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166 RESENHAS REVIEWS

Capitalismo histórico e civilização capitalista. cadeias mercantis que escapam, e muito, dos espa-
Immanuel Wallerstein, Rio de Janeiro: Editora ços políticos e geográficos nacionais, fazendo com
Contraponto, tradução de Renato Aguiar, re- que a desigualdade geral do sistema passasse tan-
visão da tradução de César Benjamin, 2001, tas vezes despercebida. Nas palavras do autor:
144 p. “A troca desigual é uma prática antiga. O que é
notável no capitalismo como sistema histórico é a
Isabel Brasil Pereira maneira como essa troca desigual pode ser escondi-
Coordenadora Editorial da revista da; foi tão bem escondida que até mesmo os oponen-
Trabalho, Educação e Saúde tes confessos do sistema só começaram a desvelá-la,
<revtes@fiocruz.br> de forma sistemática, quinhentos anos depois. A cha-
ve para entender esse mecanismo central está na pró-
pria estrutura da economia-mundo, na aparente se-
Não poderia ser mais oportuno o lançamento des- paração, nesse sistema, entre o espaço da economia
te livro de Immanuel Wallerstein no Brasil. Trata- (uma divisão social mundial do trabalho com proces-
se de um resumo, claro e conciso, de um grande es- sos produtivos integrados, todos operando em nome
tudo intitulado The modern world system, onde es- da acumulação incessante de capital) e o espaço da po-
te intelectual americano, nascido em 1930, Diretor lítica (organizado ostensivamente em torno de Esta-
do Centro Fernand Braudel para Estudos de Econo- dos soberanos e separados, cada qual com responsabi-
mias, Sistemas Históricos e Civilizações (EUA), lidade autônoma por decisões políticas no interior de
analisa a formação histórica do capitalismo nos úl- sua jurisdição, todos dispondo de forças armadas pa-
timos quinhentos anos como um sistema de alcan- ra sustentar sua autoridade)” (p. 29).
ce mundial e suas expressões nas esferas econômi- No processo de sua formação histórica, o capi-
ca, política e cultural-ideológica. talismo não tem cessado de expandir sua base geo-
No centro da análise, temos as categorias de sis- gráfica, acompanhado pela necessidade de trans-
tema-mundo e economia-mundo na formação históri- formação de tudo em mercadoria, de uma contínua
ca do capitalismo, que tem seu início marcadamente acumulação de lucro, de uma forte proletarização
na Europa Ocidental e em parte das Américas e que, e de inovações tecnológicas que, para o autor, “tem
já desde o século XIX, inclui todo o planeta. Ao lon- sido menos o motor do que a conseqüência do capita-
go de sua formação, mostra Wallerstein, mudam os lismo histórico” (p. 35). Na sua busca incessante
centros hegemônicos do capitalismo, mas há sempre por mão-de-obra barata e lucros maiores, o capita-
posições centrais e periféricas, avançadas e depen- lismo avançou pelo mundo afora e criou sua civili-
dentes. A conclusão que daí deriva vai contra todo zação histórica, que é julgada por Wallerstein com
otimismo pregado por desenvolvimentistas tradicio- extrema severidade:
nais, que acreditam no desenvolvimentismo como “Longe de ser uma sistema natural, como alguns
um processo nacional, diante de um sistema-mundo apologistas tentaram argumentar, o capitalismo his-
da economia global formada pelo capitalismo, co- tórico é um sistema patentemente absurdo. Acumu-
locando a impossibilidade de países mais atrasados la-se capital para que se possa acumular mais capi-
alcançarem níveis evolutivos compatíveis com os tal. Os capitalistas são como ratos brancos em uma
países ricos e mais desenvolvidos. Destarte, como roda de gaiola, correndo cada vez mais rápido para
o jogo de posições no sistema-mundo do capitalis- poder correr cada vez mais rápido. Nesse processo,
mo não tem base nacional, seja na esfera das políti- algumas pessoas vivem bem, mas outras vivem mi-
cas públicas, seja na estrutural-social ou na de va- seravelmente; e por quanto tempo e até que ponto vi-
lores culturais, resulta que a economia-mundo, vem bem aqueles que vivem bem? Quanto mais re-
mesmo que sempre contraditória e crítica, tem uma fleti sobre esse sistema, mais absurdo ele me pare-
hierarquia constante, embora, entre eles, os Estados ceu. Acredito que a grande maioria das populações do
hegemônicos possam trocar de posição. Ou seja, a mundo esteja – objetiva e subjetivamente – em pio-
formação do capitalismo é indissociável de um sis- res condições materiais do que nos sistemas históri-
tema interestatal, nunca é de Estados nacionais iso- cos anteriores” (p. 38).
lados e independentes, capazes de controlar o pro- A conseqüência dessa análise é clara: “o capita-
cesso básico do desenvolvimento econômico. lismo histórico entrou em sua crise estrutural no co-
Assim sendo, o capitalismo sempre foi uma meço do século XX e provavelmente morrerá, como sis-
economia-mundo baseada em trocas desiguais, em tema histórico, no século próximo. É difícil prever o

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que acontecerá. O que podemos fazer agora é analisar da, critica a idéia de progresso, fundamental na for-
as dimensões da crise estrutural e tentar perceber para mação do mundo moderno. Que essa idéia tenha
que direções a crise sistêmica está nos levando” (p. 79). sido defendida pelos liberais, interessados na mer-
Notável posição crítica, inclusive reafirmando a cantilização de tudo, entende-se. Mas é menos in-
tese de que “A civilização capitalista terminará; este teligível a defesa apaixonada que alguns marxistas
sistema histórico específico não existirá mais” (p. fizeram da mesma noção de progresso, que passou a
142), em uma época em que o capitalismo tem sido justificar tanto o capitalismo quanto o socialismo,
vendido como forma final da História e as políticas fazendo com que a adesão marxista ao modelo evo-
neoliberais apresentadas como panacéia universal, lucionário de progresso tenha sido uma enorme ar-
que promoveriam a igualdade entre os povos via madilha. O mesmo vale para os processo de raciona-
“mercados livres”, a cultura pós-moderna tem sido lidade e racionalização, inseparáveis da formação do
aceita como forma “aberta” e “plural”, capaz de in- capitalismo histórico como sistema-mundo, que fi-
tegrar as diferenças culturais, religiosas, étnicas, se- zeram da verdade um verdadeiro ópio. Defendendo
xuais e de classe. Com muita precisão, Wallerstein e propagando um universalismo neutro, para o qual
indica que a divisão internacional do trabalho, den- todos deveriam ser educados, as noções de moder-
tro do sistema-mundo que é a economia capitalista, nização e de ocidentalização funcionaram como pi-
vai acompanhada de uma divisão étnica do trabalho, lares do capitalismo histórico. Administradores,
reservando posições específicas para certos grupos cientistas, técnicos e educadores foram formados
na divisão do trabalho e no acesso aos postos de tra- nessa nova fé universal, da competência e do pro-
balho e às oportunidades econômicas, fazendo com gresso, da verdade científica, funcionando como
que um dos pilares da formação do capitalismo his- gerentes ativos de algo bem diferente: “a ênfase na
tórico tenha sido o racismo institucional (p. 67). Não racionalidade da atividade científica serviu para
apenas uma divisão étnica do trabalho, mas também mascarar a irracionalidade da acumulação incessan-
formas de divisão sexual, separando os trabalhado- te” (p.73). Do ponto de vista da área Trabalho,
res e suas posições no sistema. Como é fácil perce- Educação e Saúde, não fica difícil perceber os pon-
ber, uma posição crítica e articulada, bem diferente tos de apoio críticos fornecidos pelas análises de
do liberalismo abstrato e do relativismo que acom- Imanuel Wallerstein. Merece destaque a linguagem
panham certas análises, em nossos dias, sobre a re- crítica, clara e acessível do autor, explicitando con-
lação cultura e trabalho. ceitos que costumam ser apresentados – principal-
Com igual acuidade, já encontrada anterior- mente por intelectuais aderentes ao existente – de
mente nos frankfurtianos, Wallerstein, intelectual maneira cifrada. A linguagem utilizada por Wal-
americano significativo no pensamento de esquer- lerstein e a tradução bem feita possibilitam a leitu-
ra deste livro por jovens e maduros pesquisadores.

Documentos de identidade; uma introdução Esse movimento traz implicações que certa-
às teorias do currículo. Tomaz Tadeu da Sil- mente merecem ser analisadas, mas, de antemão, é
va. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1999, pertinente questionar o quanto deste esforço pela
156 p. expansão dos processos de qualificação, freqüente-
mente impulsionado pelo anseio de adequação dos
Angélica Ferreira Fonseca trabalhadores às mudanças nos processos de tra-
Coordenadora Editorial da revista balho decorrentes da velocidade de produção e in-
Trabalho, Educação e Saúde corporação de inovações tecnológicas, vem sendo
<revtes@fiocruz.br> acompanhado por um diálogo com os referenciais
teóricos próprios do campo da educação.
Certamente o livro Documentos de Identidade;
No campo da saúde, é cada vez maior a freqüência uma introdução às teorias do currículo, de Tomaz
de propostas de qualificação profissional cuja res- Tadeu da Silva – professor do Programa de Pós-
ponsabilidade de implementação está exclusiva- Graduação em Educação da Universidade Federal
mente a cargo de entidades tão diversas quanto hos- do Rio Grande do Sul (UFRGS), envolvido, há mais
pitais, conselhos municipais e secretarias de saúde. de duas décadas, com as discussões do campo edu-

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cacional – é extremamente interessante como intro- ticularmente expressos nas construções discursi-
dução, tal qual o próprio título informa, às discus- vas para a elaboração de análises sociais.
sões teóricas do campo social, filosófico e educacio- Em relação ao primeiro conjunto de teorias, a
nal que abordam diretamente a questão do currí- grande transformação frente às teorias tradicionais
culo ou que, a despeito deste enfoque, conduziram se opera pelo profundo questionamento quanto à
a diferentes formas de se pensar sobre o tema. naturalização dos conhecimentos que compõem o
Poderíamos dizer que, através desse texto, en- currículo e as estruturas educacionais. Enquanto
contramos uma colaboração consistente ao objetivo as teorias tradicionais, com base nos princípios da
de elaborar de forma consciente uma fundamenta- administração taylorista, tomariam como dado os
ção teórica que se faz necessária enquanto base conhecimentos em torno dos quais se estabelecia o
para a reflexão/ação do educador que se pretende status quo, concentrando-se na dimensão tecnocrá-
crítico. tica do currículo, as Teorias Críticas viriam investir
Ao longo do livro, dividido em duas partes, ca- no desenvolvimento de conceitos que permitissem
da uma contendo nove textos breves, o autor apre- compreender o modo pelo qual dinâmicas sociais
senta um mapeamento das principais contribui- de dominação se implementam também através
ções, ora referidas a autores específicos, ora a mo- dos processos educacionais e curriculares, confor-
vimentos intelectuais, que proporcionam uma com- mando uma estreita conexão entre saber e poder.
posição de certa pluralidade teórica que nos ajuda Ao relembrar que a teorização curricular re-
a refletir sobre o lugar do currículo nos processos cente ainda vive do legado das teorias críticas, o
de produção e reprodução social. autor indiretamente nos indica o interessante exer-
Na introdução, Tomaz Tadeu renuncia à preten- cício de identificar alguns conceitos que impulsio-
são de objetividade mostrando-se favorável a abor- naram estas reflexões e que permanecem fortemen-
dar a questão do currículo não a partir da noção de te presentes nas análises sobre currículo.
teoria, que estaria comprometida com um conceito Observa-se, assim, que a partir das teorizações
de verdade, mas da noção de discurso, compreen- críticas de base marxista, a questão da desigualda-
dido como um modo particular de definição, pro- de – tomada como fenômeno vinculado à injustiça
duzindo, assim, uma certa concepção de currícu- – se estabeleceu nesse campo de discussão. A preo-
lo. Ao argumentar a favor da segunda alternativa,o cupação em compreender, na perspectiva de trans-
autor implicitamente sugere ao leitor que também formar, os contextos através dos quais a escola
seu texto deva ser tomado como um modo parti- atuava de forma discriminatória em relação às clas-
cular de valorar, representar e articular as cons- ses trabalhadoras mobilizou a produção de autores
truções teóricas que ele destaca como centrais à das denominadas teorias críticas, como Bordieu,
reflexão sobre o currículo. Fica ao leitor o convite, Passeron, Michel Apple, Paulo Freire, por exemplo,
reforçado pela clareza do texto e pela abrangência e de correntes de pensamento como a Nova Sociolo-
das questões postas em pauta, a atuar como co-au- gia da Educação. A atenção à questão da desigual-
tor, reformulando, através da leitura, as conexões, dade/dominação foi preservada no conjunto das
entrelaçamentos, contraposições e transformações Teorias Pós-Críticas, influenciando vigorosamente
que os conceitos de cada teoria produzem entre si. as referências de análise de vertentes teóricas, tais
Como “sinalizadores” da renovação da teoria como a pedagogia feminista, pós-colonialista e o
educacional/curricular, o autor apresenta dois des- multiculturalismo. Entretanto, diferentemente da
locamentos, que, em grande parte, definem a orga- perspectiva promovida pelas Teorias Críticas em
nização do livro. O primeiro intenso deslocamento, relação às Teorias pós-críticas, constata-se uma re-
e que constitui a primeira parte do livro, seria pro- cusa à idéia de emancipação como contraponto à
porcionado pelas Teorias Críticas ao demarcar o dominação, na medida em que não admite a exis-
campo do currículo como espaço de poder, ou se- tência de uma essência humana a ser recuperada.
ja, de luta por hegemonia em torno de projetos de Outro exemplo de proposição teórica que vem
escolarização, onde estão situados e em movimen- expressar o poder de rearticulação e reconstrução
to as antinomias imposição/resistência e domínio/ de determinadas concepções quando incorporadas
oposição. O segundo deslocamento seria ocasiona- a um novo cenário de questões é a afirmação do
do pelas teorias Pós-Críticas ao descentrar a ênfase currículo como artefato histórico. Uma abordagem
nas dinâmicas de classe e consolidar a importância histórica que enfatiza o caráter de construção social
dos processos de produção de subjetividade, par- do currículo ingressou de modo pungente no deba-

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te educacional através da Nova Sociologia da Edu- permite registrar é que, ao estruturar uma aborda-
cação. A crítica dirigia-se à forma pela qual as cate- gem pedagógica que ressignifica a cultura, tradu-
gorias curriculares, pedagógicas e avaliativas fo- zindo-a como o contexto existencial em articulação
ram naturalizadas pela teoria educacional e pelos com o contexto social, Paulo Freire traz a experiên-
educadores, apontando para o fato de que sua des- cia de vida dos educandos e, portanto, a dimensão
naturalização deveria seguir um itinerário de refle- cultural dessa existência para o centro do processo
xão que promovesse a compreensão dos interesses pedagógico. Consubstanciada no conceito de edu-
e valores sociais postos em jogo no processo seleti- cação problematizadora, Paulo Freire apresenta al-
vo característico das construções curriculares. Es- ternativa teórico-metodológica para a superação
ta contribuição inspirou também os Estudos Cul- do freqüente fracasso dos processos de educação
turais e as teorias influenciadas pela perspectiva de adultos.
pós-estruturalista. Essa formulação sobre a cultura continha uma
Outro debate instigante em que o livro nos en- contestação explícita à excessiva valorização das
volve diz respeito ao modo como as diferentes teo- tradições culturais dos grupos dominantes, em de-
rias consideram a relação entre cultura acadêmica trimento do universo cultural dos grupos subordi-
e escolar, cultura popular e cultura de massa. Não nados. Tal elaboração, que perpassa Teorias Críti-
vamos nos deter aqui na discussão sobre a qualida- cas e Pós-críticas, aponta para um desenho curri-
de dos vínculos entre as dinâmicas do campo so- cular coerente com um projeto político-pedagógi-
cial e campo cultural, abordada por Tomaz Tadeu, co apoiado em princípios democráticos. A cena
mas somente focalizar como determinadas corren- educacional é assim pontuada por novas análises,
tes teóricas contribuem para integrar a cultura po- nas quais as experiências culturais consideradas
pular no contexto pedagógico. estão para além da produção reconhecida pelas eli-
Ao colocar em questão a visão elitista segundo tes tradicionais.
a qual do campo cultura estariam excluídas as ma- Finalizando, destacamos que o livro de Tomaz
nifestações populares, postulando o reconhecimen- Tadeu tem o mérito de provocar, mesmo em leito-
to da cultura como “forma global de vida ou expe- res pouco familiarizados com o campo teórico da
riência vivida de um grupo social” (p. 133), o cam- educação, a experiência de um diálogo que estimu-
po denominado Estudos Culturais contribuiu para la o desejo de continuidade através de outros tex-
consolidar, no campo educacional, uma perspecti- tos. Além disso, impulsiona aqueles que se com-
va antropológica de cultura que tem grande reper- prometem com as práticas educativas a reconhecer
cussão nas diversas vertentes teóricas. a complexidade desse objeto e retomar uma inda-
É especialmente relevante, nesse conjunto de gação que nos parece fundamental: afinal, que so-
reflexões, o papel de Paulo Freire, cuja influência ciedade pretendemos construir e que lugar reser-
extrapolou o âmbito nacional. O que o texto nos vamos nessa sociedade para a escola?

Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às põe a analisar a incorporação da obra do psicólo-


apropriações neoliberais e pós-modernas da go Lev Semenovich Vigotski (1896-1934) ao uni-
teoria vigotskiana. Newton Duarte, Campi- verso ideológico neoliberal e pós-moderno e sua
nas: Autores Associados, 2000, 269p. conseqüente desvinculação da matriz teórica mar-
xista.
Carla Macedo Martins Segundo o livro, este processo ocorre através
Coordenadora Editorial da revista da aproximação da teoria vigotskiana a dois ideá-
Trabalho, Educação e Saúde rios externos – e opostos – à mesma: de um lado, a
<revtes@fiocruz.br> pedagogia do “aprender a aprender”, oriunda da
concepção psicológica e epistemológica construti-
vista de Piaget; e, de outro, o relativismo cultura-
Como o título indica, o livro Vigotski e o “apren- lista, centrado nas interações lingüísticas intersub-
der a aprender”: crítica às apropriações neolibe- jetivas e representado especialmente pelo neoprag-
rais e pós-modernas da teoria vigotskiana se pro- maticismo de Putnam e Rorty.

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Para Duarte, o lema “aprender a aprender” é portante o aluno desenvolver um método do que
um representante das pedagogias que retiram da aprender os conhecimentos descobertos e elabora-
escola a tarefa de transmissão do conhecimento so- dos por outros; a atividade do aluno deve ser im-
cial objetivo. Esta concepção pedagógica se aproxi- pulsionada pelos interesses do próprio; e a educa-
ma – e até se confunde – com o pós-moderno, pois, ção deve preparar os indivíduos para acompanha-
para este último, de forma semelhante aos ideários rem a sociedade em acelerado processo de mudan-
construtivistas, o conhecimento estaria centrado ça. Ainda neste capítulo, o autor analisa tais posi-
nas estruturas de percepção e ação do sujeito e na cionamentos em dois discursos oficiais (o Relató-
sua capacidade de se adaptar a novos ambientes. rio para a Unesco da Comissão Internacional sobre
Assim, a equivalência entre o pensamento vi- Educação para o Século XXI e os Parâmetros Curri-
gotskiano e o ideário do “aprender a aprender” culares Nacionais).
tem como conseqüência a transformação do pri- No segundo capítulo, Duarte revisa as caracte-
meiro em um instrumento útil para o esvaziamento rísticas do universo ideológico neoliberal e pós-
do processo educacional escolar, cuja importância moderno. Tais características podem ser resumidas
e centralidade são postas à prova exatamente pelo a um relativismo epistemológico e a uma redução
ideário pós-moderno. Por este caminho, Duarte de- da realidade à interação semiótica. O autor indica
monstra uma questão central em sua investigação: que o fato de ambas as teorias – a vigotskiana e a
a aproximação de Vigotski aos ideários pedagógi- pós-moderna – considerarem a centralidade do so-
cos do “aprender a aprender” implica uma apro- cial não implica uma equivalência entre ambas: a
priação deste estudioso ao pós-moderno e ao neo- questão é como o social é focalizado.
liberalismo. A historicidade do ser humano e o esvaziamen-
Quanto à segunda questão, o autor inicia a dis- to da individualidade na sociedade capitalista con-
cussão observando que o relativismo culturalista, sistem no tema do terceiro capítulo. O autor consi-
com sua ênfase nas interações lingüísticas intersub- dera a análise de Marx da passagem do pré-capita-
jetivas, é bastante caro ao pós-moderno – ou, nas lismo ao capitalismo, em que ocorre a substituição
palavras do autor, ao “niilismo pós-moderno”. A das relações interpessoais por aquelas medidas
aproximação do pensamento vigotskiano com o re- apenas pela mercadoria, a separação entre trabalho
lativismo culturalista como uma forma de incorpo- e capital, e a substituição do conhecimento especí-
rar este pensamento ao ideário pós-moderno é, as- fico pela capacidade de trabalho abstrata. Duarte
sim, evidente. Portanto, traduzir a dimensão social conclui que a valorização do aprender a aprender é
da mente presente em Vigotski em termos de uma um resultado deste processo, por produzir um pro-
ênfase nas interações intersubjetivas resulta em cesso pedagógico que visa a uma adaptabilidade às
uma apropriação pós-moderna do pensamento vi- alterações do capitalismo.
gotskiano. No quarto capítulo, que podemos considerar o
A apropriação de Vigotski por estes dois uni- ápice da discussão, o autor defende uma leitura
versos é discutida a partir da literatura do campo marxista da obra de Vigotski. Para tal, ele parte da
da educação, ao longo dos seis capítulos compo- análise das estratégias de incorporação do pensa-
nentes do livro, intitulados “O lema ‘aprender a mento vigotskiano ao ideário pós-moderno e neo-
aprender’ nos ideários educacionais contemporâ- liberal. Duarte não só coteja edições da obra de Vi-
neos” (capítulo 1); “Neoliberalismo, pós-modernis- gotski com as traduções ocidentais, como também
mo e construtivismo” (capítulo 2); “A historicidade identifica o que poderíamos rotular de “estratégias
do ser humano e o esvaziamento da individualida- discursivas da incorporação do pensamento vigots-
de na sociedade capitalista” (capítulo 3); “Em defe- kiano”.
sa de uma leitura marxista da obra de Vigotski” (ca- O resultado desta análise é uma sistematização
pítulo 4); “A crítica radical de Vigotski a Piaget” de tais estratégias em três esferas. A primeira resi-
(capítulo 5); e “A psicologia de Piaget é sociointera- de em separar Vigotski de outros autores da psico-
cionista” (capítulo 6). logia sócio-histórica soviética, especialmente Luria
No primeiro capítulo, o autor identifica quatro e Leontiev. A segunda estratégia seria substituir o
posicionamentos valorativos do lema ‘aprender a que escreveu Vigotski pelo que escreveram seus in-
aprender’ nos ideários educacionais contemporâ- térpretes e pelas traduções resumidas – censuradas
neos: a aprendizagem que o indivíduo realiza por – dos textos vigotskianos. Por fim, a terceira estra-
si mesmo é tida como a mais desejável; é mais im- tégia consiste em enquadrar a defesa da distinção

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entre Piaget e Vigotski como um anticientificismo, (p. 163). Tal estilo resulta em um aprofundamento
como um dogmatismo ou, ainda, como um descom- da crítica às incoerências e estratégias discursivas
promisso com “soluções pragmáticas eficazes para identificadas, pelo autor, no material analisado –
os problemas educacionais”. Considerando o con- ou seja, em seus oponentes.
ceito de trabalho, o autor conclui este capítulo pro- Em suma, o livro desvela os mecanismos dis-
vando que a teoria vigotskiana é marxista. cursivos de reelaboração das teorias vigotskianas
No quinto capítulo, discute-se a crítica – rotu- pelo ideário pós-moderno, através da análise da
lada pelo autor de “radical” – de Vigotski a Piaget. apropriação destas teorias ao construtivismo. Em-
Duarte indica, pela análise da edição completa do bora não seja seu principal objetivo, o livro contri-
texto da obra de Vigotski intitulada Pensamento e bui ainda para resgatar e revisar o pensamento da
linguagem, a distância entre as perspectivas teóri- chamada escola soviética de psicologia.
cas destes dois cientistas. Ambas as contribuições são essenciais para es-
Por fim, no sexto capítulo, o autor busca pro- tabelecer demarcações conceituais relevantes no
var que a psicologia de Piaget é sociointeracionis- cenário acadêmico contemporâneo, inclusive em
ta. Este capítulo desempenha, na linha de análise áreas de conhecimento que não a educacional. O
traçada por Duarte, a função de demonstrar que o pensamento da escola soviética de psicologia tem
pensamento de Piaget não carece do complemento sido revigorado no campo dos estudos sobre situa-
da dimensão sociointeracional, o que indica, mais ções concretas de trabalho, servindo de base, por
uma vez, o equívoco pós-moderno ao defender a exemplo, para a chamada ‘Teoria da Atividade’ (Ac-
necessidade de amalgamar Piaget e Vigotski para a tivity Theory). Esta abordagem enfoca os processos
solução dos problemas educacionais. cognitivos presentes no trabalho, especialmente
Podem-se destacar duas características da cons- no que diz respeito à implementação de novas fer-
trução textual do livro de Duarte. A primeira é o ramentas (como o computador), buscando também
seu caráter reiterativo. Mesmo nos capítulos em uma aproximação entre o pensamento vigotskiano
que o autor apresenta os princípios do pensamen- e diferentes matrizes teóricas. Portanto, as demar-
to neoliberal (segundo) ou a análise marxista ao ca- cações conceituais delineadas pelo livro de Duarte
pitalismo (terceiro), Duarte tece considerações so- são fundamentais não só para os profissionais do
bre Vigotski e outros representantes da escola da campo da pesquisa educacional, mas também para
psicologia sócio-histórica soviética. Se tais consi- os que se dedicam à análise dos processos sócio-
derações servem para lembrar-nos o tema em ques- histórico-cognitivos inerentes aos contextos con-
tão, este recurso resulta, em alguns trechos, em cretos de trabalho.
uma repetição excessiva dos pontos defendidos. Por fim, ao oferecer um exemplo contundente
Uma segunda característica é o estilo irônico e de uma tentativa de neutralização entre concep-
enfático com que o autor trata as estratégias dos ções teórico-metodológicas divergentes, a obra sus-
que se apropriam do pensamento vigotskiano. Por cita, em nós, uma dedução quase inevitável: esta
exemplo, Duarte descreve com tintas tragicômicas tentativa de neutralização, contraditoriamente,
a proposta pós-moderna de cindir Vigotski e ou- emerge em um contexto social e acadêmico de (su-
tros autores da psicologia sócio-histórica soviética: posta) valorização das diferenças. O pós-moderno,
“trata-se de apresentar o trabalho de Vigotski como a portanto, ao sublimar o pastiche, pode resultar em
odisséia de um pesquisador abandonado até mesmo uma pasteurização do conhecimento. O livro de Du-
por seus colaboradores próximos, mas que, apesar arte nos oferece importantes ferramentas analíticas
de viver no próprio centro do mundo socialista, man- para discutir estes processos sócio-discursivos con-
teve os laços com a comunidade científica interna- temporâneos, dos quais a pesquisa educacional não
cional, e acabou por receber o justo reconhecimento” está, de forma alguma, isenta.

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