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ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME FURB

ISSN 1809-0354 v. 7, n. 2, p. 436-453, mai./ago. 2012

HISTÓRIAS DO CORPO E DA ÁGUA EM ARACAJU (1871-1875)

HISTORY OF THE BODY OF WATER IN ARACAJU (1871-1875)

FIGUEIREDO, Priscilla Kelly


Universidade Federal de Sergipe
priscillakfigueiredo@gmail.com

PEREIRA, Marialda Santana


Universidade Federal de Sergipe
mari.ufs.alda@gmail.com

RESUMO Tal trabalho problematiza a partir do olhar da história cultural a história do


corpo e da água em Aracaju de 1871 a 1875. O período foi delimitado a partir da
análise das fontes do Jornal do Aracaju que possibilitou o levantamento das práticas
relativas às doenças, ao divertimento, à higiene. Aliadas ao modelo de civilidade
pretendido ao corpo, a pesquisa tenta traçar as relações da água com a constituição
da cidade de Aracaju e seus sujeitos ao longo do período histórico supracitado.
Palavras-chave: Aracaju. Água. Hygiene. Divertimento. Doença

ABSTRACT This work discusses from the perspective of cultural history and the
history of the body of water in Aracaju from 1871 to 1875. The period
was defined from the analysis of the sources of the Journal of Aracaju to facilitate the
count of practices related to diseases, entertainment, hygiene. Allied to the model of
civility desired to the body, the research tries to trace the relationships of water
with the formation of the city of Aracaju and their subjectsthroughout the historical
period mentioned above.
Keywords: Aracaju. Water. Hygiene. Entertainment. Disease.

1 INTRODUÇÃO

Como está hoje tudo diferente


Daquele tempo que não volta mais!
Tudo mudou... Até a alma da gente!
O casario, o calçamento, o cais.
Outrora, o rio vinha docemente
Beijar a areia... e o hoje não vem mais;
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Hoje ela encontra as pedras, tão somente,


As pedras que se alinham no caís.
Tudo mudou! - somente a natureza
Conserva o mesmo céu de azul turquesa
O rio manso, o coqueiral virente.
Ruas de areias, adeus! Já não consigo
Atravessá-las, hoje sem perigo,
Como fazia distraidamente.
(NUNES, 2003, p.53).

Os conceitos de modernidade e civilidade dos fins do sec. XIX e inicio do


século XX no Brasil apontam estudos das práticas corporais no âmbito das cidades
como representativas do corpo a ser educado tratando a modernidade como tempo
de profundas transformações. Corpo que caberia junto às cidades um sem número
de transformações para que se tornasse moderno. Cercada por rios e mar, Aracaju
possui uma história com a água ainda pouco estudada. Entendendo que a água é
bem fundamental para a criação de uma cidade, a intenção do estudo é pensar
sobre os usos da água e do corpo numa cidade que nasce com a intenção de ser
moderna. Será que como a maioria das capitais ela nasce a partir da leitura do
abastecimento publico? Será o uso higiênico da água seu único fim nesse contexto
de cidade? Sant´anna (2007) em estudo sobre a água na cidade de São Paulo diz
da visibilidade tomada pela mesma na constituição da cidade, do caráter civilizador,
no asseio sobre o corpo. Além de pensar a história da higiene, a constituição da
noção de limpeza, conforto e satisfação dada pela água, é preciso saber os usos
dados pelos sujeitos à mesma. Para saber sobre a história e os itinerários da água é
também necessário desvendar a história do corpo dos sujeitos. Nesse sentido é
necessário entender a água como local de uma dada educação do corpo que é
pensada na constituição da cidade de Aracaju.
Com o objetivo de apresentar Aracaju e os diálogos com as bibliografias
referentes à história da cidade explicitam o que estamos chamando de “caminhos da
água” bem como as referências relativas à higiene, a doença e ao divertimento no
processo de constituição da cidade. Da estrutura e usos dos rios à constituição da
rede de esgoto e do uso da água para fins de constituição da modernidade a que se
pretendia. A escolha metodológica aqui é pensada a partir dos referenciais da
História Cultural; Burke (2005), Pesavento (2005), Certau (2002). Isso significa
entender que a opção teórico-metodológica escolhida não se pretende enquanto
verdade histórica. Deseja, nesse sentido, construir uma trama entre o objeto e os
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sujeitos das memórias a serem narradas. A busca das fontes a serem trabalhadas, o
cruzamento das mesmas, as interpretações e narrativas bem como a subjetividade
de quem pesquisa precisam ser consideradas no processo. Isso significa recorrer às
fontes; narrativas, acervos, sujeitos bem como problematizá-las de forma a constituir
articulação entre o objeto estudado e as perspectivas da história cultural como
possibilidade de diálogo. Certau (2002) diz que em história tudo começa com o
gesto de separar, de reunir, de transformar em documentos certos objetos
distribuídos de outras maneiras. Para essas reconstruções faz-se necessário
segundo Pesavento (2005) reinscrever o tempo vivido no tempo da narrativa
histórica possibilitando à mesma reconhecimento, identificação, enfim evidências de
um passado que chegam ao pesquisador com os traços de um outro tempo que não
o dele. Lidamos com o desafio de entender as representações da água em Aracaju
para pensá-la enquanto local de memória. As escolhas metodológicas da pesquisa
tem o desafio de “fazer lembrar” como aponta Goellner (2007), entendendo que ao
contar sobre um tempo que já não é mais, a história pode “celebrar” o que deve ser
lembrado quanto “invisibilizar” o que deve ser esquecido. A opção metodológica aqui
deseja narrar um passado e suas construções sociais e culturais relativas à água em
Aracaju, entendendo as múltiplas formas de narrar, bem como a multiplicidade das
fontes a serem entrecruzadas para a construção dessa trama.
A escolha do recorte temporal é de 1871 a 1875, período a qual foram
coletadas e organizadas no formato de “Guia de fontes” dados acerca dos temas
água, doença, divertimento e higiene no Jornal do Aracaju localizado no Instituto
Histórico Geográfico de Sergipe. Tal escolha remete à priori à criação da cidade de
Aracaju e a institucionalização de uma série de práticas, dentre elas a higiene, o
controle sanitário, a implantação da água encanada, o esporte e os divertimentos
que nos ajudaram a contar uma história sobre a água desse período. A produção do
“Guia de fontes” acerca de tal período com fichas catalográficas criou outros olhares
acerca da fonte primária consultada, no caso, O Jornal do Aracaju.

2 DA HYGIENE

Vigarello (1996) em seus estudos dos séculos XVI e XVII das práticas de
higiene corporal, diz que os critérios de limpeza não eram repassados por médicos
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higienistas como aconteceu no período da modernidade. Os conceitos de higiene


aconteciam por meio de orientações, através de livros de boas maneiras, novas
regras que eram impostas pelos cidadãos comuns. Historicamente, a limpeza é
revelada no cuidado com as vestimentas, na brancura dos trajes, nos cuidados com
a aparência e não da limpeza corporal com imersão do corpo na água em formato
de banho. O asseio do corpo com a água se restringia a alguns cuidados dados pela
necessidade de manter o corpo sadio. A limpeza corporal então se restringia apenas
a lavagem do rosto e das mãos. Durante o período de epidemias as recomendações
dadas em relação ao uso da água fortaleciam a idéia de que limpar o corpo abriria
os poros, tornando-se assim o corpo mais vulnerável a aquisição de doenças.
A nova e tão sonhada capital de Sergipe em meados do século XIX
acometida pela peste nos remete a pensar quais foram os cuidados com a limpeza
dos corpos, quais hábitos eram praticados pela população, quais hábitos foram
implantados pelos sujeitos durante e após a devastadora epidemia. Qual o
significado da água para o aracajuano no momento da epidemia e no decorrer dos
anos com a necessidade de tornar salubre os sujeitos e a cidade.

É preciso ver, finalmente, o quanto esta dinâmica implica outros espaços


ainda, o das cidades em especial, com suas arquiteturas, suas
comunicações e seus fluxos. Os cuidados com o corpo implicam aqui uma
reestruturação total do mundo subterrâneo e do mundo aéreo das cidades.
Foi a água, decerto, um dos fatores mais importantes da reforma urbana no
século XIX. Com ela, tanto a alimentação como a “respiração” dos
aglomerados foram alterados. A limpeza, portanto, envolveu o imaginário
das cidades, sua tecnologia, sua resistência, também a serem ‘capilarizadas
(VIGARELLO, 1996, p.255)

No local aonde foi instituída a cidade já haviam habitantes em pequenas


casas de palha, excluídos do então processo de modernidade devido ao alto custo
dos terrenos e dos aluguéis das casas que estavam sendo construídas para os
novos moradores. Motivos que levaram sujeitos a recusa na transferência para a
nova capital, pelo sentimento de inferioridade que as tomava.
As ciências médicas, os sanitaristas e higienistas são sujeitos a serem
investigados durante a pesquisa para entender como o conceito de saúde através da
água é constituído a partir da ausência de doença. Há relatos de um hospital até a
década de 1910, chamado de Santa Isabel. Há indícios de recomendações médicas
relativas à moradia, acreditando-se que as casas de palhas seriam ponto de
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acúmulo da doença sendo bastante criticadas pelo médico alemão Robert Avé-
Lallemant que em visita a Aracaju em 1859 fez relato sobre o amontoado de
casebres cobertos de palha dizendo sobre uma horrível aglomeração de casas
cinzentas, de barro, com telhados de palhas de coqueiro.

A salubridade das habitações era um item muito preocupante, sobretudo à


época. Pois entre setembro de 1855 e fevereiro de 1856 Sergipe foi atacado
pela epidemia de cólera; a mais grave de sua história. Cerca de 23% da
população foi dizimada. Naquele período, não se conhecia a cura definitiva
da moléstia. Segundo o saber médico de então, moradias de palhas eram
consideradas focos de doença. Entende-se assim, porque o presidente da
província temia pelo “risco de vida” dos empregados públicos.(CARDOSO,
2009, p. 113).

Anos depois, com a proibição lançada pela Câmara Municipal da construção


de casas cobertas de palhas mais um notado perigo para a população; o fogo.
(SANTANA, 1999, p.66), diz que este planejamento urbano arrastou-se por longos
anos até que a estrutura do tabuleiro de “Pirro” antes planejada se constituísse como
marca da cidade. Os moradores “excluídos” do processo de modernidade careciam
de novas moradias mesmo que estruturadas nos solos pantanosos. Em maio de
1855, o Governo Provincial pagava uma folha de 54$240 (cinqüenta e quatro mil e
duzentos e quarenta réis) aos trabalhadores que estavam fazendo o aterro dos
pântanos e roçagem para a abertura das ruas.
A população também carecia de água com boa qualidade para suas
necessidades. A população fazia uso de dois tipos de água que eram vendidas nas
fontes pelas ruas da capital; uma de coloração avermelhada e outra transparente.
Os menos favorecidos canalizavam água nas moradias com a utilização de tubos de
ferro que possuíam em sua extremidade crivos de bronze e assim faziam a retirada
da água do solo, esta bastante imprópria para beber. Por isto havia distribuição de
água em barris escolhida pelo gosto do freguês.
Quanto à higiene dos banhos, os estudos direcionam para hábitos de
diferentes formatos da comunidade em geral: banhos pagos a proprietários de fontes
espalhadas pela cidade variavam de acordo com o poder aquisitivo da população,
pois a coleta de água se dava através de fontes que por sua vez era um negócio de
boa rentabilidade. Os banhos públicos eram dispendiosos para os populares pelo
seu alto custo, (cerca de quarenta réis somente para banhar-se) e, se o banhista
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preferisse pagaria um pouco mais, cerca de sessenta réis e teria direito a receber
um pedaço de sabão de alcatrão para lavar-se.

Os banheiros públicos, constituíam, também, um negócio rendoso, no


tempo em que não existia água encanada. Dona Carolina Pessoa era
proprietária de um poço, revestido de alvenaria, muito procurado pela
rapaziada da época. Ela exigia que o banhista ficasse fora do poço,
tomando banho de cuia. Mas alguns rapazes não resistiam a tentação da
água fria e límpida. E pulando para dentro do poço, banhavam-se,
esplendidamente, naquela pequena piscina circular. Dona Carolina Pessoa
só achou um meio de evitar o abuso: quebrou uma dúzia de garrafas e
atirou os cacos para o fundo do poço...” (SANTANA, 1999, p.367).

Os sujeitos mais favorecidos economicamente, faziam usos de banhos em


banheiros públicos bem diferentes, estes com água de melhor qualidade que as
águas oferecidas pela cidade, com excelente aparência, pois sua decoração
exuberante exibia até um retrato pintado á óleo que retrava mitos surgidos naquela
época. A prática dos banhos públicos também significava rentabilidade para a
Prefeitura, além da constituição do corpo envolto pelo luxo e pelas possíveis águas
cristalinas dos então banheiros de luxos que segundo (SANTANA, 1999, p.368) era
coisa rara.

3 DA DOENÇA

Em 1824 foi criada uma Constituição a qual atribuía todas as


responsabilidades pela Higiene Pública às Câmaras Municipais1. Esta constituição
se estabeleceu através dos “Códigos de Posturas”, os quais possuíam determinados
cuidados referentes ao meio ambiente e a saúde e tornava obrigatório o uso da
vacina. Tais responsabilidades seriam dos vereadores e a eles caberiam então uma
vasta relação de obrigações e cuidados a serem tomados com a população em
geral.

Em Sergipe, onde a estruturação de poder Público estava dando seus


primeiros passos, essa medida de descentralização da higiene pública para
as Câmara Municipais teve pouca repercussão, dado que as possíveis
ações sanitárias da Provedoria de Saúde, do Físico e Cirurgião Mores, não
tinham chegado por estas bandas. Por outro lado, as Câmaras Municipais

1
Lei Imperial de 30 de agosto de 1828 que extinguiu alguns cargos anteriormente concedidos como:
Físico Mor do Império e Cirurgião e Provedor Mor da Saúde.
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de Sergipe, com poucas exceções, funcionavam precária e irregularmente.


(SANTANA, 2001, p. 32).

O Jornal do Aracaju diz da existência de um único hospital de caridade 2 até


1855 que servia a todo estado, situado em São Cristovão, a antiga capital da
Província, que por ocasião estava desativado. Houve também uma tentativa de
disseminação da vacina anti-variólica3, que mesmo como lei aprovada e tornando-se
obrigatória, foi muito difícil sua aplicação pela recusa da população e a província
também não dispunha de estrutura para a propagação da mesma, principalmente no
tocante aos cuidados higiênicos com as lâminas e o pus vacínico. O mesmo
Governo nomeou um Comissário Vacinador, para melhor inspeção na distribuição do
pus e diminuição da repugnância da população em relação a vacina.
Algumas medidas sanitárias foram introduzidas nos códigos de posturas, mas
nada que se configurasse como medidas preventivas, somente a criação de uma
legislação sanitária bastante resumida para cuidados exclusivos de tratamentos
emergenciais dos até então chamados de indigentes. Nos estados mais avançados
no que se refere às medidas sanitárias necessárias à cidade e à saúde, o Rio de
Janeiro criou em 1850 a “Junta Central de Higiene”, motivada pela epidemia de febre
amarela, servirá de apoio a Aracaju durante a epidemia do cólera.
Os códigos de posturas foram adotados em várias cidades do interior
sergipano a partir de 1835; na antiga capital do estado. São Cristovão somente em
1852 e em Aracaju, a atual capital do estado mais tardiamente, através da resolução
de nº 4584 em 1856. Para (SANTANA, 2001, p. 33), contudo, eram freqüentes as
reclamações sobre o desleixo das Câmaras na fiscalização sanitária. Em Sergipe,
essa legislação permaneceu, em boa parte, letra morta. A partir de 1855 com a
transferência e a construção da nova capital, a situação era bastante precária,
contava-se apenas em Aracaju com uma única enfermaria militar que fora
transferida de São Cristovão ao mesmo tempo em que fora transferida a capital.
Esta bastante desconfortável de espaço físico bastante reduzido e que não oferecia

2
Hospital São Mateus.
3
Disseminada primeiramente no município de Estância.
4
Os artigos da resolução de nº 458 de 02 de março de 1856 possuíam vários artigos destinados à
saúde pública.
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boas condições sanitárias. Surgindo neste mesmo ano a invencível pandemia 5 do


Cholera Morbus:

Em meados de 1855 a sociedade sergipana foi atingida de forma violenta


pela maior tragédia sanitária de sua história: a primeira grande epidemia de
“Cholera Morbus”, que vitimou perto de 30 mil almas, em menos de três
meses. É evidente que o terror espalhado por esse acontecimento, numa
população de apenas 200 mil habitantes, não poderia deixar os governantes
indiferentes quanto aos riscos de novas “Pestes”. Após a tragédia, a
preocupação com a saúde pública apareceu na ordem do dia do Poder
Público em Sergipe.” (SANTANA, 2001, p. 53).

Aracaju é tomada por esta pandemia que chegou poucos meses após sua
transferência, em setembro de 1855 e teve uma duração prolongada, cerca de um
ano. A pandemia acometeu o estado aos poucos após percorrer várias cidades,
começando pela cidade atualmente chamada de Tobias Barreto em 14 de março de
1855. As águas do Rio Sergipe6 de onde chegaria o progresso e o sonho de cidade
planejada foi principal motivação para a transferência da capital. As águas que
faziam parte de um sonho passou a ser neste momento uma das entradas do
Cholera Morbus.

Em Aracaju, capital recém instalada, atuavam os Drs. Guilherme


Pereira Rebelo, no serviço de quarentena aos navios, e José Antônio
de Freitas Júnior, no atendimento às vítimas da epidemia. Por
completa falta de local para abrigar os pacientes com cólera, o
Presidente da Província determinou que o Dr. Rebelo adaptasse a
casa pertencente ao cidadão João Manoel de Souza Pinto, situada
no Poxim, para o funcionamento de um Lazareto com capacidade
para 40 leitos, que seria desativado, logo após a epidemia.”
(SANTANA, 2001, p.60).

Logo após esta epidemia colérica que causou grande impacto ao povo
Sergipano, seu novo governante, o Dr. Salvador Correia de Sá e Benevides, inicia
uma luta pela saúde pública com a contratação de médicos higienistas 7. Dr. Pedro
Autran da Mota Albuquerque para o cargo de Provedor de Saúde, após ter demitido
o antigo nomeado ao cargo por este não residir na capital tornando o seu trabalho

5
Doença epidêmica amplamente difundida. (FERREIRA, 2009, p. 1478)
6
A bacia hidrográfica do rio Sergipe, com área de 3.270 Km², drena 14,9% do Estado e abrange 23
(vinte e três) municípios pertencentes às microrregiões do Sertão do São Francisco, Agreste de
Itabaiana, Carira, Nossa Senhora das Dores, Cotinguiba, Japaratuba, Baixo Cotinguiba e Aracaju
(IBGE, 1989). Os seus limites naturais são divisores de água com as bacias dos rios Japaratuba, ao
norte, e Vaza Barris, ao sul. (O Ambiente Urbano, p.270)
7
Med. Especialista em higiene (1); sanitarista. (FERREIRA, p. 1041).
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inviável, e sendo difícil, portanto uma boa atuação do mesmo, e o Dr. Guilherme
Pereira Rebelo que a ambos foi feito imediatamente o pedido de um estudo sobre a
atual situação das condições salubres de Aracaju e segundo (SANTANA 2001,
p.65), em 29 de junho de 1856, os citados higienistas apresentaram o relatório de
conclusão dos estudos, ainda fundado numa visão miasmática da transmissão das
doenças, mas bastante minucioso.
“Conheci em breve que, não havendo algum esforço da administração, teria a
capital de soffrer bastante na epoca das chuvas, pois que ficavam alagados muitos
pontos da cidade, com qualquer chuva que cahia, e as aguas represadas,
apodrecendo nas lagoas e charcos, trariam mais tarde ao povo, a doença , e quiçá a
morte. Ordenei desde logo a limpesa geral das vallas e o seu rebaixamento, de sorte
que hoje se escoam as aguas com facilidade, e se o terreno não se torna desde logo
enxuto, não offerece ao menos o triste espetaculo dos primeiros tempos . Deliberei
ainda emprehender um pequeno serviço de aterro, e para isso fiz assentar trilhos de
ferro no terreno proximo a matriz, e os tenho feito seguir pela rua da Independencia,
para o fim de conduzir areia do comoro mais proximo, e com Ella aterrar a parte
fronteira à mesma matriz. Tenho fé de que, com o systema que tenho seguido no
aterro dos logares alagados proximos à cadeia, e o que já se vai fazendo proximo à
matriz, se não conseguir muito no bem da salubridade da cidade, conseguir-se-ha
entretanto alguma couza, e isso já é muito comparado com o estado antigo.” (Jornal
do Aracaju/1872, códice nº : 293 P. 2 Coluna 5)
Na visão higienista que surge no Brasil com maior impacto na metade do
século XIX os governantes iniciam um processo de entendimento de que seria
preciso tornar salubre as cidades através de medidas como encanamento de água e
escoamento de esgotos, reduzindo assim o grande risco que ocorria com os
diversos fatores que implicavam o aparecimento de doenças epidêmicas, por ser
este entendido como um dos motivos maiores para contaminações e epidemias que
surgiam na época e dizimavam a população.
Para (FAURE, 2008, p. 54), o higienismo, nascido de uma visão global do
indivíduo, dá origem à saúde pública que integra o indivíduo a um conjunto mais
vasto, a sociedade, e dá a esta a prioridade sobre aquele. A higiene surge como
salvação para muitos e que num primeiro momento não se instala como deveria por
ser esta uma perspectiva que não favorece á população mais carente.
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Esse discurso atinge seu primeiro apogeu por ocasião das epidemias de
cólera, diante das quais, mais por ignorância do que por cinismo, se
conclama os pobres a manter-se calmos, a limpar seus casebres e
alimentar-se bem. Embora o povo habituado a constatar os efeitos das
diversas catástrofes, partilhe a visão de que o destino é comandado pelo
meio exterior, a mensagem higienista, em si, não é muito bem recebida.
Sem tomar posição com relação às condições de trabalho e às
desigualdades sociais, e servindo de pretexto para controlar a população
pobre, o primeiro higienismo é socialmente muito pesado para conseguir
adesão.” (FAURE, 2008, p. 51).

O discurso médico/higienista que foi disseminado em Aracaju, ora na


educação do corpo do sujeito, ora na implantação de regras que implicavam na
limpeza e organização da cidade, e vai se constituindo a partir de regras impostas
através dos códigos de posturas, anunciados pelo meio de comunicação importante
na época; o Jornal do Aracaju 8, que circulou pela cidade durante quatro anos, de
1871 a 1875, do qual a população se servia desde as notícias, vestuários e gêneros
alimentícios vindos de outros estados ou países, até mesmo dos regulamentos
educacionais a que estavam submetidos, ditados na sessão do dia na Parte Oficial
do mesmo.
Os regulamentos dedicados à população variavam desde leis para
organização e limpeza da cidade, quanto para os próprios indivíduos; estes com
regras e valores pré-estabelecidos nos casos de multa e reincidência, como também
dias de prisão para os descumpridores das ditas leis.
Art. 49. “E prohibido o despejo de materiaes fecaes, lixo ou qualquer imundicie que
possa prejudicar a saude publica no caes da Rua da Aurora podendo-se o fazer no
rio, porém das 10 horas da noite em diante, e de modo que sem dificuldade possam
taes imundicies serem revovidas pela aguas. O contraventor pagará multa de 10 mil
rs. ou sofrerá 5 dias de prisão, responsaveis pelos escravos e criados, os senhores
e patrões.Art. 82.“Diariamente serão varridos os açougues e lavados todos os seus
utensis, como sejam cepos, machadinhas, serras, pesos, balanças, etc.” ( Jornal
do Aracaju/1873, códice 349, p. 2, coluna 4).

Mas, é preciso ressaltar que estes regulamentos na maioria das vezes não
eram cumpridos pela população e por não haver uma fiscalização e o cumprimentos

8
Jornal do Aracaju situado à Rua de Japaratuba – Impressor Hermes Paulino da Costa. Circulou no
ano de 06/01/ 1871 à 13/01/1875 sob a Propriedade do Bacharel Manoel Luiz Azevedo d´Araujo e de
a partir de 01/01/1872 até 25/12/1875 sob a Propriedade do Commendador Candido do Prado Pinto.
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das leis por parte dos dirigentes da Câmara Municipal, o que tornava bastante difícil
a organização, o asseio da cidade e a formação do tão sonhado “Plano Pirro”.
“Contrista-me realmente senhores deputados, o pouco zelo que mostra a camara do
Aracajú no cumprimento de seus deveres municipaes. Falta constante e prolongada
dos vereadores, que deixam passar os dias e os mezes, sem se reunirem em
sessões ordinarias, para tratarem das necessidades urgentes que o municipio
reclama: completo esquecimento e despreso de suas posturas, que o respectivo
fiscal não procura cumprir, aconselhando os cidadãos a respeitarem as suas
disposições, e quando não respeitadas, multando-os e lavrando os competentes
autos de infracção, sujeitando-os logo à autoridade respectiva, para fazer os
competentes processos. É assim que vemos vagar pelas ruas da cidade animaes
vaccuns e cavallares, porcos, carneiros e cabritos; é assim que vemos os
particulares abrirem e fazerem excavações em seus terrenos dentro da cidade, para
extrahirem o adoubo necessário para as suas casas sem cuidarem de atterral-as
novamente, nem serem à isso forçados por uma pena, que existe na lei como letra
morta. Essas excavações são um constante e perenne foco de infecção, que mais
perigoso se tornará na estação das chuvas, conservando por muito tempo as aguas
estagnadas e em estado de putrefacção com as hervas, animaes mortos e
immundicies, que nellas se atirarão. Tenho visto meninos atolados até a barriga
n´essas excavações, aspirando um ar mephytico e doentio e se os seus paes não os
desviam d´esses perniciosos brinquedos, tão pouco o fiscal moroso e descuidoso
faz cumprir as posturas de 16 de junho do anno passado, approvadas
provisoriamente pela presidencia.” (Jornal do Aracaju/1872, códice nº 249, p. 2,
coluna3).

Os cuidados com a busca pela purificação do ar, os aterros para os cuidados


com o solo extraindo dele a água que emergia e as águas estagnadas que se
formavam com as constantes chuvas, a criação de cemitérios, tudo em prol de uma
saúde pública para Aracaju. Estas e muitas outras preocupações no que se referia a
salubridade da nova capital também estavam citadas nos códigos de posturas. O
corpo do aracajuano começa então, ao mesmo tempo em que inicia a construção da
cidade a sofrer com todo o processo do seu desenvolvimento, sendo “produto e
produtor” como nos diz (DANTAS JUNIOR, 2010), sofrendo em seu corpo todas as
agruras próprias de mudanças numa busca pelo moderno. (CORBIN, 2008, p.8) diz
que o corpo aparece como resultado de uma construção, de um equilíbrio
estabelecido entre o dentro e o fora, entre a carne e o mundo.
(VIGARELLO, 1996, p. 198) diz que o cólera reforçou, sobretudo dispositivos
que modificam a imagem da cidade: cidade drenada não mais na superfície, mas em
profundidade, por um sistema de canalizações subterrâneas. Medidas higiênicas e
educativas que foram sendo criadas ao longo dos anos visando à assepsia da
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cidade, não foram suficientes para evitar que outras epidemias surgissem em
Aracaju. A varíola também atemorizou os sujeitos aracajuanos com sua chegada no
ano de 1873, tornando visível a falta de estrutura física e médicas para conter o
novo mal que surgia.

4 DO DIVERTIMENTO

Há uma intimidade no processo da constituição do corpo, da cidade, da água


e do divertimento. Nas festas carnavalescas, uma das atividades de divertimento do
aracajuano onde a água estava presente era o entrudo 9; parte das divertidas horas
que passavam o povo, cheios de alegria que até faziam esquecer das nocivas
epidemias que abalavam à cidade; precisamos desses alegres passatempos para
amenisar as difficuldades da vida (...).” (Jornal do Aracaju, códice nº 229 Página, 3
Coluna 1).
Este tipo de divertimento animou os carnavais em Aracaju durante muitos
anos. Esta tão animada brincadeira de lançar água com ou sem perfume e/ou tinta,
passou a ser vista como algo nocivo à população. Os dirigentes estavam envolvidos
pelo anseio de tornar-se moderno, pelas noções de ciência e civilidade, e assim não
mais apreciavam tal divertimento com bons olhos, passando a ser proibido a partir
de 04 de fevereiro de 1872, anunciados nos códigos de posturas da cidade.

“Publicamos em lugar competente um edital da polícia, recommendando a execução


da postura municipal, que prohibe o entrudo nas ruas da capital. Felizmente o povo,
pela moralidade de seus costumes vai deixando, sem emprego de (...), tão perigoso
brinquêdo.” (Jornal do Aracaju/1872, códice nº 237, Página 2, Coluna 4).

No tocante a fé, os aracajuanos também estavam envolvidos pela forte


ligação que possuíam com a água. Estava presente nos preceitos religiosos da
população uma festividade religiosa cristã, comemorada sempre no primeiro dia do
ano, da qual a população acreditava ser necessária na busca de bênçãos e assim
poderiam sonhar com a tranqüilidade de tornarem-se livres das pestes que se
faziam presentes desde o nascimento da cidade. Estas, então faziam uma procissão

9
Folguedo carnavalesco antigo; que consistia em lançar uns aos outros água, farinha, tinta, etc.
(FERREIRA, p.768)
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pela cidade ao encontro dos barcos enfeitados que as esperavam no cais e seguiam
rio a fora.

“A festa do “Bom Jesus dos Navegantes” representava, desde 1857, a


devoção do povo ao seu padroeiro, aquele que abençoava e protegia a
cidade dos tormentos, intempéries e pestes que a acometiam na primeira
metade de século de sua existência.” (DANTAS JUNIOR, 2010).

O esporte também se aproxima de Aracaju e começa a surgir em 1872.


(MELO, 2007, p.52) diz que desde os primeiros instantes, o desenvolvimento do
campo esportivo no Brasil esteve relacionado com sua possibilidade de se constituir
em uma diversão, em um país ainda carente de iniciativas nesse sentido, se
comparado á realidade européia.
O “remo10” um dos primeiros esportes em Aracaju surge com pares dispostos
a enfrentar as águas da Praia de Atalaia, dentre eles várias mulheres faziam parte
da competição e todos os comandantes eram estrangeiros, o que demonstra
também a influência de novos hábitos vindos de outros países para esta capital.

“No domingo passado teve logar neste porto uma corrida naval, divertimento
promovido pelos snr. Henrique Scharamm e engenheiro João Gomes Vieira Dantas.
Entraram no paréo os seguintes (...), competentemente tripolados e sob o
commando dos capitães dos navios estrangeiros à que cada um pertencia:1- Suez,
comm. Dolk da Noruega: 2- Anna Maria, comm. Severinsen, da Dinamarca; 3- Leo,
comm. Cedor; da Russia; 4- Freia, comm. R. Oleon, da Noruega; 5- Anna, comm.
Boning, Allemão; 6- Mary, comm. Olson, Sueco; 7- Pol, commandado por II.
Scharamm, Allemão, 8- Anna, comm. Puister, Hollandez; 9- Stella, comm. Porny,
Inglez.A´s nove horas seguiram para a atalaia, ponto de partida, e a um signal
convencionado começaram a carreira.Logo ao sahirem, virou-se o ultimo.”( Jornal do
Aracaju/ 1872, códice nº 289, p.2, coluna 3).

O divertimento através das práticas esportivas recém aparecidas na capital,


faz um grupo de aracajuanos reunirem-se com o propósito de criar o Club das
Regatas e tendo sua primeira grande regata acontecendo no dia 19 de abril de 1874.
Justificando assim, (MELO, 2007 p. 140) diz que o remo foi o esporte mais popular
do início do século, no Brasil e no mundo. Tal autor traça a história deste esporte no

10
O remo é um dos esportes mais importantes do século XX, por ter sido o primeiro a estabelecer
definitivamente a ligação entre o esporte, a atividade física e as preocupações com a saúde,
considerando aqui também uma vinculação com a educação moral. (MELO, p.140)
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Rio de Janeiro. O remo também chega a Aracaju como o novo passatempo,


sinônimo de uma então distração higiênica.

“Hoje as 5 horas da tarde reúnem-se diversos cidadãos no paço da camara


municipal para o fim de fundarem uma sociedade destinada a tam agradaveis
distracções.Fazemos votos para que os illustres autores da idéa sejam auxiliados de
modo a realisarem com a precisa regularidade tam importante passatempo.”(Jornal
do Aracaju/1874, códice nº 469, p. 2, coluna1).

A feira também exerce função lúdica. Para (CARDOSO, 2009, p. 32), nela,
cantadores pelejam em desafios e troca de escárnio. Trovas empoeiradas se
perdem no burburinho colorido e calorento da praça. A feira é um verdadeiro salão
de festas para a gente do povo. Tal divertimento também foi incluído nos ajustes
para a modernidade, higiene e na organização da cidade, ela também sofreu os
ajustes pensados nos conceitos de moralidade e civilidade e modernidade dos
sujeitos. E não foi poupada de ser extinta na época da grande epidemia do Cholera
Morbus que atingiu Aracaju.

“A feira, que hebdoniadariamnete se fazia nesta capital nas segundas feiras,


concorrendo à ella os pequenos productores do interior, não podia continuar por
mais tempo, por ser um escarneo lançado à civilisação e a moralidade.( Jornal do
Aracaju/1872, códice nº 249, p. 2, coluna 4).

As feiras eram vistas por parte da sociedade como um verdadeiro mal e


ofensa aos transeuntes que não mais suportavam a falta de organização dos
comerciantes, as farras e zombarias promovidas pelos populares. A feira livre da
capital estava com seus dias contados, necessitando apenas de um espaço próprio
e um local específico também para os animais, o que foi logo resolvido através dos
códigos de posturas que mais uma vez atuava com medidas educativas.

“Art. 98. “Fica extincta a feira desta capital. Aquelles que se agglomerarem nas ruas
e praças desta cidade para o fim de venderem ou comprarem, pagarão a multa de
6$ rs., ou soffrerão a pena de prisão por 3 dias. § Único. Não consideram-se
incursos nesta prohibição a pesca que isoladamente percorrer as ruas com seus
generos, ou os for vender na casa de mercado, submettendo-se ao regulamento da
mesma.”(Jornal do Aracaju/1873, códice 349, p. 2, coluna 4).

Os banhos promoviam desde a limpeza dos corpos dos aracajuanos ao


divertimento. A água, que muitas vezes não possuía uma coloração muito boa, nem
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tampouco boa qualidade para seu uso eram represadas das chuvas que caiam e
empossavam, tornavam-se assim divertimento para as crianças. Do divertimento, à
higiene, aos males do corpo, a prática do banho também foi objeto de controle.

Tenho visto meninos atolados até a barriga n´essas excavações, aspirando um ar


mephytico e doentio e se os seus paes não os desviam d´esses perniciosos
brinquedos, tão pouco o fiscal moroso e descuidoso faz cumprir as posturas de 16
de junho do anno passado, approvadas provisoriamente pela presidencia.” (Jornal
do Aracaju/1872, códice nº 249, p. 2, coluna3).
“Art 50. “É prohibido banhar-se durante o dia no rio que banha a capital em toda a
extensão da Rua da Aurora e suas proximidades a menos que quem o faça se ache
convenientemente vestido. O infrator pagará a multa de 6$ rs. ou sofrerá 3 dias de
prisão. (Jornal do Aracaju/1873, códice nº 349, p. 2, coluna 4).

A água que banhava o aracajuano sairia do campo da limpeza para o campo


da diversão o que se pode notar é que a água é dada como um suplemento de
prazer e aumenta o sentimento de desregramento. Para (VIGARELLO, 1996, p. 37)
os banhistas fazem dela um elemento de seus divertimentos. Nos códigos de
posturas, o banho de rio aparecia com limitações principalmente no que se referia ao
horário do banho e as vestimentas dos sujeitos, com punições de multas caso algum
sujeito transgredisse a lei.
(CORBIN, 2008, p.7) nos faz pensar que o corpo é lugar das sensações. Bom
para pensarmos as relações estabelecidas entre o aracajuano e água, sensações
que perpassavam, que andavam junto ao aracajuano sendo ela através da dor e do
sofrimento, ou seja, na alegria causada pelo divertimento. As sensações de dor e
sofrimento através das epidemias e novas posturas impostas aos cidadãos, como
também chegavam às sensações de alegria e prazer através dos divertimentos
proporcionados pelos entrudos, festejos religiosos, as regatas e as feiras livres que
aconteciam semanalmente na cidade. A cidade transitava da necessidade do novo
homem e do novo corpo a ser constituído nas posturas do poder publico e na
transformação das antigas em novas práticas à consolidação e produção do que é
cultural dos sujeitos que ali viviam.
Da “doença ao divertimento” a água esteve presente na vida do aracajuano
de forma bastante peculiar, seja na aquisição de “doenças” que eram trazidas
juntamente com as notícias e as mercadorias através dos vapores que chegavam
pelo Rio Sergipe, ou nas febres próprias de lugares úmidos como era o solo
aracajuano, de onde a água também emergia. Como também no divertimento, seja
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ele nos banhos públicos de Dona Carolina Pessoa11, nos banhos de mar ou de rio
onde a elite e camada popular também se divertiam, nas demonstrações de fé
através da Festa do Bom Jesus dos navegantes ou através do esporte como é o
caso do “Remo” que invadiu a Praia de Atalaia. Sem deixar de comentar sobre as
feiras livres. É notória a intimidade do aracajuano com água, seja ela do rio, do mar
ou dos mangues, esta é a história da água em Aracaju.
Foi pela água que ela nasceu e foi pela água que ela também sofreu em
muitos momentos da sua infância castigada pelas epidemias que outrora apareciam,
ou que ela mesma com seu terreno aguado produzia para população que ainda não
estava pronta para ser moderna também.
Os registros apontam para o desenvolvimento da saúde pública em Sergipe
somente no século XX, a partir de 1922 com o governo de Maurício Graccho
Cardoso12 e a implantação de vários suplementos importantes na área da medicina
e na estrutura sanitária da cidade. Para (SANTANA, 2001, p. 20-21) no Brasil, a
extensão das práticas sanitárias campanhistas para os Estados periféricos ocorreu
tardiamente. Somente por volta da década de 20 do século XX, estimulado pela
reforma Carlos Chagas, o poder público em Sergipe tomou medidas efetivas para a
estruturação de um aparelho sanitário no moldes previstos pela moderna higiene.
Referimo-nos à infra-estrutura necessária à prática da chamada Medicina científica,
fundada no laboratório, na higiene e nas novas descobertas da ciência biológica.
Tanto a saúde pública como a assistência médico-hospitalar em Sergipe estavam
orientadas pela secular concepção miasmática. Mas essa já é uma outra história do
corpo a ser contada...

PRISCILLA KELLY FIGUEIREDO

Professora do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de


Sergipe – UFS. Mestre em Educação pela Universidade de Campinas – UNICAMP.
Graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa – UFV.
Coordenadora do CEMEFEL Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e
do lazer de Sergipe – UFS.
11
Dona Carolina Pessoa era proprietária de um poço, revestido de alvenaria, muito procurado pela
rapaziada da época. (SANTANA, 1999, p.367).
12
Nascido em 9 de agosto de 1874 na cidade de Estância, interior de Sergipe, governou de 1922 a
1926.
(Guaraná, p. 427).
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MARIALDA SANTANA PEREIRA

Acadêmica do Curso de Educação Física Licenciatura da UFS. Bolsista PIIC


Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe – UFS.

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Fontes

Jornal do Aracaju (1871-1875)

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