ABSTRACT This work discusses from the perspective of cultural history and the
history of the body of water in Aracaju from 1871 to 1875. The period
was defined from the analysis of the sources of the Journal of Aracaju to facilitate the
count of practices related to diseases, entertainment, hygiene. Allied to the model of
civility desired to the body, the research tries to trace the relationships of water
with the formation of the city of Aracaju and their subjectsthroughout the historical
period mentioned above.
Keywords: Aracaju. Water. Hygiene. Entertainment. Disease.
1 INTRODUÇÃO
sujeitos das memórias a serem narradas. A busca das fontes a serem trabalhadas, o
cruzamento das mesmas, as interpretações e narrativas bem como a subjetividade
de quem pesquisa precisam ser consideradas no processo. Isso significa recorrer às
fontes; narrativas, acervos, sujeitos bem como problematizá-las de forma a constituir
articulação entre o objeto estudado e as perspectivas da história cultural como
possibilidade de diálogo. Certau (2002) diz que em história tudo começa com o
gesto de separar, de reunir, de transformar em documentos certos objetos
distribuídos de outras maneiras. Para essas reconstruções faz-se necessário
segundo Pesavento (2005) reinscrever o tempo vivido no tempo da narrativa
histórica possibilitando à mesma reconhecimento, identificação, enfim evidências de
um passado que chegam ao pesquisador com os traços de um outro tempo que não
o dele. Lidamos com o desafio de entender as representações da água em Aracaju
para pensá-la enquanto local de memória. As escolhas metodológicas da pesquisa
tem o desafio de “fazer lembrar” como aponta Goellner (2007), entendendo que ao
contar sobre um tempo que já não é mais, a história pode “celebrar” o que deve ser
lembrado quanto “invisibilizar” o que deve ser esquecido. A opção metodológica aqui
deseja narrar um passado e suas construções sociais e culturais relativas à água em
Aracaju, entendendo as múltiplas formas de narrar, bem como a multiplicidade das
fontes a serem entrecruzadas para a construção dessa trama.
A escolha do recorte temporal é de 1871 a 1875, período a qual foram
coletadas e organizadas no formato de “Guia de fontes” dados acerca dos temas
água, doença, divertimento e higiene no Jornal do Aracaju localizado no Instituto
Histórico Geográfico de Sergipe. Tal escolha remete à priori à criação da cidade de
Aracaju e a institucionalização de uma série de práticas, dentre elas a higiene, o
controle sanitário, a implantação da água encanada, o esporte e os divertimentos
que nos ajudaram a contar uma história sobre a água desse período. A produção do
“Guia de fontes” acerca de tal período com fichas catalográficas criou outros olhares
acerca da fonte primária consultada, no caso, O Jornal do Aracaju.
2 DA HYGIENE
Vigarello (1996) em seus estudos dos séculos XVI e XVII das práticas de
higiene corporal, diz que os critérios de limpeza não eram repassados por médicos
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acúmulo da doença sendo bastante criticadas pelo médico alemão Robert Avé-
Lallemant que em visita a Aracaju em 1859 fez relato sobre o amontoado de
casebres cobertos de palha dizendo sobre uma horrível aglomeração de casas
cinzentas, de barro, com telhados de palhas de coqueiro.
preferisse pagaria um pouco mais, cerca de sessenta réis e teria direito a receber
um pedaço de sabão de alcatrão para lavar-se.
3 DA DOENÇA
1
Lei Imperial de 30 de agosto de 1828 que extinguiu alguns cargos anteriormente concedidos como:
Físico Mor do Império e Cirurgião e Provedor Mor da Saúde.
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2
Hospital São Mateus.
3
Disseminada primeiramente no município de Estância.
4
Os artigos da resolução de nº 458 de 02 de março de 1856 possuíam vários artigos destinados à
saúde pública.
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Aracaju é tomada por esta pandemia que chegou poucos meses após sua
transferência, em setembro de 1855 e teve uma duração prolongada, cerca de um
ano. A pandemia acometeu o estado aos poucos após percorrer várias cidades,
começando pela cidade atualmente chamada de Tobias Barreto em 14 de março de
1855. As águas do Rio Sergipe6 de onde chegaria o progresso e o sonho de cidade
planejada foi principal motivação para a transferência da capital. As águas que
faziam parte de um sonho passou a ser neste momento uma das entradas do
Cholera Morbus.
Logo após esta epidemia colérica que causou grande impacto ao povo
Sergipano, seu novo governante, o Dr. Salvador Correia de Sá e Benevides, inicia
uma luta pela saúde pública com a contratação de médicos higienistas 7. Dr. Pedro
Autran da Mota Albuquerque para o cargo de Provedor de Saúde, após ter demitido
o antigo nomeado ao cargo por este não residir na capital tornando o seu trabalho
5
Doença epidêmica amplamente difundida. (FERREIRA, 2009, p. 1478)
6
A bacia hidrográfica do rio Sergipe, com área de 3.270 Km², drena 14,9% do Estado e abrange 23
(vinte e três) municípios pertencentes às microrregiões do Sertão do São Francisco, Agreste de
Itabaiana, Carira, Nossa Senhora das Dores, Cotinguiba, Japaratuba, Baixo Cotinguiba e Aracaju
(IBGE, 1989). Os seus limites naturais são divisores de água com as bacias dos rios Japaratuba, ao
norte, e Vaza Barris, ao sul. (O Ambiente Urbano, p.270)
7
Med. Especialista em higiene (1); sanitarista. (FERREIRA, p. 1041).
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inviável, e sendo difícil, portanto uma boa atuação do mesmo, e o Dr. Guilherme
Pereira Rebelo que a ambos foi feito imediatamente o pedido de um estudo sobre a
atual situação das condições salubres de Aracaju e segundo (SANTANA 2001,
p.65), em 29 de junho de 1856, os citados higienistas apresentaram o relatório de
conclusão dos estudos, ainda fundado numa visão miasmática da transmissão das
doenças, mas bastante minucioso.
“Conheci em breve que, não havendo algum esforço da administração, teria a
capital de soffrer bastante na epoca das chuvas, pois que ficavam alagados muitos
pontos da cidade, com qualquer chuva que cahia, e as aguas represadas,
apodrecendo nas lagoas e charcos, trariam mais tarde ao povo, a doença , e quiçá a
morte. Ordenei desde logo a limpesa geral das vallas e o seu rebaixamento, de sorte
que hoje se escoam as aguas com facilidade, e se o terreno não se torna desde logo
enxuto, não offerece ao menos o triste espetaculo dos primeiros tempos . Deliberei
ainda emprehender um pequeno serviço de aterro, e para isso fiz assentar trilhos de
ferro no terreno proximo a matriz, e os tenho feito seguir pela rua da Independencia,
para o fim de conduzir areia do comoro mais proximo, e com Ella aterrar a parte
fronteira à mesma matriz. Tenho fé de que, com o systema que tenho seguido no
aterro dos logares alagados proximos à cadeia, e o que já se vai fazendo proximo à
matriz, se não conseguir muito no bem da salubridade da cidade, conseguir-se-ha
entretanto alguma couza, e isso já é muito comparado com o estado antigo.” (Jornal
do Aracaju/1872, códice nº : 293 P. 2 Coluna 5)
Na visão higienista que surge no Brasil com maior impacto na metade do
século XIX os governantes iniciam um processo de entendimento de que seria
preciso tornar salubre as cidades através de medidas como encanamento de água e
escoamento de esgotos, reduzindo assim o grande risco que ocorria com os
diversos fatores que implicavam o aparecimento de doenças epidêmicas, por ser
este entendido como um dos motivos maiores para contaminações e epidemias que
surgiam na época e dizimavam a população.
Para (FAURE, 2008, p. 54), o higienismo, nascido de uma visão global do
indivíduo, dá origem à saúde pública que integra o indivíduo a um conjunto mais
vasto, a sociedade, e dá a esta a prioridade sobre aquele. A higiene surge como
salvação para muitos e que num primeiro momento não se instala como deveria por
ser esta uma perspectiva que não favorece á população mais carente.
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Esse discurso atinge seu primeiro apogeu por ocasião das epidemias de
cólera, diante das quais, mais por ignorância do que por cinismo, se
conclama os pobres a manter-se calmos, a limpar seus casebres e
alimentar-se bem. Embora o povo habituado a constatar os efeitos das
diversas catástrofes, partilhe a visão de que o destino é comandado pelo
meio exterior, a mensagem higienista, em si, não é muito bem recebida.
Sem tomar posição com relação às condições de trabalho e às
desigualdades sociais, e servindo de pretexto para controlar a população
pobre, o primeiro higienismo é socialmente muito pesado para conseguir
adesão.” (FAURE, 2008, p. 51).
Mas, é preciso ressaltar que estes regulamentos na maioria das vezes não
eram cumpridos pela população e por não haver uma fiscalização e o cumprimentos
8
Jornal do Aracaju situado à Rua de Japaratuba – Impressor Hermes Paulino da Costa. Circulou no
ano de 06/01/ 1871 à 13/01/1875 sob a Propriedade do Bacharel Manoel Luiz Azevedo d´Araujo e de
a partir de 01/01/1872 até 25/12/1875 sob a Propriedade do Commendador Candido do Prado Pinto.
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das leis por parte dos dirigentes da Câmara Municipal, o que tornava bastante difícil
a organização, o asseio da cidade e a formação do tão sonhado “Plano Pirro”.
“Contrista-me realmente senhores deputados, o pouco zelo que mostra a camara do
Aracajú no cumprimento de seus deveres municipaes. Falta constante e prolongada
dos vereadores, que deixam passar os dias e os mezes, sem se reunirem em
sessões ordinarias, para tratarem das necessidades urgentes que o municipio
reclama: completo esquecimento e despreso de suas posturas, que o respectivo
fiscal não procura cumprir, aconselhando os cidadãos a respeitarem as suas
disposições, e quando não respeitadas, multando-os e lavrando os competentes
autos de infracção, sujeitando-os logo à autoridade respectiva, para fazer os
competentes processos. É assim que vemos vagar pelas ruas da cidade animaes
vaccuns e cavallares, porcos, carneiros e cabritos; é assim que vemos os
particulares abrirem e fazerem excavações em seus terrenos dentro da cidade, para
extrahirem o adoubo necessário para as suas casas sem cuidarem de atterral-as
novamente, nem serem à isso forçados por uma pena, que existe na lei como letra
morta. Essas excavações são um constante e perenne foco de infecção, que mais
perigoso se tornará na estação das chuvas, conservando por muito tempo as aguas
estagnadas e em estado de putrefacção com as hervas, animaes mortos e
immundicies, que nellas se atirarão. Tenho visto meninos atolados até a barriga
n´essas excavações, aspirando um ar mephytico e doentio e se os seus paes não os
desviam d´esses perniciosos brinquedos, tão pouco o fiscal moroso e descuidoso
faz cumprir as posturas de 16 de junho do anno passado, approvadas
provisoriamente pela presidencia.” (Jornal do Aracaju/1872, códice nº 249, p. 2,
coluna3).
cidade, não foram suficientes para evitar que outras epidemias surgissem em
Aracaju. A varíola também atemorizou os sujeitos aracajuanos com sua chegada no
ano de 1873, tornando visível a falta de estrutura física e médicas para conter o
novo mal que surgia.
4 DO DIVERTIMENTO
9
Folguedo carnavalesco antigo; que consistia em lançar uns aos outros água, farinha, tinta, etc.
(FERREIRA, p.768)
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pela cidade ao encontro dos barcos enfeitados que as esperavam no cais e seguiam
rio a fora.
“No domingo passado teve logar neste porto uma corrida naval, divertimento
promovido pelos snr. Henrique Scharamm e engenheiro João Gomes Vieira Dantas.
Entraram no paréo os seguintes (...), competentemente tripolados e sob o
commando dos capitães dos navios estrangeiros à que cada um pertencia:1- Suez,
comm. Dolk da Noruega: 2- Anna Maria, comm. Severinsen, da Dinamarca; 3- Leo,
comm. Cedor; da Russia; 4- Freia, comm. R. Oleon, da Noruega; 5- Anna, comm.
Boning, Allemão; 6- Mary, comm. Olson, Sueco; 7- Pol, commandado por II.
Scharamm, Allemão, 8- Anna, comm. Puister, Hollandez; 9- Stella, comm. Porny,
Inglez.A´s nove horas seguiram para a atalaia, ponto de partida, e a um signal
convencionado começaram a carreira.Logo ao sahirem, virou-se o ultimo.”( Jornal do
Aracaju/ 1872, códice nº 289, p.2, coluna 3).
10
O remo é um dos esportes mais importantes do século XX, por ter sido o primeiro a estabelecer
definitivamente a ligação entre o esporte, a atividade física e as preocupações com a saúde,
considerando aqui também uma vinculação com a educação moral. (MELO, p.140)
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A feira também exerce função lúdica. Para (CARDOSO, 2009, p. 32), nela,
cantadores pelejam em desafios e troca de escárnio. Trovas empoeiradas se
perdem no burburinho colorido e calorento da praça. A feira é um verdadeiro salão
de festas para a gente do povo. Tal divertimento também foi incluído nos ajustes
para a modernidade, higiene e na organização da cidade, ela também sofreu os
ajustes pensados nos conceitos de moralidade e civilidade e modernidade dos
sujeitos. E não foi poupada de ser extinta na época da grande epidemia do Cholera
Morbus que atingiu Aracaju.
“Art. 98. “Fica extincta a feira desta capital. Aquelles que se agglomerarem nas ruas
e praças desta cidade para o fim de venderem ou comprarem, pagarão a multa de
6$ rs., ou soffrerão a pena de prisão por 3 dias. § Único. Não consideram-se
incursos nesta prohibição a pesca que isoladamente percorrer as ruas com seus
generos, ou os for vender na casa de mercado, submettendo-se ao regulamento da
mesma.”(Jornal do Aracaju/1873, códice 349, p. 2, coluna 4).
tampouco boa qualidade para seu uso eram represadas das chuvas que caiam e
empossavam, tornavam-se assim divertimento para as crianças. Do divertimento, à
higiene, aos males do corpo, a prática do banho também foi objeto de controle.
ele nos banhos públicos de Dona Carolina Pessoa11, nos banhos de mar ou de rio
onde a elite e camada popular também se divertiam, nas demonstrações de fé
através da Festa do Bom Jesus dos navegantes ou através do esporte como é o
caso do “Remo” que invadiu a Praia de Atalaia. Sem deixar de comentar sobre as
feiras livres. É notória a intimidade do aracajuano com água, seja ela do rio, do mar
ou dos mangues, esta é a história da água em Aracaju.
Foi pela água que ela nasceu e foi pela água que ela também sofreu em
muitos momentos da sua infância castigada pelas epidemias que outrora apareciam,
ou que ela mesma com seu terreno aguado produzia para população que ainda não
estava pronta para ser moderna também.
Os registros apontam para o desenvolvimento da saúde pública em Sergipe
somente no século XX, a partir de 1922 com o governo de Maurício Graccho
Cardoso12 e a implantação de vários suplementos importantes na área da medicina
e na estrutura sanitária da cidade. Para (SANTANA, 2001, p. 20-21) no Brasil, a
extensão das práticas sanitárias campanhistas para os Estados periféricos ocorreu
tardiamente. Somente por volta da década de 20 do século XX, estimulado pela
reforma Carlos Chagas, o poder público em Sergipe tomou medidas efetivas para a
estruturação de um aparelho sanitário no moldes previstos pela moderna higiene.
Referimo-nos à infra-estrutura necessária à prática da chamada Medicina científica,
fundada no laboratório, na higiene e nas novas descobertas da ciência biológica.
Tanto a saúde pública como a assistência médico-hospitalar em Sergipe estavam
orientadas pela secular concepção miasmática. Mas essa já é uma outra história do
corpo a ser contada...
REFERÊNCIAS
MELO, Victor Andrade de. Dicionário do esporte no Brasil: do século XIX ao início
do século XX. Campinas, SP: Autores Associados; Rio de Janeiro, 2007.
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SANT´ANNA, Denise Bernuzzi. Cidade das àguas: usos de rios, corrégos, bicas e
chafarizes em São Paulo(1822-1901). São Paulo: Editora SENAC, 2007.
Fontes