais, face aos esforços e aos sacrifícios quo-
transfere para a área de colonização. tidianos exigidos pela própria luta que, sendo uma expressão
política organizada de cultura, é t a m b é m , e necessariamente, uma
Quando, por ação de uma minoria da pequena burguesia
prova não apenas de identidade, mas ainda de dignidade.
autóctone aliada às massas populares indígenas, se desencadeia
o movimento de pré-independência, essas massas não têm qualquer Durante o processo de domínio colonialista, as massas popu-
necessidade de afirmar ou reafirmar a sua identidade, que nunca lares, sejam quais forem as características da estrutura social do
confundiram nem poderiam confundir com a da potência colo- grupo a que pertencem, não deixam de resistir à potência colo-
nial. Essa necessidade só surge ao nível da pequena burguesia nial. Numa primeira fase — a da conquista, cinicamente denomi-
autóctone (elites) que, nesta fase da evolução das contradições nada "pacificação" — resistem, de armas na mão, à ocupação
do processo de colonização, é forçada a tomar posição face ao estrangeira*. Numa segunda fase — a idade de ouro do colo-
conflito que opõe as massas populares à potência colonial. No nialismo triunfante — opõem ao domínio estrangeiro uma resis-
entanto, como sucede nos casos de necessidade de uma identifi- tência passiva, quase silenciosa, mas muitas vezes esmaltada de
cação cultural, a reafirmação de uma identidade distinta da da rebeliões, geralmente individuais, raramente coletivas, especial-
potência colonial não é um fato generalizado no seio da pequena mente no âmbito do trabalho, do pagamento de impostos, mes-
burgesia. Só uma minoria reafirma essa diferença, enquanto que mo no contato social com os representantes estrangeiros ou
outra minoria afirma, quantas vezes de forma espalhafatosa, a sua autóctones da potência colonial. Numa terceira fase — a da luta
identificação com a classe estrangeira dominante, e a maioria, de libertação — são as massas populares que constituem a força
silenciosa, se debate na indecisão. principal para a resistência política ou armada que conteste e
liquide o domínio estrangeiro. Essa resistência, longa e multi-
É importante observar ainda que, mesmo no seio da parte
forme, só é possível porque, preservando a sua cultura e a sua
da pequena burguesia que reafirma uma identidade distinta da
identidade, as massas populares mantêm intacto o sentimento
da potência colonial e, portanto, idêntica à das massas populares,
de dignidade individual e coletiva, apesar dos vexames, das humi-
essa reafirmação nem sempre se realiza da mesma forma. Parte
lhações e das sevícias de que são tantas vezes alvo. Isto é tanto
dessa minoria, integrada no movimento de pré-independência,
mais verdadeiro quanto é certo que os indivíduos ou as categorias
utiliza dados culturais estrangeiros para exprimir, recorrendo
sociais que se põem "voluntariamente" ao serviço da potência
principalmente à literatura e às artes, mais a descoberta da sua
colonial o fazem, consciente ou inconscientemente, em bene-
identidade do que as aspirações e os sofrimentos das massas
fício de interesses de grupos ou de classes contrários aos da esma-
populares que lhe servem de tema. E como utiliza precisamente
gadora maioria das massas populares.
para essa expressão a linguagem e a língua da potência colonial,
só excepcionalmente consegue influenciar as massas populares A afirmação ou a reafirmação de uma identidade distinta da
em geral iletradas e familiarizadas com outras formas de expres- da potência colonial por parte da pequena burguesia autóctone
são artística. Esse fato, todavia, não diminui o valor da contri- contribui, portanto, unicamente para restituir um sentimento de
buição dessa minoria pequeno burguesa no processo de desen- dignidade a essa mesma categoria social. Ainda nesse plano, é
volvimento da luta, pois consegue influenciar, com a sua reafir- conveniente observar que o sentimento de dignidade no seio da
mação de identidade, tanto parte dos indecisos e retardatários pequena burguesia depende do comportamento objetivo, moral e
da sua própria categoria social como um importante setor da social, de cada indivíduo, do grau de subjetividade da sua atitude
opinião pública da metrópole colonial, principalmente intelec- face aos dois pólos do conflito colonial, entre os quais é obrigado
tuais. a viver o drama quotidiano da colonização. Esse drama é tanto
A outra parte da pequena burguesia, que se empenha ab mais intenso quanto é um fato que, no âmbito profissional, a
initiojno movimento de pré-independência, descobre na parti-
cipação imediata na luta de libertação e na integração nas massas Meio século de resistência armada no nosso país.

84 85
pequena burguesia, no desempenho das suas funções, é forçada sariamente a negação do seu processo cultural. Também — e
a uma confrontação permanente, tanto com a classe estrangeira porque uma sociedade que se liberta verdadeiramente do jugo
dominante, como com as massas populares. Esta situação faz estrangeiro retoma os caminhos ascendentes da sua própria cul-
com que, por um lado, o elemento pequeno-burguês seja alvo • tura — a luta de libertação é, antes de mais, um ato de cultura.
de frequentes humilhações, quase quotidianas, da parte dos A luta de libertação é um fato essencialmente político. Por
estrangeiros e que, por outro lado, tome nítida consciência, tanto conseguinte, só podem ser utilizados métodos políticos (in-
das injustiças a que estão sujeitas as massas populares, como da cluindo o uso da violência para liquidar a violência, sempre arma-
sua resistência e do seu espírito de revolta. Daí deriva este para- da, do domínio imperialista) no decurso do seu desenvolvimento.
doxo aparente da contestação do domínio colonial: é no seio da A cultura não é, pois, nem poderá ser, uma arma ou um método
pequena burguesia autóctone, categoria social nascida da própria i de mobilização de grupo contra o domínio estrangeiro. Ela é bem
colonização, que surgem as primeiras iniciativas consequentes mais do que isso. Com efeito, é no conhecimento concreto da
visando a mobilização e a organização das massas populares realidade local, em especial da realidade cultural, que se funda-
para a luta contra a potência colonial. menta a escolha, a estruturação e o desenvolvimento dos méto-
Essa luta, através de todas as vicissitudes e sejam quais dos mais adequados para a luta. Daí a necessidade, para o movi-
forem as formas que assume, ref lete a consciência ou a tomada de mento de libertação, de conceder uma importância primordial
consciência de uma identidade própria, generaliza e consolida o não só às características gerais da cultura da sociedade dominada,
sentimento de dignidade, reforçado pelo desenvolvimento da mas também às de cada categoria social. Embora tenha um cará
consciência política, e vai beber à cultura ou às culturas das mas- ter de massa, a cultura não é uniforme, não se desenvolve igual-
sas populares em revolta uma das suas principais forças. mente em todos os setores, horizontais ou verticais, da sociedade.

Ill ' A atitude e o comportamento de cada categoria ou de cada


indivíduo face à luta e ao seu desenvolvimento são, certamente,
Uma apreciação correta do papel da cultura no movimento ditados pelos seus interesses económicos e também profundamen-
da pré-independência ou da libertação exige que se faça uma ní- te influenciados pela sua cultura. Pode-se mesmo afirmar que é a
tida distinção entre cultura e manifestações culturais. Á cultura é diferença dos níveis de cultura que explica os diferentes compor-
a síntese dinâmica, ao nível da consciência do indivíduo ou da tamentos dos indivíduos duma mesma categoria social face ao
coletividade, da realidade histórica, material e espiritual, duma movimento de libertação. É neste plano, portanto, que a cultura
sociedade ou dum grupo humano, das relações existentes entre o atinge todo o seu significado para cada indivíduo: compreensão
homem e a natureza, como entre os homens e as categorias sociais. e integração no meio social, identificação com os problemas fun-
A s manifestações culturais são as diferentes formas pelas quais damentais e as aspirações da sociedade, aceitação ou negação da
esta síntese se exprime, individual ou coletivamente, em cada possibilidade duma transformação no sentido do progresso.
E evidente que a multiplicidade de categorias sociais, em
etapa da evolução da sociedade ou do grupo humano em questão.
especial de etnias, torna mais complexa a definição do papel
Verif icou-se que a cultura é a verdadeira base do movimento
da cultura no movimento de libertação. Mas esta complexidade
de libertação, e que as únicas sociedades que podem mobilizar-se,
não pode nem deve diminuir a importância decisiva, no desen-
organizar-se e lutar contra o domínio estrangeiro são as que pre-
volvimento desse movimento, do caráter de classe da cultura,
servam a sua cultura. Esta, quaisquer que sejam as características
muito mais sensível nas categorias urbanas e nas sociedades
ideológicas ou idealistas da sua expressão, é um elemento essen-
rurais de estrutura vertical (Estado), mas que não deve deixar de
cial do processo histórico. É nela que reside a capacidade (ou a
ser tomada em consideração mesmo nos casos em que o fenó-
responsabilidade) de elaborar ou de fecundar elementos que as-
è

meno de efasse surge ainda no estado embrionário. A experiência


segurem a continuidade da história e determinem, ao mesmo
demonstra que, perante a necessidade de uma opção política
tempo, as possibilidades de progresso ou de regressão da socie-
exigida pela contestação do domínio estrangeiro, as categorias
dade.
privilegiadas, na sua maioria, colocam os seus interesses imediatos
Compreende-se assim que, sendo o domínio imperialista de classe acima dos interesses do grupo ou da sociedade, contra
a negação do processo histórico da sociedade dominada, é neces- as aspirações das massas populares.

86 87
Na apreciação do papel da cultura no movimento de liber- racional e nacional do movimento de libertação, e opera ainda
tação, é conveniente não esquecer que a cultura, como resultante muitas outras modificações profundas na vida das populações.
e determinante da história, comporta elementos essenciais e se- Isto é tanto mais autêntico quanto é certo que a dinâmica
cundários, forças e fraquezas, virtudes e defeitos, aspectos positi- da luta exige também a prática da democracia, da crítica e da
vos, fatores de progresso e de estagnação ou mesmo de regressão autocrítica, a participação crescente das populações na gestão da
— em suma, contradições e mesmo conflitos. Seja qual for a com- sua vida, a alfabetização, a criação de escolas e de serviços sani-
plexidade desse panorama cultural, o movimento de libertação tários, a formação de quadros vindos dos meios camponeses e
tem necessidade de nele localizar e definir os dados contraditó- operários, e muitas outras realizações que implicam uma verda-
rios para preservar os valores positivos, efetuar a confluência deira marcha forçada da sociedade no caminho do progresso
desses valores no sentido da luta e no âmbito de uma nova di- cultural. Demonstra-se assim que a luta de libertação não é ape-
mensão — a dimensão nacional. É preciso, no entanto, notar nas um fato cultural, é também um fator de cultura.
que só no decurso da luta a complexidade e a importância dos No seio da sociedade indígena, as influências da luta refle-
problemas culturais surgem em toda a sua vastidão, o que obriga tem-se nos resultados multilaterais das realizações acima mencio-
frequentemente a adaptações e correções sucessivas da estratégia nadas, assim como no desenvolvimento e/ou sobre a consolida-
e das táticas em função de realidades que só a luta pode revelar. ção da consciência nacional. A ação confluente do movimento de
Da mesma forma, só a luta revela como e quanto a cultura é uma libertação no plano cultural leva à criação de uma lenta mas só-
fonte inesgotável de coragem, de recursos materiais e morais, de lida unidade cultural, de natureza simbiótica, correspondente à
energia física e psíquica para as massas populares, assim como unidade moral e política necessária à dinâmica da luta. Com a
também, sob determinados aspectos, de obstáculos e dificulda- ruptura do hermetismo de grupo, a agressividade de caráter ra-
des, concepções erradas da realidade, desvios no cumprimento do cial (tribal ou étnico) tende a desaparecer progressivamente para
dever e limitações do ritmo e da eficácia da luta perante as exi- dar lugar à compreensão, à solidariedade e ao respeito mútuo
gências políticas, técnicas e científicas que impõe. entre os diversos setores horizontais da sociedade, unidos e iden-
tificados na luta e num destino comum face ao domínio estran-
Tudo isso implica uma permanente confrontação, tanto
geiro — sentimentos esses de que as massas populares tomam fa-
entre os diferentes elementos da cultura, como entre esta e as exi-
cilmente consciência se o oportunismo político, característico
gências da luta. Desenvolve-se assim uma ação recíproca entre a
das camadas sociais médias, não vier perturbar esse processo.
cultura e a luta. A cultura, base e fonte de inspiração da luta,
Consta ta-se igualmente um reforço da identidade de grupo e um
começa a ser influenciada por esta, influência que se reflete de
correspondente avivar da dignidade. Esses fatores em nada pre-
forma mais ou menos evidente, quer na evolução do comporta-
judicam a estruturação e o movimento do conjunto social no sen-
mento das categorias sociais e dos indivíduos, quer no desenrolar
tido de um avanço harmonioso e em função de novas coordena-
da própria luta. Tanto os dirigentes do movimento de libertação,
das históricas — as da dimensão nacional — de que só uma ação
na sua maior parte originários dos centros urbanos (pequena bur-
guesia e trabalhadores assalariados), como as massas populares política intensiva e eficaz, elemento essencial da luta, pode defi-
(cuja esmagadora maioria é composta por camponeses), melho- nir a trajetória e os limites e garantir a continuidade.
ram o seu nível cultural: maior conhecimento das realidades do Entre os representantes do poder colonial e na opinião me-
país, libertação de complexos e preconceitos de classe, alarga- tropolitana, a luta de libertação — prova ativa da cultura, da iden-
mento do universo no qual evoluem, destruição das barreiras tidade e da dignidade do povo da colónia — criou primeiro um
étnicas, reforço da consciência política, integração no país e no sentimento geral de espanto, surpresa e incredulidade. Uma vez
mundo, etc. superado esse*'sentimento, que é fruto de preconceitos ou da
deformação sistemática que caracteriza a informação colonialista,
Qualquer que seja a sua forma, a luta exige a mobilização e a
as reações variam segundo os interesses e as opções políticas e o
organização de uma maioria significativa da população, a unidade grau de cristalização de uma mentalidade colonialista ou racista
política e moral das diversas categorias sociais, á liquidação pro- das diferentes categorias sociais, isto é, dos indivíduos. Os pro-
gressiva dos vestígios da mentalidade tribal e feudal, a recusa das gressos da luta e os sacrifícios impostos pela necessidade de exer-
regras e dos tabus sociais e religiosos incompatíveis com o caráter cer uma repressão colonialista, policial e/ou militar, provocam na

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opinião metropolitana uma cisão que se traduz por tomadas de contribuiu para dar a esta hipótese uma certa audiência. Sem pre-
posição diferentes, ou até divergentes, e pela emergênica de novas tender minimizar a importância que tais teorias ou "movimentos"
contradições políticas e sociais. tiveram ou têm enquanto tentativas, bem sucedidas ou não, de
A partir do momento em que a luta se imponha como um procura de uma identidade, e enquanto meio de contestação do
fato irreversível, e mesmo que os meios utilizados para a domi- domínio estrangeiro, podemos afirmar que uma análise objetiva
nar sejam muito grandes, opera-se uma mudança qualitativa na da realidade cultural conduz a negar a importância de culturas
opinião metropolitana que, na sua maioria, aceita progressiva- raciais ou continentais. E m primeiro lugar, porque a cultura, tal
mente a possibilidade, ou mesmo a fatalidade, da independência como a história, é um fenómeno em expansão e intimamente
da colónia. Uma tal mudança traduz o reconhecimento, conscien- ligado à realidade económica e social do ambiente, ao nível das
te ou não, do fato de o povo colonizado em luta ter uma identi- forças produtivas e ao modo de produção da sociedade que a
dade e uma cultura próprias. E isto apesar do fato de uma mino- criou. E m segundo lugar — mas não menos importante — porque
ria ativa, agarrada aos seus interesses e aos seus preconceitos, con- o desenvolvimento da cultura prossegue de maneira desigual,
tinuar durante todo o conflito a recusar o direito à independên- ao nível de um continente, de uma " r a ç a " , mesmo de uma socie-
cia, a não admitir a equivalência das culturas que este direito im- dade. Com efeito, as coordenadas da c u l t u r a , tal como as de
plica. Equivalência que, numa etapa decisiva do conflito, é impli- qualquer fenómeno em desenvolvimento, variam no espaço e no
citamente reconhecida ou aceita, mesmo pela potência colonial, tempo, sejam estes materiais (físicos) ou humanos (biológicos e
quando, para desviar a luta dos seus objetivos, aplica uma polí- sociológicos). Eis porque a cultura — criação da sociedade e sín-
tica demagógica de "promoção económica e social", de "desen- tese dos equilíbrios e das soluções que ela provoca para resolver
volvimento cultural" baseado na personalidade própria do povo os conflitos que a caracterizam em cada fase da história — é uma
colonizado, recorrendo, no plano político, a novas formas de do- realidade social independente da vontade dos homens, da cor da
mínio. Com efeito, se o neocolonialismo é, acima de tudo, a con- pele, da forma dos olhos ou dos limites geográficos.
tinuação do domínio económico imperialista disfarçado por uma A apreciação correta do papel da cultura no movimento de
direção política autóctone, é também o reconhecimento tácito, libertação exige que sejam considerados globalmente e nas suas
pela potência colonial, do fato do povo que ela domina e explora relações internas os fatores que a definem; que seja recusada a
ter a sua própria identidade, a qual exige uma direção política aceitação cega dos valores culturais sem ter em consideração o
própria, para a satisfação de uma necessidade cultural. que podem ter de negativo, reacionário ou regressivo; que se evite
Deve-se notar também que, aceitando a existência de uma qualquer confusão entre o que é expressão de uma realidade
identidade e de uma cultura do povo colonizado,^ portanto do seu histórica e material e o que parece ser uma criação de espírito,
direito inalienável à autodeterminação e à independência, a opi- separada dessa realidade, ou o resultado de uma natureza especí-
nião metropolitana (ou, pelo menos, uma parte importante dessa fica; que não seja estabelecida uma conexão absurda entre as
opinião) reflete um progresso significativo de ordem cultural e criações artísticas, válidas ou não, e pretensas características
liberta-se de um elemento negativo da sua cultura: o preconceito psíquicas e somáticas de uma "raça"; finalmente, que se evite
da supremacia da nação colonizadora sobre a nação colonizada. qualquer apreciação crítica, não científica ou acientífica, do
Este progresso pode ter consequências importantes, mesmo trans- fenómeno cultural.
cendentes, na via e na evolução política da potência imperialista Estas condições são tanto mais necessárias para que a cultu-
ou colonial, como o provam alguns fatos da história recente ou ra desempenhe convenientemente o papel que lhe compete no
mesmo atual da luta dos povos contra o domínio estrangeiro. movimento de libertação, quanto forem claros os objetivos
Algumas afinidades genético-somáticas e culturais entre definidos por este na via da conquista do direito do povo, que
vários grupos humanos de um ou de diversos continentes, assim representa e dirige, a ter a sua própria história e a dispor livre-
como situações mais ou menos semelhantes em relação ao do- mente das suas forças produtivas, tendo em vista o ulterior
mínio colonial e/ou racista, levaram a formular teorias e a criar desenvolvimento de uma cultura mais rica, popular, nacional,
"movimentos" baseados na hipótese da existência de culturas científica e universal.
raciais ou continentais. A importância do papel da cultura no A luta de libertação, que é a mais complexa expressão do
movimento de libertação, geralmente reconhecida ou pressentida. vigor cultural do povo, da sua identidade e da sua dignidade.

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enriquece a cultura e abre-lhe novas perspectivas de desenvolvi-
mento. As manifestações culturais adquirem um novo conteúdo
e novas formas de expressão, tornando-se assim um poderoso
instrumento de informação e formação política, não apenas na
luta pela independência como também na primordial batalha do
progresso.

Bibliografia

Amílcar Cabral, Obras Escolhidas. Seara Nova, Lisboa, 1977.


Amílcar Cabral, O Homem e a sua Obra. Serviços Culturais do
Conselho Superior da Luta ( P A I G C ) , 1973.
África "Portuguesa", a luta pela independência. O Correio,
U N E S C O , 1974.
Le Soleil (jornal) N 9 8 2 7 , Senegal, 22.de janeiro de 1973.
Revolution in Guinea. Amílcar Cabral, Stage One, Londres,
1969.
The Liberation of Guinea. Basil Davison, com prefácio de
Amílcar Cabral, Londres, 1969.

(Os destaques em claro são de Carlos Comitini.)

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1 versário do assassinato do Presi-
dente da Frente de Libertação
de Moçambique (FRELIMO)
Dr. Eduardo Mondlane] Amílcar
perguntava: " A mais brilhante
manifestação de civilização e cultu-
ra não será a dada por um povo que
pega em armas para defender a sua
pátria, o seu direito à vida, ao*pro-
gresso, ao trabalho e à felicidade?"
Colonialistas nada entendem
de liberdade. Em 20 de janeiro de
1973, eliminaram o Homem, mas
no Povo permanecerão gravadas
eternamente suas últimas palavras
proferidas quandoda comemoração
desse Ano Novo:
"Mas perdem o seu tempo e
fazem perder em vão e sem glória
as vidas dos jovens portugueses que
mandam para a guerra. Cometerão
ainda mais crimes contra as nossas
populações, farão ainda muitas ten-
tativas e manobras para tentarem
destruir o nosso Partido e a luta.
Farão certamente ainda vários atos
de agressão desavergonhada contra
os países vizinhos. Mas tudo em
vão. Porque nenhum crime, nenhu-
ma força, nenhuma manobra ou de-
magogia dos criminosos agressores
colonialistas portugueses será capaz
de parar a marcha da História, a
marcha irreversível do nosso povo
africano da Guiné e Cabo Verde
para a Independência, a paz e o
progresso verdadeiro a que tem
direito."

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