Moçambique
Sexuality and Gender Politics in momento heroico de construção do socialismo
pós-colonial em África. A autora emprega-se
Mozambique: Rethinking Gender como socióloga na Organização da Mulher
in Africa Moçambicana (OMM), a organização política
surgida em 1973 como desdobramento da
ARNFRED, Signe. participação das mulheres na Luta de Liber-
tação Nacional, configurada, a partir de 1965,
Suffolk: Nordiska Afrikainstitutet; Uppsala: por meio da criação do Destacamento Femi-
James Currey, 2011. 310 p. nino do exército popular de libertação nacional.1
Trabalhando até 1984 na OMM, principalmente
num grande esforço investigativo, preparatório
para a Conferência Extraordinária da Organiza-
ção, realizada em novembro desse mesmo ano,
Em um momento crítico do desenvolvimen- Arnfred pôde viajar pelo país e estabelecer
to de meus próprios estudos sobre Moçambique, contatos com dezenas de grupos de mulheres,
o livro de Signe Arnfred me chegou às mãos. Eu escutando suas demandas e discutindo seus
me via então encalacrado com os obstáculos problemas. Essa experiência marcou a perspec-
conceituais que me faziam prisioneiro, frutos tiva crítica da autora e tornou transparentes as
espúrios de uma trajetória que buscava passagem contradições da política frelimista no que se
em meio à teoria antropológica clássica referia às mulheres e às relações de gênero.
(estrutural-funcionalista) em direção a um ponto Na abertura da primeira Conferência da
de vista crítico que refletisse, na interrogação Mulher Moçambicana, realizada em março de
sobre as relações de gênero e sexualidade, a 1973, portanto antes ainda da Independência,
superação do momento colonial em África. Samora Machel realiza discurso histórico: “A
Ora, a trajetória de pesquisa, o compromisso libertação da mulher é uma necessidade da
político e a reconfiguração conceitual que Signe revolução, garantia de sua continuidade, condi-
Arnfred descreve e sustenta em seu denso livro ção do seu triunfo”. A OMM, entretanto, jamais
mostraram em um só percurso a própria supera- se alinhou com uma perspectiva feminista;
ção crítica que buscava, como modelo de des- inversamente, o feminismo foi visto como uma
colonização de minha própria perspectiva sobre ideologia burguesa, alienígena e abrigo para
gênero e sexualidade, parentesco e casamento. mulheres “liberadas” que usavam minissaia e
Desiderato de uma relação de mais trinta anos praticavam o amor livre.
com a sociedade moçambicana, uma relação, A crítica de Arnfred, sociologicamente
convém dizer, baseada no envolvimento pessoal fundamentada, incide então sobre as contra-
com os problemas e as lutas das mulheres mo- dições do projeto modernizante da Frente de
çambicanas, o livro documenta tanto a própria Libertação de Moçambique (Frelimo), aprisiona-
trajetória de descolonização conceitual da do por determinada compreensão das relações
autora quanto as mudanças no cenário político de gênero, em grande medida devedora da
moçambicano, resultantes da transição entre o formação inicial das subjetividades e dos valores
período socialista, marcado pelos slogans dos principais líderes frelimistas, educados em
“abaixo” (ao tribalismo, à poligamia, ao feu- missões cristãs. Como Eduardo Mondlane,
dalismo, aos curandeiros, ao lobolo, aos ritos de primeiro presidente da Frelimo, educado na
iniciação), com sua sanha por modernização e missão suíça de Rikatla, onde cem anos antes
racionalização da sociedade, até o presente foi professor e diretor o etnólogo missionário Henri
período neoliberal, marcado pelo programa de Junod.2 Poderíamos sintetizar o conteúdo do livro
reestruturação econômica, ou “structural a partir de três eixos: gênero e modernização;
adjustment”, imposto pelo Banco Mundial no anos limites do feminismo ocidental; e sexo subversivo.
1990. A participação da autora na conferência
Arnfred chega a Maputo em 1981, acom- extraordinária da OMM foi um divisor de águas.
panhada do marido, ela feminista, ambos A compreensão êmica sobre o papel dos ritos
militantes socialistas, buscavam participar do de iniciação, e de outras práticas tradicionais,