Ciências Antigas
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Nesta edição:
A Igreja e o Templo - Robert Amadou
A Igreja católica romana, hoje e por toda a tastrófica, dos anti-feministas; mas se abste-
A Igreja e o parte, proíbe seus fiéis, tanto laicos quanto ve com inteligência e caridade de seguir as
Templo - clérigos, de aderirem à Franco-Maçonaria; respectivas conclusões que tendem a conde-
1
Robert Amadou aos Franco-Maçons ela recusa a comunhão nar a instituição maçônica, bem como os
eucarística. De antemão, a Santa Sé recusou anglicanos que a ela pertencem.
a competência das autoridades eclesiásticas
locais de anular ou suspender essas disposi- Vários organismos protestantes, de diversas
Discurso ções canônicas. Tal é o direito e é fato a confissões e de diversos níveis, denunciaram
Iniciático - 12 anulação, em 1983, dos na Franco-Maçonaria um
Dr. Marc Haven compromissos firmados anti-cristianismo, ou a-
a partir de 1974, após cristianismo, sem alterar
longos anos de discus- nem a liberdade dos
sões e de reconciliações. crentes de tais confis-
Contos É também fato que os sões, nem a harmonia
Espirituais 14 motivos expostos não que muitos dentre eles
são de ordem contin- encontram na sua condi-
gente, mas necessária: o ção de cristão Franco-
julgamento negativo da Maçom.
Igreja contra as associa-
ções maçônicas, quais- As críticas antecipadas
quer que sejam, perma- por alguns representan-
nece imutável, após um tes de Igrejas cristãs à
breve tempo, porque parte da Igreja católica
seus princípios sempre romana tocam, assim
foram e sempre serão como a atual posição
considerados como in- desta, doravante no cer-
conciliáveis com a dou- ne da questão; e as con-
trina da Igreja. Intérpre- denações locais, as refle-
tes autorizados explicam Robert Amadou (1924 — 2006) xões individuais confir-
que o Franco-maçom e o mam o caráter funda-
cristão estariam sujeitos, respectivamente, a mental, declarado por Roma, do problema
viver de modos incompatíveis com relação a que a história ilustra em numerosos e espo-
Deus. rádicos acontecimentos.
A Igreja do Oriente, a Igreja chamada orto- A Kirk presbiteriana da Escócia acaba, por
doxa não exprimiu opinião, nem legislou na sua vez, de lançar um julgamento muito se-
matéria, embora a Igreja de Hélade tenha vero, embora não se arrogue o direito de
condenado a Franco-Maçonaria como uma obrigar seus fiéis a se posicionarem contra a
religião pagã, em 1933, e tenha reiterado Franco-Maçonaria. Tal julgamento, também,
essa condenação. toca no fundo da questão. Mas quando a
kirk do século XVII, estrita e oficial, tolerava
A Igreja da Inglaterra adotou, em 1986, uma paradoxalmente ritos maçônicos de cunho
relação estúpida e má, que vinga bastante oculto que se acreditava assimilados ao pa-
mesquinhamente a derrota, no entanto ca- ganismo pela sua teologia, não ultrapassava
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ela a prudência do menos mal (de preferência ritos intenção de um sincretismo vago e ingênuo, os melho-
maçônicos a superstições católicas romanas!), para res intérpretes da Maçonaria o compreendem, pron-
convir na verdade que a Franco-Maçonaria bem com- tos para modificar a ortografia, no sentido de um mo-
preendida não invade em sentido algum a mais altiva noteísmo bíblico. As preces são de intercessão e não
Igreja, e não encorajava ela antecipadamente a resol- de adoração, e não há pellagianismo a temer, pois, se,
ver o problema que ela própria vai levantar três sécu- no plano da salvação pelos sacramentos, o Santo vem
los depois? ao homem, este pode tomar a iniciativa no processo
dos mistérios ou pagão - ousamos a palavra - e é nes-
Religião se plano exclusivamente que a Franco-Maçonaria ope-
ra. Vamos além.
1- Franco-Maçonaria e religião: são os termos de um 5- Religiões fundadas na história, religiões fundadas na
problema. Qual é a posição da instituição maçônica natureza: o cristianismo está fundado na história, mas
relativamente à religião? Qual é a posição das institui- recapitula os cultos de natureza ao recapitular a natu-
ções religiosas face à Franco-Maçonaria? É um proble- reza, bem como os cultos. Eis a doutrina e a prática
ma fundamental, independentemente dos acidentes da imposta: nada de luz incriada que não seja visível pelo
história; independentemente também dos casos cari- homem transfigurado por ela, e é a mística; mas tam-
catos em que, por razões específicas, o problema é bém - e é o mistério (a informar pela mística) - nada
ora atenuado, ora negado. de cosmologia que não seja cosmosofia, nada de natu-
reza que a Sabedoria não redima a Deus, presente
2- Por razões históricas e geográficas, esse problema como uma alma do mundo, ou sua suserana, certa-
de duas faces se manifesta principalmente no caso do mente criada assim como a luz correspondente, cuja
cristianismo e particularmente no Ocidente cristão. própria percepção, de repente, está no âmbito dos
Os não-cristãos podem legitimamente também se mistérios. Qualquer homem, naturalmente lógico, é
preocupar com tal problema, em se tratando tanto de capaz disso. Mas também a alma do mundo é uma
suas próprias religiões quanto do cristianismo, cujos manifestação das energias divinas que a Santíssima
dogmas e Igrejas os tocam de maneira variada; o cris- Trindade irradia, embora a Sofia eterna se identifique
tianismo oriental, quaisquer que possam ser as inquie- particularmente ora com o Logos, ora com o Espírito
tações, em geral ocidentalizantes, de algumas autorida- Santo. Nada de luz criada que não dependa, sem con-
des eclesiásticas do Oriente, precisa o problema e fusão, da luz incriada.
mostra o caminho para uma solução, ao mesmo tem-
po em que explica a origem e a gravidade da coisa, do 6- A transfiguração - do homem e do mundo pelo
problema pelo significado histórico, incluídos na histó- homem - é coisa da igreja; formas sagradas de con-
ria dogmas e instituições da Franco-Maçonaria e da templação e de ação são acessíveis ao homem fora da
Igreja romana. Igreja visível e ao cristão fora de sua atividade litúrgica
expressa. Mas é sempre através de Cristo que tudo se
3- Aplanemos as dificuldades. A Franco-Maçonaria não opera e toda atividade do cristão que participa da li-
é atéia: seus estatutos proíbem-na de sê-lo; bem como turgia. Em outras palavras, toda atividade do homem
a consciência do sistema. A Franco-Maçonaria não é é, deve ser litúrgica, explícita ou implicitamente, regu-
deísta: suas preces rituais, quaisquer que sejam suas lar ou selvagem e cristã com ou sem a letra. O cristão,
formas ou sua matéria, demonstram isso; a crença na por sua condição, reintegra, assim como sua doutrina
vontade revelada do Grande Arquiteto do Universo recapitula, toda atividade de aparência extra-litúrgica e
também. A Franco-Maçonaria não é indiferentista: do não cristã na Igreja inevitável, espiritualmente; ele se
contrário, como poderia ela convidar o candidato a fortalece, ao se desmascarar, pela articulação.
escolher um volume da Lei sagrada, entre todos, isto
é um Livro santo entre todos aqueles que fundam uma 7- O templo é o local particular de Deus, um ponto
religião particular? crucial de sua presença: o homem, espírito, alma e
corpo, e meu espírito, minha alma e meu corpo, por
4- Continuemos a aplanar. O juramento é de direito excelência metódico; o cosmos; a sociedade em qual-
natural; os castigos cuja ameaça o acompanha são evi- quer escala; os edifícios construídos ou a construir
dentemente simbólicos e estão ligados, a esse título, pela mão humana e segundo as regras da arquitetura
aos sinais de ordem; além disso, a Grande Loja Unida natural, pelo que - peso, número e medida - a Sabedo-
da Inglaterra aboliu a respectiva menção em 1985, ria divina rege todos os templos e todas as ordens. E
para evitar qualquer equívoco, e numerosas obediên- todos os templos, de todas as ordens, devem ser
cias seguem o exemplo. O segredo, de resto, não é construídos; também, por conseguinte, a pessoa e a
mais do que discrição. "Jahbulon" é uma palavra com- comunidade, e ainda o próprio cosmos: os ritos por
posta de fantasia, atestada no final do século XVIII, toda a parte e sempre dão auxílio ao mundo. Os ritos
confirmada em 1835; a fim de evacuá-la da eventual sacramentais segundo seu modo eminente e sua eficá-
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gamento das mesmas tradições inter-testamentárias que ora se corromperão em cientificismo e em racio-
que os apóstolos manteriam no cerne do judaico- nalismo materialista: uma razão sem Deus que a ilumi-
cristianismo e que a Cabala repartirá em duas grandes ne, uma ciência que esquece o desregramento das
categorias: o começo, ou a Gênese (que é também o relações entre o homem e a natureza, bem como a
Logos ou a Sabedoria principais), e o Carro, ou a via- missão sacerdotal, que persiste, do homem no mundo;
gem visionária. Em continuidade de um esoterismo ora se comporão numa religião com pretensões histo-
judeu do tempo relativo ao domínio muito definido ricistas abusivas.
dos segredos do mundo celeste, as tradições secretas
dos apóstolos revelam no cristianismo, e segundo a 26- O lugar da alquimia é, em relação à religião cristã
feliz fórmula de Jean Daniélou, o mistério de Cristo e à Igreja, análoga a ela na Franco-Maçonaria, que é
em suas dimensões celestes e angélicas. essencialmente ritualística. Maurice Aniane foi o pri-
meiro que discerniu essa situação teológica e é preci-
22- Os procedimentos de concentração, de meditação so inspirar-se nele. A alquimia é uma ciência de sacrifí-
e de contemplação, que conhecemos do Judaísmo, do cios das substâncias terrestres, uma aplicação psico-
Islamismo e do Cristianismo visam a união estática cósmica do cristianismo, literalmente ou não. Detém
com a Divindade. um papel maior na religião tornada, por perversão, a-
cósmica, isto é, anti-cósmica. A alquimia é, portanto,
23- A economia divina que tem por objetivo a transfi- uma ciência sacramental (não sacramentaria), sonha
guração do criado implica na política e no social. A com a natureza transfigurada, lembrança do Éden e
revelação natural e a pedagogia dos mistérios também. espera a parousia no coração do homem, o ser cen-
tral e consciente da criação. O alquimista celebra ana-
24- A Franco-Maçonaria logamente uma missa cujas
ensina a ciência. A letra espécies são a natureza
inicial "G" está no centro inteira; a alquimia segue
de sua estrela flamejante. uma dupla lógica da reinte-
Mas esse G só designa a gração, da guerra e do
gnose como geometria, amor.
historicamente significação
primeira da inicial, e dou- 27- A alquimia é ainda uma
trinalmente radical. A ciên- ciência cosmológica que
cia maçônica, arte da Ma- nunca pretendeu bastar-se
çonaria, arte da geometria, a si mesma: sempre esteve
gnose maçônica, gnose subordinada a uma via de
simbólica, é uma ciência união propriamente espiri-
tradicional e se opõe se- tual, que se trate
gundo o espírito, que fixa (exemplos de Maurice
uma mentalidade, à ciência Aniane) da parte sacerdo-
moderna. Mas ela tem o tal da tradição egípcia, do
direito de recuperá-la. A sufismo, do hesicasmo
ciência tradicional tende a contaminar, para sua salva- bizantino, ou da grande mística intelectual ocidental
ção, a ciência moderna; é auxiliar da liturgia, é trans- até Mestre Eckhart e Angelus Silesius. Essas considera-
mutável como é ordenada, no segundo grau, à trans- ções (que pedem um melhor discernimento da teolo-
mutação. É, em compensação, conforme ao espírito gia inerente à alquimia bizantina e siríaca) são passíveis
dos ritos apoiar-se em sacramentos e conduzir até de transposição para o plano da Franco-Maçonaria.
eles os que ignoram por vezes até o seu próprio no-
me. Faz parte do espírito dos sacramentos recuperar 28- O encontro entre a alquimia e a Franco-Maçonaria
os ritos, ou, pelo menos, seu produto e de encami- na história, no decorrer de quatro séculos, transforma
nhar até eles os que desejam efetuar tais aplicações erroneamente, aos olhos de alguns, a analogia em uma
particulares da vida litúrgica. A mentalidade mística, identidade. A alquimia, de fato, só é a chave da Franco
entretanto, não é a mentalidade dos mistérios. A re- -Maçonaria por causa do objetivo último em que elas
velação natural não poderia arrebatá-la, nem, para um tendem juntas para um mundo deificado pelo homem
cristão, extraí-la da hierarquia. deificado, com a tomada de consciência, de uma parte
da luz inclusa no homem e na natureza, de outra parte
25- Mistérios e não mística: platonismo dos símbolos e em correlação, que essa luz é transparente à luz de
geométricos, hermetismo, reforma geral apregoada Deus que a criou. O método alquímico pode ser feito
pelos rosacruzes da ciência e da religião - entenda- pelo método maçônico, mas este não se reduz àquele.
mos: em suas relações mútuas - são os ingredientes
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29- A magia é inerente à Franco-Maçonaria; seus ritos compreendidas com a ajuda de símbolos. O período
são mágicos por definição. A aprendizagem maçônica, liminar é marcado por um amplo uso dos símbolos
que depende da ciência e da magia, pode voltar à asce- femininos, enquanto o estado de salvação futuro, e de
se e a magia, à teurgia. Alguns desejam e se juntam a libertação, é marcado por símbolos de masculinidade.
nós no coração da problemática do Templo e da Igre-
ja. 34- A religião gnóstica está fundamentada numa ten-
são entre o espírito e a matéria. A Sofia é o símbolo
30- Se a letra do maçom era e continua sendo a letra da queda ora como iniciadora, ora como iniciador; é o
inicial de "Geometria", a palavra do maçom, aquela a símbolo da salvação ora como iniciador e ora como
que se referia o juramento secreto e cuja transmissão iniciadora. A feminilidade é essencial à criação, nela
era cerimonial (donde o juramento que permanece e incluída a humanidade, "que se revela finalmente na
as cerimônias que se estenderam) era e continua sen- maternidade da Virgem e no sustentáculo da Igre-
do composta dos nomes de duas colunas do templo ja" (Louis Bouyer). Os mistérios orgíacos são uma
de Salomão: Jakin e Boaz. Independentemente de es- degenerescência do culto devido à sabedoria, como o
ses nomes se referirem à ação do Grande Arquiteto culto sádico do esperma é uma perversão tanto do
do Universo e independentemente de essas colunas culto devido à luz criada quanto da imersão na luz
estarem erguidas nas portas do Templo, tais colunas, incriada. A feminilidade é essencial à criação. A Terra
como todas as colunas, simbolizam também o eixo é a Sofia cósmica, princípio feminino do mundo criado
sagrado, a árvore da vida ígnea do binário. Qualquer que se chama: “divinização”. A Sofia de criatura está
milagre, na verdade, na natu- orientada para o céu, mas a
reza vai do um ao três pelo Sofia caída é exorcizada pela
dois. O iniciado aprende a Encarnação. Cabe combater a
conhecer e a encontrar o dupla tentação: transferir o
terceiro termo que conduz à trágico sofiânico no próprio
unidade. Deus (e por vezes, correlati-
vamente, satanizar a Trindade
Luz em quaternidade); não des-
mascarar a sabedoria debaixo,
quer dizer a que está embai-
31- A gnose em questão, ou xo e vem debaixo, "terrestre,
a ciência maçônica em várias sensual, diabólico", escreve o
disciplinas, não é a gnose apóstolo Tiago, caída numa
apofática, que perfaz todo palavra, e que está embaixo
conhecimento, em que "na mas vem de cima, a que, de
Tua Luz nós vemos a Luz": É repente, perderia, a nossos
a experiência da luz incriada, olhos, sua realidade ao mes-
enquanto a luz maçônica, mo tempo que seu espírito e
assim como pedra filosofal, é sua verdade.
a luz criada, que é de Deus sem ser Deus. "Hiram é a
sabedoria adquirida, Salomão é a Sabedoria recebi- 35- Síntese de Saint Maxime le Confesseur. Deus atri-
da" (Mgr Germain de Saint-Denis). buiu ao primeiro homem a função de unir nele o con-
junto da criação e ao mesmo tempo alcançar a perfei-
32- Gnose subordinada então; ou bem essa gnose ta união com Deus e conferir assim à criação toda o
incompleta volta à humanidade laica, como a ciência estado de deificação. Ele deveria, antes de tudo, supri-
que escapa da filosofia da natureza deixa de ser filoso- mir em sua própria natureza a divisão em dois sexos,
fia natural para voltar ao cientificismo. A Franco- seguindo a via impassível segundo o arquétipo divino.
Maçonaria tem direito de ser um gnosticismo, com a Estaria, então, em posição de juntar o paraíso ao resto
condição de limitar a ambição. A mitologia gnóstica da terra, visto que, carregando incessantemente nele
tem uma função transformadora (não transfiguradora) o paraíso e, estando em comunhão com Deus, ele
na ordem do simbólico (não na do Ser). Não é uma poderia transformar a terra inteira em paraíso. Em
mitologia, pois não é uma mitologia de salvação nem seguida, deveria ultrapassar as condições espaciais não
de libertação, mas de passagem. somente em espírito mas em seu corpo, juntando
céus e terra, a totalidade do universo sensível. Tendo
33- É a intuição e o paradoxo de um gnosticismo, ma- ultrapassado os limites do sensível, lhe ocorreria de
çônico por exemplo, o fato de as rigorosas estruturas penetrar no universo inteligível por um saber igual
cosmológicas, sociais e antropológicas deste mundo àquele dos espíritos angelicais, a fim de unir nele os
extraírem sua origem da ambigüidade e da desordem mundos inteligível e sensível. Enfim, somente Deus
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restando exterior, bastaria ao homem dar-se inteira- significar outra coisa além da penetração íntima do
mente a Ele num total abandono de amor, e assim poder de Deus invisível no seio do univer-
voltar a Ele a totalidade do universo criado, reunido so?" (Athanasius Kircher, 1601-1680). Mas a verdade
em seu ser. Deus se daria, então, reciprocamente ao diz: “a inteira Luz é a luz sem forma, a Santíssima Trin-
homem que possuiria desde então por graça tudo o dade, sujeito e objeto não de mistérios mas de místi-
que Deus possui por natureza. Mas Deus falhou no ca”.
cumprimento de seu dever de deificação de si e do
universo. Impõe-se, portanto, a intervenção de um 40- "Os procedimentos dos antigos taumaturgos, da-
segundo Adão, do novo homem, Cristo. queles que se chamavam magos ou adeptos, graças aos
quais se perpetuou um pouco da luz original colocada
36- Seqüência da síntese de Maxime le Confesseur. pelo Pai na criação": é o ocultismo segundo um dos
Impôs-se um segundo Adão. Por seu nascimento da seus mestres cristãos, no século XX, Sédir. Espírito
Virgem Maria, Cristo suprimiu no homem a divisão universal, luz, sim, e ainda alma do mundo. Luz da na-
entre masculino e feminino. Na cruz, ele junta o paraí- tureza, escreve Paracelso: cumpre reintegrar a nature-
so com a terra do homem caído. Em seguida, passan- za com sua luz. Paracelso evita, especialmente, a lin-
do através das esferas, ele une o mundo espiritual ao guagem da religião que ele contudo segue, pois quer
mundo sensível. Enfim, qual um novo Adão cósmico, restituir-lhe seu vetor cósmico cujo primeiro segmen-
apresenta ao Pai todo o universo restaurado nele, to começa com o ocultismo, e a linguagem de uma
unindo o criado ao incriado. Santo Filoteu comentará religião descarnada frustaria a manobra mágica a servi-
que a Sabedoria construiu uma casa para si, quer dizer ço da piedade. Existe ainda uma luz astral que perten-
que a sabedoria do Pai preparou para si a mais pura ce à Sofia caída, e alguns ocultistas, vítimas da ambigüi-
carne da Virgem assumida pelo Verbo. dade, a substituem pela luz que resulta, no final das
contas, da do Verbo-Sabedoria, segundo o Gênesis e
37- Sofia - Sabedoria -, em seguida Sofia incriada e segundo São João. Mais geralmente (pois vale também
Sofia criada em que esta se reflete e faz a alma do para o zen budismo e para o ioga hindu), que um pres-
mundo. A hipótese de Boulgakov é bastante audaciosa tígio nos pareça manifestar até mesmo a luz criada, é,
para ser inaceitável em sua integridade, e para forne- segundo São Gregório Palamas, o efeito de um volteio
cer à reflexão variedades e abusos que cumpre discri- favorito do diabo. Nunca se deve eliminar a hipótese
minar, no progresso da reflexão. Prossigamos, então, de cara.
com o autor: a unidade das duas Sofias, ou dos dois
aspectos respectivos de Sofia, faz o panteísmo (tudo 41- Os últimos nomes de cidades modernas levam a
está em Deus, mas não tudo é Deus). Sua diferença, uma dupla observação: é um acaso que os enviados de
ou a diferença dos aspectos da Sofia, faz a temporali- Deus de alguma maneira extra-canônicos, de Albert le
dade, a história e uma parte do Boulgakov chamou de Grand e Raymond Lulle a Martines de Pasqually e a
"a filosofia da economia" (de outra forma do plano Boehme, de Saint-Martin e Cagliostro a Philippe Nizier
divino). Em todo caso, para os Padres, a Sofia criada e a Papus (para ficar no círculo familiar), é um acaso
participa da glória da Sofia incriada e identificada seja que esses apóstolos da moral evangélica também o
com o Espírito Santo, seja com o Logos. Já, para Paulo, sejam da revelação natural, que esses amigos de Deus
a criação é glorificada e unida em Cristo, e é a Sabe- se misturem tão freqüentemente com ciências tradici-
doria. onais tanto quanto com caridade e se, em tempo
oportuno, que eles tenham outros laços, talvez não
38- O zen-budismo, e os procedimentos análogos, heterogêneos, com a Franco-Maçonaria? Seria um
mostram a luz criada. Donde, observa Olivier outro acaso se os partidários de Satã privilegiassem -
Clément, ele ensina a ver e repousa na sacramentali- fato patente - as mesmas formas?
dade do cosmos. Mas esta só existe para tornar-se
transparente à luz incriada. Depois de descrever o 42- Limite extremo deste capítulo: Pai, Verbo e Espíri-
simbolismo cósmico do templo mosaico, Clemente de to são a tripla luz da Divindade, de que toda a criação
Alexandria, João Crisóstomo, Teodoro de Ciro, na recebe a luz. Os anjos são luzes secundárias. A natu-
linha de Filon, explicam que o mundo físico é, por sua reza intelectual do homem é também luz. A imagem
vez, apenas um intermediário simbólico oferecido ao divina no homem fica obscurecida pelo fato de sua
espírito em busca de realidades mais altas. separação de Deus. O recebimento da luz plena está,
portanto, ligada a uma nova iluminação, ou, como diz
39- "O divino Denys atesta que todas as criaturas são Gregório Palamas, advém quando o homem vestiu o
apenas espelhos que nos remetem os raios da divina hábito de luz que ele desposou quando desobedeceu a
Sabedoria. Assim, os sábios do Egito julgavam que Deus. Essa luz é a graça e a energia incriadas de Deus.
Osiris, tendo confiado a Ísis a carga de todas as coisas, A experiência mística da deificação (que está relacio-
impregnava, invisível, o mundo inteiro. Poderia isso nada com a prece contínua) é a visão da luz divina.
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Aquela luz não é um meio criado, nem um símbolo da e o folclore da Europa do leste. Eliade afirma sua es-
glória divina, mas uma energia incriada, na verdade perança em um cristianismo renovado graças à contri-
derivada da essência de Deus, sua graça. Todavia o buição do cristianismo cósmico. Sabemos doravante
superior não anula nem desqualifica o inferior, quando que os aspectos ontológico e cosmológico do cristia-
este lhe é ordenado e no mesmo sentido: é ele que o nismo lhe pertencem de direito, mas que somente a
ordena ao contrário e lhe dá sentido. revelação ao mesmo tempo pessoal e histórica funda,
justifica e explora ao mesmo tempo que exalta a reve-
Cosmos e História lação natural. Quando o judeu-cristianismo é anti-
cósmico, faz falta a si próprio; seria trai-lo e prevenir
sua reabilitação rejeitar o cristianismo histórico em
43- Religiões fundadas na natureza, religiões fundadas prol de uma ontologia arcaica e anti-histórica a pró-
na história - luz criada e luz incriada que cumpre con- pria essência de um cristianismo histórico. Seja como
templar - Mircea Eliade viveu o drama de um conflito for, a Franco-Maçonaria, com sua religião de natureza
ou de uma confusão, e tentou desembaraçá-lo; con- e sua filosofia de natureza, não tem autoridade alguma
cluiu-se, portanto, de maneira contraditória sobre o para erigir em absoluto uma revelação cósmica. O
seu "arcaísmo" e sobre o seu lugar fica livre para uma teologia
cristianismo. Douglas Allen tra- historicista, que não tem, entre-
çou as linhas da perspectiva de tanto, mais direito de se impor
uma inteligência. A ontologia ar- como loja.
caica primeiro, no estado puro,
por assim dizer, eminentemente 45- O antropocentrismo bíblico é
na Índia. Os místicos indianos, responsável por nossa atitude tirâ-
esforçando-se para abolir o tem- nica face à natureza, e pelo cientifi-
po profano e a história, mostra- cismo correlativo. O que se tem
ram que a unificação e a cosmisa- como assegurado, até mesmo co-
ção do universo, concebidas em mo evidente, só é verdadeiro para
função dos ritmos da natureza e uma época e para uma área cultu-
dos outros fenômenos cósmicos, ral dadas, em virtude de uma com-
só constituíam uma fase interme- preensão mediada pela Bíblia, co-
diária e imperfeita. É um estágio rolário de uma evolução moderna
que deve ser ultrapassado e se se do cristianismo, teologia e Igreja.
quer atingir a transcendência da Na realidade, o homem e a nature-
condição cósmica enquanto tal. za, frente a frente segundo a Bíblia,
Somente uma religião cósmica só se determinam aos olhos do
poderia dar acesso à absoluta historiador: de outra maneira no
transcendência do que é finito e contexto bíblico, de outra maneira
limitado, à consciência de uma na tradição pós bíblica, de outra
liberdade não condicionada que maneira na Idade média e na Re-
não existe em nenhuma parte no nascença, no Ocidente. De outra
cosmos. Vê-se o passo antecipa- maneira, enfim, no encontro do
damente, vê-se também o passo judaísmo e do cristianismo com o
que falta dar. (Fiquemos atentos e pensamento grego, sem esquecer
a fórmula do padre Jules Moncha- que a cristandade oriental inclui,
nin, em vez de nos desviar, nos guiará: o Espírito so- também, e antes de tudo, a Igreja de Antióquia onde
pra na Índia (sopra para onde quer)), mas a Índia não se efetua um outro encontro: o do judeo-cristianismo
conhece o Pai, tampouco o Filho. Eu ousaria forçar com um pensamento fundamentalmente semítico que
resumindo ainda: na Índia falta a Santíssima Trindade, reativa e enriquece o judaísmo bíblico e pós bíblico do
não, não mais enigma, mas solução em forma de mis- cristianismo. (Entretanto, não há antagonismo, mas um
tério. E a Índia só está aqui para nos servir de exem- acordo freqüente e uma complementaridade dos Pais
plo, mesmo que seja permitido nela ver um exemplo gregos e dos Pais de língua siríaca.)
privilegiado. Monchanin acrescenta que o Ocidente
cristão se preocupa muitíssimo pouco com o Espírito. 46- O inverso é do mesmo modo verdadeiro; pelo
Ponho em contraste a fidelidade da Igre-ja do Oriente efeito de uma reação que corresponde ao fruto de
à sua "teologia mística". uma evolução diferente, o antropocentrismo bíblico é
responsável pela atitude dita ecológica, quer dizer pela
44- As expressões religiosas ocidentais que mais inte- atitude laica e naturalista, tendendo à sacralidade, que
ressam a Eliade são as que se situam fora das grandes parodia nossa vocação ao sacerdócio cósmico.
correntes religiosas históricas: o misticismo, a alquimia
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47- Essa vocação que é, no final das contas, o fruto do Proclus, de Thomas Taylor de uma parte e de Yeats,
mais fiel e do mais justo desenvolvimento da revelação de outra. Acrescentemos, com a tradição judaico-
bíblica, de seu desenvolvimento tradicional, entroniza cristã, que realiza o platonismo que falta a uma certa
o homem como esposo e padre da natureza, como densidade deste mundo: se não, mais cosmosofia, no
deus da natureza, chamado para tornar-se Deus e, por sentido cristão da sofiologia. Realizar o platonismo,
sua própria deificação, para deificar a natureza. voltar a ele "dar consistência" (Jean-François Var).
48- A Bíblia dessacralizou a natureza; assim foi dado 52- Compreender bem a arte da Maçonaria ou da
lugar à ciência. Ciência e técnica modernas desmistifi- arquitetura, ou da geometria, que é a arte universal,
cam, dizem, as antigas mediações cósmicas. Mais vale- como o arquiteto da Renascença é o uomo universale,
ria dizer que a Bíblia demoliu o ídolo da natureza. Pois tem valor pedagógico para o não-cristão; tem igual-
não se trata de deixar lugar à transfiguração do mun- mente para o progresso do cristão dentro do cristia-
do pelo homem liberto dos ciclos cósmicos. As pró- nismo.
prias ciências do mundo, longe de estar evacuadas,
estão fortificadas e carregadas de missão. O desencan- 53- O homem não pode ser salvo pelo universo, ele é,
tamento do mundo significa apenas que o sagrado não ao contrário, responsável pelo mundo. Pode salvar o
é o Santo e que o Santo dispõe do sagrado. universo pela graça. Enquanto Logos, palavra de um
Logos mudo, de uma palavra muda, pois o cosmos
49- Assim, na Franco-Maçonaria, o homem não cristão tomou um aspecto noturno, mas Cristo abriu, reabriu
mantém em parte e da melhor maneira possível neste a via da deificação, e o cristão é aqui, como em qual-
mundo seu papel de cristão, isto é, de homem segun- quer outra parte, um outro Cristo. "Um outro Cris-
do a antropologia cristã (e também, nós vislumbrare- to": Tertuliano permanece, entretanto, ambíguo em
mos isso, segundo o judaísmo e o islã). O cristão con- relação a Paulo que afirma: "Não sou eu que vivo, é
fesso, praticante, mantém aí plenamente e da melhor Cristo que vive em mim." Digamos, portanto, melhor:
maneira possível esse papel. O cristianismo, segundo o próprio Cristo, ou um "pequeno Cristo".
Eliade, é a hierofania suprema. É também, a teofania
suprema. É preciso empunhar as duas extremidades 54- "O Grande Arquiteto do Universo concebeu e
da cadeia, cujos elos são a Franco-Maçonaria e a Igre- realizou um ser dotado de duas naturezas, a visível e a
ja. invisível: Deu criou o homem, tirando seu corpo da
matéria preexistente que ele animou com seu próprio
50- O Verbo se dá ao homem nas coisas. Louis- Espírito. Assim nasceu de alguma maneira um universo
Claude de Saint-Martin, havia cogitado o título novo, ao mesmo tempo grande e pequeno. Deus o
“Revelações Naturais” para a obra que ele finalmente colocou na terra (...), esse adorador misturado para
intitulou “O Espírito das Coisas”. James Anderson, em contemplar a natureza visível, ser iniciado no invisível,
1723: Se compreende bem a arte, declara o artigo reinar sobre as criaturas da terra, obedecer às ordens
primeiro das primeiras constituições da Franco- do Altíssimo, realidade ao mesmo tempo terrestre e
Maçonaria moderna, se ele compreende bem a arte, o celeste, instável e imortal, visível e invisível, ficando no
franco-maçom reconhecerá, em suma, a existência, meio entre a grandeza e o nada, ao mesmo tempo
com as exigências que ela acarreta, do Grande Arqui- carne e espírito, animal a caminho para uma outra
teto do Universo. Isso está completamente relaciona- pátria e, cúmulo do mistério, tornado semelhante a
do com a Sagrada Escritura. Assim, Paulo: "Sua realida- Deus por uma simples condescendência da vontade
de invisível [de Deus] - seu eterno poder e sua divin- divina." (Maxime Confesseur). O homem neste mundo
dade - tornou-se inteligível desde a criação do mundo, tem vocação para artesão, cavaleiro e padre. A Franco
através das criaturas, de sorte que não têm desculpa. -Maçonaria faz dele um artesão e um cavaleiro; ela o
Pois, tendo conhecido a Deus, não o honraram como prepara para receber ou para exercer o sacerdócio
Deus nem lhe renderam graças; pelo contrário, eles se universal, do qual o homem nunca foi despojado, até
perderam em vãos arrazoados, e seu coração insensa- mesmo para receber e exercer o sacerdócio da Igreja,
to ficou nas trevas. Jactando-se de possuir a sabedoria, e ela reúne os dons, as palavras seminais espalhadas
tornaram-se tolos." (Romanos, I, 20-23). Tolos, isto é, por toda parte.
idólatras e o ateísmo é evidentemente uma forma de
idolatria. 55- Assim como na natureza, o verbo se revela num
Livro Santo que na Maçonaria se chamaria a lei sagra-
51- A realidade primordial e a primazia do espírito. A da. Saint Maxime le Confesseur acrescenta a esses
natureza é um sistema de aparências e de imagens que dois primeiros graus da incorporação do verbo, um
reflete uma ordem metafísica: Platão, certamente, mas terceiro grau que reconcilia os dois precedentes: a
também Denys o Areopagita, a cabala, o hermetismo, Encarnação. Mas não se deve falar disso em loja hoje
a alquimia... sem distinguir o platonismo filosófico de (mesmo que as primeiras constituições da Franco-
um Plotino e o platonismo mágico de Iâmblico e de Maçonaria moderna dêem testemunhos disso). A
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Franco-Maçonaria fica aquém daquele terceiro grau: de ser cristão. É como que um "cristianismo renova-
ela não ignora o segundo. O esforço de inteligência e do" com purificações abraâmicas. Como memória, só
de cultura de mistérios do mundo, que a Franco- há, tradicionalmente, no Islã, ciências tradicionais.
Maçonaria requer de seus membros, só tratará os
livros sagrados, qualquer que seja a confissão que as 58- Os dois parágrafos que precedem, relativos ao
reivindique misticamente, da mesma maneira que ela judaísmo e ao Islã, gostariam de sublinhar o parentes-
trata a natureza: misteriosamente, isto é, decifrando co entre três religiões abraâmicas, fundadas na história
os hieróglifos. Aquilo a que se poderia chamar esote- e numa história em parte comum; sua eventual com-
rismo natural do texto escrito, bem como do texto plementaridade; sua contribuição para a formação dos
cósmico, e um esoterismo penetra particularmente a ritos e da ideologia maçônica em que predomina a
cosmologia e a antropologia. influência propriamente cristã; a oportunidade de vis-
lumbrar o parentesco, até mesmo a complementarida-
56- A Torá ou o Antigo testamento, e a tradição ju- de de suas respectivas problemáticas, tratando-se das
daica nas suas diferentes ramificações desenvolvem o relações com a Franco-Maçonaria, (sem prejuízo de
simbolismo ativo e cósmico do Templo e do homem. sua própria teoria e de sua experiência, ó quão dife-
Isaac Luria analisa os três momentos cabalísticos: rente, dos dois eixos segundo os quais os três mono-
Deus se contrai e dá lugar à sua criação (Tsim-Tsum); teísmos se edificam: a lei e o messianismo.)
alguns vasos não suportam a luz infusa, eles se que-
bram em pedaços esparsos, O Grande Homem
quais cascas solitárias, mas a
luz continua apegada. A tare-
fa da humanidade consiste no 59- "A Maçonaria abraça a
tikkun, que repara ou restau- universalidade das ciências e
ra o mundo quebrado, pela os verdadeiros filósofos a con-
colheita, notadamente sexual, sideram com razão como o
das centelhas luminosas. O ponto de partida de todos os
simbolismo do tempo e do conhecimentos do mundo
espaço, seu poder mediador primitivo." (La Réunion des
relativo e subordinado, se étrangers, 1784). A única loja
enriquece para Luria com seu inglesa contemporânea que
caráter de entidades espiritu- visa um objetivo esotérico (a
ais; o homem não as conhe- saber a Lodge of Living Stones,
ceria nem mesmo se ele não a leste de Leeds) lembra que a
se correspondesse inconsci- Franco-Maçonaria pratica a
entemente (para começar) com o espíritos angélicos. fraternidade, a ajuda e a verda-
Em todo caso, antes que os olhos dos iniciados con- de. Mas que o último objetivo é pouco considerado.
templem nos tempos messiânicos a transfiguração dos No entanto, mais do que um sistema de moral, a Fran-
mundos, o homem é o lugar desses mundos, tendo co-Maçonaria tem também por objetivo "as verdades
em vista a redenção "inexorável" (Mopsik). "Não é escondidas da natureza e da ciência"; ela colabora com
concebível encarar a construção desse templo a não as hierarquias celestes e seu fim é o retorno da alma a
ser com o objetivo da manifestação tangível do Deus; digamos a ajuda ao retorno da alma a Deus.
"Coração divino" (A. D. Grad.). Para esse fim conspi- Albert Pike, discípulo de Eliphas Levi e doutor do es-
ram as duas funções da cabala teórico-prática: levar ao cocismo: "A Maçonaria, quando é convenientemente
êxtase que procura a união; celebrar os ritos da teur- exposta, é ao mesmo tempo, a interpretação do gran-
gia, cujas funções procedem, segundo Moshé Idel, res- de livro da natureza, o resumo dos fenômenos físicos
pectivamente, de um ponto de vista antropocêntrico e e astronômicos, a mais pura filosofia e o depósito
de um ponto de vista teocêntrico. onde estão em segurança, como num tesouro, todas
as grandes verdades da revelação primitiva que for-
57- As iniciações artesanais no Islã têm uma estrutura mam a base de todas as religiões." (Deixemos o últi-
ritualística que Louis Massignon valorizou, e se relacio- mo membro da frase: ele é exorbitante.) Na Maçona-
nam tanto às associações fundadas no pacto de honra ria, "é aí enfim que o cientista Bacon, que o brâmane
cavalheiresco quanto às confrarias místicas. Massignon indiano e que o ministro fiel do cristianismo vêm es-
observa, também, que Salman Pak, o persa de origem tender a mão de associação, estudar à porfia, praticar
cristã, é o iniciador, por excelência, no Sufismo e o essa ciência universal de que todos os conhecimentos
senhor das pessoas de carreira. Ora, ao tornar-se humanos são os raios, de que o homem que é seu
muçulmano, Salman não deixou, segundo Massignon, objeto oferece a vasta circunferência e de que o cen-
tro emanador não é nada menos do que o princípio
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adorável que tudo criou." (Irmão pastor Pierre de 62- Impossível no cristianismo tradicional, ver Cristo
Joux, 1801). sem a Igreja e a Igreja sem Cristo; Cristo está na Igre-
ja e a Igreja está em Cristo. A Igreja grande homem,
60- "A iniciação maçônica, escreve Henri Tort- macro-anthropos, dizem os Padres. Fomos do Templo
Nouguès, não quer salvar, mas despertar a consciência à Igreja. Vamos agora da Igreja ao Templo.
do homem, direcioná-lo para uma procura". Sim, con-
trariamente ao sacramento e com a reserva de qualifi- 63- A regeneração da natureza humana em Cristo não
car a procura na causa como sacramental. No que somente a libertou dos laços com a corrupção e com
obteve êxito André Doré, a quem só falta Deus na a morte, mas também dos ciclos cósmicos; alçou-a
história para assemelhar-se a um Pai da Igreja: "A inici- acima de sua condição anterior à queda, pela deifica-
ação ritualística conduz o ser humano a uma conversa ção e pela orientação para o Deus Pai. A regeneração
permanente com o universo, consigo mesmo, com seu e a deificação da natureza humana são realizadas em
passado, com seu presente e com seu futuro. E ainda: Cristo e acessíveis pelos sacramentos da Igreja. Por
A “revelação primitiva” é a entrevisão acidental do esses meios, pela graça do Espírito Santo que eles
universo do real, da energia subjacente ao mundo veiculam, o homem se torna em Cristo um vencedor
fenomênico que ela anima e condiciona." A Franco- do pecado, transcende o poder da corrupção e da
Maçonaria é a busca da palavra e da luz: a palavra é morte, e entra na vida do corpo de Cristo, isto é na
aquela da construção do Templo, e de seus construto- vida da Igreja. Os sacramentos capitais, ou aqueles nos
res; a luz é aquela que reside no Templo e, simbolica- quais a economia de Cristo está inteiramente resumi-
mente, difusa da loja que trabalha no Templo. da, são o batismo e a eucaristia. Pela virtude de sua
natureza e de seu objetivo, a Igreja constitui uma
61- Da Franco-Maçonaria cristã. Muito geralmente, a "comunhão de deificação".
Franco-Maçonaria contemporânea não é cristã; a
Franco-Maçonaria moderna foi descristianizada, segun- 64- Da Igreja ao Templo, sempre. Com um olho espi-
do um processo longo e imperfeito. É desejável que ritual, diz Isaac o Sírio, nós vemos os segredos da gló-
os elementos cristãos à letra que são mantidos desa- ria de Deus escondida nos seres; com o outro olho
pareçam. É essa Franco-Maçonaria de que tratamos no espiritual, contemplamos a glória da santa natureza de
decorrer desta exposição, aquela com a qual a Igreja Deus. E o mundo, diz Ephrem o Sírio, é "um oceano
encontra dificuldades. Mas regimes maçônicos se pro- de símbolos", sendo cada símbolo revelação de uma
clamam cristãos. É um caso à parte, não obstante as realidade. E ainda Maxime le Confesseur: o mistério
interferências, na problemática da Igreja e da Franco- da Encarnação do Logos contém em si todos os signi-
Maçonaria. Esses regimes, de fato, impõem o que a ficados das criaturas sensíveis e inteligíveis. Aquele
Franco-Maçonaria universal não impõe e dizem o que que conhece o mistério da Cruz e do Túmulo da cria-
não tem, segundo a Franco-Maçonaria universal, de ção do céu e da terra, segundo o Gênesis, o advento,
ser dito em loja. Tais regimes tentam realizar de ma- segundo o Apocalipse, dos novos céus e da nova ter-
neira proposital a articulação que perfaz a Franco- ra. Estamos no meio, com a Franco-Maçonaria, o
Maçonaria aos olhos de um cristão. Pois a pedra angu- Templo e a Igreja.
lar do templo maçônico são os mistérios ou cultos da
natureza, salvos da idolatria; sua pedra fundamental e N.B. Essas notas são preparatórias de um livro que
sua pedra de sustentação é o Grande Arquiteto do será publicado, Deus queira, com o mesmo título.
Universo, e no pináculo é a iniciação. Ora, o cristão Pareceu oportuno e até mesmo necessário publicá-las
sabe que além dos protótipos, dos esboços e dos em- in extenso, desde agora, tais como estão, de tão ur-
briões, Cristo é a pedra fundamental, Cristo é a pedra gente que é a gravidade do problema em questão.
de sustentação, Cristo é aquele que foi alçado ao piná- Ora, esse problema é dos mais delicados. Após uma
culo do Templo; é ele que é a Via, a Verdade e a Vida. amostra publicada na revista “l'Autre Monde”, em
O Templo se realiza, então, na Igreja. Se o cristão 1990, comuniquei, portanto, essas notas a vários cor-
franco-maçom sabe, a Franco-Maçonaria cristã afirma respondentes relacionados ou interessados, no seu
e não confunde, por exemplo, a ressurreição em Hi- uso, mas sobretudo pedindo suas observações, de que
ram, que abre para uma nova existência moral, com a uma boa nota foi tomada: um agradecimento especial
ressurreição em Jesus Cristo que confere a vida eter- a Ch. G., Cl. G., J.-F. V.. Hoje, com esse opúsculo, que
na e deidificante. Joseph de Maistre, partidário de um surgiu primeiro em folhetim na revista “L'Esprit des
regime maçônico cristão, propõe, todavia, nele admitir Choses” (nº 4/5 (1993) a nº7 (1994)) no seio de um
candidatos que não professariam o cristianismo, confi- círculo mais amplo, porém ainda especializado, é ao
ando na "ciência do homem" da qual o Regime Esco- público, como se diz, que venho solicitar que critique
cês Retificado (visto que é desse regime que se trata) essas notas.
fará do aprendiz maçom um cristão e até mesmo um Publicação do Cirem - 1995
católico romano. Centro Internacional de Pesquisas
& de Estudos Martinistas
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O homem porta desde o seio materno tais hereditari- Ora, qual foi a tua ascese? Qual método, quais ciências
edades e carrega antes da vida um destino já doloro- foram-te ensinados para sublimar teu ser?
so, e ao nascer é esmagado sob o peso destas
"tenebrosas passividades". Os que te chamaram, dos que gostavas como irmãos,
foram como amigos reencontrados, e aos que pedias
Nasce e vai receber interiormente o leite impuro des- para dirigir os teus passos para as cidades luminosas,
tas mesmas manchas e, exteriormente, de mil trata- mostraram-te, atrás de ti, o deserto.
mentos inábeis que vão deformar seu corpo mesmo
antes que seja formado. Fizeram-te compreender que qualquer obra aqui neste
plano, devia ser em ti; que demorarias 40 dias e 40
Concepções depravadas, línguas falsas e corrompidas noites em meditação para aprender a conhecer-te,
vão sitiar todas as suas faculdades e o espiar durante o distinguir os teus inimigos dos teus amigos, as hierar-
seu desenvolvimento para lhe infectar imediatamente. quias e suas forças. Fizestes a descoberta de todos os
princípios na tua alma, e devia ser assim, porque não
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teria sido renovada em todas as suas substâncias, se Sol passa ao meridiano inferior antes de surgir glorio-
não recebesses tão elevadas verdades pela tradição, se so no Oriente; antes que a vida nos penetre, é neces-
não tivesses recebido o conhecimento íntimo dos sário que o absoluto sofrimento, a aflição, a devasta-
nomes pela experiência e pelo sentir. ção congele nossas veias e destrua em nós tudo o que
tornava a sua presença impossível. É esta via de morte
Silenciosamente, esperavas por alguma mudança que que deve atravessar todo homem o mais rapidamente
amadurecesse em vós o Desejo e que o teu espírito e alguns mais penosamente, para depois se elevar às
se iluminasse. alturas celestes. É a via que seguiram os nossos Mes-
tres, é a via do verdadeiro Filósofo Desconhecido.
Lentamente, o progresso se fez; compreendestes inici-
almente um pensamento de Deus e o teu ser real, a Terminada a prova, deixas o deserto, vitorioso e mu-
tua verdadeira individualidade pode finalmente estar nido de uma clareza intelectual e de um íntimo ardor,
plenamente nele. fruto dos teus trabalhos, marchando outra vez para a
cidade dos Homens. Mas tens que te livrar dos símbo-
Um dos sinais mais vivos do teu avanço nesta via foi o los materiais; não tens mais nada em comum com eles,
dia em que pudestes provar e sentir que as coisas não vives mais este penoso sonho. Portador de armas
deste mundo não são reais; desta forma, um só mo- muito fortes e muito bem protegido contra os ataques
mento da tua vida inverteu todos teus ídolos e reve- ilusórios dos teus inimigos, não sabes mais agir no
lou a diferença que separa o mundo espiritual desta mundo da passividade; o egoísmo e a dúvida te provo-
montagem de fantasmas polimórficos, fugitivos, in- cam crises terríveis de incerteza que te paralisam e te
constantes, que compõem a região natural onde são prosternam.
vinculados aos nossos corpos. Foi a tua Iluminação.
Então, como aquele que estava orgulhoso da sua ele-
Tudo o que chamamos hoje desapareceu, tudo reto- vação se curva, volta e procura um apoio e suplica na
mou o nome universal do Ancião dos Dias. Ao Norte, noite, para que um Irmão mais experiente, mais ins-
ao Sul, ao Oriente e ao Ocidente, penetraste o espíri- truído pela possessão dos poderes de um Adepto,
to universal. Ora, depois de quatro dias como Lázaro, apareça e lhe fale.
vivificastes as tuas quatro grandes faculdades primiti-
vas. Se tais são as tuas angústias, Irmão do meu espírito,
coração unido ao meu coração, ouçamos juntos
Sem descanso e continuamente, até despertar em vós o que revelou o Mestre sobre os quatro Mestres reu-
a impetuosidade vital, que foi teu combustível, porque nidos no Jardim das Granadas.
devias expulsar de vós todos os vendedores que tives-
sem vindo estabelecer a sede do seu negócio no inte- A quatro vozes, irão cantar o cântico da alegria, ale-
rior do teu Templo. gria delirante, alegria suprema, alegria arrebatadora,
alegria que fecunda.
A continuidade do esforço, a luta diária e a tensão
permanente da alma: são as condições indispensáveis Tu que desejas saber, fala e aprende. Não é suficiente
para a iluminação espiritual. que o Homem seja um Pensamento de Deus, e é aí
que estanca a nossa Ciência, é necessário ainda que
Enquanto maiores foram os teus progressos maiores seja uma palavra. Apenas assim será regenerado na sua
foram os obstáculos que se elaboraram em teu cami- natureza original. No maravilhoso Jardim ao qual re-
nho. tornamos ninguém se perde em contemplações imó-
veis, mas sim na luz perpétua, é uma ativa e contínua
Em ti mesmo, os interrogadores, os céticos e interlo- criação. O pensamento não pode se afirmar sem criar
cutores estéreis se acercaram para lançar a perturba- ao redor de si uma série de seres que formam as suas
ção na tua razão e os milagres que te pediram, realiza- operações e que tornam as suas faculdades ativas. A
dos ou recusados, deixaram-te mais fraco na frente morte e as palavras de destruição são desconhecidas,
deles. Sofrestes as tentações, as ameaças, as provas, porque a vida flui e ultrapassa os muros em flores do
antes de deixar o teu deserto. Jardim. Desafortunados os Profetas que ensinam as
doutrinas do terror, do ódio e da destruição: fujam
Mas foi uma feliz e forte batalha e isto porque conhe- aqueles que desprezam a carne e o sangue, a Alma em
cias a Lei. plenitude das suas formas, pois que todas as promes-
sas serão realizadas e a regeneração é uma obra viva.
É ao preço de grandes sofrimentos que se faz a Rege-
neração. Amai, falai e agi. Ao redor de ti, de todos os lados,
nascem guerreiros para apoiar os teus esforços; hoje,
Todos os símbolos, todas as tradições ensinam-nos. O poetas, os vossos Irmãos, estão na rua. Falam sobre
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Contos Espirituais
reuni-las em um todo.”
“Lembra-te de mim, quando entrares no teu reino”.
A Purificação
E conseguiu na morte, de um moribundo, o que em
vida jamais conseguira dos vivos. E pelo pouco que
pediu, recebeu o muito que não ousara pedir: “Ainda Um jovem monge, que vivia num mosteiro no deserto,
hoje estarás comigo no paraíso”. sentindo-se pouco inteligente e incapaz de guardar os
ensinamentos espirituais recebidos, procurou o seu
Sobre as cabeças da multidão ululante trava-se então, mestre e disse-lhe:
de cruz a cruz, entre dois moribundos, uma amizade
sincera, sagrada e eterna. - Mestre, grave desgosto me acabrunha. Apesar dos
esforços constantes que faço, não chego a conservar
Amizade entre um homem divino e um homem mau na memória, durante muito tempo, as instruções que,
que queria ser bom, e que se faz bom pelo amor da- para boa conduta na vida, recebo dos mestres. Vão,
quele que é, que foi e que será. também, para o esquecimento, os trechos mais belos
que leio, diariamente, nos Santos Evangelhos!
Hoje, ao lado do Cristo Glorioso há um homem Glo-
rificado! O Mestre, que tinha em sua cela dois cântaros vazios,
disse-lhe:
O que é a vida? - Meu filho, toma um daqueles cântaros; joga-lhe um
pouco d’água; lava-o depois cuidadosamente; enxuga-o
Um discípulo perguntou à seu Mestre: “Mestre: o que com teu próprio hábito e deixa-o ficar no lugar em
é a vida?”. que está.
E o Mestre respondeu: “Vai para a rua, caminha por Maravilhado, embora, com tais palavras, fez o jovem
elas e visita as três primeiras tendas que encontrares”. monge exatamente o que o mestre lhe determinara.
O discípulo entrou na primeira tenda que encontrou e Concluída a tarefa, o mestre perguntou-lhe qual dos
viu que as pessoas trabalhavam com metal. cântaros estava mais limpo, mais claro e puro.
Entrou na segunda tenda e viu que as pessoas traba- O jovem monge tomou nas mãos o cântaro que aca-
lhavam com cordas. bara de enxugar e respondeu: - Este, por certo, está
Entrou na terceira tenda e viu uma carpintaria. mais limpo. Lavei-o com muito cuidado.
O discípulo pensou então: “será que isso é que é a Retorquiu, então, o mestre: - E, no entanto, repara
vida? bem, meu filho, esse cântaro não mais retém vestígio
algum da água que o purificou. Também aquele que
Voltou para o Mestre para ser esclarecido e este lhe ouve, confiantemente, a palavra de Deus, embora não
disse: “Agora você encontrou o caminho para desco- grave na memória o teor dos santos ensinamentos,
brir a vida e um dia compreenderás”. traz o coração tão puro como um cântaro lavado.
à frente do nariz, não se via absolutamente nada. Tudo E VOCÊ? Está segurando firmemente sua corda?
era escuridão, zero de visibilidade, não havia lua, e as
estrelas estavam cobertas pelas nuvens. POR QUE VOCÊ NÃO A SOLTA?